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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ADRIANE MUSSI

A INFLUÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA NA CONSTRUÇÃO DA


SEXUALIDADE HUMANA

CURITIBA
2019

ADRIANE MUSSI

A INFLUÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA NA CONSTRUÇÃO DA


SEXUALIDADE HUMANA

Monografia apresentada como requisito


parcial para conclusão do curso de
Psicologia, do Departamento de
Psicologia, Setor de Ciências
Humanas, da Universidade Federal do
Paraná.

Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Norma da Luz Ferrarini

CURITIBA
2019

AGRADECIMENTOS

À Fernanda, por ter me apresentado a temática da sexualidade, por ser


uma grande incentivadora de minha trajetória profissional e por vibrar a cada
conquista minha. Seu amor pela profissão me inspira. Obrigada pela sempre
amizade.

À Professora Norma, por todas as oportunidades que me proporcionou


na área da sexualidade na UFPR. Pela paciência e carinho ao me orientar.
Obrigada por me ajudar a me encontrar profissionalmente e por dividir tantos
momentos importantes comigo.

À minha família, por todo o apoio e compreensão. Meus estudos seriam


inviáveis sem todo o auxílio que recebi. Não há palavras para expressar
tamanha gratidão.

Ao André, por estar ao meu lado a cada momento difícil e por me


incentivar e compreender a importância destes estudos para mim.

À Amanda, grande artista que, com seu olhar sobre a sexualidade, me


ensinou novas formas de ver o mundo. Obrigada pelo companheirismo.

À Carolina, por acompanhar de perto meus estudos, ler meus textos e


sempre me incentivar a buscar o melhor.

Aos amigos que me acompanham há anos e que pacientemente me


ouviram declinar vários convites, me incentivando a concluir esta graduação.

RESUMO

O presente trabalho busca analisar a influência da Igreja Católica na


construção da sexualidade humana, desde a pré-história até os dias atuais,
entendo este processo como uma construção sócio-histórica. Isto porque a
sociedade ocidental pauta-se em diversos preceitos católicos para afirmar o
que é permitido e o que é proibido aos homens e às mulheres, e, assim, se
torna importante verificar como tal construção ocorreu para entender por quais
motivos a sociedade organizou-se tal como está atualmente. O método
utilizado foi o de pesquisas teóricas e revisão de literatura. Concluiu-se a partir
deste estudo que o amor e a visão da mulher na sociedade foram se
modificando conforme cada período histórico e que há reflexos disso em toda a
estrutura social, inclusive nos ditames jurídicos.

Palavras-chave: Igreja Católica, Sexualidade, Gênero, Mulher.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………….... 6

2 PRÉ - HISTÓRIA……………………………………………..……..…………… 9

3 ANTIGUIDADE……………………………………………………………….… 12

4 IDADE MÉDIA………………………………………………………………….. 22

5 IDADE MODERNA…………………………………………………………..… 31

5.1 RENASCENÇA…………...…………………………………………………..… 33

5.2 ILUMINISMO……………………………………………………………………. 39

6 IDADE CONTEMPORÂNEA……………………………………………..…… 44

6.1 ROMANTISMO…………………………………………………………….…… 44

6.2 SÉCULO XX…………………………………………………………………….. 48

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………...…… 54

REFERÊNCIAS………………………………………………………………... 61

1 INTRODUÇÃO
Diferentes momentos históricos podem favorecer ou dificultar o
desenvolvimento dessas possibilidades de humanização do Homem, mas é
certo que a continuidade desse desenvolvimento (concretização) constitui a
substância do Homem (o concreto, que em si é possibilidade e, pela
contradição interna, desenvolve-se levando as diferenças a existirem, para
serem superadas); aquela só deixará de existir se não mais existir nem
História nem Humanidade (CIAMPA, 1989, p. 68)

A sexualidade é inerente ao ser humano e construída socialmente: é sobre


isso que se pretende conversar neste trabalho. Através de pesquisas teóricas e
revisão de literatura, sempre sob o olhar da Psicologia Histórico – Cultural, abordou-
se os mais diversos assuntos relacionados à sexualidade (dentre eles gênero e
corporeidade, por exemplo), desde a Pré-História até os dias atuais, e procurou-se
demonstrar o modo de organização da sociedade ocidental, especificamente no que
tange à sexualidade, que foi fortemente influenciada pela doutrina da Igreja Católica.
Não se tem a pretensão de esgotar o tema; muito pelo contrário, este
trabalho busca ser uma apresentação da temática tendo em vista o relevante
momento político e histórico atual. Vale frisar que ler outros autores, para além dos
aqui utilizados, é necessária.
Por a Igreja Católica ter sido e ainda ser um dos grandes estruturantes do
pensamento ocidental cristão acerca da sexualidade, é importante estudar a
construção dos seus preceitos acerca do tema para compreender porque algumas
normatizações permanecem.
Vale explicar, inclusive, que os termos Igreja, Igreja Católica e cristianismo,
neste trabalho, estão sendo usados como sinônimos, muito embora seja de
conhecimento notório que podem se tratar de conceitos distintos.
Ao abordarem a temática da sexualidade sob o viés da Igreja Católica,
Salzman e Lawler (2012) afirmam que a ética sexual busca ordenar a atividade
sexual humana por meio de realidades sócio-históricas e que estão sujeitas à
historicidade.
Para que o desenvolvimento da leitura deste trabalho seja compreensível e
fluído, traz-se neste momento alguns conceitos de importante compreensão.
O sexo anatômico, aquele dado biologicamente, determina uma identidade
civil: um nome de registro masculino ou feminino, expectativas sobre papéis,
funções e desempenho social, intelectual, econômico e, inclusive, sexual. As regras
7

pré-existentes (implícitas e explícitas) são estabelecidas a partir da condição do


nascer biologicamente macho ou fêmea. Deste modo, a organização psicológica do
sujeito é marcada pelas fronteiras sexuais determinadas socialmente (ABDO, 2012).
Já o sexo social seria o entendido como gênero, que permite a reflexão sobre
a construção sócio-histórica a partir das diferenças biológicas, do feminino e do
masculino. Antes mesmo de uma criança ser gerada, já existem condições sócio-
históricas globais e específicas nas quais aquele casal que a gera está inserido
(KAHHALE, 2015).
De modo exemplificativo, pode-se observar (i) no período pré-gestacional, a
concepção de família existente, se existe um casal ou se houve um relacionamento
casual, o grupo social em que se está inserido; (ii) durante a gestação, a descoberta
do sexo biológico, a escolha do nome, as expectativas sobre os papeis e funções
que serão desempenhados por esta criança e a decisão em manter ou não a
gravidez; e (iii) após o nascimento, o tratamento dado à criança a partir do sexo
biológico, as relações familiares e sociais. Estes fatores serão componentes da
construção da sexualidade e, consequentemente, da identidade dessa criança
(KAHHALE, 2015).
Apesar da perspectiva pós-estruturalista trazida por Guacira Lopes Louro,
que contrasta com a perspectiva materialista histórico-dialética deste trabalho, é
importante tecer um diálogo com alguns conceitos trazidos por tal estudiosa, para a
compreensão da categoria gênero.
O conceito de gênero não nega o biológico, uma vez que se constitui sobre
corpos sexuados, mas frisa a construção social e histórica sobre as características
biológicas (LOURO, 2014).
O gênero, para além das representações de papéis numa sociedade, é
constituinte da identidade dos sujeitos, compreendida como uma identidade plural,
múltipla, que não é fixa tampouco permanente e, inclusive, podendo ser
contraditória. Daí o termo identidade de gênero enfatizar se tratar de algo
construído, não dado (LOURO, 2014).
Beauvoir (2016) explica que, conforme a teoria de Engels, quando da Idade
da Pedra, havia uma divisão rudimentar do trabalho, em que ambos os sexos
(feminino e masculino) compunham duas classes, em igualdade. Enquanto o
homem ia caçar, à mulher pertenciam os afazeres domésticos, cujas tarefas
8

também tinham relevância econômica, por possuírem um caráter produtivo, como,


por exemplo, a tecelagem e a jardinagem.
Beauvoir (2016), ainda, analisando este viés histórico e observando a mulher,
explica que as mulheres e os proletários são oprimidos na sociedade, pois a
opressão se relaciona ao trabalho e, no que tange a mulher, ocorre da seguinte
forma:

O problema da mulher reduz-se ao de sua capacidade de trabalho. Forte na


época em que as técnicas se adaptavam às suas possibilidades,
destronada quando se tornou incapaz de explorá-las, ela volta a encontrar
no mundo moderno sua igualdade com o homem. São as resistências do
velho paternalismo capitalista que, na maioria dos países, impedem que
essa igualdade se realize; ela o será no dia em que tais resistências se
quebrarem (BEAUVOIR, 2016, p. 85).

Quando Beauvoir (2016) menciona esta igualdade, refere-se ao fato de que


as tecnologias não mais permitem ao homem justificar sua superioridade através de
sua força braçal, pois a utilização do maquinário igualaria ambos os sexos.
Dentre os exemplos deste tipo de opressão patriarcal, Beauvoir (2016) traz a
maternidade, o casamento, a proibição de métodos anticoncepcionais, do aborto e
do divórcio, e a transformação da mulher em objeto erótico.
Acreditou-se por muito tempo que a mulher seria frágil, desamparada e
dependente de um homem que lhe protegesse e lhe desse, além de amor, um
significado para sua vida (LINS, 2017a).
Lins (2017a, p. 28) menciona que seria "(...) o perfil da mulher feminina:
delicada, frágil, sensível, cheirosa, dependente, pouco competitiva, se emociona à
toa, chora com facilidade, indecisa, pouco ousada, recatada".
Assim, compreendendo que a sexualidade é um dos fatores da constituição
do ser humano, é crucial aos (as) psicólogos (as) ter conhecimento desta
normatização e entender como, historicamente, a sexualidade pode interferir na
construção da identidade, na relação com seus corpos, nos relacionamentos
interpessoais e nas escolhas de cada indivíduo e da sociedade ocidental.
9

2 PRÉ – HISTÓRIA

"a humanidade não é uma espécie animal: é uma realidade histórica"


(BEAUVOIR, 2016, p. 83).

O início da história registrada começa por volta de 3.000 a.C., dividida por
períodos. O Paleolítico foi dividido em Paleolítico Inferior, há aproximadamente 300
mil a. C. e Paleolítico Superior, até 10 mil a.C., quando tem início o período
Neolítico. O que marca o período Paleolítico, ou Idade da Pedra, são as ferramentas
de pedra, pau e osso, enquanto no Neolítico tem-se a formação de aldeias estáveis
e a agricultura (LINS, 2017a).
No Paleolítico, não se conhecia o vínculo entre sexo e procriação e os
homens sequer imaginavam qual era seu papel na reprodução humana, condição
esta que perdurou por milênios - a fertilidade era das mulheres e a elas eram
associados os poderes que regem a vida a morte. O corpo feminino era um
receptáculo mágico que sangrava conforme as fases da Lua, produzia indivíduos e
tinha o poder de erguer o órgão genital masculino, experimentando e oferecendo o
prazer sexual (LINS, 2017a).
Embora a mulher fosse dotada de tamanho poder, não havia a noção de
casal, tampouco uma ideia de submissão ou hierarquia entre os gêneros. O
matrimônio ocorria em grupos e, por consequência, só a linhagem materna era
considerada (LINS, 2017a).
Dentre os primatas, durante a relação sexual, não há encontro face a face;
isto é uma experiência sensual única do ser humano - também o é o orgasmo
feminino, que se acredita ter surgido como uma resposta à nova posição sexual e
que torna o sexo mais agradável. Do ponto de vista evolutivo de Charles Darwin, a
postura vertical forçou a humanidade a reconsiderar a posição de acasalamento e a
estabelecer um diferente conceito de beleza (LINS, 2017a).
Os ritos sexuais de todos os animais são uma marca registrada de cada
espécie, como, por exemplo, a época em que estão no cio, o tempo de gestação, a
escolha de parceiros e número de filhotes. Portanto, delimitados e com o fim de
procriação. Já entre humanos há outros fatores envolvidos e que interferem em
seus comportamentos sexuais, desde as crenças religiosas e os códigos jurídicos
até os interesses coletivos e os desejos individuais. Assim, enquanto a atividade
sexual dos animais se rege por mecanismos biológicos hormonais, visando apenas
10

a perpetuação da espécie, a sexualidade humana é ampla e ilimitada, não tendo


qualquer correlativo no reino animal e ultrapassando suas raízes biológicas (ABDO,
2012).
Apesar de a mulher ter resquícios biológicos, como ser fértil em determinados
ciclos e de o homem ser fértil todos os dias do ano e por praticamente toda a sua
vida útil (com reduções na andropausa), a disponibilidade sexual dos seres
humanos é permanente durante a vida adulta, diferentemente dos animais. Por isso,
é um erro afirmar, como faz a maior parte das religiões, que a sexualidade e o
desejo são expressões de instintos animais (ABDO, 2012, p. 19).
Abdo (2012) explica que a sexualidade foi considerada, por muitos séculos,
como uma expressão dos instintos animais e, por isso, deveria ser combatida,
subjugada e controlada.
Neste sentido, Kahhale (2015) complementa que apesar de nos indivíduos, o
sexo, num primeiro momento, ser entendido como uma determinação genética ou
biológica, este é, para além disto, uma expressão das condições sociais, culturais e
históricas nas quais se está inserido.
Isto porque para os seres humanos, a atividade sexual é ampla e difusa e se
direciona pelo prazer, na busca pela satisfação do desejo, sem as barreiras neuro-
hormonais constantes em outras espécies. No ser humano, tais barreiras parecem
ser mais flexíveis ou não existirem, possível motivo pelo qual surgiram códigos
sociais como freios. Sem estes impedimentos, seria impossível a formação de
coletividades que deram origem à cultura e à civilização (ABDO, 2012).
A noção de casal, nos moldes atuais, só surgiu com a agricultura, no período
Neolítico. Foi nesta sociedade mais organizada que desapareceu grande parte da
liberdade experimentada durante a Pré-história (LINS, 2017a).
Foi no Neolítico que surgiram os primeiros conflitos sociais e familiares,
numa sociedade de dominação (no Paleolítico há indícios de uma sociedade de
parceria). Neste período, especialmente com o início da agricultura, as condições se
agravaram para as mulheres; foi observando os animais de seu pastoreio que o
homem percebeu seu papel para a perpetuação da espécie (LINS, 2017a).
Para desbravar as florestas e transformá-las em campos produtivos, o
homem passa a escravizar os outros homens e, com o surgimento da propriedade
privada, o homem passa, então, a escravizar também a mulher. Portanto, o trabalho
da mulher desaparecia; os direitos sobre a terra começam a ser exercidos de pai
11

para filho, oprimindo a mulher. É neste grande contexto que surge a família
patriarcal baseada na propriedade privada (BEAUVOIR, 2016).
O sistema patriarcal, que se fixou por volta de cinco mil anos atrás, dividiu a
humanidade em homens e mulheres, colocando-os em rivalidade. Assim, ficou
estabelecido o que é masculino e o que é feminino, subordinando cada sexo a seu
correspondente. Isto causou uma ruptura no indivíduo que, sendo obrigado a
corresponder a um destes ideais (ser feminino ou masculino), teve de rejeitar uma
parte de si. Neste contexto também surgiu a noção de sujeição da mulher,
apoiando-se em dois fundamentos: o controle da fecundidade, como uma maneira
de restringir sua sexualidade, e a divisão sexual de tarefas, uma forma de mantê-las
limitadas a tarefas específicas. Como se verá adiante, o cristianismo ajudou a
generalizar esta repressão sexual (LINS, 2017a).
Ou seja, é através do trabalho (a atividade vital humana, que não pode ser
determinada casualmente) que o homem supera sua condição primária, biológica
para se tornar um ser com particularidades históricas socialmente desenvolvidas. E
tal atividade não é determinada ao acaso porque é dotada de consciência prévia
que se antecede à transformação concreta da realidade; portanto, é uma ação
material e objetiva, uma práxis (MARTINS, 2008).
Então, quando essas barreiras biológicas são superadas, tal salto qualitativo
permite com que sejam desenvolvidas novas propriedades, como as funções
cognitivas e afetivas (MARTINS, 2008).
E, assim, podemos fazer uma ligação com as mudanças ocorridas na
organização social.
12

3 ANTIGUIDADE

O sexo sempre teve destaque na história da humanidade. Dependendo da


época e do lugar, foi glorificado como símbolo de fertilidade e riqueza, ou
condenado como pecado (LINS, 2017a, p. 172).

