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O
DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO E A
FUNDAMENTAÇÃO
JURÍDICA DA
CIDADANIA
Professor (a) :
Objetivos de aprendizagem
• Analisar a evolução do conceito de cidadania a partir de Aristóteles, passando pelas ideias hobbesianas até chegar à moderna
visão de cidadania.
Plano de estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
• Conceito de Cidadania
Introdução
Ao analisarmos a evolução teórica de cidadania, devemos levar em consideração os valores sociais e culturais daquela época, uma
vez que esse instituto requer uma reflexão a partir das necessidades concretas enfrentadas por cada configuração social.
A cidadania inicia a sua concepção a partir de aspectos elitistas e é centralizada na participação do homem na política. Assim, a
cidadania na Grécia antiga implicava um modo de ser e agir do homem, caracterizado por sua participação no destino da pólis. Essa
visão defendida por Aristóteles foi rebatida por Thomas Hobbes, que, por sua vez, pregava que, por meio do contrato social – leis –,
todos se tornam iguais em oportunidades e benefícios. Posteriormente, as Revoluções Francesa e Americana, que iniciaram a
tradição das liberdades individuais e democracias republicanas, concebem a ideia moderna de cidadania política como
autogoverno.
No Brasil colonial, a ideia de cidadão revestia-se de atributos mercantilistas e, à semelhança dos gregos, somente alguns poucos
eram considerados cidadãos. No período do Estado Novo, na década de 1930, com a tutela da cidadania de natureza corporativa,
implementa-se constitucionalmente os direitos dos cidadãos-trabalhadores. Em 1988, a Constituição Federal instituiu a cidadania
baseada na igualdade de direitos entre todos os indivíduos.
Veremos que os conceitos de cidadania e direitos humanos são indissociáveis, uma vez que a noção atual de cidadania consiste no
exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais que estão previstos nos tratados internacionais e nas constituições dos
países.
Por fim, veremos que a cidadania, observada de forma mais abrangente e plena, para além do determinado pelos Estados, por meio
de sua legislação e seus nacionais, reflete, hoje, os processos de conquistas de um grupo ou de uma sociedade.
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Conceito de Cidadania
A etimologia da palavra cidadania vem do latim civitas, que significa cidade. Cidadão, então, significa aquele que pertence à cidade,
nela se insere e por ela é reconhecido, com todos seus direitos e obrigações. Assim, cidadania significa o conjunto de direitos e
obrigações inerentes àquele que participa de uma cidade.
Sua origem conceitual, todavia, remonta à Grécia antiga, mais precisamente dos pensamentos de Aristóteles, filósofo que analisou
as relações sociais da época e nas quais constatou uma particular concepção de cidadania, que se apresenta como elemento
legitimador das práticas da vida social.
Três marcos teóricos da história universal foram fundamentais para tomarmos, como paradigmas, as transformações da concepção
de cidadania. No entanto, ao analisarmos a evolução teórica de cidadania, é importante levar em consideração os valores sociais e
culturais daquela época, sob pena de cometermos um anacronismo.
A cidadania requer, sem dúvida, uma análise a partir das necessidades concretas enfrentadas por cada configuração social. Isso
não quer dizer, por outro lado, que determinados conceitos consolidados nesses tempos não sejam utilizados atualmente.
Se utilizarmos, por exemplo, os conceitos gregos de isonomia – todos submetidos em igual medida, às mesmas normas – e isegoria
– todos possuem o mesmo direito de manifestar livremente o pensamento pelo discurso –, que, na época, estivessem restritos aos
cidadãos, podemos identificar os mesmos sentidos nos seguintes textos da Constituição de 1988: art. 5°, I - “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações”, e IV - “é livre a manifestação do pensamento”.
Os três marcos teóricos da história que foram fundamentais para a concepção atual de cidadania serão analisados a partir desse
momento. O primeiro deles emana da concepção aristotélica de cidadania, de aspectos elitistas e centrada na participação do
homem na política. A teoria é baseada na igualdade entre cidadãos gregos, não entre indivíduos.
Assim, para compreender a cidadania na perspectiva grega, é necessário analisála sob a ótica de Aristóteles, pois foi ele quem mais
tratou desse instituto de forma sistematizada. Isso se deve, uma vez que ele se preocupou com o mundo concreto, empírico, sem se
esquecer das justificativas teóricas para fundamentar suas ideias que buscavam a felicidade humana.
Para Aristóteles, o cidadão é a figura central da política, seja por meio das virtudes intelectuais representadas pela educação ou
por suas ações junto a pólis. Em termos práticos, a cidadania se configurava como uma condição para a participação do indivíduo
na política. Em Atenas, os cidadãos se reuniam em assembléias e tinham legitimidade para debater e oferecer soluções aos
problemas da cidade. Eram representados por um grupo relativamente pequeno de pessoas em relação aos demais, os
considerados não cidadãos, ou seja, escravos, comerciantes, mulheres e estrangeiros.
Segundo Aristóteles, o cidadão deveria possuir a capacidade de exercer o papel de governante quando necessário e saber se
portar como governado:
O exercício da cidadania, mais do que condição, exigia responsabilidades e comprometimentos assumidos pela pessoa, por meio da
constituição prática e em prol do bem-viver.
O segundo momento surge no século XVII, com as ideias hobbesianas, as quais se opõem à visão de Aristóteles, em que se
estabelece a igualdade na liberdade entre os homens pela eleição do soberano como único ser, depois de Deus, capaz de dizer o
certo e o errado nas relações sociais.
Thomas Hobbes deslocou a ética da esfera das virtudes e valores, assim como defendia Aristóteles, para o campo das igualdades
fundadas na justiça. Em sua teoria social, defende que todas as pessoas gozam de igualdade e liberdade, e são signatárias do
Contrato Social sob a hegemonia do Soberano. A normatização é exercida pelo Soberano onde os cidadãos exercem as suas ações.
Em sua obra “Leviatã”, publicada em 1651, considerada um dos exemplos mais antigos e influentes da teoria do contrato social,
Hobbes descreve a estrutura organizacional da sociedade e do governo legítimo fundada nos atributos psicológicos humanos.
Hobbes foi influenciado pelo desenvolvimento científico de seu tempo, como a física de Galileu, que adaptou tais princípios as suas
ideias e defendeu que, assim como o Universo não é estático, a natureza humana também se encontra em permanente evolução,
originando, assim, outros desejos.
Para evitar o caos, o Soberano deve assumir a responsabilidade de emanar a fonte da legislação e promover a proteção e a ordem
social. Por meio do contrato social – leis –, todos se tornam iguais em oportunidades e benefícios.
O declínio da confiança nos atos do Soberano ampliou os padrões de pessoa, que passa a exigir, além da igualdade formal (ou
teórica), a igualdade de oportunidades para gozo das riquezas produzidas com a participação na divisão social do trabalho.
A responsabilidade de manutenção da paz social se deslocou do Soberano para o Direito e para as figuras imparciais dos juízes. O
Direito assume, então, o papel de garantidor do direito de liberdade e de sua eficácia, que, por sua vez, traz consequências na
concepção de pessoa.
Finalmente, o terceiro momento funda-se nas Revoluções Francesa e Americana, que iniciaram a tradição das liberdades
individuais e democracias republicanas. Inspirador da Revolução Francesa, o filósofo, escritor e poeta Jean-Jacques Rousseau
concebeu a moderna concepção da cidadania política como autogoverno.
Contemporaneamente, a concepção de cidadania como resultado da livre participação do cidadão nas instituições públicas,
enquanto escolha pessoal, foi norteada na filosofia moral e política pelas ideias de John Rawls (2001):
Pessoas razoáveis – é isto o que estamos dizendo – não são motivadas pelo bem comum como tal, e sim
desejam, como um fim em si mesmo, um mundo social em que elas, na condição de pessoas livres e iguais,
possam cooperar com todos os demais em termos que todos possam aceitar. Elas insistem em que a
reciprocidade prevaleça nesse mundo, de modo que cada pessoa se beneficie juntamente com as demais
(RAWLS, 2011, p. 59).
Para Rawls (2011), os cidadãos são concebidos como pessoas políticas que se veem como livres em três aspectos. Em primeiro
lugar, “os cidadãos são livres no sentido de conceberem a si próprios e aos outros como indivíduos que possuem a faculdade moral
de ter uma concepção do bem” (RAWLS, 2011, p. 35). Além disso, podem, motivados em crenças razoáveis e racionais, rever as
posições que adotam em determinados momentos de suas existências.
A segunda forma de identidade se refere aos fins e compromissos mais profundos dos cidadãos, denominado identidade moral ou
não institucional. Esse tipo de identidade diz respeito as pessoas se considerarem no direito de fazerem reivindicações às
instituições em que atuam, a fim de promoverem suas concepções de bem, desde que elas se encaixem na crença pública de justiça.
