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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO SOCIOECONÔMICO – CSE


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DISCIPLINA DE TEORIA POLÍTICA I

A cidadania e o “ser cidadão”: os conceitos na visão de John Locke, Jean-Jacques


Rousseau e Montesquieu

1
Alynne Lopes Salgueiro (19103388)
2
Dr° Jean Gabriel Castro da Costa

A cidadania é o ponto gênese de um Estado democrático, o exercício indiscriminado


daquele que habita a cidade, o cidadão (PIEROBON, 2013). Identificada em diversas facetas,
a depender do período e espaço, o seu alcance em quesito de importância começou a valer à
medida que os habitantes da cidade assumiram a luta na consagração de certos direitos e
garantias, ao longo da formação da sociedade na história conforme apontou Eufrásio (2005,
p.?). A humanidade criou historicamente um conceito que perpassa todos os núcleos
envolvendo a vida em comunidade e, com o passar dos séculos, ganhou novos elementos para
a sua compreensão. Nesse ponto, em concordância com os antigos, a participação cívica seria
o seu pilar, contudo para os modernos, ela explicaria os direitos do cidadão.
Têm-se como definição atual de cidadania, o campo que une aspectos da vida em
sociedade na sua totalidade, elegendo elementos que compõem os instrumentos do cidadão no
seu habitat, à exemplo da liberdade, amparo legal, propriedade e, sobretudo, a possibilidade de
interferir em seu destino por meio da participação cívica. Nesse panorama, a construção da
cidadania pressupõe a garantia dos direitos humanos, um direito edificado coletivamente.
Não obstante hoje “ser cidadão” seja um axioma global, nos tempos antigos se dava
mediante a pré-requisitos e noções baseadas em contextos aos quais estavam inseridos,
priorizando o homem social. Portanto para ser cidadão precisava ter cidadania, mas aquela

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1
Discente da 3ª fase do curso Bacharelado em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: lynnelopess@gmail.com
2
Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP e docente da disciplina SPO 7004 – 03340
(20201) – Teoria Política I na Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: jeancastrocosta@gmail.com
ligada aos direitos civis e que atestava o pertencimento ao corpo social onde se estava inserido.
Assim, para se chegar à conclusão de que o cidadão é o possuidor de elementos
fundamentais como a liberdade, vida, propriedade e igualdade perante a lei, foram necessárias
algumas intervenções intelectuais que permitissem agregá-los ao conjunto. Pensadores como
John Locke (1632), Montesquieu (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1712) colaboraram para um
conceito amplo da cidadania, estabelecendo o cidadão e moldando uma definição rica de
elementos que tornam essas definições postulados factíveis no atual.
A vida em seu sentido pleno e um direito vitalício, é como Rousseau (1712) comtempla
a cidadania e o “ser cidadão” em sua teoria. Singular iluminista de sua época, Rousseau
apresentou um direito cidadão pautado na política, a partir de um “Contrato Social”. Escrito em
1762, o contrato atribuiu um novo papel ao Estado e à Sociedade, a tutela dos direitos e
liberdade do homem para expressão da vontade comum. A harmonia entre a liberdade e a
autoridade, assim como entre o indivíduo e o Estado.
Admirador dos escritos antigos, o autor usa uma percepção antiga para alicerçar sua
teoria, conforme a prerrogativa do filósofo Aristóteles, “o cidadão é aquele que governa e é
governado, alternadamente”. A partir disso, ele formulou o centro da cidadania como a
participação ativa dos cidadãos no objetivo de firmar uma identidade política e a
corresponsabilidade mútua perante suas ações. Nessa ótica, a cidadania está intimamente ligada
ao direito político e, unida ao seu habitante, o cidadão, juntos formaram os elementos da virtude
moral cívica - a vontade geral. Rousseau acreditava que a vontade geral era um dos pilares do
Meio para compreender o “indivíduo” e dar legitimidade aos direitos atribuídos a ele: a
participação cívica, liberdade, justiça, política e educação.
O pré-requisito do iluminista para o “ser cidadão” estava então na formulação de leis
a troco de uma consciência coletiva, ou seja, a socialização dos seus valores enquanto cidadão
(EUFRÁSIO, 2005). Segundo Rousseau (1991, p.120) “a vontade constante de todos os
membros é a vontade geral, sendo por ela a condicionante para a liberdade deles”.