A exposição histórica da concepção de sexualidade na Antiguidade que se


refere à Grécia é abrangida dentre 4.500 a.C e 146 a.C.
Na Grécia, na época de Homero (entre 1.150 a.C. e 800 a.C.) a moral não
era tão rígida como veio a ser em outros períodos históricos. As mulheres não eram
excluídas da sociedade; muitas vezes influenciavam homens e, inclusive, o percurso
da história. O casamento proporcionava igualdade de direitos entre homens e
mulheres no Período Homérico o que, três séculos depois, em Atenas, já não mais
se observava (LINS, 2017a).
Apesar disso, neste período, os casamentos eram combinados
exclusivamente pelos homens, sem qualquer interferência ou consentimento das
mulheres. Estas eram compradas, negociadas, emprestadas ou dadas, como
qualquer outra propriedade. A função da mulher nesta sociedade era a de preparar
alimentos, confeccionar roupas, criar os filhos, cuidar dos doentes, da casa e das
terras (LINS, 2017a).
Após o Período Homérico, em Atenas, de economia urbana e um regime
imperialista, a família passou a ser uma mera obrigação social, pois não havia mais
a necessidade deste tipo de vínculo para a sobrevivência pessoal no meio urbano.
Nesse contexto, os maridos passaram a ser ausentes da vida familiar,
desvalorizando suas esposas e mantendo raro contato com elas (LINS, 2017a).
Em 776 a.C. os Jogos Olímpicos tiveram sua primeira edição. Somente os
homens poderiam competir, e desnudos. Os vencedores retratavam os ideiais da
época: areté, que representa os valores e qualidades físicas e morais, transmitidas
pela tradição, a calocagazía, a bondade e a beleza e a sofrosine, a atitude serena,
moderada. As estátuas dos vencedores eram feitas a partir de seus corpos nus e
reproduziam estas qualidades (CANTARERO, 2006).
Lins (2017a) explica que os gregos, admiradores da sabedoria, admiravam
mais ainda a beleza física.
13

As mulheres não tinham muitas regalias neste período. Enquanto os rapazes


iam para escola aos sete anos, as meninas ficavam enclausuradas no gineceu1,
situado no andar superior de sua residência, até o casamento. Se uma mulher fosse
vista em uma roda masculina, ainda que estivesse apenas participando da
conversa, era taxada de prostituta. Seus direitos políticos se equiparavam aos dos
escravos e eram sujeitas à autoridade absoluta de um homem. A mulher grega
possuía apenas dois direitos: o de gerar descendentes legítimos e de herança
(LINS, 2017a).
Platão (2002) foi o primeiro filósofo a falar sobre o amor ao descrever sobre
uma festa em que sete convidados narravam histórias sobre o amor. Aristófanes,
um destes convidados, explicou como as pessoas se sentem atraídas: no início, os
seres humanos tinham quatro mãos, quatro pernas, duas cabeças, dois órgãos
sexuais e todo o resto harmonioso, divididos em três espécies: Andros, Gynos e
Androgynos. Muito corajosos, eles desafiaram os deuses que, como forma de
punição, os separaram em dois corpos, cada. Andros deu origem a dois homens;
Gynos, a duas mulheres; e, Androgynos, a um homem e uma mulher. Apesar de
separados, cada metade estaria ligada por sua alma e agora buscavam uma a
outra. Assim, Andros deu origem aos homossexuais, Gynos às lésbicas e
Androgynos aos heterossexuais.
Os gregos chamavam de Eros o amor físico (termos como erotismo e erótico
daí derivam) e de Ágape o amor espiritual (LINS, 2017a).
O homem grego considerava ser desagradável estar casado, porém era um
ritual inevitável, uma vez que era preciso ter uma dona de casa e os filhos deveriam
nascer sob um casamento. Inclusive, era uma obrigação perante o Estado e a
religião ter filhos, tanto que havia multa para quem não se casasse. Dentro do
casamento, o ideal era ter poucos filhos e que fossem do sexo masculino, para
garantir a propriedade dos bens da família pelas próximas gerações e evitar a
divisão dos bens em muitos filhos. Por isso, o costume era de que os casados não
mais fizessem sexo após terem os descendentes que considerassem suficientes.
Aliás, aos homens não havia qualquer proibição quanto a relacionamentos
extraconjugais, o que não era verdade para as mulheres casadas. A punição era

1
Aposento familiar destinado para uso exclusivo feminino, via de regra situado no andar superior da
casa (LINS, 2017a).
2
"Desejo intenso de bens e gozos materiais; apetite sexual" (AMORA, 1999, p. 162).
3
“O conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia” (AMORA, 1999, p. 533).
4
"Doutrina moral que se baseia no desprezo do corpo e das sensações físicas" (AMORA, 1999, p.
14

elas serem expulsas de casa e assim, se dava a dissolução do casamento - o


adultério da esposa era o pior insulto contra a honra de um homem e seu direito de
posse (LINS, 2017a).
Durante o século II a.C., os romanos começaram a expandir seus territórios,
e a conquista definitiva da Grécia a transformou em província do Império Romano.
Mas, como os romanos admiravam a civilização grega, muito dela absorveram
(LINS, 2017a).
Romanos viam o amor com precaução, pois este poderia envolver uma
dependência a uma mulher e poderia levar um indivíduo a perder o controle, numa
cultura que era obcecada pela dominação (LINS, 2017a).
A situação das mulheres era melhor em Roma do que na Grécia. Não havia
gineceu, por exemplo. A esposa deveria se sentir honrada quando o marido ia lutar,
mantendo o lar intacto. Deveria ser submissa e virtuosa, para que os maridos não
encontrassem em seu retorno famílias destruídas ou filhos bastardos. O poder
familiar era patriarcal, agindo o pai como se fosse deus para seus filhos. Com a
esposa, o homem poderia castigá-la como fosse de seu grado: podia chicoteá-la ou
fazê-la trabalhar como escrava e podia matá-la caso a flagrasse em adultério (LINS,
2017a).
O casamento romano, que também era uma obrigação estatal, era um ato
privado; não havia contrato, juiz ou algo parecido com um padre. O que o
configurava era o contrato de dote e a cerimônia de núpcias. Entretanto, havia o
costume de presentear a noiva com um anel de noivado, que indicava o
compromisso do casal. O afeto entre o casal era considerado desejado, ao contrário
do que ocorria nos casamentos gregos. O divórcio era de fácil acesso tanto para
homens quanto para mulheres e há indícios de que os filhos permaneceriam com o
pai, neste caso (LINS, 2017a).
O sexo entre os romanos era permeado de tabus: era proibido fazer sexo
antes do cair da noite; fazer sexo sem criar penumbra; e fazer sexo com uma
parceira de quem se havia tirado toda a roupa (somente prostitutas transavam sem
o equivalente ao sutiã); a libertinagem só poderia ser praticada com a mão
esquerda; só se poderia ver a amada desnuda caso a Lua passasse na hora certa
pela janela; não se podia praticar sexo oral, são exemplos (LINS, 2017a).
Não havia controle quanto à orientação sexual dos homens. O que era
analisado era o quão viril ele era e a falta de virilidade era considerada um vício
15

capital. Já a homossexualidade entre as mulheres era condenada como algo


vergonhoso, anormal, ainda que tenha feito parte da sociedade romana tanto
quanto a masculina (LINS, 2017a).
Foi no Império Romano, possivelmente no ano de 6 a.C., que Cristo nasceu.
Jesus Cristo é filho de Maria, esposa de José, um carpinteiro (LINS, 2017a).
O Apóstolo Lucas, em seu livro no Novo Testamento, narra o nascimento:

Naqueles dias, o imperador Augusto publicou um decreto, ordenando o


recenseamento em todo o império. Esse primeiro recenseamento foi feito
quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se, cada um
na sua cidade natal. José era da família e descendência de Davi. Subiu a
cidade de Nazaré, na Galiléia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na
Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
Enquanto estavam em Belém, se completaram os dias para o parto e Maria
deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na
manjedoura, pois não havia lugar para eles dentro da casa. Naquela região
havia pastores, que passavam a noite nos campos, tomando conta do
rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos pastores; a glória do Senhor os
envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo. Mas o anjo disse aos
pastores: 'Não tenham medo! Eu anuncio a vocês a Boa Notícia, que será
uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para
vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor (LUC 2:1-11) .

De acordo com o Novo Testamento, a igreja cristã cresceu rapidamente após


finda a trajetória de Jesus na Terra, pois o Espírito Santo foi derramado sobre os
apóstolos na festa judaica de Pentecostes. Então, até metade do século I, foi
espalhada a mensagem de que Deus enviou Jesus Cristo, que morreu pela
redenção dos pecados e ressuscitou, sendo, portanto, o rei messiânico (FERREIRA,
2013).
Os primeiros cristãos, que se consideravam cidadãos do Reino dos Céus e
estrangeiros na terra, eram em sua maioria escravos libertos, mulheres,
trabalhadores e artesãos, de origem oriental e língua grega. Com o advento do
cristianismo, a sexualidade passa a ser condenada e se estipula uma rigorosa
regularização de sua prática (LINS, 2017a).
Dois grandes fatores contribuíram para essa nova ética sexual: a difusão de
conceitos como o do pecado original, e os pecados relacionados à carne, a
fornicação, a concupiscência2; e a posição ocupada pelas virgens no mundo cristão
e o ideal de castidade dos monges do deserto (LINS, 2017a).

2
"Desejo intenso de bens e gozos materiais; apetite sexual" (AMORA, 1999, p. 162).
16

Em Gênesis, pode-se encontrar a descrição do pecado original, no qual Adão


e Eva comeram do fruto proibido, tendo sido Eva seduzida pela serpente e
induzindo Adão ao erro. Este trecho é bastante claro quanto à expulsão dos dois do
paraíso:

Javé Deus disse para o homem: 'Já que você deu ouvidos à sua mulher e
comeu da árvore cujo fruto eu lhe tinha proibido comer, maldita seja a terra
por sua causa. (...) Você é pó e ao pó retornará. (...) Então Javé Deus
expulsou o homem do jardim de Éden para cultivar o solo de onde fora
tirado (Gn 3:17-23).

Então, Paulo, em sua carta aos Romanos, doutrina de maneira a explicar que
Jesus Cristo veio para nos redimir deste pecado e da morte (pois, antes do pecado
original, os homens eram imortais), conforme este trecho:

Assim como o pecado entrou no mundo através de um só homem e como o


pecado veio a morte, assim também a morte atingiu todos os homens,
porque todos pecaram. (...) Se todos morreram devido à falta de um só,
muito mais abundante se derramou sobre todos a graça de Deus e o dom
gratuito de um só homem, Jesus Cristo (Rm 5: 12-15).

Tudo o que se vinculasse à carne era considerado mau. Com esta ideia,
pensadores cristãos criaram teorias complexas sobre um possível modo de geração
transitório, no qual Adão e Eva se reproduziriam de forma similar às plantas (sem
pecado, sem prazer), caso não tivessem cometido o pecado original (LINS, 2017a).
A expressão "pecado da carne" veio para justificar a repressão às práticas
sexuais. O cristianismo foi pioneiro em relacionar a carne e o pecado. Era crença
comum a ideia de que as virgens tinham poderes sobrenaturais e milagrosos, como
a capacidade de prever o futuro (LINS, 2017a).
Portanto, o pecado original sexualizado foi uma invenção cristã. Antes, ele
era tido como uma afronta a Deus por sua desobediência e tentativa de obter
conhecimento, nada relacionado ao sexo. Para o Judaísmo, o pecado de Adão e
Eva era de conhecimento e uma competição com Deus. Foi o cristianismo que
trouxe a noção de que Eva tenta Adão e assim surge a condição humana com todo
o sofrimento inerente. É o corpo que oportuniza o pecado e a punição é a
necessidade do trabalho, a vergonha da nudez e a morte. O medo da punição
eterna acarretava no flagelo do corpo, na tortura. Para evitar o desejo sexual, se
evitava tomar banhos, tocar ou ver o corpo, comer muito pouco e somente alimentos
que deixassem o corpo frio e seco (LINS, 2017a).
Explica Abdo (2012):
17

As civilizações ocidental-cristã e oriental-islâmica, herdeiras do


3
Pentateuco , estão impregnadas da ideia do pecado original e do
sentimento de culpa. Mais ainda, seus códigos fundamentais de conduta
são expressões dramáticas de interdição da sexualidade, permitindo supor
que esta precedeu, em muito, a elaboração das doutrinas religiosas
(ABDO, 2012, p. 17-18).

Assim, essa interpretação marcou a ética cristã, trazendo a concepção dos


pecados da carne, da importância da virgindade, da pureza e da salvação. Foi desta
sexualização que se passou a demonizar a imagem da mulher, ainda que em
tempos anteriores ela já fosse subjulgada (LINS, 2017a).
A mulher era considerada pior que um ser inferior para alguns dirigentes da
Igreja na antiguidade, pois eram o tipo de pessoa em quem não se podia confiar,
fracas, débeis, lerdas de raciocínio, simples, instáveis e enganadoras. Os demônios
entravam com mais facilidade na cabeça das mulheres de cabelos compridos e por
isso todas deveriam cobrir a cabeça ao entrar na Igreja. No ano de 585, no Concílio
de Macon, houve um debate se as mulheres realmente tinham alma e concluiu-se
que sim, mas com apenas um voto de diferença (LINS, 2017a).
Como Eva foi criada da costela de Adão e foi feita a partir de um homem e
para ele, Deus amava mais os homens. Além disto, a queda do Paraíso foi culpa de
Eva, que deu o fruto proibido para Adão. Por tudo isso, apesar de os homens terem
motivos relevantes para sentir rancor das mulheres, este sentimento não era cristão.
Então, era obrigação deles cuidar delas, por as mulheres serem um ser bastante
inferior (LINS, 2017a).
Um exemplo desta afirmação encontra-se em Timóteo, livro bíblico:
Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda a
submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem.
Portanto, que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão,
depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida,
pecou. Entretanto, ela será salva pela maternidade, desde que permaneça
com modéstia na fé, no amor e na santidade (I TIM. 2:11-15).

Por meio deste trecho, retrata-se como a mulher era e ainda é vista pela
moral religiosa, ou seja, como um 'mal necessário', cuja finalidade é a de apenas
gerar filhos. Fantasias e atos sexuais diversos são considerados pecado e, portanto,
geradores de culpa e consequente castigo.

3
“O conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia” (AMORA, 1999, p. 533).
18

Lins (2017a) explica que os primeiros textos cristãos pregavam o ascetismo4


e valorizavam principalmente a castidade e a virgindade. O casamento e a família
não eram prioridade, sendo a virgindade o verdadeiro casamento, a aliança entre
Deus e homens, Cristo e Igreja. Um exemplo disto é este trecho escrito por Paulo,
na carta aos Coríntios:

Quanto a pessoas virgens, não tenho nenhum preceito do Senhor. Porém,


como homem que pela misericórdia do Senhor é digno de confiança, dou
apenas um conselho: considero boa a condição das pessoas virgens, por
causa das angústias presentes. Claro, é bom que o homem continue assim.
Você está ligado a uma mulher? Não se separe. Você não está ligado a
uma mulher? Não procure mulher. Contudo, se você casar, não estará
cometendo pecado; e se uma virgem se casar, não estará cometendo
pecado. No entanto essas pessoas terão que suportar fardos pesados, e eu
desejaria poupar vocês. Uma coisa eu vos digo, irmãos: o tempo se tornou
breve. De agora em diante, aqueles que têm esposa, comportem-se como
se não a tivessem; (...) (grifo nosso) (I COR, 7: 25-29).