Essa é uma forma de as pessoas se sentirem importantes (e realmente serem) na construção e manutenção da sociedade que
julgam justa (RAWLS, 2011).
O terceiro aspecto da liberdade do cidadão se relaciona com a percepção de serem capazes de assumir responsabilidades por seus
objetivos, ajustando seus fins e aspirações àquilo que se julga razoável fazer. “Ademais, são vistos como capazes de restringir suas
demandas em matéria de justiça àquilo que os princípios de justiça permitem” (RAWLS, 2011, p. 40).
Rawls (2011) também propõe dois princípios de justiça capazes de orientar as instituições de uma sociedade a efetivarem os
valores de liberdade e igualdade dos indivíduos: i) os indivíduos têm direito a um projeto que promova os direitos e liberdades
básicas iguais para todos, sendo que as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor equitativo garantido; ii) as
desigualdades sociais e econômicas devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de iguais
oportunidades, e devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade (RAWLS, 2011).
A efetivação dos valores de liberdade e igualdade são importantes no sistema defendido por Rawls. A simples repartição da
riqueza social, sem que esses elementos estejam presentes, são insuficientes para caracterizar uma sociedade como justa.
Outro autor contemporâneo que analisou os sentimentos singulares e suas consequências concretas na vida social foi o jurista
americano Ronald Dworkin. Para ele, pressupõe-se a democracia com regras constitucionalmente expressas, aceitas e respeitadas
pela maioria dos membros de uma sociedade.
Podemos concluir que o fenômeno da cidadania é, portanto, um processo histórico, marcado pelas potencialidades ambíguas da
cidadania, a saber: o sentido autoritário (de legitimação) e o sentido democrático (de contestação). O primeiro defende o discurso
único da cidadania, aprisionando seu significado, e neutraliza seus componentes políticos e a sua natureza de processo social
contraditório. Já o segundo se materializa quando enunciado pelos sujeitos sociais e políticos, visando inseri‐los em um espaço
político reivindicatório de direitos. Assim, diante dessa dupla potencialidade, a cidadania acaba por se definir conforme a
sociedade e a matriz político‐ideológica que a constitui em um dado momento histórico (ANDRADE, 1993).
No Brasil, o desenvolvimento da cidadania se deu, em certa medida, de forma semelhante às narrativas universais. No entanto, a
cultura brasileira sobre a cidadania está, inegavelmente, associada ao aspecto político de construção da nação, principalmente no
século XIX, e tem, por contraponto, a escravidão ou o baixo nível de educação formal da população.
No período colonial brasileiro, a ideia de cidadão se revestia de atributos mercantilistas e, semelhante aos gregos, somente poucas
pessoas, em relação ao restante da população, eram considerados como cidadãos. Entretanto, enquanto, na Grécia, a cidadania era
sinônimo de homem ético, no império português, esse conceito estava associado ao prestígio social. A classificação social era a de
cidadãos (pessoas oriundas de Portugal ou sob proteção do rei), escravos e nativos.
No Brasil, os escravos eram vistos como desprovidos de sentimentos humanos, reduzidos à animalidade, diferentemente da visão
defendida por Aristóteles, em que o escravo não perdia a sua condição de ser humano. Embora a origem da escravidão fosse um
fenômeno natural, o escravo não se confundia com as categorias dos animais e dos objetos. Ele se distinguia pela capacidade de
compreender o desempenho de uma função específica de transformação da natureza pela produção.
No caso da escravidão, Aristóteles não apenas a aceitava, mas também a justificava filosoficamente. Para o
filósofo, “da mesma forma que alguns homens são livres por natureza, outros são escravos por natureza, e
para estes o estado de escravidão é benéfico e justo”. “[...] Algumas pessoas veem na defesa de Aristóteles da
escravidão uma falha no pensamento teleológico como tal; outras a veem como uma aplicação equivocada
de tal pensamento, anunciada pelos preconceitos da sua época”.
Na questão escravagista, o político e diplomata Joaquim Nabuco foi um dos mais ativos defensores da abolição, alegando que a
escravidão era a razão para o atraso no desenvolvimento econômico.
Seu objetivo era o fim da escravidão conduzida pacificamente por meio da ordem e intercedia por um legítimo processo legislativo,
considerando que os próprios escravos não apresentavam condições de promovê-la, pois incorreriam em crime ao se rebelarem. O
senhor dos escravos é quem deveria compreender que, ao libertálos, estaria libertando a si próprio, promovendo o
desenvolvimento econômico e social do país.
Em suas palavras:
A emancipação há de ser feita entre nós por uma lei que tenha os requisitos externos e internos de todas as
outras. É assim no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das
cidades, que se há de ganhar ou perder a causa da liberdade. [...] A escravidão é um estado violento de
compressão da natureza humana no qual não pode deixar de haver de vez em quando uma forte explosão.
Não temos estatística dos crimes agrários, mas pode-se dizer que a escravidão continuamente expõe o
senhor ou os seus agentes, e tenta o escravo à prática de um crime de maior ou menor gravidade.
Entretanto, o número de escravos que saem do cativeiro pelo suicídio deve aproximar-se do número dos
que se vingam do destino de sua raça na pessoa que mais os atormenta, de ordinário o feitor. A vida do
berço ao túmulo literalmente debaixo do chicote é uma constante provocação dirigida ao animal humano, e
à qual cada um de nós preferiria mil vezes a morte. Quem pode assim condenar o suicídio do escravo como
covardia ou deserção? O Abolicionismo, exatamente porque a criminalidade entre os escravos resulta da
perpetuidade de sua condição, concorre para diminuí-la, dando uma esperança à vítima (NABUCO, 2003, p.
86-87).
Logo após a independência, consolidou-se a cidadania política de natureza elitista, assim como a cidadania aristotélica, na qual
amplos setores da população, inclusos, aqui, os escravos, estavam alijados de seu exercício.
O segundo momento de quebra de paradigmas surge com o Estado Novo de Getúlio Vargas, na década de 30, com a tutela da
cidadania de natureza corporativa, à semelhança do modelo hobbesiano. O exemplo característico desse período é o início do
direito de natureza trabalhista.
Foram três as transformações estruturais que se iniciaram com Vargas e que definem o modelo de sociedade vigente no Brasil,
aproximando-a das sociedades liberais contemporâneas: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (decreto - Lei n. 5.452, de 1º de
maio de 1943); as Caixas de Pensões, responsáveis pela assistência dos trabalhadores em dificuldade, que deram origem à Lei
Orgânica da Previdência Social, de 26 de setembro de 1960; e o universalismo de procedimentos consistentes na padronização
das normas públicas para todos os sujeitos da polity .
A era Vargas é interrompida com a reforma do Estado, que rompe com as práticas de decisões tomadas e impostas de forma
autoritária. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988 se institui, baseada na igualdade de direitos entre todos os cidadãos e
encontra semelhanças na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa. O novo texto constitucional
trouxe um ambiente político e jurídico com profundas transformações na concepção de cidadania.
O cidadão enquanto fundamento do estado era algo que nunca havia sido considerado pelas constituições anteriores. Já a
Constituição Federal de 1988 eleva a cidadania como uns dos focos principais da função estatal. Vejamos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
Esse espírito de fraternidade floresceu no pós-Segunda Guerra Mundial, visando evitar futuros combates, promover a paz e a
democracia, e fortalecer os direitos do homem.
Os direitos humanos estão consagrados em convenções internacionais (declarações, convenções e pactos internacionais), sendo, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o documento de maior extensão mundial. As constituições dos países, após
incorporarem esses direitos, denominam-os de direitos fundamentais. Norberto Bobbio (1991) destaca a “historicidade” da
Declaração Universal e a sensibilidade normativa do texto:
os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos séculos demonstra
[...]
abundantemente. A lista dos direitos do homem modificou-se e continua a se modificar com a mudança das
condições históricas, ou seja, das necessidades, dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis
para sua realização, das transformações técnicas etc. [...] Direitos que tinham sido declarados absolutos em
fins do século XVIII, como a propriedade sacré et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas
declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII sequer mencionavam, como os
direitos sociais, estão proclamados com grande ostentação em todas as declarações recentes. Não é difícil
prever que no futuro poderão surgir novas exigências que agora nem conseguimos vislumbrar [...] Aos
autores da Declaração de 1789 devia parecer evidente, com toda probabilidade, que a propriedade era
“sagrada e inviolável”. Hoje, em compensação, toda alusão ao direito de propriedade como direito do
homem desapareceu por completo dos documentos mais recentes das Nações Unidas. Atualmente, quem
não pensa que é evidente que não se deve torturar os presos? E, no entanto, durante muitos séculos, a
tortura foi aceita e defendida como um procedimento judicial normal (BOBBIO, 1991, p. 56-57).