O contrato social concretiza a vontade geral como a fator legítimo para a comunidade
viver a experiência da cidadania de acordo com os pressupostos da liberdade
convencional e civil. A cidadania, por conseguinte, representa o exercício da cidade,
da moral cívica e da virtude escondida em cada homem, que sonha em ser livre e gozar
com os outros da sabedoria do bem comum, consagrando o sentimento de moralidade
(EUFRÁSIO, 2005, p.?).

Nesse ambiente, para autores como Thomas Hobbes (1588) e Rousseau (1712), o
contrato social era o mediador na passagem do estado de natureza para o estado civil,
responsável pela transformação da natureza má – hobbesiana – do homem à liberdade garantida
pelo Leviatã e estabelecida na cidadania com o contrato social. Contudo, a riqueza era
desconsiderada nesse tempo como um elemento de direito inerente ao indivíduo. A partir dos
pensamentos liberais instigados por autores como John Locke (1632), essa prerrogativa mudou.
A tradição clássica sofreu algumas mudanças com a ascensão do protestantismo e a
desvinculação maior entre o Estado e a igreja. Logo, o comportamento do cidadão se tornou
mais racional e empreendedor, o que lhe conferiu atribuir uma nova valoração ao trabalho, o de
nobreza. Agora, Locke aproveitou o terreno preparado por esses movimentos para difundir uma
acepção genérica, que preconizava o ser humano antes do surgimento da sociedade e Estado.
O estágio do homem para ele era pré-social e pré-político, a definição da mais perfeita
igualdade e liberdade de seu estado de natureza (WEFFORT, 2001). Ao contrário de Hobbes -
o ser humano mau desde o nascimento – e mais semelhante a Rousseau, que indicava a bondade
do homem desde o nascimento e sua corrupção ao se relacionar com a sociedade. Dessa forma,
o filósofo designou simultaneamente a vida, a liberdade e a propriedade como direitos naturais
do ser humano e a condição para o título de cidadão. O uso do dinheiro passou a independer da
existência de uma comunidade, a garantia de uma propriedade privada era o elemento mais
incorruptível que se poderia ter no tempo e que permitia o usufruir do labor individual e no fim,
o ganho coletivo.
A cidadania de Locke atrelou-se a uma riqueza que proporciona liberdade e vida. Para
assegurá-la, o poder político nasce do consentimento desses homens livres – proprietários – que
em estado de natureza, pactuaram na constituição de uma sociedade que lhes beneficiasse
através da preservação da propriedade, como apontou Train Filho (2009, p.32). A estrutura da
cidadania adjunta ao novo sentido moderno para o cidadão, a começar das garantias de direitos
civis se de quando Montesquieu (1689) atribuiu às leis a função de despertar costumes
virtuosos. Em um ambiente mais comercial e proletário, o cidadão passou a usar do comércio
como requisito para participar civicamente, ao contrário do que era mais comum, a participação
política como encargo.
Para ele, a sociedade já não é naturalmente o lobo do homem, surge uma inclinação
natural à sociabilidade, logo a liberdade dos cidadãos depende diretamente de um novo fator, a
obediência das leis, ou seja, a “liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem” –
Montesquieu, cap III: que é a liberdade.
Os pré-requisitos se alteram novamente, não faz mais parte do dever do civil a
interferência em todas as áreas da política, mas para Montesquieu, o que permite o título de
cidadão é o exercício do voto, um direito irrevogável. Assim, o cidadão finalmente se torna
aquele portador de direitos. Como político, Montesquieu atrelou o conceito de cidadania à
tripartição de poderes, já iniciada de forma incipiente com John Locke. A sua obra “Espírito
das Leis”, configura um novo princípio constitucional que embasou todo o período liberal
iniciado com a difusão do comércio e estabelecimentos de outros elementos de direito.