Ferreira (2013) conta que no início do século III, o Império Romano tinha por
volta de 60 milhões de habitantes e menos de 1% desta população era cristã. Ao
final deste século, a proporção alcançou 10%. Em meados do século IV, por volta
de dez anos após a morte do Imperador Constantino, 56,5% da população se
declarava cristã.
Lins (2017a) traz dados um pouco diferentes. Afirma que, quando o
Imperador Constantino, no ano de 312, converteu-se ao cristianismo, apenas 5% ou
10% da população do império era cristã (de um total estimado em 70 milhões de
habitantes). Mas Constantino não impôs sua religião à população. Já o Imperador
Teodósio, oitenta anos depois, em 392, tornou o cristianismo a religião do Estado, o
que quer dizer que ninguém mais poderia ter outra crença, sendo punido caso a
tivesse.
Já Ferreira (2013, p. 29) explica que o cristianismo surgiu num ambiente de
pluralismo religioso (que ele chama de pagão), e que o rápido crescimento do
cristianismo se deu porque "a fé cristã tinha um elevado padrão ético - que incluía
auxílio aos menos favorecidos, a proibição ao infanticídio, a condenação ao aborto,
ao divórcio, ao incesto, à infidelidade conjugal e à poligamia".
No século III, o Império Romano do Ocidente começou a apresentar sinais de
crise, tendo ocorrido sua queda em 476 d.C. Já a parte oriental do império, o

4
"Doutrina moral que se baseia no desprezo do corpo e das sensações físicas" (AMORA, 1999, p.
61)
19

Império Bizantino, persistiu até 1453, quando da queda de Constantinopla. Na


época, os cristãos acreditavam que o motivo para a queda do Império Romano do
Ocidente era o pecado sexual, tendo ocorrido a punição de um Deus enfurecido.
Como consequência disto, um novo conceito de casamento e de família começava a
surgir. Em contrapartida, a Igreja cristã se expandiu neste mundo instável, tendo se
mostrado a verdadeira sucessora da Roma imperial (LINS, 2017a).
Depois do século IV, quando o cristianismo se tornou a religião estatal, o
clero identificou que mulheres despertavam o desejo sexual nos homens e tentou
extingui-lo, expulsando mulheres das práticas litúrgicas e do ministério dos
sacramentos e fazendo da sexualidade um objeto de vergonha. Neste contexto, a
sexualidade adquiriu um novo significado, transformando-se em tema de confissão
em seus detalhes mais íntimos. Então, o sexo foi dividido em diferentes aspectos
(pensamento, palavra, intenção, vontades involuntárias e os fatos reais) (FEDERICI,
2016).
Dando um salto histórico para mostrar a importância deste sacramento
cristão, Foucault (2017) explica que, depois do Concílio de Trento [século XVI, ou
seja, durante o Renascimento], houve uma evolução da pastoral católica e do
sacramento da confissão, de modo que se antes o necessário para que a confissão
fosse completa seria descrever detalhadamente toda a execução do ato sexual,
narrando atitudes, toques e o momento exato do prazer, passou-se a pregar que a
discrição era o ideal e que o sexo não mais deveria ser descrito, mas sim fantasias,
devaneios e a inquietação do desejo, momento mais importante que o ato sexual
em si.
A pastoral cristã censurou palavras, determinou a decência de expressões,
passando tudo o que se relaciona com o sexo pelo crivo da palavra. Isto parece ser
um dispositivo secundário para tornar a sujeição 'moralmente aceitável e
tecnicamente útil.' Além disso, com este controle também buscava produzir efeitos
sobre o desejo, especificamente de domínio, de causar desinteresse e de retorno a
Deus (FOUCAULT, 2017).
Vale explicar que a Bíblia, que se divide no Antigo Testamento e no Novo
Testamento, é composta por livros escritos por diferentes pessoas ao longo de mais
de mil anos, tendo início em 1450 a.C. O Antigo Testamento são as Escrituras do
povo judeu, já o Novo Testamento são os escritos sobre Jesus e seus seguidores.
Não há, porém, no Antigo Testamento a mesma repressão sexual que surge depois
20

com o cristianismo, como apologia à castidade, rigor na monogamia e a concepção


sexualizada do pecado original (LINS, 2017a).
Ainda, o prazer sexual, na visão cristã, é uma transgressão contra Deus e,
por isso, criou um forte sentimento de culpa. O controle crescente da Igreja, no
papel do padre, na mente dos fiéis originou uma atitude de vida que dá aos cristãos
uma espécie de unidade supranacional, cujas características primordiais são
vergonha, medo e a busca pela elevação espiritual. O pecado, por ser mais
imediato, passou a ter um papel mais relevante que a própria redenção dentro da
moralidade cristã. E, nesta moral cristã, os pecados do sexo são os mais evidentes,
o maior pecado. Assim, homens e mulheres que possuíam desejos sexuais
tornaram-se obcecados pela culpa (LINS, 2017a).
Lins, (2017a, p. 145) conta que Santo Agostinho, que viveu no século IV,
difundiu entre os padres que o ato sexual é repulsivo, sendo apenas uma questão
de utilizar o equipamento desenhado pelo Criador para cumprir as exigências do
processo reprodutivo. "Agostinho resumiu os conflitos cristãos numa única e terrível
sentença: 'Por meio de uma mulher fomos enviados à destruição; por meio de uma
mulher, a salvação foi enviada a nós'".
Agostinho [3--], em seu livro Confissões, descreve seus comportamentos com
bastante pesar antes de tornar-se santo, como pode-se ver nos seguintes trechos:

Amar e ser amado era para mim a coisa mais doce, sobretudo se podia
gozar do corpo da criatura amada. Deste modo manchava com torpe
concupiscência a fonte da amizade, e obscurecia seu candor com os
vapores infernais da luxúria. E apesar de tão torpe e impuro, desejava com
afã e cheio de vaidade, passar por afável e cortês (grifo nosso). (Agostinho,
3--, p. 19).
(...)
Durante esse período de nove anos – dos dezenove até os vinte e oito
anos – fui seduzido e sedutor, enganado e enganador, conforme minhas
muitas paixões; publicamente, com aquelas doutrinas que se chamam
liberais; ocultamente, com o falso nome de religião, mostrando-me aqui
soberbo, ali supersticioso, e em toda parte vaidoso (Agostinho, 3--, p. 27).
(...)
Meu Deus, eis aqui meu coração, ei seu conteúdo! Olha para o meu
passado, porque sei, esperança minha, que me purificas da impureza
desses afetos, atraindo para ti meus olhos, e libertando meus pés dos laços
que me aprisionavam (grifo nosso) (Agostinho, 3--, p. 30).

Nesta linha de raciocínio, são alguns exemplos, conforme Lins (2017a, p.


142), de alguns santos com seus corpos:
21

Qualquer coisa que tornasse o corpo mais atraente era um incentivo ao


pecado. Santa Paula acreditava que a pureza do corpo e das vestes
significava a impureza da alma. Os piolhos eram chamados de pérolas de
Deus, e estar sempre coberto por eles era marca indispensável de
santidade. São Jerônimo afirmou que uma virgem adulta jamais devia
banhar-se e, na verdade, devia envergonhar-se de ver sua própria nudez.
(...) Uma virgem muito conhecida, Sílvia, ficou doente em consequência dos
seus hábitos. Estava com 60 anos e, por princípio religioso, recusou-se
durante grande parte da sua vida a lavar qualquer parte do seu corpo, com
exceção dos dedos. Santa Eufrásia entrou para um convento de 130 freiras
que nunca lavavam os pés e que estremeciam à ideia de banho. (grifos
nossos).

Cabe falar brevemente sobre Paulo, que viveu entre 9 e 64 d.C. Apesar de
não ter conhecido Cristo, Paulo é a segunda figura mais importante do Cristianismo.
Ele teve uma educação clássica, pois descendia de uma família judia e rica; além
disto, era cidadão romano. Perseguia os cristãos, mas se converteu ao ter uma
visão de Jesus, quando passou a pregar em seu nome (LINS, 2017a).
Paulo também considerava o sexo repulsivo, considerando-o como um
obstáculo para a salvação e quem optasse pelo celibato era considerado como
alguém superior (LINS, 2017a).
Salzman e Lawler (2012) fazem uma consideração neste contexto, afirmando
que é preciso notar que Jesus Cristo (e o Novo Testamento) não estabeleceu uma
nova ética sexual cristã, tendo se pronunciado acerca do tema apenas duas vezes.
Mas outros seguidores, como Paulo, o fizeram de maneira mais aprofundada.
Assim, pode-se observar que desde o princípio do cristianismo, através de
pensadores como Santo Agostinho e de São Paulo, a sexualidade foi regrada e
reprimida, condição esta que se intensificou na Idade Média, conforme se verá
adiante.
22

4 IDADE MÉDIA
"Na tradição católica, a atividade sexual está institucionalizada nos limites
do matrimônio e da procriação, e a moralidade sexual é a moralidade
conjugal" (SALZMAN e LAWLER, 2012, p.21).

A Idade Média perdurou entre os séculos V e XV d.C. Com a queda do


Império Romano, surge o caos político na Europa Ocidental. Roma foi destruída, as
cidades estavam desertas, havia escombros por todos os lados. Contudo, a Igreja
conseguiu se firmar nesta época porque os bárbaros a reconheceram como uma
aliada na manutenção da estabilidade (LINS, 2017a.).
Neste período, não havia a noção de individualidade - homens e mulheres
desprezavam o que era distintivo, somente valorizando o que lhes interessava
através de princípios gerais. Buscava-se um sentido geral, não realidades
individuais (LINS, 2017a).
Do século VI ao XIII, os únicos que detinham instrução eram os clérigos,
treinados para enxergar o Diabo em qualquer situação. O que era hábito se tornou
proibido e gerador de culpa. O desejo sexual, assim, se tornou luxúria (LINS,
2017a).
A Igreja supervisionava as práticas sexuais, num catecismo sexual, inclusive
prescrevendo quais eram as posições permitidas (apenas uma), os dias em que se
poderia fazer sexo e com quem era permitido e proibido. No Concílio de Latrão
(entre 1123 e 1139) se estabeleceu o matrimônio como indissolúvel. Em 1179, no
terceiro Concílio de Latrão, a Igreja atacou fortemente a sodomia (diretamente os
homossexuais e o sexo que não visasse a procriação). Foi a primeira vez que a
homossexualidade foi condenada como prática que vai contra a natureza
(FEDERICI, 2016).
Ainda sobre práticas contra a natureza, Lins (2017a, p. 186) exemplifica:

A condenação bíblica à masturbação perdurou por milênios, chegando ao


5
ponto de, na Inquisição, o acusado ser considerado herege , podendo ser
sentenciado à morte na fogueira. (...) A masturbação feminina era punida
com quarenta dias de jejum durante um ano ou mais. (...) a noção de
pecado contra a natureza se dilata na Idade Média com a extensão do
conceito de sodomia - homossexualidade, sodomização da mulher, coito
por trás ou a mulher se mantendo por cima do homem também serão
proscritos (...).

5
“Quem, ou aquele que professa doutrina contrária aos dogmas da Igreja” (AMORA, 1999, p. 360)
23

Foi nesta época histórica, também, que foi proibido aos clérigos se casarem.
Mesmo sob protestos de diversos religiosos, foi determinado que os padres
deveriam manter o celibato, mesmo que a Igreja realmente almejasse a castidade
(LINS, 2017a).
Conforme os teólogos da época, o homem poderia deixar claro quando
desejasse uma mulher; ela, de maneira contrária, deveria se esquivar de tal
manifestação, ficando o marido encarregado de decifrar em sutis detalhes femininos
se estava autorizado a avançar para um ato sexual. Isso quer dizer que era
obrigado à mulher sempre manifestar pudor e vergonha, comportamentos
considerados naturais do sexo feminino à época. Além disso, o prazer deveria ser
vivido com a amante, pois o marido não deveria acariciar ou excitar sua esposa até
alcançar a lascívia6 (LINS, 2017a).
Os cristãos, que separaram o amor (assunto de Deus) do sexo (do Diabo)
procuravam alimentar nos indivíduos o sentimento do olhar de Deus e o medo do
julgamento divino. Então, o amor carnal era completamente substituído pelo amor a
Ele7, o que O agrada. Essa visão influenciou o casamento cristão que, por melhor
que fosse, sempre era maléfico, pois, a cada relação sexual com prazer, ali estava o
pecado. O que hoje se chama de amor era tido como uma paixão irracional que
afasta de Deus. Ou seja, o amor não caberia no casamento. Por isso, foram criadas
regras como, por exemplo, o casal só poder se deitar juntos após a ceia, ainda que
isso não fosse uma permissão para o ato sexual em si (LINS, 2017a).
Abdo (2012) explica que só se abriam exceções ao sexo no casamento
apenas para evitar pecados maiores.
Quanto ao adultério, a Igreja adotou um só padrão sexual, embora fosse mais
permissiva com o homem. A esposa traída deveria aceitar o marido, enquanto o
marido deveria expulsar a esposa pecadora. Se uma esposa separada vivesse com
outro homem, a penitência a ser aplicada era de 14 anos. Já o marido que vivesse
com sua amante só cumpriria penitência de contrição8 por sete anos (LINS, 2017a).
Havia a modalidade de casamento continente, no qual os cônjuges se
abstinham de relações sexuais. Este modelo era apoiado por Santo Agostinho, que
o afirmava como o sonho cristão, ideal que durou por vários séculos. Esta

6
"Lubricidade, luxúria, sensualidade" (AMORA, 1999, p. 419)
7
"Ele", aqui escrito em letra maiúscula, para situar que se está se falando, no contexto cristão, de
Deus.
8
Ato pelo qual o católico se arrepende por ter ofendido a Deus” (AMORA, 1999, p. 173)
24

modalidade de casamento era considerada a forma mais elevada de união entre um


homem e uma mulher, considerando a luta persistente contra a carne. Ainda que tal
casamento não prevalecesse estatisticamente, intelectualmente era o mais
desejado (LINS, 2017a).
Como o amor era um sentimento dedicado a Deus, duas pessoas que se
amassem reciprocamente eram transgressoras. Inclusive, até então, o amor entre
homens e mulheres era considerado vulgar e um pecado (LINS, 2017a).
O amor cortês, apesar disso, se tornou tema central na vida e na poesia. Esta
modalidade de amor colocou a mulher amada numa posição de poder e honra (em
oposição à mulher dominada e desprezada pelo homem dominador), e o homem, de
gentileza (para com essa mulher idolatrada). Os conceitos de cavalheirismo9
trazidos pelos trovadores, no século XII, foram revolucionários para a época (LINS,
2017a).
A Igreja passou, aos poucos, a incorporar o casamento em seus rituais. No
século XV, o casamento tornou-se um sacramento10 e, assim, impôs regras: a
monogamia e a indissolubilidade do casamento. No Concílio de Trento este ritual
passou a ser obrigatório para os católicos (LINS, 2017a).
Dentro do casamento, o homem não poderia falhar sexualmente. No Concílio
de Verberie, a mulher foi autorizada a abandonar o casamento caso o marido fosse
impotente. Desde o século VIII, a Igreja instruía que o casamento poderia ser
anulado caso houvesse impotência masculina (LINS, 2017a).
Já as mulheres solteiras tinham como opção ou irem para conventos ou
trabalharem como prostitutas em bordéis; ou seja, ou deveriam viver reclusas ou
seriam malfaladas. Não ter marido significava não ter valor na sociedade. Isso
aliado ao fato de serem incapazes de se sustentarem sozinhas e serem
consideradas uma constante ameaça aos casais, pois ou poderiam interessar aos
cônjuges ou servirem como exemplo perigoso a ser seguido. Somado a tudo isso,
estar solteira era não formar uma família e estar fadada a viver na mais profunda
solidão (LINS, 2017a).
9
Lins (2017a) explica que esse tipo de amor, o amor cortês, mudou a dinâmica dos relacionamentos
amorosos. Enquanto o homem vivia uma vida conjugal com sua esposa e tinha filhos, amava de
modo servil uma mulher geralmente inalcançável, casada e nobre, a quem servia fielmente e tentava
a todo modo chamar-lhe a atenção. O intuito deste amor não era a conjunção carnal (que até poderia
ocorrer), mas sim a elevação espiritual.
10
Caracterizados como os setes eixos principais da vida de um cristão, os sacramentos são rituais
que seguem a seguinte ordem: batizado, eucaristia, crisma, penitência, ordem ou matrimônio e a
unção dos enfermos (CANÇÃO NOVA, 20--).
25

Inclusive, no final do século XV houve uma marcha, uma contrarrevolução,


em todos os níveis da vida social e política. Na época, ocorria uma política sexual
que dava acesso a sexo gratuito aos trabalhadores mais jovens e rebeldes e que
transformou o antagonismo entre classes numa hostilidade contra as mulheres
proletárias. Isso quer dizer que, na França e em Veneza, por exemplo, o estupro em
vítimas de classes inferiores foi praticamente descriminalizado. O estupro coletivo,
assim, se tornou prática comum: grupos de dois a quinze homens invadiam casas
ou atacavam vítimas nas ruas, sem o menor pudor ou medo de serem pegos. O
preço pago por essas mulheres era alto, pois, sem um lugar na sociedade após o
estupro, elas tinham ou de abandonar a cidade ou entrar para a prostituição
(FEDERICI, 2016).
As consequências dessa política foram: (i) o início de um clima misógino11 (ii)
tornar a população insensível à violência contra as mulheres, o que facilitou a caça
às bruxas (nesta época a Inquisição registrou os primeiros casos de seitas de
adoradores do demônio compostas apenas por mulheres), que teve início neste
período; (iii) a institucionalização da prostituição, com bordéis municipais,
financiados por impostos, por toda a Europa (FEDERICI, 2016).
Esses bordéis eram vistos como um remédio contra a homossexualidade e
contra a rebeldia dos jovens proletários. A prostituição era tão disseminada que as
prostitutas poderiam abordar possíveis clientes na rua, a qualquer momento,
inclusive na frente de uma igreja e durante uma missa - a prostituição era
reconhecida como um serviço público, que até a Igreja reconhecia como atividade
legítima, pois evitaria a sodomia e, também, um meio necessário para a proteção do
núcleo familiar (FEDERICI, 2016).
A mentalidade de que mulheres dividem-se em entre Marias ("moças
direitas") e Evas ("moças fáceis") perdurou por muito tempo. Este pensamento,
aliado a outros fatores, resultaram na violenta separação entre amor e sexo nos
ensinamentos da Igreja (LINS, 2017a).
Na história europeia, tem-se os primeiros indícios de movimentos de
mulheres que se opunham à ordem estabelecida e contribuíam para a construção
de modelos alternativos para a vida em sociedade. Neste raciocínio, também é
nesta época que surgiram as primeiras tentativas de estabelecer relações mais

11
"Repulsa mórbida do homem às mulheres" (AMORA, 1999, p.466)
26

igualitárias entre homens e mulheres, desafiando as normas sexuais dominantes.