Para Organização das Nações Unidas, os Direitos Humanos são:
Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente da nossa
nacionalidade, local de residência, sexo, origem étnica ou nacional, cor, religião, idioma ou qualquer outro
status. Todos nós somos igualmente titulares de direitos humanos sem discriminação. Estes direitos são
todos inter-relacionados, interdependentes e indivisíveis. Os direitos humanos universais são
frequentemente expressos e garantidos por lei, nas formas de tratados, direito internacional
consuetudinário, princípios gerais e outras fontes de direito internacional. O direito internacional dos
direitos humanos estabelece as obrigações dos governos de agir de certas formas ou de se abster de certos
atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais de indivíduos ou
grupos (UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER, 2017, online,
tradução nossa).
A Constituição do Brasil se compromete, no artigo 4º, inciso II, com a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais
e, no art. 5º e seguintes, define os direitos e garantias fundamentais.
A cidadania, por sua vez, é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais que estão previstos nas constituições dos
países. Exercer a cidadania é ter consciência de seus direitos e obrigações, e lutar para que sejam respeitados. Em outras palavras,
ao exigir que seus direitos sejam respeitados, o indivíduo também cumpre os seus deveres com a sociedade.
[...] dimensão de participação/inclusão na e responsabilidade pela vida social e política (espaço público
a
local, regional, nacional, global,...), e através da qual a reivindicação, o exercício e a proteção de direitos,
deveres e necessidades se exterioriza enquanto processo histórico de luta pela emancipação humana,
ambiguamente tensionado pela regulação social (ANDRADE, 2003, p. 77).
Ser cidadão implica ser um agente atuante e que exerce seus direitos e deveres – sejam eles civis, políticos e/ou socioeconômicos –
participando e contribuindo para o bem-estar da sociedade. Já a cidadania deve ser entendida como um processo contínuo, uma
construção coletiva, significando a concretização dos direitos humanos.
Por cidadão, toma-se, então, aquele que possui e exerce todos esses direitos humanos, constitucional e legalmente garantidos,
consistentes na completa fruição e exercício dos direitos individuais, sociais, políticos e econômicos garantidos no ordenamento
jurídico.
O exercício da cidadania não dependente da condição social e econômica ou de gênero, mas é alcançada pelo simples fato de sua
existência como ser humano e pelo exercício dos direitos que lhe são essenciais.
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ATIVIDADES
1.Cidadão é aquele que pertence à cidade, nela se insere e por ela é reconhecido, com todos seus direitos e obrigações. Assim,
cidadania significa o conjunto de direitos e obrigações inerentes naquele que participa de uma cidade.
a) à França.
b) à Grécia Antiga.
d) à Roma Antiga.
e) ao Brasil Colonial.
2. No período colonial brasileiro, à semelhança dos gregos, somente poucos, em relação ao restante da população, eram
considerados cidadãos. A diferença é que, no Brasil, a ideia de cidadão revestia-se de atributos __________, enquanto que, na Grécia,
o que se considerava eram os atributos ______________.
Sobre afirmativa apresentada, assinale a alternativa que expõe as respectivas palavras que preenchem os campos em branco:
a) éticos; mercantilistas.
b) éticos; sociais.
c) mercantilistas; éticos.
d) mercantilistas; políticos.
e) sociais; éticos.
3. Os conceitos de cidadania e direitos humanos são indissociáveis. Os direitos humanos são os direitos e liberdades de todos os
seres humanos, os quais também estão relacionados com a ideia de liberdade de pensamento, de expressão e de igualdade perante
a lei.
O documento internacional (declarações, convenções e pactos internacionais) de maior extensão e que consagra dos Direitos
Humanos é:
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RESUMO
Neste estudo, buscamos analisar as transformações da concepção de cidadania até chegarmos ao seu significado na atual
sociedade. Tanto a cidadania quanto os direitos humanos são conquistados paulatinamente e a cada dia são necessários esforços
constantes dos indivíduos para assegurá-los.
Atualmente, a função da cidadania é a de estabelecer parâmetros que permitam que as pessoas se comportem de acordo com o
que também esperam de seus pares em uma sociedade. Para tanto, analisamos que a sua previsão se encontra prevista nos
tratados internacionais e nas constituições dos países.
A própria epistemologia de cidadania nos remete à qualidade de cidadão cumpridor de seus deveres. Para ser reconhecido como
tal, não basta estar na cidade, mas agir na cidade. A concepção contemporânea de cidadania não combina com o individualismo e
com omissões diante dos problemas da cidade.
Observamos, ainda, que a Constituição Brasileira não apresenta nenhuma definição explícita de “ser cidadão”. Assim, a pessoa deve
ser entendida como cidadão, cuja inserção no ambiente social é expressa na relação do ser com o dever-ser.
Também, observamos que, no Brasil contemporâneo, diferente do que ocorre em países os quais são ditos como desenvolvidos, a
cidadania ainda enfrenta uma necessidade de equalização dos direitos individuais e sociais, bem como a superação das diferentes
regiões.
Ser cidadão é, portanto, ter direito à vida, à liberdade, de propriedade, à igualdade: ter direitos civis. É, também, participar no
destino da sociedade por meio do exercício dos direitos políticos: votar e ser votado. Os direitos civis e políticos não asseguram a
democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao
trabalho justo, à saúde, ao envelhecimento sadio etc.
O verdadeiro cidadão é aquele consciente de seus direitos, mas responsável pelos seus deveres com a sociedade.
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ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Apresentação do caso:
Trata-se de um Mandado de Segurança c/c Pedido de Liminar impetrado por M.C. contra o ato praticado pelo Juiz de Direito da 2ª
Vara da Comarca de Amambaí. O Juiz, nos autos de registro tardio n.0000723-81.1992.8.12.0004, indeferiu um pedido de
expedição de segunda via do mandado de registro de nascimento emitido pelo cartório judicial, diante da distinção detectada nas
assinaturas constantes dos documentos apresentados.
M.C. alega que propôs uma ação de registro tardio, visto que sua genitora faleceu quando possuía cinco anos de idade, sem ter
efetuado seu registro de nascimento.
A ação foi julgada procedente, com a determinação que se fizesse o assento de nascimento. Entretanto, as providências somente
foram tomadas após vinte anos, razão pela qual o registro foi negado pelo Cartório de Registro Civil de Coronel Sapucaia, tendo
sido solicitada a segunda via do mandado atualizado.
A parte solicitou a emissão de 2ª via do mandado de registro, que foi indeferida pelo magistrado diante da dessemelhança
existente entre as assinaturas constantes na procuração outorgada à advogada do processo inicial e a assinatura constante na
procuração que instruiu o pedido de expedição de segunda via, ocasião, ainda, em que teria orientado a impetrante a interpor nova
ação judicial para tal fm.
M.C. pediu o deferimento da liminar, a fim de ordenar, para a autoridade coatora, a expedição de 2ª via do mandado de registro
com a concessão em definitivo da ordem.
Ementa:
MANDADO DE SEGURANÇA – NEGATIVA DE EMISSÃO DE MANDADO JUDICIAL DE AVERBAÇÃO EM
ASSENTO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – DIREITO FUNDAMENTAL – EXERCÍCIO DA CIDADANIA –
ORDEM CONCEDIDA. - Possui a impetrante o direito líquido e certo de ter o seu nome registrado nos
assentos de nascimento, vez que, após o devido processo legal, obteve autorização judicial para a lavratura,
não havendo como negar-lhe tal prerrogativa, mormente tratando-se de direito fundamental e inerente à
pessoa humana. - O registro de nascimento é o documento primeiro, por meio do qual se concede a
possibilidade de se extrair outros, situação esta, por corolário, que reflete o pleno exercício da cidadania,
razão pela qual não há como negar tal prerrogativa à impetrante, mormente porque a dúvida levantada em
razão da diferença de assinaturas não pode sobrepujar-se ao seu direito que a impetrante tem de ver-se
como cidadã (TJ-MS, Relator: Juiz Jairo Roberto de Quadros, Data de Julgamento: 31/08/2015, 2ª Seção
Cível).
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm >. Acesso em: 20 nov. 2018.
______. Decreto n. 21.798, de 6 de setembro de 1932 Promulga uma convenção e três protocolos sobre nacionalidade, frmados na
.
Elementos do caso:
• O registro de nascimento, ainda que tardio, é um direito fundamental e inerente à pessoa humana.
• O registro de nascimento é o primeiro documento e é o que concede a possibilidade de extrair outros, traduzindo-se, por
corolário, no pleno exercício da cidadania.
• Uma questão técnica – como a dúvida levantada em razão da diferença de assinaturas – não pode se sobrepor ao direito de uma
pessoa de se ver como cidadão de uma sociedade.
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Material Complementar
Na Web
Como material complementar, indica-se o artigo “O que Há por trás do
Direito ao Voto dos Emigrantes Internacionais? Teoria, História e
Cidadania Demandante”, que reflete acerca dos elementos teóricos e
históricos nos quais se sustenta o processo de extensão de direitos
políticos eleitorais dos cidadãos que estão radicados fora do seu país de
origem. Demonstra, ainda, que, para além de um debate conjuntural e
exclusivamente nacional, a extensão de tais direitos consiste em um
passo substancial do processo teórico-político da democracia
contemporânea.