Distingue-se três tipos de poderes nos diversos Estados: o poder legislativo, o poder
executivo do Estado, e o poder de julgar. Por meio do primeiro o príncipe ou
magistrado cria, altera ou até mesmo anula as leis. Estas podem ter caráter temporário
ou permanente. Pelo poder executivo do Estado “ele faz a paz ou a guerra, envia ou
recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões”. (DOURADO;
AUGUSTO; ROSA, 2011, p. 2639 Apud MONTESQUIEU, 1741)

A cidadania e o significado de cidadão vivenciaram constantes mudanças históricas,


conforme eventos e revoluções políticas/ideológicas ocorriam. É nítido que a lógica que pauta
os dois conceitos foi uma construção de séculos, aos quais filósofos e escritores foram cruciais.
Rousseau garantiu uma concepção política às temáticas e instituiu um novo patamar aos direitos
civis, tornando-os plenos em todos os sentidos. Em relação à Locke, sua contribuição foi
fundamental para a mudança de status do trabalho e grande avanço para o liberalismo, ao incluir
a propriedade privada como um direito natural único ao cidadão e base para a construção de
uma cidadania. Montesquieu fecha o primeiro ciclo ao conferir a liberdade diante da obediência
das leis e reorganização das bases políticas, com a divisão concreta dos poderes.
A visão moderna não mudou muito em relação ao que se têm no contemporâneo, mas
foi mister para que os elementos que fazem parte da atual cidadania fossem trabalhados de
acordo com os contextos históricos, partindo de uma época monárquica absolutista no tempo
de Locke a uma recém-criada república na França, como foi o tempo de Montesquieu.
Referências Bibliográficas

DOURADO, Edvânia A. Nogueira; AUGUSTO, Natália Figueiroa; ROSA, Crishna Mirella


de Andrade Correa. Dos Três Poderes de Montesquieu à Atualidade e a Interferência do Poder
Executivo no Legislativo no Âmbito Brasileiro. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
HISTÓRIA, 5., 2011, [S.I]. Etc. [S.I]: [S.I], 2011. v. 5, p. 2638-2649. Disponível em:
http://www.cih.uem.br/anais/2011/trabalhos/213.pdf. Acesso em: 02 nov. 2020.

EUFRÁSIO, Marcelo Alves Pereira. Filosofia do Direito: a cidadania em Rousseau e Marx.


2005. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-22/filosofia-do-direito-a-
cidadania-em-rousseu-e-marx/. Acesso em: 31 out. 2020.

___________________________. A cidadania como representação do Contrato Social em


Jean-Jacques Rousseau. 2003. 41p. Monografia. (Especialização em História da Filosofia) –
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História da Filosofia, Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande.

PIEROBON, Flavio. A cidadania e o cidadão no contrato social de Rousseau. Argumenta


Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 17, p. 267 - 282, abr. 2013. ISSN 2317-3882. Disponível
em: <http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/243/240>. Acesso em: 01 nov.
2020. doi:http://dx.doi.org/10.35356/argumenta.v17i17.243.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 145
p.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato Social. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 169
p. Tradução: Antônio de Pádua Damesi.

TRAIN FILHO, Sergio. A cidadania em John Locke. 2009. 113 f. Dissertação (Mestrado) -
Curso de Filosofia, Filosofia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2009.
Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/27952. Acesso em: 02
nov. 2020.

WEFFORT, Francisco C. (org.). Os Clássicos da Política: Maquiavel, Hobbes, Locke,


Montesquieu, Rosseau, "O Federalista". 13. ed. São Paulo: Editora Ética, 2001. 287 p. 1 v.

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