As formas de transgressão, aliadas à recusa do trabalho servil e das relações
comerciais, mostravam ser possível um outro mundo, em oposição não só ao
feudalismo, mas também ao sistema capitalista em ascensão, apesar de essas
reivindicações terem permanecido utopias. As lutas sociais neste período, em seu
melhor momento, exigiam uma ordem social igualitária e recusavam a hierarquia e o
autoritarismo (FEDERICI, 2016).
Abdo (2012) explica que a sucessão patrimonial e a transmissão do poder
tanto na esfera familiar quanto na sociopolítica são de grande importância para a
sexualidade, posto que as relações de consanguinidade e de parentesco transmitem
poderes decisórios e posses.
Vale mencionar que, no feudalismo, a regra geral era de que as terras
fossem transmitidas em herança aos homens, ou seja, pela linhagem masculina.
Entretanto, havia muitos casos em que mulheres herdavam e administravam terras
em seu nome. Mulheres também eram excluídas de cargos preenchidos por
camponeses mais abastados; porém, as servas estavam menos subordinadas a
seus parentes do sexo masculino, sendo menos dependentes e com menos
diferenças sociais, físicas e psicológicas entre ambos (FEDERICI, 2016).
Na comunidade servil, a dependência feminina a seus pais e maridos sofria
interferência direta da autoridade superior dos seus senhores; estes declaravam
posse das pessoas e tentavam exercer controle em todas as esferas da vida dos
servos, desde o trabalho até o casamento e, inclusive, em sua vida sexual. Assim,
era o senhor quem decidia se sua serva viúva se casaria novamente e quem seria
seu esposo; em algumas regiões, o senhor era quem detinha o direito de deitar-se
com a esposa do servo em sua primeira noite de casados, por exemplo (FEDERICI,
2016).
Ainda sobre este assunto, a terra era entregue à unidade familiar, o que
também limitava a autoridade dos servos homens sobre as mulheres, pois elas,
além de trabalhar (frisando que a divisão sexual do trabalho era menos
pronunciada), também dispunham dos frutos dos seus trabalhos e, desta forma, não
dependiam dos homens para seu sustento. Neste modelo, que visava a
subsistência, todo o trabalho contribuía para o sustento familiar (FEDERICI, 2016).
Federici (2016) explica que as atividades femininas neste âmbito consistiam
em criar os filhos, lavar, fiar e manter a horta. As tarefas domésticas não eram
27

desvalorizadas e não supunham hierarquias entre homens e mulheres. A autora


afirma, também, que tais tarefas concebiam uma rede de proteção e uma fonte de
poder para as mulheres, uma vez que (i) na sociedade medieval as relações
coletivas prevaleciam sobre as familiares; (ii) elas poderiam enfrentar os homens,
ainda que a Igreja afirmasse que a mulher deveria ser submissa ao homem e a Lei
Canônica conferisse ao marido o direito de bater em sua esposa.
É preciso notar, entretanto, que a posição das mulheres nos feudos não era
uma realidade estática - o poder das mulheres e suas relações com os homens
eram condicionados pelas lutas das comunidades contra os senhores feudais e
pelas consequentes mudanças que essas lutas produziam nas relações entre
senhores e servos (FEDERICI, 2016).
Servos e senhores estavam em constante conflito e, uma das mais
importantes formas de resolução, a substituição dos serviços laborais pelo
pagamento em dinheiro, colocou a relação feudal sobre uma base mais contratual e
foi um desenvolvimento que praticamente acabou com a servidão. Se por um lado
isso foi considerado uma vitória, por outro satisfez parcialmente as demandas
originais. Mas, principalmente, funcionou como um meio de divisão social e
contribuiu para desintegração da aldeia feudal (FEDERICI, 2016).
Ao contrário do que afirmam os partidários da economia de mercado, cujos
argumentos são de que foi criado um novo 'bem comum' que substituiu a sujeição à
terra e trouxe para a vida social critérios como de objetividade, racionalidade e
liberdade pessoal, a monetização da vida econômica não beneficiou a todos. Isto
porque o dinheiro e o mercado começaram a dividir o campesinato de forma
destrutiva e excludente, transformando as diferenças de rendimento em diferenças
de classe (FEDERICI, 2016).
O impacto disto nas mulheres foi muito negativo. O acesso delas à
propriedade, à herança e à renda foi reduzido. Assim, encabeçaram um movimento
de êxodo do campo no final do século XIII que, no século XV, constituíam uma alta
porcentagem da população urbana. A maioria vivia em condições de pobreza e fazia
trabalhos mal remunerados como servas, vendedoras ambulantes, comerciantes,
fiandeiras e prostitutas. Em contrapartida, a vida urbana junto à parte mais
combativa da população medieval lhes proporcionava autonomia social, pois,
apesar de poucas poderem arcar com os custos da cidade, a subordinação ao
masculino era menor, uma vez que estas mulheres podiam viver sozinhas, como
28

chefes de famílias ou, ainda, formar novas comunidades, frequentemente


compartilhando a moradia com outras mulheres (FEDERICI, 2016).
Contudo, ao mesmo tempo que as mulheres ganhavam mais autonomia, a
vida social destas mulheres passou ser presença constante (i) nos sermões dos
padres, que as repreendiam por indisciplina; (ii) nos arquivos dos tribunais, quando
denunciavam abusos; e (iii) nas ordenações das cidades que controlavam a
prostituição, dentre outros (FEDERICI, 2016).
Observando sob um outro viés, o fim do feudalismo nos relacionamentos teve
como consequência a redução da necessidade de alianças entre os nobres e reinos,
ou seja, da força dos casamentos arranjados pelos pais. Os jovens começaram a
participar da escolha do cônjuge, o que também foi facilitado pelo desenvolvimento
de carruagens mais velozes e estradas melhores - o que conferia mais mobilidade;
embora ainda consideradas inferiores aos homens, as mulheres passaram a ter
mais acesso à educação; e, principalmente, a forma com que o homem via a mulher
começou a mudar. Na Renascença, a mulher não era mais vista apenas como uma
dama ou uma feiticeira, mas gradativamente passa a ser considerada como um ser
mais complexo que unia tanto bons como maus atributos. O resultado disto foi
permitir aos homens que sentissem amor pela mesma mulher por quem sentiam
desejo sexual. A diminuição da crença nos dogmas católicos fez com que grande
número de pessoas voltasse sua atenção para as recompensas possíveis na terra
em detrimento das do céu (LINS, 2017a).
Neste período, a esposa considerada ideal pelos homens era aquela "casta,
fechada à solicitações dos outros homens, mas fecunda, mãe nutridora generosa,
capaz de sacrifício". Essa imagem se contrapõe à ideia da diaba que, quando não
dominada por um homem, é insaciável em seu desejo sexual e entregue aos vícios
da natureza feminina (LINS, 2017a, p.260).
Uma grande mudança na imagem da mulher ocorreu entre os séculos XII e
XVI: de desprezadas por todos (inclusive por si próprias), passaram a ser
respeitadas e admiradas. Uma contribuição para esta alteração pode ter sido o culto
à Virgem Maria, que teve início no século XI. Maria foi colocada como a mãe que
sofre, que passou por sacrifícios e mantinha uma atitude passiva. Além disso, como
as mulheres, nas classes menos favorecidas, passaram a contribuir para a renda
familiar, consequentemente começou a ter mais voz na tomada de decisões. Na
nobreza, as esposas puderam se sentar com os maridos para as refeições
29

(anteriormente, as tinham em sala apartada) e as viúvas mostraram que


conseguiam gerir seus bens, resistindo a casamentos arranjados (LINS, 2017a).
Vale fazer um parênteses para os movimentos heréticos, que designaram
alta posição social para as mulheres: elas eram consideradas como iguais, tinham
os mesmos direitos que os homens e gozavam de uma vida social e de uma
mobilidade sem par na Idade Média. Como não havia, entre eles, o temor de
comportamentos "promíscuos", homens e mulheres podiam compartilhar a moradia
e viviam juntos livremente, sendo que, inclusive, as mulheres poderiam gerir
comunidades e trabalhar sem interferências masculinas (FEDERICI, 2016, p. 83).
Quando se observa sob a ótica da corporeidade, se na Antiguidade o corpo
era cultuado (como foi possível perceber nos procedimentos dos Jogos Olímpicos,
na Grécia), na Idade Média o corpo passa a ser considerado uma prisão e o veneno
da alma. Nesta época, a dinâmica da sociedade se resulta em diversas tensões:
entre Deus e o homem, homem e mulher, cidade e campo, riqueza e pobreza, razão
e fé, violência e paz e, principalmente, corpo e alma. Especialmente nesta questão
do corpo, havia algo contraditório: ao mesmo tempo que o corpo é condenado e
desprezado, a salvação passa pela penitência corporal que o glorifica. Um exemplo
disso é a encarnação de Jesus, que resgata a humanidade como o filho de Deus
num corpo de homem. Sua ressurreição é a vitória sobre a morte e funda o dogma
da ressurreição dos corpos, ideia desconhecida dentre as religiões até então.
Assim, o ascetismo excessivo do início do cristianismo diminuiu nesta época (LINS,
2017a).
A lepra era tida como fruto do pior dos pecados, o pecado sexual. A
fornicação ficava marcada no corpo e refletia a podridão da alma. Era frequente
acreditar-se também que os que tinham lepra haviam sido gerados em períodos em
que o sexo era proibido, como a quaresma e dias de vigília. Neste caso, a criança
pagaria pelo erro dos pais. Os leprosos, assim, haviam sido devorados pelo desejo
e buscavam libertar sua alma e seu corpo da imundície, da luxúria (LINS, 2017a).
Sobre a nudez, esta transita entre a inocência anterior ao pecado original e a
luxúria. Igualmente oscilará a beleza feminina entre a tentação proporcionada por
Eva e redenção, por Maria. A discussão sobre se os corpos dos eleitos ficarão nus
ou vestidos no Paraíso gerou discussão. Porém, como após o juízo final os pecados
serão redimidos, também o será o pecado original. Deste modo, a solução da
30

teologia é a de que a nudez prevalecerá (mas sempre enquadrada, codificada e


civilizada) (LINS, 2017a).
Um acontecimento muito importante deste período foi a Inquisição, como
explica Lins (2017a, p. 229):

No século X, surge em toda a Europa grupos de fiéis que pregam e aplicam


a fraternidade, e recusam a autoridade eclesiástica. Combatendo esses
movimentos, a Igreja se organiza para exterminar os habitantes de regiões
inteiras, condenando os sobreviventes ao suplício público. A perseguição é
intensa e muitas pessoas são torturadas e assassinadas. (...) O simples
fato de alguém ter em casa uma Bíblia já bastava para levantar suspeitas
de ser um inimigo da Igreja.

Muitos cristãos queriam conhecer o Evangelho sem interpretações


intermediárias e, por isso, poderiam ser acusados e mortos. Foram alvos mulheres,
crianças, velhos, cientistas, etc. - qualquer pessoa que fosse considerada uma
ameaça - qualquer comportamento considerado "fora do normal" poderia ser
investigado pelos inquisidores, figura que representava, num só papel, policiais,
carcereiros, acusadores e juízes (LINS, 2017a).
Diversos Concílios discutiram a questão da Inquisição. Mas, de forma
resumida, o que se pretendia era erradicar a heresia (FEDERICI, 2016).
Portanto, a Idade Média foi uma época bastante contraditória, posto que ao
mesmo tempo (i) que a imagem da mulher historicamente teve uma melhora, houve
a inquisição e a caça às bruxas, promovida pela Igreja; e (ii) o casamento era uma
prática desvalorizada e o amor entre homem e mulher era tão condenado que
gerava estranhamento cogitá-lo (uma vez que o amor puro se direciona a Deus),
surge o amor cortês e a valorização da mulher desejada (ainda que inalcançável).
Neste contexto, observa-se que houve uma intensificação a caça às bruxas,
durante os séculos XVI e XVII, que será abordada no Renascimento.
31

5 IDADE MODERNA

(...) tantos elementos conjugam-se contra a independência da mulher que


nunca se encontram abolidos ao mesmo tempo: a força física não mais
importa, mas a subordinação feminina permanece útil à sociedade no caso
de ser casada. Por isso, o poder marital sobrevive ao desaparecimento do
regime feudal. (BEAUVOIR, 2016, p. 140).

A Idade Moderna, situada os séculos XV e XVIII, será destrinchada adiante


em dois períodos relevantes: a Renascença e o Iluminismo. De todo modo,
considerando que foi nesta época que ocorreu a transição do feudalismo para o
capitalismo, cabe falar brevemente sobre este acontecimento.
Federici (2016) explica que o capitalismo não foi fruto do desenvolvimento
evolutivo de uma sociedade e de sua economia, mas uma resposta daqueles que
detinham o poder diante de um conflito social que tomou proporções tão grandes
que exigiu uma contrapartida igualmente forte. Assim, o capitalismo foi uma medida
de contrarrevolução que acabou com a possibilidade de outras alternativas que
surgiam neste período de se concretizarem.
O modo de vida das mulheres se entrelaça com a história do capitalismo e,
para se refletir acerca do tema, é preciso ir além da luta de classes e observar a
vida social e as transformações nas relações de gênero que permeiam referida
vivência. Por exemplo, foi nesta transição (do feudalismo para o capitalismo) que
surgiram as primeiras tentativas de desafiar o poderio masculino (dominante) e a
busca por relações igualitárias entre homens e mulheres - pensamentos bastante
transgressores. Foram tais reivindicações que foram combatidas através do
capitalismo e que, se consideradas à época, poderiam ter mudado a história que a
partir dali foi escrita (FEDERICI, 2016).
Para que seja possível ter um panorama geral do que se está discutindo,
traz-se breve relato de Beauvoir (2016) e Saffioti (2013):
No feudalismo, o direito feudal era confuso quanto aos direitos de
propriedade privada e de soberania. Isso se refletia nos direitos das mulheres: por
vezes valorizadas, por vezes rebaixadas. Uma mulher não poderia deter uma
propriedade feudal, por ser considerada incapaz de defendê-la. Mas, quando os
feudos tornaram-se hereditários e patrimoniais, a mulher passou a ser herdeira da
terra, desde que observada por um tutor do sexo masculino, geralmente seu marido.
Assim, a mulher era apenas um instrumento para a transmissão dos bens. Casar-
32

se, para os homens, significava multiplicar propriedades. Em outras palavras, a filha


ou a viúva, neste contexto, tinham os mesmos direitos patrimoniais que os homens.
Porém, ao se casarem, passavam a ser tuteladas pelos maridos, que poderiam
dispor de seus corpos e bens como lhes conviesse. Portanto, para a mulher, o
casamento não era um meio para se buscar a felicidade pessoal, mas sim uma
forma de consolidar uma posição social e garantir estabilidade econômica
(BEAUVOIR, 2016; SAFFIOTI, 2013).
A revolução burguesa12, respeitadora dos valores burgueses, foi promovida
por homens, e por causa destes fatores, não mudou de maneira relevante a
situação feminina. As mulheres que tinham maior independência eram aquelas que
trabalhavam, exerciam ofícios como lavadeira, vendedora, etc. As camponesas
participavam fortemente das atividades rurais, mas eram tratadas como
empregadas, não podendo sequer sentar-se à mesa com a família durante as
refeições - eram respeitadas pelos homens porque necessárias para o provento do
lar (BEAUVOIR, 2016).
Saffioti (2013, p. 63 e 64) explica que

não se trata de indagar aqui se o papel econômico lhe assegurava [à


mulher] posição social compensatória de sua submissão ao centro de
decisões da família: o homem. Trata-se, isto sim, de indagar se, não
obstante sua incapacidade decisória, a mulher encontra via de integração
nas sociedades pré-capitalistas. (...) pode-se afirmar que as possibilidades
de integração da mulher na sociedade variam em razão inversa do grau de
desenvolvimento das forças produtivas. (grifo nosso).