Acesse
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REFERÊNCIAS
ANDRADE, V. R. P. de. Cidadania do direito aos direitos humanos. São Paulo: Acadêmica, 1993.
:
______. Sistema penal máximo x Cidadania mínima: Códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.
BRASIL. Palácio do Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br
.
BOBBIO, N. Sobre el fundamento de los derechos del hombre. In: ______. El tiempo de los derechos Madrid: Editorial Sistema,
.
1991.
OTERO, C. S.; SILVA, N. T. R. C. Direitos fundamentais e justiça têm limites? Poligamia e a questão da publicização do privado. In:
SIQUEIRA, D. P.; AMARAL, S. T. (Orgs.). Direitos humanos: um olhar sob o viés da inclusão social. Birigui: Boreal, 2012.
SANDEL, M. Justiça o que : é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER. What are Human Rigts? Disponível em
< http://www.ohchr.org/EN/Issues/Pages/WhatareHumanRights.aspx >. Acesso em: 21 nov. 2018.
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APROFUNDANDO
Não há dúvidas que o conceito de Cidadão é histórico/cultural e sofre forte influência dos diferentes momentos históricos e dos
ambientes culturais em que está inserido. Assim, desde a antiguidade até a atualidade, pode-se verificar diferentes concepções
para Cidadão, as quais contribuíram para formação da concepção contemporânea. A seguir, apresentaremos uma sequência
evolutiva que contém a concepção de Cidadão em diferentes momentos da história e para diferentes e importantes doutrinadores.
Vejamos:
Fonte: a autora
PARABÉNS!
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EDITORIAL
DIREÇÃO UNICESUMAR
27 p.
Fotos Shutterstock
:
Retornar
A CIDADANIA NA
SOCIEDADE
CAPITALISTA
Professor (a) :
Objetivos de aprendizagem
• Analisar e refletir sobre o discurso liberal da cidadania, analisando a cidadania na sociedade capitalista, bem como a defesa dos
direitos civis.
• Debater sobre o pensamento neoliberal, o qual é considerado uma redefinição do liberalismo clássico e os seus efeitos na
Cidadania.
• Abordar o existencialismo como uma forma de reafirmar a importância da liberdade e individualidade humana.
Plano de estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
• Neoliberalismo e Cidadania
Introdução
Neste estudo, iniciaremos analisando o modelo individualista hobbesiano do Estado, o qual é visto como uma invenção artificial do
homem e, nessa perspectiva, o indivíduo vem antes do Estado.
O liberalismo também é defendido por Locke e é apontado de estar na origem de um individualismo possessivo, em razão de seu
postulado: “os homens são livres e iguais porque são proprietários de seus corpos”. Essa concepção indica que não somente o
indivíduo é o princípio de tudo, mas também o protege das próprias ações arbitrárias do Estado.
O fim da Guerra Fria, em 1989, o mundo iniciou um processo de globalização e democratização imersível. O cidadão passa, então, a
ser entendido a partir da composição de três direitos fundamentais: os civis, políticos e os sociais.
Veremos que há doutrinadores que defendem o pensamento liberal e a globalização, em especial, porque reforma a ideia de
liberdade invocada pelas Revoluções Francesa e Americana no século XVIII. Todavia, também há uma vertente de doutrinadores
que criticam esse processo.
A globalização é, de qualquer forma, um fato, e constitui aspectos positivos e negativos. Podemos afirmar que, dentre os aspectos
econômicos positivos, estão, também, disseminadas as ideias de liberdade e democracia.
Argumentos teoricamente relevantes acerca da existência de obstáculos ao exercício da cidadania política no capitalismo
globalizado podem ser encontrados em correntes políticas bastante diversas, como o pensamento de esquerda (anarquista,
socialista ou comunista), o pensamento liberal-progressista (ou “liberalismo de esquerda”) e o pensamento conservador.
O pensamento de esquerda é o mais eficaz na defesa dos efeitos negativos do capitalismo. Uma das críticas levantadas por essa
corrente é a concepção egoísta e individualista assumida pelo homem no processo de globalização. Essa é, sem dúvida, uma
inquietação que não podemos deixar de refletir, seja qual for a posição ideológica que assumirmos.
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Essa concepção indica que não somente o indivíduo é o princípio de tudo, mas também o protege das próprias ações arbitrárias do
Estado. É uma tradição que se pauta pela defesa da liberdade do indivíduo, limitando politicamente os poderes estatais. Consuma-
se, assim, na era do liberalismo, a defesa dos direitos civis.
Se, para Hobbes, o poder do Estado é absoluto, indivisível e irresistível, para John Locke, ao contrário, é limitado, divisível e
resistível. Esses obstáculos identificados por Hobbes foram ultrapassados com o Estado de Direito, um Estado dos Cidadãos,
regido não mais por um poder absoluto, mas sim por uma Carta de Direitos – Bill of Rights.
Locke é apontado por estar na origem de um individualismo possessivo, devido ao seu apego à propriedade privada. Essa
concepção se fundamenta no postulado lockeano: “os homens são livres e iguais porque são proprietários de seus corpos”.
A visão liberal confere primazia à liberdade individual em detrimento da comunidade, que apresenta um bem comum, superior aos
interesses individuais. Para os liberais, “a cidadania é a capacidade de cada pessoa formar, rever e realizar racionalmente a sua
definição de bem” (MOUFFE, 1996, p. 84), salvaguardados e limitados por um conjunto de regras. É necessário reconhecer as
contribuições do pensamento político liberal para a democracia moderna, bem como na própria construção da noção de cidadania.
O conceito de cidadania vinculado à ideia de direitos individuais e que pertença a uma comunidade particular, colocando-se no
centro dos debates contemporâneos entre liberais e comunitaristas, acentua-se nos anos 90. No entanto, é preciso superar a mera
constatação da existência ou não dos direitos associados à cidadania a partir da Carta dos Direitos Humanos, baseada nos
princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, mas observar a cidadania como fenômeno social.
O fim da Guerra Fria em 1989, com o episódio simbólico da queda do muro deBerlim, colaborou para a compreensão de que o
mundo havia entrado em uma onda democratizante irreversível. Assim, o processo de globalização econômico foi o mais marcante
desse período.
Verificamos, igualmente, o fim da bipolaridade ideológica com os ideais liberais e comunistas em competição, prevalecendo o
laissez faire absoluto, com a justificativa de que a liberdade de mercado levaria à liberdade política e à democracia. Dessa forma,
explicavam-se os investimentos econômicos maciços em países menos desenvolvidos, neles, aceitando-se a substituição das
liberdades civis e políticas pelo crescimento econômico.
A globalização é, de qualquer forma, um fato, e constitui aspectos positivos e negativos. Podemos afirmar que, dentre os aspectos
econômicos positivos, estão, também, disseminadas as ideias de liberdade e democracia. “A tecnologia, aparentemente libertadora,
acarreta, por sua vez, dificuldades adicionais em matéria de desemprego, supostamente estruturadas pela mundialização do
mercado” (ALVES, 2000, p. 199).
Argumentos teoricamente relevantes acerca da existência de obstáculos ao exercício da cidadania política no capitalismo
globalizado podem ser encontrados em correntes políticas bastante diversas, como o pensamento de esquerda (anarquista,
socialista ou comunista), o pensamento liberal-progressista (ou “liberalismo de esquerda”) e o pensamento conservador.
O pensamento de esquerda tem sido o mais eficaz na exposição dos efeitos políticos práticos da configuração burocrática
assumida pelo Estado no capitalismo. Na perspectiva dessa corrente, “o Estado burocrático-capitalista não pode, depois de ter
atribuído liberdades civis a todos os homens, proibir explicitamente o acesso de certos homens (os membros das classes
trabalhadoras) aos cargos públicos” (SAES, [s.d.], p. 20).
Segundo Décio Azevedo Marques de Saes, a primeira grande limitação ao exercício da cidadania política no capitalismo consiste no
fato de que a instauração do sufrágio universal e do regime democrático não implica o estabelecimento de um efetivo controle dos
governantes pela maioria social (SAES, [s.d.], p. 20).
É preciso, também, levar em consideração que, para a democracia, a crença ultraliberal esconde um problema no quadro jurídico-
político, que representa a concretização dos direitos humanos, uma vez que eles somente se realizam em sua indivisibilidade,
dentro de territórios nacionais e com as instituições do Estado. Sem as prestações positivas necessárias, as quais são oferecidas
por tais instituições como uma garantia de subsistência à população, a cidadania, na acepção de Marshall, é incompleta (SAES,
[s.d.], p. 20).