Quando do início do capitalismo, a mulher era vergonhosamente explorada,


mais que os operários do sexo masculino; as condições eram as mais adversas
para as mulheres. Os patrões afirmavam preferirem as mulheres por trabalharem
mais e com um custo mais barato. Essa afirmação traduz o drama do trabalho
feminino: foi pelo trabalho que a mulher conquistou sua independência, mas sob
condições pesadas e vagarosas. A individualização inaugurada pelo capitalismo é
uma dupla desvantagem social para a mulher, pois (i) ela era subvalorizada, devido
à supremacia masculina em termos superestruturais e (ii) estruturalmente, a mulher
era alocada de maneira periférica no sistema de produção (BEAUVOIR, 2016;
SAFFIOTI, 2013).

12
Assim chamadas por Simone de Beauvoir as revoluções francesa e industrial.
33

5. 1 RENASCENÇA

"Um animal imperfeito, sem fé, sem lei, sem medo, sem consistência.
(ditado francês do século XVII sobre as mulheres)" (FEDERICI, 2016, p.
288).

No Renascimento, cujo período se deu entre os séculos XVI e XVII, houve


uma expansão das indústrias e do comércio e, com isso, as cidades se
desenvolveram. Nesta fase teve início o Humanismo, caracterizado por uma nova
visão do homem em relação a si próprio e a Deus (LINS, 2017a).
Vale explicar que do século XIV ao XVIII, começam a se formar as nações tal
como se coadunam atualmente. A caça às bruxas auxiliou na concentração do
poder e, também, na formação do Estado moderno e do capitalismo porque, como
consequência da repressão da sexualidade pela ética vigente, consolida-se a
competição entre homens e mulheres, tendo justamente por base a insatisfação
sexual. Daí surge o trabalho compulsivo e sem gratificação, comportamentos berço
para a Revolução Industrial que estava por vir (LINS, 2017a).
Nesta época, as teorias produzidas pelos teólogos se misturavam à medicina
e à sabedoria popular. A ideia do pecado continua predominando, sendo o pecado
mais grave o da luxúria, seguido por, nesta ordem: inveja, vaidade, preguiça e
orgulho. A mulher continua sendo vista como um ser inferior, cuja imagem mais se
relacionava com o Diabo do que com Deus - apenas o homem é inspirado por Deus
(LINS, 2017a).
Novamente, numa contradição quanto à imagem da mulher, ao mesmo
tempo que sua condição social alcançava nova melhora, ela também era vista como
a culpada por todo o mal do mundo e todas as mulheres precisavam ser punidas e
mortas. Ela continuava a ser considerada "um mal necessário" e, por toda essa
condição, eram mais suscetíveis à bruxaria que os homens. Pensadores da época
afirmavam que a luxúria carnal predominava nas mulheres, que são insaciáveis. Os
pensamentos de Santo Agostinho ainda permaneciam bastante influentes, mesmo
tendo se passado por volta de dez séculos. Assim, ficava cada vez mais arraigada
na sociedade a ideia dualista sobre a mulher: ou Dama ou Feiticeira (ou Maria ou
Eva) (LINS, 2017a).
34

A concepção de feiticeiros e diabos masculinos que causavam tempestades,


doenças no gado, problemas na agricultura e crianças deformadas era a
predominante até o século XV. Porém, os inquisitores passaram a culpar
principalmente as mulheres, convencidos de que todo o maleficium (práticas do mal)
estavam relacionadas a assuntos de ordem sexual. Assim, como a mulher era mais
fraca e suscetível ao Diabo, todos passaram a aceitar a existência de feiticeiras
mulheres, desde os cristãos até os humanistas. Para ser suspeita de bruxaria,
bastava ser uma moça atraente - então poderia se pensar que tal moça teve
relações sexuais com o Demônio e, desta forma, adquiriu poderes13 (LINS, 2017a).
A caça às bruxas teve seu pico quando as relações feudais já davam espaço
ao capitalismo mercantil, ou seja, entre 1580 e 1630. Curiosamente, a bruxaria se
tornou tema de debate entre intelectuais da época, que concluíam que este era o
mais vil dos crimes e, portanto, digno de punição (FEDERICI, 2016).
As execuções às bruxas eram um ritual com ares de espetáculo. Iniciadas
por uma procissão de oficiais eclesiásticos, mostravam a todos o poder absoluto do
Estado sobre os indivíduos, da Igreja sobre o Diabo e sobre os indivíduos, e das leis
sobre a família (público prevalece sobre o privado). Porém, havia uma mensagem
adicional para a mulher: os procedimentos, como o ato de decepar os seios da
mulher sob julgamento antes de matá-la, demonstravam para todos que a
sexualidade feminina era o que de mais perigoso existia. Desta forma, a única
maneira de uma mulher suspeita se salvar seria se tornar "não mulher", ou seja,
invisível em sua sexualidade e em sua maternidade o tanto que lhe fosse possível.
Em contrapartida, na mesma época os homens usavam codpieces14 que davam
destaque aos seus genitais (LINS, 2017a).
Lins (2017a, p. 295), nesse sentido, explica que

15
Durante três séculos, o Malleus foi a Bíblia dos inquisitores e esteve na
banca de todos os julgamentos. Para Rose Muraro, quando cessou a caça
às bruxas, no século XVIII, houve grande transformação na condição

13
Feiticeiras costumavam roubar sêmen de homens adormecidos, causar impotência, esterilidade e
abortos, além de doenças e deformidades em partes íntimas. A feitiçaria era um pacto com o Diabo
(LINS, 2017a).
14
A braguilha, em inglês chamada de codpiece, era uma peça de vestimenta medieval, usada nos
séculos XV e XVI para cobrir os órgãos genitais masculinos. Está associada à simbologia da
masculinidade (WIKIPÉDIA, 2018?).
15
Bula promulgada pelo papa Inocêncio VII, em 1484, para reforçar a caça aos feiticeiros. Até então
a Inquisição perseguia hereges – essa data marcou o início da perseguição à mulheres (e homens)
acusados de bruxaria (LINS, 2017a).
35

feminina. A sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam frígidas,


pois desejo e orgasmo são coisas do Diabo e, portanto, passíveis de
punição. Reduzem-se exclusivamente ao âmbito doméstico, pois sua
ambição também era passível de castigo. O saber feminino popular cai na
clandestinidade, quando não é assimilado pelo poder médico masculino já
solidificado.

Mas a caça às bruxas não aniquilou o Diabo - o que o enfraqueceu foram as


ideias mais racionais e científicas que começaram a se fortalecer neste período
(LINS, 2017a).
Federici (2016, p.305) resume nos seguintes termos:

Se consideramos o contexto histórico no qual se produziu a caça às bruxas,


o gênero e a classe das acusadas, bem como os efeitos da perseguição,
podemos concluir que a caça às bruxas na Europa foi um ataque à
resistência que as mulheres apresentaram contra a difusão das relações
capitalistas e contra o poder que obtiveram em virtude de sua sexualidade,
de seu controle sobre a reprodução e de sua capacidade de cura.

Quanto aos relacionamentos, o casamento firma-se como ritual religioso e,


como há muitos séculos, alterava o status social da mulher. Porém havia a crença
coletiva de que a vantagem do casamento para mulher, para além da proteção e
segurança que este a conferia, seria a de ter uma rica viuvez (LINS, 2017a).
As mulheres desejavam se casar e, para isso, era necessário oferecer um
dote ao futuro marido. Como muitas famílias não possuíam bens para compor este
dote, as moças trabalham dia e noite para juntar um razoável valor e, assim,
conseguir um bom casamento. O que ditava seu valor era a oferta e a procura -
havia a crença de que havia mais mulheres procurando um marido do que o
contrário. A maior parte das moças se casava entre 14 e 16 anos. No século XVII
chegaram a promulgar leis que obrigavam os homens com mais de 25 anos a se
casarem, caso contrário pagariam taxas. Porém, diziam também que o casamento
era valoroso ao homem porque ele precisava de alguém que provesse confortos
domésticos (LINS, 2017a).
O amor pouco se relacionava com o casamento, não sendo considerando
nem antes do ritual, nem depois. A sua função ainda era patrimonial. Assim, a
grande maioria das pessoas vinha a ter a experiência do amor depois de casados,
porém com outras pessoas (LINS, 2017a).
36

Sobre o adultério nesta época, havia diversos tipos de punição, como


banimentos, multas, açoitamento - para a mulher. O marido que se considerasse
enganado poderia manter sua esposa trancada numa instituição religiosa por dois
anos e, após, decidir se gostaria de tê-la novamente ou de que ela permanecesse
por toda a vida lá. Ao marido, nada acontecia. Mas estas regras não valiam para as
esposas das camadas mais ricas da sociedade - poucas eram fiéis e, ainda sim, tais
normas não lhe eram impostas (LINS, 2017a).
A separação entre amor e sexo ainda prevalecia nas relações - amava-se
uma moça com pureza, enquanto tinha-se satisfação sexual com outra. Muitos
amores, porém, tinham contato físico, mas sem a relação sexual, pois as damas,
por medo, se conservavam "puras". Nesse amor, a recompensa intelectual e
emocional era considerada o suficiente para alcançar a satisfação (LINS, 2017a).
Entretanto, "o sexo e o amor combinados começam muito lentamente a
infiltrar-se no casamento", pois, cada vez mais, os homens passavam mais tempo
dentro ou perto de seus lares por questões financeiras (LINS, 2017a, p. 267 e 268).
O amor cortês continuou a existir nessa época, com a mencionada inversão
de papéis quando desta forma de amor: era a mulher quem detinha o poder e
escolhia o cavalheiro que fizesse jus. O amor cortês feria o orgulho masculino,
colocando os homens num papel inferior. Vale lembrar que esta não era a posição
ocupada pelas esposas, mas apenas uma pequena porção da população feminina
que era nobre. Essa fantasia do amor cortês permanece até os dias de hoje, tendo
migrado para toda a população. Foi este tipo de amor o precursor do amor
romântico, que terá seu início no século XIX e que levou o amor para dentro do
casamento. (LINS, 2017a).
Lins (2017a, p. 268 e 269) afirma que

Casar por amor é uma ideia radical que se propaga. Não somente os
aristocratas e os intelectuais estavam começando a pensar que o amor
poderia associar-se ao casamento, mas a classe média também. Esta, que
aumentava, há muito tempo vinha invejando a conduta da nobreza na
esfera do amor romântico. O burguês e sua esposa não podiam dispor de
tempo, nem de dinheiro, para episódios extraconjugais de amor cortês. Ele
e sua mulher tinham, por tradição, descartado esse amor, fazer ao mesmo
tempo uso da moral cristã para justificar seu ponto de vista. Entretanto, os
ideais românticos unidos ao casamento constituíam algo que as classes
médias não somente podiam aceitar, mas pelo qual também haviam estado
ansiando, embora secretamente.
37

Desta forma, o lar passou a ocupar um espaço cada vez maior na vida das
mulheres. Sob o argumento religioso do casamento, a vigilância moral foi reforçada
e a mulher se tornou cada vez mais submissa e obediente ao marido. Enquanto
filhos homens e maridos podiam ter acesso ao mundo exterior ao lar, as mulheres e
filhas ficavam presas em casa - e isso teve reflexo na sexualidade exercida por
ambos os sexos. Ainda, o marido detinha todos os direitos sobre a mulher, que não
tinha qualquer autonomia patrimonial. A esposa deveria aceitar todo o imposto de
bom grado. Na prática, as relações eram muito violentas e havia muita discordância
entre os casais (LINS, 2017a).
Os papéis sociais, assim, foram definidos através as funções que cada um
exercia para a ordem pública. A masculinidade deveria ser dominante, viril e
agressiva. Assim, se um rapaz forçava ter sexo com uma moça, ele estaria
exercendo o que a sociedade espera dele. Já a moça deveria ter tido mais cautela
para que tal situação nunca chegasse a ocorrer ou deveria ter sido protegida pelos
homens de sua família (LINS, 2017a).
Falar de sexo, na Renascença, foi uma via muito popular de autoexpressão e
protesto. Nasce aqui uma crítica à Igreja, conforme explica Lins (2017a, p. 320 e
321):

Ao mesmo tempo que as mulheres, por conta de sua sexualidade, são


queimadas na fogueira, que os sermões nas igrejas aterrorizam os fiéis
com a possibilidade da danação eterna, o erotismo se desenvolve na arte e
na literatura. O século XVI aparece como aquele em que nasce uma crítica
à Igreja, que traz no seu rastro a legitimação da libertinagem e um número
impressionante de discursos pornográficos. A historiadora Mary Del Priore
concorda. Ela assinala que uma das consequências dos progressos da
repressão sexual foi a de levar a sociedade ocidental, em princípio
condenada a respeitar a decência e o pudor, a uma obsessão erótica
ligada, muitas vezes, ao culto clandestino da pornografia. O paradoxo da
Reforma Católica foi o de coincidir, na Europa aristocrática, com o
desenvolvimento da civilização renascentista. Misticismo e pecado, normas
e desregramento coabitavam na prática e nas representações. Sermões
tenebrosos sobre o Juízo Final conviviam com uma literatura erótica.