Na análise clássica de Thomas Humphrey Marshall, o status de cidadania é composto por três direitos fundamentais: os civis, os
políticos e os sociais. Marshall argumenta que os direitos dos cidadãos evoluíram sucessivamente, surgindo, primeiro, os civis,
depois, os políticos e, finalmente, os sociais. Cada consolidação de direito funcionou como um pré-requisito para o tipo de direito
que se seguia ao anterior (MARSHALL, 1967, p. 63).
Considerando essa “elasticidade razoável”, Marshall considera que os direitos emergiram de uma sequência logicamente
encadeada. Em outras palavras, os direitos civis insurgiram no século XVIII, tornando-se a base para os direitos políticos, que se
destacaram no século XIX. Já os direitos sociais se desenvolveram no século XX, como um reflexo das lutas políticas.
Assim como destaca Marshall, a cidadania é um atributo de status “concebidos àqueles que são membros integrais de uma
comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status”
(MARSHALL, 1967, p. 76).
Nesse sentido, concebida, a cidadania adquire e atribui uma dimensão jurídica dos direitos civis, políticos e sociais, entendendo os
agentes sociais como sujeitos unitários e receptáculos de direitos comuns. A cidadania concebe ao cidadão um status que garante
igualdade no que diz respeito aos direitos e obrigações. Trata-se, na essência, de uma noção jurídica de cidadania e de uma visão
constitucional de democracia.
De fato, para Marshall, “há uma espécie de igualdade humana básica associada com o conceito de participação integral na
comunidade [...] o qual não é inconsistente com as desigualdades que diferenciam os vários níveis econômicos na sociedade”
(MARSHALL, 1967, p. 62). Haveria, pois, uma compatibilidade entre a igualdade de participação na sociedade, ou seja, igualdade
de cidadania e as desigualdades proporcionadas pela estratificação social.
Diante das classes sociais, Marshall pensa em uma estrutura hierárquica, a qual expressa “a diferença entre uma classe e outra em
termos de direitos legais e costumes estabelecidos que possuam o carácter coercivo essencial da lei” (MARSHALL, 1967, p. 76).
Não só, mas reconhece que as desigualdades sociais, econômicas e políticas provocadas pelo sistema capitalista podem ser
impactadas pelo status de cidadania, justamente porque pressupõe uma combinação de direitos (civis, políticos e sociais) comuns a
todos os indivíduos.
Para o economista indiano Amartya Sen, o desenvolvimento de um país está essencialmente ligado com as oportunidades que ele
oferece à população de fazer escolhas e de exercer a cidadania:
Segundo o entendimento de Sen, que refuta o Consenso de Washington, as restrições arbitrárias ao mecanismo de mercado
podem levar a uma diminuição das liberdades. Negar as oportunidades econômicas para as pessoas, bem como os efeitos
favoráveis que os mercados oferecem e sustentam, pode resultar em privações.
Fonte: a autora.
Nessa mesma linha de raciocínio, Rogério Luiz de Souza (2001) alega que:
O solidarismo enquanto expressão moral talvez não se realizou em um nível prático, porém legitimou e
intensificou a nova fase do sistema econômico capitalista, onde o trabalhador deveria sentir-se responsável,
na sua tarefa diária, pelo desenvolvimento da sociedade (SOUZA, 2001, p. 64).
Observamos que, se de um lado, há o discurso de que o processo de erosão da cidadania se agrava nesse final de século, de outro,
não é possível afirmar com a mesma certeza que estamos diante do esgotamento dos valores igualitários que emergiram com a
modernidade. Embora a evolução da cidadania já não possa mais ser sustentada de forma cega, o otimismo iluminista não pode,
também, assumiruma perspectiva puramente pessimista sobre a globalização.
Neoliberalismo e Cidadania
A corrente de pensamento neoliberal pode ser considerada uma redefinição do liberalismo clássico. Suas ideias estão associadas
ao liberalismo econômico do laissezfaire que teve início nas décadas de 1970 e 1980.
,
Surgida no fim do século XIX, a economia neoclássica pode ser dividida entre diferentes grupos, tais como a Escola Walrasiana, a
Escola de Chicago e a Escola Austríaca. A economia neoclássica, juntamente com a Escola Keynesiana, forma a síntese neoclássica,
considerada como método dominante no estudo econômico.
O neoliberalismo é marcado pela Escola de Chicago e a fase moderna da escola, também chamada de novo classicismo é conduzida
,
por Milton Friedman e George Stigler. O movimento propunha que “o sistema do mercado concorrente, se deixado relativamente
livre da intervenção do governo, produz liberdade econômica máxima, que, por sua vez, gera bem-estar individual e coletivo
máximo” (BRUE, 2011, p. 485).
Milton Friedman criticou as políticas econômicas inauguradas por Franklin Roosevelt (1882 – 1945) com o New Deal, cuja
tradução literal seria “Novo Acordo”. Esse foi o nome dado para a série de programas implementados nos Estados Unidos entre
1933 e 1937, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, prestando assistência aos prejudicados pela
Grande Depressão de 1929.
Em 1932, nos Estados Unidos, o New Deal do presidente Roosevelt marcou a busca de um novo compromisso em que
concordassem as principais forças sociais. O compromisso incluiu a proibição do trabalho infantil, a semana de quarenta horas nos
escritórios e de trinta e cinco horas nas usinas, além da implementação do salário mínimo.
Jeremy Bentham difundiu o utilitarismo, teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de
como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade. As opiniões de Bentham foram, posteriormente, sustentadas
pelo filósofo e economista inglês John Stuart Mill, um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX, para quem o direito
poderia ser desenhado de forma a aumentar a eficiência nos negócios, promovendo, por conseguinte, o crescimento.
Segundo Boaventura de Souza Santos apud Lopez ([2018]), nos anos 80, emergiu a proposta “neoliberal” de desenvolvimento, que
nos conduziu ao atual modelo de globalização. Esse modelo apoiou a ideia de sociedade civil com conceito no mercado e
privatizações, devolvendo-lhe competências que estariam nas mãos do Estado. Assim, condenou-se o controle estatal de empresas
públicas e do sistema de previdência social, saúde, educação etc (LOPEZ, 2018).
Esse processo de globalização diminui os laços territoriais que ligam o indivíduo e o povo ao Estado, redirecionando as bases da
cidadania tradicional. É preciso, no entanto, ter cautela nesse processo e primar pelo envolvimento de forças sociais e políticas que
envolvam a sociedade de forma global.
Individualismo decorrente do Neoliberalismo
De acordo com Celso Lafer, o “individualismo é parte integrante da lógica da modernidade, que concebe a liberdade como a
faculdade de autodeterminação de todo ser humano” (LAFER, 2009, p. 120).
Realça-se, pois, o individualismo em sua acepção mais ampla, ou seja, abrangendo todas as tendências que consideram o indivíduo
como fundamento da realidade, reputando-se tal noção de individualismo como outro fator a contribuir na evolução do tema dos
direitos humanos.
De acordo com Anthony Giddens (2000, p. 44), “[o] coletivismo tornou-se um dos traços mais destacados a distinguir a social-
democracia do conservadorismo, que, ideologicamente, enfatizava muito mais ‘o individual’ e também foi marcante na ideologia
democrata-cristã da Europa continental”.
O individualismo tem, como ponto de partida, o nominalismo, que considera singulares somente os seres designados por nomes
próprios. Os nomes comuns e as relações são apenas instrumentos úteis para conotar uma pluralidade de seres individuais
(LAFER, 2009). Nesse sentido, os direitos humanos, que mantêm uma expectativa de desejo do Outro, podem ser considerados
utópicos (BARRETO, 2010, p. 16).
Para Jean-Paul Sartre (2010), o ato individual envolve toda a humanidade. Em outras palavras, todo projeto, mesmo que individual,
possui valor universal:
Quando dizemos que o homem faz a escolha por si mesmo, entendemos que cada um de nós faz essa
escolha, mas, com isso, queremos dizer também que ao escolher por si, cada homem escolhe por todos os
homens. Com efeito, não existe um de nossos atos sequer que, criando o homem que queremos ser, não crie
ao mesmo tempo uma imagem do homem conforme julgamos que ele deva ser [...] Se a existência, além do
mais, precede a essência, e nós queremos existir ao mesmo tempo em que moldamos nossa imagem, tal
imagem é válida para todos e para nossa época inteira (SARTRE, 2010, p. 27).
Nessas circunstâncias, as responsabilidades são maiores do que se poderia supor, pois, ao criar determinada imagem do homem
que se escolhe ser, elas envolvem a humanidade como um todo.
Embora seja impossível encontrar, em cada homem, a essência universal do que seria a natureza humana, existe uma
universalidade humana de condições.