Nesta fase, o sexo foi reprimido porque incompatível com a exploração da


força de trabalho, posto que não se poderia desperdiçá-la com prazeres, apenas o
mínimo necessário para a reprodução. Outra razão ligada ao poder é o benefício do
locutor: se o sexo está fadado ao proibido e à sua inexistência, aqueles que falam
sobre ele e sua repressão estariam deliberadamente transgredindo, colocando-se
fora do alcance do poder e antecipando uma futura liberdade (FOUCAULT, 2017).
38

Foucault (2017) explica que no século XVII o sexo foi reduzido à linguagem,
havendo um discurso controlado e sendo banidas algumas palavras, para que
houvesse um começo de dominação deste no plano real. Porém, em contrapartida,
houve uma explosão discursiva até o século XX (período em que Foucault escreveu
sua obra), em que as restrições acerca do tema geraram um aumento do discurso
indecente. Como exemplos da multiplicação dos discursos como exercício do poder,
temos as restrições feitas pela Igreja Católica, em que, apesar de que tudo deveria
ser dito e da necessidade de se examinar os atos, pensamentos, memórias e
sonhos, instruiu-se que não deveriam ser explicitadas minuciosamente as peripécias
sexuais no ato da confissão em si, sendo recomendada a discrição – daí o bom
cristão.
O importante é transformar o desejo em discurso, ainda que seja necessária
a neutralização das palavras sempre que possível. Vale mencionar tais cuidados
são acessórios à função principal de tornar a sujeição à censura “moralmente
aceitável e tecnicamente útil” (FOUCAULT, 2017, p. 23).
Foucault (2017) resume que o Direito Canônico, a pastoral cristã e a lei civil
eram os três grandes códigos que regiam os costumes e as práticas sexuais até o
final do século XVIII. Cada um deles definiu em sua esfera o que era lícito e ilícito, e
os três focavam na questão matrimonial: deveres e exigências conjugais, carícias
inúteis, fertilidade, frequência das relações (como por exemplo tempos de proibição
como a Quaresma ou períodos de abstinência). Assim, o sexo marital era
sobrecarregado de normas e a relação dentro do casamento era o grande foco de
repressões. Outras práticas, como a sodomia ou a sexualidade das crianças
permaneciam tratadas de maneira confusa ou indiferente. A condenação, para todos
estes códigos, era o destino tanto para infrações às regras das alianças quanto
desvios em relação à genitalidade - não havia distinção nítida entre as punições às
leis do casamento ou a busca de prazeres "estranhos".
Portanto, até o final da Idade Média, a população acreditava nos preceitos da
Igreja e em Deus. Mas, teve início, gradativamente, questionamentos acerca da
conduta da Igreja e do papel de seus representantes como mediadores válidos. A
Igreja, que tinha uma postura gananciosa e contraditória em relação aos seus bens
e à questão da salvação do homem, gerou questionamentos dentre os próprios
cristãos. Em consequência, durante o Renascimento, Martinho Lutero deu início à
39

Reforma Protestante, num movimento de renovação ética, eclesiástica e doutrinal e


atacando a corrupção da Igreja (LINS, 2017a; FERREIRA, 2013).
Todavia, apesar de ser importante mencionar neste trabalho que tal
acontecimento histórico ocorreu, como forma de protesto às posturas da Igreja
Católica, este viés da Reforma não será aprofundado, uma vez que foge do escopo
deste trabalho.

5. 2 ILUMINISMO

"a fuga do 'natural' havia começado; o desafio moderno às estruturas


psíquicas e morais tradicionais estava inaugurado." LINS (2017b, p. 33)

O Iluminismo, considerado a "Idade da Razão", se deu entre os séculos XVII


e XVIII.
Lins (2017a) explicou que tais noções começaram na Renascença, mas
Foucault (2017) aprofunda-se afirmando que foi no século XVIII que surge a
população enquanto problema econômico e político, pois é a primeira vez que
expressamente uma sociedade relacionou seu futuro financeiro com, para além dos
casamentos e organização familiar, a conduta sexual. Assim, a conduta sexual é
objeto de análise e intervenção, ao mesmo tempo.
Quanto aos pensadores da época, os intelectuais distanciaram-se da
emoção, pois estavam desiludidos com as tradições deixadas pela Idade Média e
buscavam um estilo de vida na razão. A matemática e a física tomaram maiores
proporções, em detrimento da teologia e da metafísica. Aqueles com algum estudo
e a aristocracia aderiram a esta nova visão de mundo, que até então era regida pela
fé, porque oferecia todas as respostas. Foi nesta época que a ciência, ideias como
"o universo não é influenciado por Deus" e a noção de direitos igualitários
começaram a se firmar (LINS, 2017b).
Ferreira (2013, p. 233) comenta que:

Com o (...) Iluminismo, a Europa foi varrida por uma maré de ceticismo e
indiferença para com a fé cristã. E o conflito entre essas novas filosofias e a
igreja católica chegou ao seu auge com a Revolução Francesa. Nessa
época, as lideranças revolucionárias aboliram os privilégios do clero, que foi
reduzido à condição de funcionário público, sujeitando-se às intervenções
do Estado. Os bispos passaram a ser eleitos pelo voto, quando dirigentes
civis também eram escolhidos.
40

A Enciclopédia, propulsora da ciência e símbolo do Iluminismo, publicada


entre 1751 e 1766, foi censurada pela Igreja Católica sob o argumento de conter
afirmações falsas e escandalosas. Mas, apesar das proibições, a obra percorreu a
Europa e chegou até a América. Filósofos como Voltaire e Jean-Jacques Rousseau
são desta época (LINS, 2017b).
Como o medo do inferno já não era mais tão grande, consequentemente a
religião também já tomava proporções menores. Assim, no que tange à busca do
prazer, como era uma época em que se focava no presente, almejar prazer
momentâneo assume o lugar do desejo pela santidade; o bem-estar, a saúde e a
riqueza já não são mais desprezíveis como outrora foram (LINS, 2017b).
O reflexo disto no amor é o rebaixamento das emoções a "paixões ridículas";
o estilo romântico e sofredor era considerado como uma "infância da humanidade".
O amor era reduzido ao desejo sexual, que deveria ser satisfeito sempre que
conveniente. Na linguagem, tanto escrita quanto falada, o uso das palavras era
prolixo, de modo a diminuir a importância de uma emoção, sem deixar de dizê-la.
Havia dentre os homens uma prática tida como um "esporte maldoso", que seria o
de conquistar uma mulher, fingindo emoções sem sentir o menor envolvimento e
logo após deixá-la, tratando-a como objeto sexual. Exemplo desta prática da época
é o personagem Don Juan, famoso justamente por suas conquistas amorosas
(LINS, 2017b).
Na época, uma prática comum eram os bailes de máscaras, o qual todas as
classes sociais poderiam frequentar. Gozavam de plena liberdade nesses bailes,
fantasiando-se da maneira que quisessem e, muitas vezes, do gênero oposto. Este
costume mostra as novas possibilidades sexuais deste período, potencialmente
ilimitadas, pois as pessoas poderiam experimentar, para além de diversos desejos,
as experiências sociais de outros corpos. Alguns relatos destes bailes, ao narrarem
equívocos relacionados à homossexualidade casual, incestos e, também, casos
extraconjugais ou os perigos que corriam as mulheres (virgens ou não) que fossem
desacompanhadas de um homem, acabavam por revelar quais eram os tabus do
período (LINS, 2017b).
Quanto às mulheres, os racionalistas, apesar de descartarem as ideias de
que as mulheres fossem uma personificação do mal, não a consideravam como
uma igual - elas eram consideradas um ornamento, um ser irracional, cuja
mentalidade era comparada a de uma criança (LINS, 2017b).
41

Muitas não sabiam como preencher o vazio que sentiam, pois, libertas de
quaisquer entraves, não sabiam como direcionar suas energias ou a quem
consagrar seus corpos, lembrando que recebiam uma fraquíssima educação e por
isso não se envolviam em atividades intelectuais. Entretanto, foi nesta época que o
movimento pela igualdade entre homens e mulheres teve seu início. 1789, ano da
Revolução Francesa, foi o início das reivindicações femininas contra a segregação
que sofrem até os dias atuais (LINS, 2017b).
O casamento era firmado e movido por interesses financeiros; o amor,
considerado praticamente inacessível, poderia até surgir após o matrimônio, mas
nunca antes dele. Não era considerado muito adequado ver um marido e uma
esposa juntos, em público, tampouco que dividissem suas intimidades ou interesses
- o ideal era que tivessem vidas apartadas. Aos homens era autorizado que
tivessem casos fora do casamento e as mulheres também poderiam os ter, caso os
maridos não se importassem (se se importassem, ela poderia até ser condenada a
pena de morte). O marido era a autoridade da casa, vendo sua esposa como uma
parceira - desde que ela soubesse seu lugar de inferioridade, sendo a submissão
indispensável e entendendo a esposa que tudo que corresse no casamento era
culpa exclusiva dela, como a infidelidade do marido ou possíveis irritações que ele
viesse a ter. Apesar de ser juridicamente permitido que ele a espancasse, já não era
mais uma prática vista com bons olhos - a recomendação era a de confinamento
domiciliar (LINS, 2017b).
O sexo no casamento era considerado uma masturbação a dois. Não havia
intimidade, cumplicidade. Havia obrigação, não desejo. Assim, toda a ejaculação
que fosse extravaginal era condenada, especialmente no sexo anal, pois não visava
a procriação (LINS, 2017b).
Apesar disto, surge modestamente nesta época um ideal de companheirismo
entre os casais, baseado no afeto e no respeito. É a noção da esposa como
companheira de um grande homem, lhe dando suporte (LINS, 2017b).
O divórcio era plenamente aceito e ambas as partes poderiam pedi-lo, pelos
mais diversos motivos, tais como: incompatibilidade de gênios, demência, ausência,
emigração, etc. Como os direitos eram iguais, neste caso, para homens e mulheres,
surgiu neste contexto a oportunidade de se pensar em um casal igualitário. Mesmo
com essas facilidades, o marido ainda poderia vender sua esposa caso desejasse
se divorciar (LINS, 2017b).
42

Nesta época ocorre uma invasão pornográfica, pois as relações entre alma e
corpo estavam se modificando e, no início, estas obras surgiram como uma
resistência ao Estado e à Igreja. É uma época em que libertinos16 e puritanos
coexistem; havia uma busca pela liberdade acompanhada de uma longa trama
cultural (LINS, 2017b).
Lins (2017b, p. 61) explica que "a pornografia do século XVIII pode ser
definida como a apresentação escrita ou visual de todo comportamento sexual que
viola deliberadamente os tabus morais e sociais aceitos". A Igreja e o Estado ainda
controlam o povo, mas não a aristocracia.
A masturbação foi repreendida fortemente e as práticas homossexuais
sofreram uma interdição absoluta. Jovens rapazes afeminados eram considerados
de um terceiro "gênero" (apesar de esta noção ainda não ser clara à época),
chamado sodomita. A percepção daquilo que era do masculino começa a gerar
ansiedade (LINS, 2017b).
As doenças venéreas se disseminam nessa época, especialmente por causa
das prostitutas. Surge o mito de que relacionar-se com uma virgem curaria as
doenças, pelo que a prática do rapto de meninas de 13 anos ou menos é presente
em arquivos judiciários (LINS, 2017b).
A partir da Revolução Francesa17, a Igreja vai ensinar aos jovens nobres que
a causa da catástrofe foi o comportamento libertino de seus pais, o que tornará a
nova geração antilibertina. Surge uma nova repressão à sexualidade, que perdurará
por algum tempo (LINS, 2017b).
O casamento como contrato civil surge durante a Revolução, espelhando-se
nos princípios de liberdade e igualdade e trazendo-os para o privado. A partir deste
movimento o casamento passou a ser laico, unindo os casais mediante suas
vontades e diante da lei, não mais de Deus. Assim, a ideia do casamento cristão
indissolúvel não estava mais em voga (LINS, 2017b).

16
Os Libertinos surgiram na França e refletiam o modelo de vida da corte à época do Rei Sol, Luís
XIV. Nos bailes havia incitação ao adultério, incentivada pelo próprio rei. A liberdade sexual, a
apologia ao prazer individual, era um privilégio aristocrático (LINS, 2017b).
17
"Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era francês; foi uma revolução em massa,
diferente de todas que a precederam e a seguiram, e muito mais radical que qualquer outra. A
Revolução Francesa não desejava apenas mudar um governo antigo, mas abolir a forma antiga de
sociedade. Ela teve como objeto questionar os poderes estabelecidos, arruinar todas as influências
reconhecidas, apagar as tradições, renovar os costumes e os usos e, de alguma maneira, esvaziar o
espírito humano de todas as ideias sobre as quais se tinham fundamentado até então o respeito e a
obediência." (LINS, 2017b, p. 77).
43

Lins (2017b, p. 82) explica que "no final do século XVIII, os discursos sobre o
corpo perdem o caráter religioso por conta das revoluções políticas, sociais e
científicas. Entretanto, com novos argumentos, trazem reforço para a dominação
masculina sobre a mulher." Isso porque, apesar de a dominação não mais se
reforçar pelo divino, e sim por uma interiorização da inferioridade feminina, num viés
social. A mulher deve ser protegida do mundo exterior, enquanto o marido sai para
conquistar o mundo. O grupo familiar fica cada vez mais afastado da sociedade.
44

6 IDADE CONTEMPORÂNEA
Este período histórico será explicitado através do Romantismo e do Século
XX. A atualidade será abordada nas considerações finais.

6.1 ROMANTISMO

No século XIX, a medicina dá um passo decisivo no controle


da sexualidade, realizando a tomada do poder de prescrever e
de guiar, em nome de um saber erigido em nova religião, com
suas igrejinhas, seus hereges e seus incrédulos (LINS, 2017b,
p. 106).

Este período está compreendido entre 1800 a 1914. Pode-se dizer, de


maneira a facilitar o diálogo, que perdurou pelo século XIX.
O sentimento romântico e o amor passaram a ser tratados como prioridade, o
oposto do que ocorreu no período histórico anterior. No ideal romântico, os amantes
acreditavam compreender, para além do que o outro dizia, o que ele sentia. Surgiu
nessa época uma poesia amorosa, recatada e sentimental, sem ser lasciva ou
espirituosa. O controle das emoções foi substituído pela sensibilidade da alma
(LINS, 2017b).
A burguesia acreditava que para que uma sociedade fosse moralmente
inatacável, era preciso que fosse composta por pessoas de sentimentos verdadeiros
e unidas pela compaixão, o que propagou o culto aos sentimentos. Essa tradição foi
herdada do amor cortês, praticado na época medieval, porém um tanto modificada
para atender às necessidades de uma população em meio à Revolução Industrial18
(LINS, 2017b).
Lins (2017b, p. 102), afirma que

O romântico adorava aquilo que era natural ao homem e aquilo que fosse
singular em cada pessoa. Prezava a sensação e emoção como essenciais
à vida e considerava humano que os sentimentos das pessoas mudassem
a cada momento e situação. (...) A paixão revigorante dos românticos
cativara a fantasia da classe média, mas seu ataque a instituições desde
muito prezadas tornou os românticos inaceitáveis diante da burguesia
poderosa. O código burguês acentuava responsabilidade pessoal pelos
atos de cada um, respeito aos pais e adesão formal à religião.
18
"Período histórico durante o qual a Inglaterra se transformou, de sociedade feudal-mercantil, de
economia preponderantemente agrária, (...) em economia industrial, caracterizada pela produção em
grande escala, mediante a utilização crescente de máquinas, sociedade na qual passou a
predominar a burguesia. (...) A Revolução Industrial inglesa (...) teve caráter predominantemente
econômico, com repercussões políticas” (ENCICLOPÉDIA, 1980, p. 9877).
45

Porém, algumas práticas sociais não necessariamente seguiam este código.


Os jovens ansiavam por mais liberdade de ação e os críticos, cansados dos
casamentos por conveniência, afirmavam que tais casamentos eram geradores de
uma infelicidade perpétua. A força da nova paixão sensual, aliada a todo esse
contexto, criou novos ideais de amor e casamento, que começaram a se propagar
na cultura ocidental (LINS, 2017b).
A sexualidade volta a ser retraída, e homens e mulheres comportam-se de
maneira quase virginal. Inclusive, foi nesta época que foi proclamado o dogma
acerca da imaculada conceição de Maria, que significa que ela foi concebida sem
pecado original. A mulher ideal era a envergonhada, não a que demonstrava
interesse. Os rapazes, tomados pelos sentimentos, já não buscavam os galanteios
para seduzir moças e em seguida abandoná-las, mas um amor puritano como
finalidade para a vida (LINS, 2017b; FERREIRA, 2013).
Segundo Lins (2017b, p. 106), em meio a todo esse contexto, a rainha Vitória
assume o trono da Inglaterra, em 1837, dando início ao que se chama de período
Vitoriano. Seu reinado fez com que tradições medievais voltassem a vigorar - como
a repressão da sexualidade feminina - e toda a classe média passou a controlar
suas maneiras, de modo a agradar à rainha (que também é a representante da
igreja, ainda que a anglicana). Ela acreditava em preceitos como: o nascimento de
uma criança era "o lado negro do casamento".
A medicina começou a tomar força nessa época, considerada por alguns
pensadores como a nova religião da modernidade e conquistou um público
abastado por responder de maneira racional as questões relativas ao corpo e a
morte, por exemplo. Assim, passou a determinar o que poderia ou não ser feito na
sexualidade, e prescreveu comportamentos como o de não se masturbar (pois os
excessos levariam à doença) e o de praticar o ato sexual com moderação, pois ele
era perigoso e poderia ser mortal. Apesar de ser chamada de medicina, à época
não se baseava em dados científicos, mas nas necessidades culturais que tinham
por referência. Portanto, preceitos disfarçados de questões relativas à saúde eram,
na verdade, consequência do sentimento de culpa cristã, herdado de tempos
anteriores (LINS, 2017b).
46

Este período pode ser encarado como o século do pudor, pois os


comportamentos eram envergonhados. A comunicação verbal e não verbal evitava
de todo modo a sexualidade; palavras que designavam órgãos sexuais passaram a
ser evitadas, assim como "gravidez" e "criança recém-nascida"; quando uma mulher
ia ao médico, precisava apontar numa boneca onde sentia dor, para evitar qualquer
gesto inapropriado, por exemplo (LINS, 2017b).
Médicos afirmavam que as paixões das mulheres eram a casa e os filhos e
que somente tinham relações sexuais para satisfazer aos maridos. Recomendavam,
inclusive, que as mulheres engravidassem de 2 em 2 anos, isto porque nos 9 meses
da gravidez, somados aos meses de aleitamento materno, a mulher não desejaria
ter relações sexuais, o que conteria os desejos de seu cônjuge, também. À mulher,
o desejo e o prazer sexual eram proibidos (LINS, 2017b).
A sexualidade era veemente evitada no século XIX, porém aparecia nos
lugares mais inusitados, como na mobília que possuía contornos do corpo de uma
mulher e na prática considerada ofensiva de um homem oferecer uma coxa de
frango a uma mulher. Andar a cavalo, para uma mulher, só era permitido se ela se
sentasse com as duas pernas do mesmo lado. Não poderia se sentar com as
pernas abertas, pois ela não poderia ter nada tão representativo entre as pernas
(LINS, 2017b).
Lins (2017b, p. 111) explica que

A religião, aproveitando ventos favoráveis à repressão, armou as


congregações femininas de argumentos. Os sentidos seriam portas abertas
para o demônio, sendo importante cultivar a virtude do silêncio e evitar a
sensualidade. O modelo era o angelical. Entre outros delírios, nasceu o
culto à Filomena, santa que nunca existiu, mas foi alvo de inúmeras
biografias como padroeira das jovens que desejassem se manter intactas.

Neste período, a misoginia tomou força, juntamente ao imperialismo e ao


colonialismo. Os homens europeus buscavam controlar o mundo, e isso pode ter
sido o que os levou a querer controlar, também, as mulheres, cujas vidas sofreram
retrocessos (LINS, 2017b).
Prova disto são os códigos jurídicos da época, que negavam às mulheres "o
controle de sua propriedade e renda, deram autoridade principal dentro da família
somente para o marido, tornaram ilegais quaisquer tentativas por parte das
47

mulheres de controlar sua fertilidade e as proibiram de ter uma educação superior e


treinamento profissional" (LINS, 2017b, p. 112).
No Revolução Industrial modificou o lugar da mulher no trabalho: quando no
campesinato, a mulher sabia da importância do trabalho pesado que exercia para
grupo familiar. No capitalismo, a mulher operária tornou-se uma escrava de seu
salário, muitas vezes recebendo metade ou menos do que um homem receberia
pelo mesmo trabalho (LINS, 2017b).
Em resumo, as mulheres eram consideradas fracas, inferiores e incapazes de
estudos avançados ou de uma intelectualidade. Considerava-se que não poderiam
ter direito ao voto, pois não eram suficientemente pensantes e, do ponto de vista
biológico, eram legitimamente consideradas da espécie Homo sapiens, porém numa
escala entre uma criança e um adulto (LINS, 2017b).
Aqui, poderia haver amor no casamento, porém, aquela mulher idealizada no
namoro e noivado, era considerada degradada pelo casamento. Em contrapartida,
casar-se era um bom negócio para mulher, que adquiriria status econômico e social.
A mulher que se mantivesse solteira era uma fracassada que ocupava seu tempo
acompanhando sua mãe, cuidando de seus sobrinhos ou dedicada aos bordados.
Se tivesse um trabalho remunerado, seu status social era ainda mais diminuído
(LINS, 2017b).
O movimento do campo para os centros urbanos fez com que surgissem as
famílias nucleares: pai, mãe e filhos. Longe da grande família, era preciso criar laços
mais estreitos entre marido e mulher, o que fez do amor romântico uma
possibilidade dentro do casamento (LINS, 2017b).
Poster (1978), neste sentido, explicou que as famílias burguesas começaram
a adotar um novo padrão de intensidade emocional e de privacidade e que o
planejamento familiar em tais famílias começou a ocorrer. Além disso, os jovens
mais frequentemente escolhiam com quem se casariam, o que trazia um impasse
entre a escolha individual e a preservação do capital familiar.
A visão do homem para a mulher continuou a permear extremos: ou anjo ou
prostituta. A mãe estava em grau de igualdade biológica para o homem, mas só
quando da descoberta do papel da mulher na reprodução. Ao marido ainda era
permitido que batesse em sua esposa, para corrigi-la e tal procedimento ocorria em
todos os níveis sociais (LINS, 2017b).
48

Nesta época, as mulheres começaram a mudar sua comunicação com os


homens: chamavam de franqueza o ato de dizer o que sentiam e pensavam. Mas,
os homens consideravam arriscado expor sentimentos e ter conversas íntimas com
suas esposas. Em casa, a estrutura já começava a se assemelhar ao que existe
atualmente, com maridos e esposas dormindo juntos, no mesmo quarto, e
começando a valorizar a intimidade do casal (LINS, 2017b).
Com todo este cenário, ou seja, com as esposas ocupando majoritariamente
o espaço privado do lar e com o recente relacionamento entre os cônjuges, o
adultério ficou mais difícil de ser cometido. Homens passaram a considerar a
esposas de outros homens tão imaculadas quanto as suas próprias e a traição era
vista com maus olhos pela sociedade. Já em relação ao divórcio, a decisão era do
homem - a mulher não poderia se separar se o marido quisesse continuar casado
(LINS, 2017b).
Quanto aos corpos, a nudez era proibida. Havia produtos para misturar à
água dos banhos, a fim de evitar que as mulheres se vissem nuas e olhar-se no
espelho desnuda era um ritual proibido. Porém, foi nesta época que os esportes
voltam a ser praticados, após terem sido abolidos durante a Idade Média (LINS,
2017b).
Com os avanços tecnológicos, o início do cinema e a facilidade (para época)
em tirar fotos, a pornografia começou a tomar maiores proporções. Empresários
registravam seus atos sexuais, por exemplo (LINS, 2017b).
A homossexualidade, que antes era vista como um pecado contra Deus,
passa a ter a posição da medicina a seu desfavor, que a repreendia (LINS, 2017b).
Foi nesta época que a Psicanálise começa a ter contornos; Freud escreve
seus textos sobre sexualidade em meio às concepções deste período (LINS,
2017b).

6.2 SÉCULO XX

"Identidade é movimento, É desenvolvimento do concreto. Identidade é


metamorfose. É sermos o Um e um Outro, para que cheguemos a ser Um,
numa infindável transformação." (CIAMPA, 1989, p. 73).
49

O século XX teve uma série de acontecimentos marcantes. Nele, ocorreram


duas guerras mundiais e diversas revoluções nas artes, literatura e, inclusive, nas
relações amorosas.
Este foi o século em que mais se buscou o amor. Existiu a crença de que
sem encontrar o amor de sua vida, nada terá valido a pena. A noção de que para
ser feliz era preciso escolher alguém com reciprocidade era pertencente a todas as
classes sociais. O amor, aqui, buscava harmonizar a satisfação sexual, a amizade,
o afeto e a procriação num único instituto. O casamento por conveniência ocorria
cada vez menos (LINS, 2017b).
Na primeira metade do século XX, as mulheres queriam conquistar igualdade
perante os homens, tanto a legal quanto a do estudo. Não queriam mais estar
presas ao lar, ao privado, tampouco serem dependentes dos maridos. Porém, a
influência dos séculos anteriores ainda permanecia forte e traz uma série de
conflitos (LINS, 2017b).
Em contrapartida, a mulher ainda sentia a necessidade - lhe ensinada há
séculos - de corresponder às expectativas masculinas, pois havia o medo de ficar
solteira ou de não viver um grande amor. Assim, muitas aceitavam colocar-se no
papel de inferioridade, mesmo infelizes, para poderem se relacionar. Muitos homens
se sentiam ameaçados ao se relacionarem com mulheres intelectualizadas e que
trabalhem fora. Temiam que a possível pretendente possa derrotá-los num debate
ou ser melhor sucedida - porque isso feriria sua superioridade masculina (LINS,
2017b).
Beauvoir (2016), no mesmo sentido, ensina que

O privilégio econômico detido pelos homens, seu valor social, o prestígio do


casamento, a utilidade de um apoio masculino, tudo impele as mulheres a
desejarem ardorosamente agradar aos homens. Em conjunto, elas ainda se
encontram em situação de vassalas. Disso decorre que a mulher se
conhece e se escolhe, não tal como existe para si, mas tal qual o homem a
define.

O prazer continua sendo um assunto velado às mulheres e, antes do


casamento, permanecia o dever de se manterem virgens. Aos homens, era
conferida a liberdade de irem em busca de sexo em bordéis, uma vez que deveriam
respeitar as moças de família. Se ousassem ter relações sexuais com uma delas
durante o namoro, o casamento era obrigatório (LINS, 2017b).
50

Quando do casamento, caberia aos maridos dar prazer à suas esposas.


Porém, elas até então eram virgens; eles, só conheciam prostitutas (em sua
maioria). Então o sexo entre o casal tornava-se bastante complicado e confuso.
Mas, se a recém-casada demonstrasse vontade em praticar o ato sexual, isso
causava estranhamento ao cônjuge, que aprendeu desde sempre que a mulher só
sentiria desejo se estimulada (LINS, 2017b).
O Código de Direito Canônico (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 1983),
promulgado em 1917 pelo Vaticano, discorre acerca dos mais diversos temas que
se relacionam com a Igreja Católica. Quanto aos sacramentos, divide curiosamente
as sessões em "Do Matrimônio" e "Dos Sacramentos, com exceção do matrimônio".
Isso leva a considerar a especificidade do matrimônio como sacramento que merece
uma regulação distinta dos demais. Diz o referido Código (CÓDIGO DE DIREITO
CANÔNICO, 1983), sobre o casamento:

Cân. 1055 — § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher


constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua
índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole,
entre os baptizados foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de
sacramento (grifos nossos).

Salzman e Lawler (2012) explicam que o matrimônio foi tido por séculos
como um contrato cujo objeto é o direito dos cônjuges sobre os corpos um do outro,
de forma vitalícia, para que haja relações sexuais a fim de procriarem. A procriação
era, então, o principal objetivo do casamento. Porém, o Papa Pio X, em meados dos
anos 1930, conciliou estes conceitos com a noção de que o matrimônio deveria ser
uma união que possuísse amor conjugal (um amor que se prova através de feitos) e
intimidade. Este Papa determinou, então, que o amor mútuo e a intimidade entre os
cônjuges eram, na realidade, o principal tema do casamento, não mais a procriação.
Portanto, na visão católica que se construiu no século XX, o casamento nada
mais é que

"(...) realidades humanas nas quais um homem e uma mulher buscam


tornar-se uma única pessoa em uma comunhão de vida íntima e igual,
amor e serviço. (...) Na medida em que se tornam uma pessoa-corpo no
amor pactual, eles servem, por meio da sua união conjugal e sexual, de
símbolo profético de uma união semelhante que existe entre seu Cristo e
sua Igreja". (SALZMAN e LAWLER, 2012, p. 51).
51

Neste século, a dicotomia "Eva x Maria", se apresenta entre a "garota dos


anos loucos" e a "esposa virtuosa", em que a primeira era "cheia de liberdades",
enquanto a segunda vivia para satisfazer o marido (LINS, 2017b, p. 214).
Os esportes tornaram-se cada vez mais difundidos entre as mulheres, sob o
argumento de serem bons para a saúde. Começou, aqui, um novo ideal de beleza
feminina (LINS, 2017b).
Surgiram, neste período, uma série de métodos contraceptivos. O aborto, no
entanto, continuou sendo um tabu (LINS, 2017b).
Um estudo feito com mulheres, sobre as memórias que elas tinham acerca
da história dos métodos contraceptivos no Brasil, afirmou que a interferência da
Igreja na vida íntima dela era maior até a propagação dos métodos contraceptivos
(nos anos de 1960, a pílula anticoncepcional e o DIU começaram a ser
comercializados no Brasil) (PEDRO, 2003).
Segundo a Comunidade Canção Nova, movimento respeitado de renovação
carismática católica, a Igreja se posiciona de maneira contrária a métodos
contraceptivos desde os anos de 1930, considerando-os ilícitos dentro da fé
católica, uma vez que todo ato sexual deve estar aberto à procriação. Entretanto, se
forem utilizados métodos chamados de "naturais", como o controle a partir do ciclo
menstrual da mulher, a Igreja os autoriza (PEREIRA, 20--).
Após a Segunda Guerra, os namoros tornaram-se mais íntimos. A troca de
carícias permitia quase tudo, desde que fosse em absoluto sigilo e o hímen
permanecesse intacto (LINS, 2017b).
As moças continuam a ser pressionadas a se casarem, e nos anos 1950,
metade das recém-casadas nos EUA tem 20 anos, ou seja, havia o dever de se
casarem muito jovens. Neste período, houve um conflito entre as esposas: muitas
não queriam voltar a depender de seus maridos após terem ingressado no mercado
de trabalho e se verem obrigadas a retornar ao ambiente privado do lar19. Então, as
mídias da época procuravam ensinar às mulheres como, novamente, satisfazer
seus maridos em todos os sentidos, para que elas não os perdessem (LINS, 2017b).
Como em praticamente todos os períodos anteriores, aos homens o adultério
era autorizado, pois trazia a noção de virilidade. As mulheres deveriam ser discretas

19
Esta luta é retratada, por exemplo, no documentário "She is beautiful when she is angry" (em
tradução livre, "Ela é bonita quando está braba"), que fala sobre as mulheres feministas dos anos de
1960 e sua luta contra o patriarcado e o machismo. (SHE, 2014).
52

e manter a virtude de "esposas respeitáveis". Se um marido descobrisse uma


traição e não tratasse a esposa com violência ou se continuasse casado, seria
desrespeitado pelos seus semelhantes e ganharia apelidos como "corno manso",
um insulto gravíssimo a sua masculinidade (LINS, 2017b, p. 265).
A separação não era amigável, pois o casamento deveria ser duradouro e só
poderia ser rompido mediante uma falta gravíssima de um dos cônjuges (como o
abandono do lar, adultério, violência física e alcoolismo). À mulher, a separação era
assustadora, pois separar-se era imoral e a mulher separada era discriminada por
todos, desde sua própria família até os círculos sociais. Juízes, na época somente
homens, se indignavam ao ver uma mulher postulando seus direitos e suspeitavam
delas, acreditando que, na verdade, elas é quem haviam cometido alguma falta
grave. O marido poderia, até, matar sua esposa, sob o argumento de "legítima
defesa da honra" (LINS, 2017b).
Nos anos de 1960, houve, por parte dos jovens, movimentos de
contracultura, pacífico, que contestou toda a cultura da sociedade judaico-cristã,
suas tradições e moral - o motim era o de sair do sistema, de adotar novas posturas
com a natureza, nas relações, com o corpo e até mesmo com Deus (LINS, 2017b).
Dentre esses movimentos, estavam o movimento hippie, feminista, gay e a
revolução sexual. Neste trabalho, o foco será no feminista e na revolução sexual.
Na Revolução Sexual, a prioridade era a gratificação sexual plena, colocando
em xeque sentimentos seculares que se vinculavam ao amor, como posse e
ciúmes. Portanto, o que esse movimento queria era o fim da repressão sexual, o
encontro de uma liberdade sexual. O prazer é, para esta geração, um direito de
todos - homens e mulheres - sendo possível experimentar tudo que apetecesse
(LINS, 2017b).
O movimento feminista veio para lutar contra a misoginia, o uso das mulheres
como objeto pelos homens, e, principalmente, contra a opressão sofrida em
praticamente toda a história ocidental. É importante notar que a Segunda Guerra
aumentou exponencialmente a presença das mulheres no mercado de trabalho
(LINS, 2017b).
Diante do exposto, é relevante mencionar como a Igreja se posiciona neste
período histórico. Salzman e Lawler (2012), professores de teologia, ensinam que é
preciso pensar a religião católica através de uma perspectiva sócio-histórica. Isso
quer dizer que não é possível considerar o que pensadores como Santo Agostinho
53

disseram, séculos atrás, sem que haja uma interpretação cabível, pois o
conhecimento que detinham à época sobre sexualidade não pode ser a única fonte
para um juízo moral no século XX.
Assim, explicam que a Igreja Católica, em 1971, por meio da Octogesima
adveniens20 afirmou que o ensinamento social da Igreja se compõe de (i) propor
critérios para reflexão; (ii) oferecer critérios para julgamento; e (iii) apresentar
diretrizes para a ação. Isso quer dizer que a responsabilidade pessoal acerca dos
próprios atos toma proporções maiores, uma vez que a Igreja dá os parâmetros de
como se deve agir, porém a decisão final é de cada pessoa. A isso, chamam de
liberdade (SALZMAN e LAWLER, 2012).
Todavia, isso somente se aplica à moralidade social. Para a moralidade
sexual, a tradição do passado ainda é amplamente aceita, não como algo que daria
uma direção, um norte, mas como uma lei estática a ser obedecida de maneira
inquestionável. Assim, fica evidente o conflito entre os posicionamentos da Igreja
(se rígido ou conferindo responsabilidade ao indivíduo) e isto gera dúvidas tanto
para os estudiosos da Igreja quanto para seus seguidores (SALZMAN e LAWLER,
2012).