Segundo Sartre (2010), o humanismo divide-se em clássico e existencialista. Por humanismo clássico, pode-se entender a teoria
que toma o ser humano como fim último e valor supremo:
Neste sentido, aparece um humanismo, por exemplo, na história de Cocteau, A volta ao mundo em 80 horas ,
quando um personagem declara, ao sobrevoar as montanhas de avião: “O homem é admirável!” Isto significa
que eu, pessoalmente, que não construo os aviões, me benefício dessas invenções particulares e posso,
pessoalmente, enquanto homem, me considerar também responsável e honrado pelas ações particulares de
alguns seres humanos. Isto permitiria supor que pudéssemos atribuir um valor ao homem a partir dos atos
mais nobres de alguns homens (SARTRE, 2010, p. 60).
está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz o homem
[...]
existir e, por outro lado, é perseguindo fins transcendentes que ele é capaz de existir; sendo essa superação
e apropriandose dos objetos apenas em relação a essa superação, o homem está no coração, no centro
dessa superação. Não há outro universo senão um universo humano, um universo da subjetividade humana.
Esta ligação da transcendência, como constitutiva do homem – não no sentido em que Deus é
transcendente, mas no sentido de superação – e da subjetividade, no sentido em que o homem não se
encontra encerrado nele mesmo, mas sempre presente num universo humano (SARTRE, 2010, p. 60).
O humanismo existencialista lembra, ao homem, que não há outro legislador senão ele mesmo, e que é no desamparo que ele
decidirá por si próprio. Não é voltando para si mesmo que o homem se realizará precisamente como humano, mas é buscando fora
de si um fim que consista nessa realização particular (SARTRE, 2010).
Destarte, o existencialismo não é um ateísmo, no sentido de empenhar-se em demonstrar que Deus não existe. Ele afirma que,
mesmo havendo prova incontestável da existência de Deus, o homem precisa se convencer de que nada poderá salválo de si
próprio. “O existencialismo não é outra coisa senão um esforço para extrair todas as consequências de um posicionamento ateu
coerente” (SARTRE, 2010, p. 61).
Sugere-se assistir ao documentário “Capitalismo: uma história de amor”, dirigido por Michael Moore, no ano
de 2009, entre os meses de fevereiro e julho, em meio à crise americana.
O documentário mostra as diversas fases do capitalismo ao longo do século XX, começando pela retomada
do sistema financeiro após a Crise de 1929, com o governo Roosevelt, passando pelo capitalismo de classe
média, com o Welfare State, nos meados do século, até chegar a depreciação do sistema a partir do governo
Reagan, que, segundo Moore, intensificou-se nas últimas décadas.
O documentário também revela a grave violação dos direitos humanos (direito de propriedade, liberdade,
dignidade humana etc.) na busca do lucro pelos grandes bancos.
Fonte: a autora.
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ATIVIDADES
1. O fim da Guerra Fria, em 1989, colaborou para a compreensão de que o mundo havia entrado em uma onda democratizante
irreversível. Além disso, o processo de globalização econômico foi o mais marcante desse período.
b) O Tratado de Versalhes.
2. As Políticas Econômicas que passaram a ser conhecidas como New Deal, consistentes na série de programas implementados nos
Estados Unidos entre 1933 e 1937, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, prestando assistência
aos prejudicados pela Grande Depressão de 1929, foram inauguradas pelo seguinte presidente americano:
a) Barak Obama.
b) Franklin D. Roosevelt.
c) Richard Nixon.
d) Jhon F. Kennedy.
e) Theodore Roosevelt.
3.Segundo Sartre, o humanismo divide-se em __________ e __________. O primeiro considera o ser humano como fim último e valor
supremo. Já o segundo, considera que não é voltando para si mesmo que o homem se realizará precisamente como humano, mas
deve buscar fora de si um fim que consista nessa realização particular.
a) Clássico e existencialista.
b) Clássico e pluriexistencial.
c) Existencialista e moderno.
d) Existencialista e clássico.
e) Moderno e existencialista.
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RESUMO
O discurso hobbesiano que analisamos é uma tradição que se pauta na defesa da liberdade do indivíduo, limitando politicamente
os poderes do Estado. Essa etapa histórica é denominada de era do liberalismo e busca a defesa dos direitos civis.
Veremos que, apesar dos problemas os quais são atribuídos ao pensamento político liberal, é importante reconhecer a sua
importância para a democracia moderna e na própria construção da noção de cidadania. Isso se deve, já que ele contribuiu para a
formulação da ideia de uma cidadania universal, baseada na afirmação de que todos os indivíduos nascem livres e iguais.
Por outro lado, o pensamento liberal restringiu a cidadania a um mero estatuto legal, estabelecendo os direitos de que o indivíduo
é titular face ao Estado. Essa visão se modifica a partir da década de 1990, com a globalização e a ascensão de grupos
transnacionais, que conduzem ao entendimento de que há outras formas não estatais de governança.
A cidadania passa a ser concebida com uma dimensão jurídica dos direitos civis, políticos e sociais, entendendo os agentes sociais
como sujeitos unitários e receptáculos de direitos comuns, tratandose, na essência, de uma noção jurídica de cidadania e de uma
visão constitucional de democracia.
A visão da liberdade do indivíduo defendida por Hobbes e Locke e, posteriormente reafirmada pela globalização e pelas teorias
liberais, conduzem a uma visão individualista, que diferente da concepção de cidadania global e de democracia cosmopolita, se
reflete em comportamentos que inicialmente podem ser interpretados como egoístas.
O existencialismo se tornou popular nos anos que sucederam as Guerras Mundiais, como uma maneira de reafirmar a importância
da liberdade e individualidade humana. Para Jean-Paul Sartre, autor que se destaca nesse período, o ato individual envolve toda a
humanidade – ou seja, todo projeto, mesmo que individual, possui valor universal.
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ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Apresentação do caso:
A terceirização, nas relações de trabalho, há algum tempo, é vista pelos estudiosos como um fator que precariza os direitos
trabalhistas, evitando que o terceirizado usufrua dos mesmos direitos e benefícios previstos para a categoria profissional dos
empregados da empresa que se encontra na ponta da linha.
A decisão apresentada a seguir foi proferida antes da entrada em vigor da Lei 13.429/2017, que tornou lícita a terceirização no
Brasil e demonstra um claro sentimento de preocupação com os riscos da terceirização levar à precarização do trabalho.
Ementa:
Já a ementa transcrita a seguir foi extraída de um acórdão proferido posteriormente à edição da Lei 13.429/2017 e demonstra
uma ideia totalmente oposta no que tange à preocupação com o trabalhador.
Ementa:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 20 set. 2018.
______. Lei n. 13.429 de 31 de março de 2017 Altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o
.
trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de
prestação de serviços a terceiros. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm >.
Acesso em: 20 set. 2018.
Elementos do caso:
• Reflexão sobre a aproximação do direito com a economia, em decorrência do processo de globalização, em especial no que tange
ao privilégio do lucro ao ser humano e, por consequência, sobre a violação de direitos fundamentais do trabalhador.
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Material Complementar
Na Web
O texto sugerido como leitura complementar atenta para um aspecto
específico das tendências recentes de transformação da cidadania: o
avanço do reconhecimento da diferença, combinado com forte regressão
no plano da equidade. Para tanto, desenvolve-se uma análise da
concepção tradicional da cidadania, das forças responsáveis pela sua
desestabilização, das reações na literatura teórica perante tal
desestabilização e, sobretudo, das diferentes tensões que, na edificação
da cidadania moderna, caracterizaram a relação do binômio
igualdade/diferença e tensões tematizadas de forma parcial no debate
contemporâneo.
Acesse
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REFERÊNCIAS
ALVES, J. A. L. Direitos humanos, cidadania e globalização. Lua Nova, n. 50, p. 185-206, 2000.
BARRETO, V. de P. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
:
______. Lei n. 13.429 de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o
trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de
prestação de serviços a terceiros. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm >.
Acesso em: 20 nov. 2018.
GIDDENS, A. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da sociela-democracia. Rio de Janeiro: Record,
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LAFER, C. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
LOPEZ, I. Em busca da cidadania global: Entrevista com Boaventura de Souza Santos. DHNet Disponível em: .
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
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MOUFFE, C. A cidadania democrática e a comunidade política. In: ______. O Regresso do Político. Lisboa: Gradiva, 1996.
SAES, D. A. M. de. Cidadania e Capitalismo: uma abordagem teórica. Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP Disponível em: .
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
.
SOUZA, R. L. de. A reforma social católica e o novo limiar capitalista (1945 – 1965) 2001. Tese (Doutorado), Universidade
.
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APROFUNDANDO
O liberalismo e o neoliberalismo são teorias econômicas distintas, apesar de apresentarem muitas semelhanças. O liberalismo
surgiu no século XVIII e perdurou até 1929, sendo reconhecida como uma política que atendia às ex-pectativas do capitalismo
industrial. Já o neoliberalismo ou novo liberalis-mo teve início por volta de 1970, ten-do, como um dos principais objetivos,
promover o aumento da circulação de mercadoria no mundo.
PARABÉNS!
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EDITORIAL
DIREÇÃO UNICESUMAR
28 p.
Fotos Shutterstock
:
Retornar
A LIBERDADE E A
CIDADANIA
Professor (a) :
Objetivos de aprendizagem
•Tecer considerações acerca da nacionalidade, da cidadania e de seu universo jurídico internacional.
• Abordar a liberdade, tomando-a como conceito fundador dos direitos humanos e da cidadania cosmopolita. Analisar os
contornos garantistas da liberdade no pós-guerra.
• Refletir sobre a alteridade e a tolerância, uma vez que, diante do conjuntural plural do conceito de cidadania, respeitar as
diferenças e as minorias é o principal instrumento para a concretização da ideia cosmopolita.
Plano de estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Introdução
Ao longo deste estudo, abordaremos a cidadania como fenômeno jurídico, fazendo breves considerações acerca da diferenciação
entre o termo nacionalidade e cidadania. A partir dessa reflexão, analisaremos o universo desses institutos, a começar pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Abordaremos, ainda, o instituto da dupla nacionalidade, bem como a condição de apátrida, a qual é regulada internacionalmente
pela Convenção da ONU sobre os apátridas de 1954. Ela é, em certa medida, observada pelo Brasil na redação da Emenda
Constitucional nº 54, de 2007 ao art. 12, inc. I, alínea “c”.
As Constituições Americana e Francesa consolidaram os direitos com base na ideia de liberdade, igualdade e solidariedade,
inaugurando inúmeros instrumentos internacionais de proteção aos direitos civis, políticos, sociais e culturais. A liberdade, no
entanto, ganha especial destaque na orientação e efetivação dos direitos humanos.
Veremos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 refletiu o consenso imediato do pós-guerra sobre o tema dos
direitos humanos, baseando-se nas quatro liberdades de Roosevelt – four freedom Já Amartya Sen classifica três tipos de
.
liberdade reais: econômica, política (no sentido de garantias democráticas) e social (tolerância para com as diferenças e minorias,
liberdade religiosa etc.).
Observaremos que a nova ordem jurídica, para além da relação do indivíduo com o Estado nacional, também nos conduz à ideia de
uma cidadania cosmopolita .
O desrespeito às minorias e os “diferentes” já foi vivenciado pela humanidade e marcado historicamente pela perseguição ao povo
judeu durante a Segunda Guerra Mundial, quando se pregava o extermínio daquela raça. Para superar essas marcas do passado, é
preciso aceitar novos valores culturais, de forma mútua. Só essa atitude contribuirá para uma nova identidade social.
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A cidadania encontra suas regras elementares nas constituições nacionais, que empregam o vocábulo para se referirem aos
direitos e obrigações de seus nacionais. Assim, por exemplo, a Constituição Brasileira de 1988, já em seu art. 1°, parágrafo II,
aponta a cidadania como fundamento da nação. Cumpre-se, por conseguinte, traçarmos uma breve diferenciação entre o termo
nacionalidade e cidadania.
A nacionalidade pode ser definida como o vínculo jurídico que liga o indivíduo ao Estado. Liga-se mais intimamente ao conceito
sociológico de nação O termo nação adquiriu prestígio durante a Revolução Francesa, constantemente utilizado para expressar
.
Embora não se tenha uma acepção unívoca, a nação pode definir um conjunto de pessoas ligadas por laços comuns, os quais podem
ser a pertinência étnica, a linguística, a tradicional ou a histórica, consciente de sua identidade e com aspirações comuns.
Segundo Pasquale Stanislao Mancini (2003), a região, a raça, a língua, os costumes, a história, as leis, as religiões são os elementos
determinantes da nacionalidade.
O Brasil adota a expressão nacionalidade para definir esse vínculo, assim como outros países, a exemplo da Espanha ( nacionalidad )
e França ( nationalité ). No entanto, na Itália, a expressão adotada tanto no âmbito jurídico quanto no doutrinário é cidadania
( cittadinanza ).
A cidadania, no âmbito brasileiro, está ligada aos direitos e deveres em que a sociedade vive. São direitos políticos os que
permitem, ao indivíduo, intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação
do governo e na sua administração, seja ao votar (direto) ou ao concorrer a cargo público (indireto).
Utilizando o pensamento doutrinário pátrio, pode-se concluir que a cidadania pressupõe a nacionalidade, ou seja, para ser titular
dos direitos políticos, há de ser nacional. Na Itália, porém, o termo cidadania significa que o cidadão italiano reconhece o sistema
jurídico e cumpre os direitos políticos e civis. Ele pode ser visto tanto como um estado do cidadão, bem como uma relação jurídica
entre cidadão e Estado.
Em sentido amplo, podemos, então, concluir que a cidadania, bem como seus direitos, dizem respeito a uma determinada ordem
jurídico-política de um país, de um Estado, no qual uma Constituição define e garante quem é cidadão, quais direitos e deveres ele
terá em função da idade, do estado civil, da condição de sanidade física e mental, e do fato de estar ou não em dívida com a justiça
penal etc (BENEVIDES, [2018], p. 3).
Os direitos do cidadão e a própria ideia de cidadania não são genéricos, no sentido de que eles estão fixos a uma específica e
determinada ordem jurídico-política (BENEVIDES, [2018], p. 3).
Ao considerarmos que a nacionalidade é pressuposto da cidadania, podemos verificar que, no âmbito jurídico internacional, os p
rincipais elementos do direito positivo reguladores desses institutos são constituídos, além de algumas convenções bilaterais, pela
Convenção de Nova Iorque de 1961 (DING; DAILLIER; PELLET, 2003) e pela Declaração Universal de 1948.
Possuir uma nova nacionalidade, seja pela renúncia da nacionalidade de origem ou pela mudança de nacionalidade adquirida, é
direito do indivíduo, proclamado pelo artigo 15, itens 1 e 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. No entanto, um
indivíduo pode receber várias nacionalidades ou ter negada qualquer nacionalidade, pelo jogo combinado das regras nacionais da
matéria, mesmo sem qualquer violação do direito.
A Convenção de Haia de 1930, promulgada no Brasil por meio do Decreto 21.798, de 06/09/1932, em seus artigos 1º, 2º e 3º,
estabelece que: a) cabe a cada Estado determinar por meio de sua legislação quais são seus nacionais; b) as dúvidas quanto à
nacionalidade de um indivíduo será resolvida de acordo com a legislação do Estado; c) salvo reserva de disposições contidas na
Convenção, caso um indivíduo possua duas ou mais nacionalidades, poderá ser considerado por cada um dos Estados cuja
nacionalidade possua, como seu nacional.
Dessa forma, é plausível afirmar que a nacionalidade é uma questão jurídicopolítica de direito público interno, que leva em
consideração os interesses legítimos do Estado e de seus indivíduos, de acordo com os limites traçados pelo direito internacional
que regulamenta a questão de forma complementar.
Nas palavras de Ding, Pellet e Daillier (2003), o problema da nacionalidade das pessoas ilustra bem a antiguidade da sua situação
jurídica em direito internacional. Para a aquisição de nacionalidade originária, verificam-se três sistemas que podem ser adotados
pela legislação interna dos países: o ius sanguinis, literalmente traduzido como “direito de sangue”, em que o descendente adquire a
nacionalidade do seu ascendente; o ius soli conhecido como “direito de solo”, em que o indivíduo adquire a nacionalidade do Estado
,
no território no qual ele nasceu; e o sistema misto, que admite as duas formas anteriores.
O critério do ius sanguinis era, geralmente, adotado por países de grandes correntes emigratórias que buscavam manter o ideal de
sua nacionalidade. O ius soli por sua vez, era adotado por países – em geral, em via de desenvolvimento – os quais, buscando
,
formar uma nova comunidade baseada na ideia de povoamento, concediam sua nacionalidade para todos os nascidos em seu
território, ainda que filhos de pais estrangeiros.
Já a nacionalidade derivada ou secundária é adquirida mediante naturalização, definida como o ato em que alguém adquire a
nacionalidade de outro país. Na grande maioria das vezes, resulta do casamento do indivíduo com um nacional ou da sua residência
prolongada no território de um Estado diferente do Estado de origem.
Adotam-se as expressões: dupla nacionalidade polipátria ou, ainda, pluripátria para conflito de nacionalidade positivo. Tal
, , ,
circunstância deriva da concorrência positiva dos critérios de ius sanguinis e ius soli Quando se verifica uma concorrência
.
negativa dos critérios de ius sanguinis e ius soli depara-se com a condição de apátrida.
,
É exemplo de polipátrida os filhos de italianos nascidos no Brasil, observadas as condições legais que serão
,
vistas adiante, por meio do o sistema ius soli, o qual reconhecerá tais indivíduos, ainda que os pais sejam
estrangeiros e não naturalizados. Ainda, pelo fato de a Itália adotar o sistema ius sanguins, serão
considerados italianos em consequência da posse de pais italianos, mesmo que o nascimento tenha se
verificado fora do território italiano.