20
Carta Apostólica escrita pelo Papa Paulo VI, em 1971, por ocasião do 80° aniversário da encíclica
Rerum Novarum. (CARTA APOSTÓLICA OCTOGESIMA ADVENIENS, 1971).
54

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
tanto o homem como a mulher podem ser fortes ou fracos, corajosos ou
medrosos, agressivos ou dóceis, passivos e ativos, dependendo do
momento e das características que predominam em cada um,
independente do sexo (LINS, 2017a, p. 29).

Como foi possível perceber ao longo deste trabalho, pouco do que construiu
a moralidade da Igreja Católica acerca da sexualidade veio diretamente de Jesus
Cristo. Muito veio de pensadores religiosos, como Paulo e Agostinho (LINS, 2017a).
Entretanto, é extremamente forte a influência da Igreja Católica em questões
contemporâneas, mesmo entre aqueles(as) que não praticam a fé cristã. Isso
porque muitos valores foram arraigados à sociedade como um todo, num patamar
que superou o da religião.
A Idade Média foi um período de grande influência na atualidade, é a matriz
do presente. Foi nos séculos que seguiram a Antiguidade (portanto, quando já
existente o cristianismo) que a virgindade foi cada vez mais glorificada; que a
mulher foi tida cada vez mais como inferior; que a relação com os corpos ficou cada
vez mais distante; e que o ato sexual foi cada vez mais reprimido. Grande parte das
pessoas continua a sofrer pelos seus desejos e a sentir culpa e vergonha por suas
práticas sexuais (LINS, 2017a).
Lins (2017a, p. 242 e 243) explica que

Apesar de toda a emancipação feminina, é provável que a desvalorização


das mulheres solteiras medievais ainda afete mulheres economicamente
independentes do século XXI. Não são poucas as que se sentem
inferiorizadas por não terem um namorado ou um marido. Ter um homem
ao lado parece elevar a autoestima e fazer com que se sintam mais
importantes. Há mulheres que sentem tanto medo que preferem se
contentar com uma relação morna, frustrante e mesmo difícil de suportar a
arriscar viverem sozinhas.

Ainda que tenha havido movimentos libertadores e que teólogos


(mencionados neste trabalho) afirmem que é preciso encarar as escrituras religiosas
considerando seu caráter histórico e interpretativo, a história da sociedade ocidental
ainda não se desprendeu daquilo que foi tratado como verdade absoluta pela Igreja.
Mas não se pode negar que há novidades na atualidade, como esse
depoimento de uma freira, teóloga feminista e religiosa da Congregação das Irmãs
de Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho, doutora em Filosofia e Ciências
Religiosas, Ivone Gebara:
55

A visão cristã negativa da corporeidade, devida à compreensão dualista


tradicional que prioriza ‘o espírito’, acaba por atribuir às mulheres,
responsáveis pela reprodução da espécie, um lugar não apenas
secundário, mas de periculosidade. Daí, a necessidade de controlá-las.
Essa compreensão reduz as mulheres à especificidade de sua condição
biológica, em que a maternidade, física ou espiritual, torna-se um destino
obrigatório. A rejeição do recurso à biologia para explicar o ordenamento
social – e religioso – dos sexos leva a uma crítica radical da organização
das instituições religiosas, apontadas como androcêntricas, hierárquicas e
excludentes das mulheres (ROSADO-NUNES, 2006, p. 296).

O que se pretende demonstrar trazendo este relato é que membros da


própria Igreja reconhecem a opressão produzida no passado e a necessidade de
mudança.
Porém, teólogos contemporâneos acreditam que há duas visões a respeito
das mulheres na religião católica: a da submissão do patriarcado e uma mulher vista
de igual para igual com o homem, pois todos são iguais perante Deus e Jesus Cristo
nunca estabeleceu diferenças de tratamento para com as mulheres. Para solucionar
este conflito, sugerem que é preciso analisar a questão estabelecendo um diálogo
entre a Bíblia, a tradição cristã e a experiência humana contemporânea. Eles
afirmam que as interpretações acerca dos textos que compõem a religião seguem
um prisma sócio-histórico, pelo que as interpretações acompanhariam os ditames
de uma sociedade que há séculos se estrutura como patriarcal, e por isso é preciso
ter cautela ao analisar o que tange à religião (SALZMAN e LAWLER, 2012).
Ainda, conforme a época e o lugar em que se vive, os padrões de
comportamento são determinados para cada sexo. Por exemplo, atualmente os
meninos são presenteados com carrinhos, revólveres e bolas, enquanto as meninas
ganham bonecas e panelinhas. Há uma expectativa da sociedade de cada sexo
corresponda a um papel sexual, porém, na realidade, o único fator que difere os
sexos é anatômico, fisiológico, cromossômico e endocrinológico. Tudo o que vai
além disto é produto cultural ou social (LINS, 2017a; ABDO, 2012).
Neste sentido, vale observar os quadros que resumem cada período
histórico:
56

QUADRO 1 – RESUMO DOS PERÍODOS HISTÓRICOS (DA ANTIGUIDADE A IDADE MÉDIA)

Antiguidade – Grécia Antiguidade - Roma Idade Média


Por que casar? Obrigação perante o Obrigação estatal e um Interesses financeiros.
Estado e a Religião. ato privado. Foi nesta época que o
casamento se tornou
um sacramento.
Visão do casamento Era desagradável, Um ato necessário, Maléfico, pois o amor
porém necessário, assim como na Grécia. deveria se destinar
estar casado. apenas para Deus.
Porém, necessário.
E sobre o sexo? Sexo no casamento Cheio de tabus sobre Apenas para
era apenas para como poderia ser procriação – pecado da
procriação, mas o praticado. carne. Condenação do
prazer era permitido prazer. A prostituição
entre homens. era autorizada.
Adultério Ao homem, permitido. Ao homem, permitido. Esposa deveria
À mulher, severas À mulher, severas perdoar a traição.
punições. punições. Homem deveria
expulsar de casa a
esposa pecadora.
Família Homem distante do lar. Homem distante do lar. Homem distante do lar.
Divórcio (?) Permitido. A guarda do Matrimônio
filhos ficava para o pai. indissolúvel.
Homossexualidade Não havia grandes Homens: virilidade. Prática contra a
conflitos. Mulheres: natureza. Fortemente
anormalidade. proibida entre os
homens. Sexualidade
feminina ignorada.

FONTE: LINS (2017a; 2017b).


57

QUADRO 2 – RESUMO DOS PERÍODOS HISTÓRICOS (DA IDADE MODERNA A IDADE


CONTEMPORÂNEA)

Idade Moderna – Idade Moderna - Idade Idade


Renascença Iluminismo Contemporânea - Contemporânea
Romantismo – Século XX
Por que casar? Obrigação Interesses Por amor, para Por amor, pois
estatal e financeiros. constituir uma sem amor, não
religiosa. Casamento civil família. há felicidade.
Interesses surge, sob um
financeiros Estado laico.
envolvidos.
Visão do casamento Um negócio. O Os sentimentos Sentimentos Cabe ao marido
amor poderia eram românticos, amor dar prazer para
surgir dentro do rebaixados. A cortês. Casar por a esposa.
casamento busca era pelo amor.
(raramente). prazer. O amor
Casar por amor poderia surgir
era uma rebeldia. depois do
casamento,
nunca antes
dele.
E sobre o sexo? Incompatível Busca pelo Sexualidade volta a Busca pelo
com a força de prazer era ser retraída. prazer,
trabalho. autorizada, Comportamentos especialmente
desde que fora virginais. nos anos de
do casamento. 1960.
Aos casados,
cabia a
obrigação de
procriar.
Adultério Mulheres pobres: Homens Passa a ser Adultério
punidas. autorizados a condenado para masculino
Mulheres ricas: trair. Mulheres homens e valorizado, sinal
cegueira social também, desde mulheres. de virilidade. O
sobre o assunto. que em sigilo e feminino é
Os homens os maridos não proibido.
estavam descobrissem.
autorizados a
trair.
Família Por questões Grupo familiar Movimento campo Família nuclear.
financeiras, os cada vez mais – cidade faz surgir
homens passam afastado da a família nuclear.
mais tempo no sociedade.
lar – início dos
laços familiares.
Divórcio Matrimônio O divórcio volta Permitido, desde Permitido
indissolúvel. a ser possível. que fosse escolha apenas
do marido. mediante falta
gravíssima.
Homossexualidade Era tratada de Bailes de Repreendida pela Revolução
maneira confusa máscaras – medicina. Sexual.
ou indiferente. experiências
ilimitadas.

FONTE: LINS (2017a; 2017b).


58

É curioso observar que alguns institutos mudaram muito recentemente:


apenas com o advento do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), no Brasil, a mulher
teve liberdade para dispor de seus bens. Até o último Código, de 1916 (BRASIL,
1916), a mulher precisava da autorização do marido para poder gerir seu
patrimônio, por exemplo. Em termos históricos, é uma alteração muito recente.
O Código Penal de 1940 (BRASIL, 1940), ainda vigente no Brasil, trazia
conceitos que foram revogados há pouquíssimo tempo, como: a previsão do crime
de adultério, revogado apenas em 2005; a noção de "mulher honesta", também em
2005; e a atualização da definição do crime de estupro em 2009, que antes tinha
previsões completamente machistas e sexistas. Porém, conceitos como "legítima
defesa da honra" ainda são aceitos pela doutrina e pela jurisprudência.
Vale observar também a alteração da natureza do matrimônio quando este
passa a ser um sacramento para a Igreja. Se até a Idade Média ele era considerado
como algo ruim aos homens, hoje ele é conceituado como o momento para se criar
intimidade com alguém do sexo oposto e para ter a valorizada, pela Igreja, prole.
Desta constatação, pode-se ponderar sobre como o amor, que antes era um
sentimento inócuo ao casamento, tornou-se o que hoje, geralmente, dá início ao
matrimônio e é a infindável busca por toda a vida conjugal.
Há mais: se antes a homossexualidade era uma prática completamente
aceita, a partir do cristianismo ela passa a ser fortemente silenciada (vide exemplo
de o casamento só ser permitido entre pessoas de sexos opostos). A posição atual
da Igreja é de que a homossexualidade em si não é pecado, mas praticá-la o é. A
Igreja, então, orienta os jovens que tenham "tendências homossexuais" a
canalizarem seus "impulsos" na prática de esportes e das artes (AQUINO, 2014). É
importante frisar que estas são as palavras do movimento de renovação carismática
católica, não da autora do presente trabalho.
Esta discussão é tão importante porque se faz necessário refletir sobre a
temática devido ao grande número de ataques à comunidade LGBTI+21 devido ao
preconceito22 inerente à sociedade ocidental.

21
Sigla cujo significado é: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais e Travestis,
Interssexuais e o símbolo "+", que engloba termos como Queer, Assexuais, Panssexuais, dentre
outros (FOX, 2019).
22
O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, conforme reportagem do "O Globo" de
2018. (QUEIROGA, 2018).
59

Por fim, para se concluir sobre todo o exposto neste trabalho, Lígia Martins
(2008) explica sobre uma das premissas gerais do materialismo histórico-dialético, a
dialeticidade singular-particular-universal. Isso quer dizer que um fenômeno
expressa sua imediaticidade em sua expressão singular, enquanto em sua
expressão universal demonstra a sua complexidade, a sua totalidade histórico-
social. Então, é na particularidade do fenômeno, ainda que singularidade e
universalidade sejam opostos, que se verificam as especificidades pelas quais a
singularidade se constitui em dada realidade e de modo determinado, porém, não
completo, não universal.
Nesse sentido, Ciampa (1989) afirma que a identidade, que é contraditória,
múltipla e mutável, se constitui a partir de uma construção histórica conjunta e,
também, individual. Cada pessoa interfere na identidade daqueles que estão ao seu
redor e vice-versa.
O indivíduo se sente correndo o risco de não saber quem é quando a unidade
de sua identidade parece estar ameaçada. A primeira identificação que se tem é
com o nome próprio - geralmente as pessoas se ofendem quando outras trocam seu
primeiro nome. A regra geral é que o nome próprio nos diferencie dentro de nosso
primeiro núcleo (comumente, a família), ao passo que o sobrenome nos iguala aos
familiares. Assim, diferença e igualdade constituem a primeira noção da identidade.
Isso vai ocorrendo sucessivamente, à medida que os círculos aumentam, o que se
pode perceber quando se diferenciam homens e mulheres23 como identidades
diferentes e, muitas vezes, opostas (CIAMPA, 1989).
Ciampa (1989, p. 64) explica que

Mas, se é verdade que a minha identidade é constituída pelos diversos


grupos de que faço parte, esta constatação pode nos levar a um erro, qual
seja o de pensar que os substantivos com os quais nos descrevemos ("sou
brasileiro", "sou homem", etc.) expressam ou indicam uma substância
("brasilidade, "masculinidade", etc.) que nos tornaria um sujeito imutável,
idêntico a si-mesmo, manifestação daquela substância.

O que une um grupo não é uma substância, mas um verbo (agir, pensar,
trabalhar) em comum; ou seja, uma ação. E é pelo agir que alguém se torna algo.
Um indivíduo é o que faz, mas isso traz a seguinte questão: a identidade é

23
Consideramos que o ideal seria utilizar os termos "feminino" e "masculino". Porém, como o texto
data de 1989 e estas noções ainda não haviam sido exploradas tais como nos dias atuais,
respeitamos a forma com que o autor se exprime, entendendo, todavia, que ele se refere ao que hoje
chamamos de gênero.
60

constituída no próprio processo de identificação do indivíduo, sendo um fenômeno


social, não natural. Portanto, cada uma das posições assumidas forma uma
unicidade de multiplicidade e, embora seja uma totalidade, é a partir dos
desmembramentos da totalidade que se manifestam as partes que compõem o
indivíduo (CIAMPA, 1989).
Ciampa (1989, p. 69) ensina que aquilo que se é momentaneamente ("estou-
sendo") é uma parcela da humanidade de um indivíduo que confere identidade a ele
e, a ele, nega aquilo que se é sem "estar-sendo", o que configura a humanidade
total.
É neste conceito de identidade de Ciampa (1989) que se pode fazer uma
conexão com o que Lins (2017a) afirma quando explica que o indivíduo, ao ter que
se portar de acordo com o determinado socialmente para o gênero designado ao
seu nascimento, nega parte do que se é, enquanto feminino ou masculino,
enquanto todos os indivíduos possuem a totalidade (feminino e masculino).
Assim, é válido considerar a afirmação de Konder (1981) sobre ser
necessária a visão do conjunto, do todo, pois corremos o risco de prejudicar a
compreensão de uma verdade mais ampla se concedermos um valor exagerado à
uma verdade limitada, o que a transformaria numa mentira.
Desta forma, fica demonstrada a influência da Igreja nas noções de
sexualidade, ainda que tenha havido alguns movimentos contrários no decorrer dos
séculos. Percebeu-se, também, que a continuidade desta pesquisa poderia ser
focada num aprofundamento de um período histórico e/ou numa temática, como, por
exemplo, a corporeidade ou o gênero, utilizando-se de mais autores.
61

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