Fonte: a autora.
A Convenção da ONU sobre os apátridas, aprovada em Nova Iorque, em 28 de setembro de 1954, regula a matéria no âmbito
internacional. No Brasil, a redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007, ao art. 12, inc. I, alínea “c”, buscou evitar
futuras incidências de apátridas filhos de brasileiros. Assim, atualmente:
os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em
[...]
De acordo com o princípio da competência exclusiva, somente o Estado tem competência para atribuir uma nacionalidade. Esse
princípio está firmemente ancorado na prática internacional, tanto jurisdicional quanto convencional. A suspensão e a “perda” da
nacionalidade é igualmente uma competência discricionária dos Estados.
A Constituição brasileira dispõe de duas formas de perda da nacionalidade: a) a perda por punição, quando tiver cancelada a sua
naturalização por sentença judicial, em virtude de uma atividade nociva ao interesse nacional (art. 12, § 4º, inc. I); b) a perda por
mudança, quando adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária (art. 12, § 4º, inc. II).
Há outros instrumentos jurídicos internacionais. Um deles é o Pacto de 1966, relativo aos direitos civis e políticos, que reconhece
tais direitos às crianças (artigo 24°, §3), bem como a Convenção do Conselho da Europa de 1997 (artigo 4º) e o projeto de artigos
adaptado em primeira leitura pela Comissão de Direito Internacional, em 1997, sobre a nacionalidade das pessoas físicas em
relação com a sucessão de Estados que assentam no princípio do direito a uma nacionalidade (artigo 1°) (DING; DAILLIER; PELLET,
2003).
No Brasil, a nacionalidade é regulada pelo artigo 12 da Constituição Federal e é regida pelo princípio básico e predominante ius
soli, não ignorando o ius sanguinis. Os direitos políticos, por sua vez, são regulados em seu artigo 14, que estabelece, como
princípio da participação na vida política nacional, o sufrágio universal.
A Constituição Brasileira não apresenta nenhuma definição explícita de “ser cidadão” e essa não é uma característica única da
legislação brasileira. Outras constituições, a exemplo da alemã, não possuem uma definição formal do termo. A pessoa deve ser
entendida como cidadão, cuja inserção no ambiente social é expressa na relação do ser com o dever-ser.
Para Naiara Posenato (2002), as normas brasileiras sempre deram, para a cidadania, uma interpretação vertical, distinguindo
materialmente a nacionalidade da cidadania. Isso se deve, pois a primeira é vista como uma relação baseada na neutralidade
política, enquanto a segunda é uma garantia de tais direitos, concedida com maior ou menor amplitude, segundo o período
histórico.
Podemos considerar que os direitos civis são as bases da cidadania, pelo fato de definirem os limites da liberdade, com garantias
explícitas dos respectivos Estados, e provisionamento de mecanismos de defesas, quando violadas. Assim, para atribuir contornos
menos diluídos ao que seja a liberdade, os direitos surgem como elementos configuradores de seu significado.
Se a cidadania, atualmente, pressupõe a liberdade, é possível afirmar que o seu oposto, a escravidão, não é aceita pelos textos
legais e pelo Código Penal Brasileiro (art. 149), os quais, apesar de não mencionarem a possibilidade de ocorrência de situações de
escravidão, qualifica a de condição análoga à de escravo.
A cidadania reflete processos de conquistas de um grupo ou de uma sociedade. Um exemplo de concretização da cidadania,
expressa, atualmente, em termos de direitos e obrigações, é o Código de Defesa do Consumidor, que regula direitos de consumo
por meio da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Podemos afirmar o mesmo sobre a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, a chamada “Lei Maria da Penha”, que criou mecanismos
“para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher” (BRASIL, 2006, on-line), garantindo, assim, sua liberdade
civil e seu direito de ir e vir sem ser agredida ou maltratada.
Houve, igualmente, uma longa trajetória e lutas cotidianas para a conquista de outros direitos, tais como: direito à liberdade de
expressão, o direito de organizar e participar de associações comunitárias, sindicatos trabalhistas e partidos políticos, o direito a
um trabalho digno, o direito de votar e ser votado etc.
No Brasil, pois, a cidadania consiste em uma evolução de conquistas, sobretudo as legais, que procuram reparar as injustiças
sociais, políticas e civis. É preciso sempre buscar a cidadania plena, equilibrada e consciente, cabendo, ao direito, a tarefa de
regular a sociedade e diluir as assimetrias entre teoria e prática, que, nas palavras de José Murilo de Carvalho (2002, p. 9-10),
constituem-se de uma “cidadania no papel” e outra “cidadania cotidiana”.
A Revolução Francesa de julho de 1789 foi marcada pelo lema liberté, égalité, fraternité – liberdade, igualdade, fraternidade – e pela
tomada da Bastilha, prisão em que os adversários do regime eram encarcerados e um dos símbolos do totalitarismo. Esse
movimento revolucionário trouxe uma importante renovação institucional, possibilitando o surgimento do primeiro Estado
jurídico, guardião das liberdades individuais (MARÇAL; RIBEIRO, [2018], on-line)¹.
São, pois, direitos individuais: a) quanto ao modo de exercício, pois é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de
opinião; b) quanto ao sujeito passivo do direito, uma vez que o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os
demais indivíduos, já que esses direitos têm, como limite, o reconhecimento do direito do outro; c) quanto ao titular do direito, que
é o homem em sua individualidade (LAFER, 2009).
Celso Lafer (2009) lembra que, do século XVIII até nossos dias, o elenco dos direitos do homem contemplados nas constituições e
nos instrumentos internacionais alterouse com a mudança das condições históricas.
No decorrer do século XX, a sociedade reduziu as possibilidades de consumo e as liberdades civis, mediante a ascensão do
fascismo, o qual vigorou até o final da Segunda Guerra Mundial.
Raymond Aron lembra que, essencialmente, os direitos individuais, políticos e intelectuais não se
modificaram entre 1789 e 1948, visto que “[...] os juristas e os políticos continuam a enunciá-los em termos
semelhantes (embora com algumas exceções significativas). Por outro lado a Declaração de 1948
desvaloriza certos direitos (propriedade) intermediários entre os direitos políticos e os econômicos, e
comporta um capítulo de direitos sociais com o qual os constituintes franceses não sonhavam.”
Os Estados democráticos modernos são, usualmente, caracterizados pelo respeito aos direitos humanos, às liberdades políticas,
bem como pela igualdade de todos os cidadãos diante da lei e da existência da sociedade civil.
Tais direitos, elencados como humanos, estão inteiramente ligados à defesa do indivíduo contra as arbitrariedades do exercício do
poder, em especial o do Estado.
Nesses termos, a “liberdade torna-se assim no conceito fundador dos direitos humanos, da liberdade política e de todos os direitos
que asseguram ao homem o pleno exercício de uma vida política” (BARRETO, 2010, p. 60).
Tanto o conceito de dignidade humana quanto o de direitos humanos estão no mesmo plano – referem-se à pessoa humana.
Contudo, nesse plano, a dignidade situa-se em um nível mais profundo na essência do homem, de modo que a liberdade lhe será
subsumida.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,
anuncia, no artigo 3º, que “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, além de dispor sobre o direito à
igualdade, os direitos civis e familiares, os direitos políticos e os direitos econômicos e sociais. A liberdade proposta pela
Declaração de 1948 é considerada um direito inato.
Assim, percebe-se que tal declaração reflete o consenso imediato do pós-guerra sobre o tema dos direitos humanos – que se
constituem de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – e é fundada nas ideias que o presidente Roosevelt
descreveu como as quatro liberdades – four freedom .
A primeira das quatro liberdades é o direito de palavra e livre expressão. Já a segunda é a liberdade de cada um cultuar a Deus da
sua maneira, enquanto a terceira é a de estar livre das necessidades, traduzindo-se na liberdade das coisas econômicas. Por fim, a
quarta é estar livre do medo, o que significa a redução dos armamentos a tal ponto que nenhuma nação esteja em posição de
ameaçar ou cometer atos de agressão contra outra.
Na classificação de Amartya Sen (2010), há três tipos de liberdade reais: econômica, política (no sentido de garantias
democráticas) e social (tolerância para com as diferenças e minorias, liberdade religiosa etc.). Para o autor, as liberdades possuem
um papel fundamental no combate a diferentes males e o desenvolvimento de uma sociedade está essencialmente ligado com as
oportunidades que ela oferece para a população de fazer escolhas e de exercer a cidadania.
É importante refletirmos que, em termos técnicos jurídicos, a Constituição de 1988 elenca direitos individuais e sociais, mas tais
direitos não possuem uma correlação direta com a teoria da liberdade do cidadão. O próprio conceito de liberdade aparece no
preâmbulo, apartado desses direitos, tornando-a vaga e imprecisa.
Essa necessidade de repensar na cidadania e nas liberdades, e do peculiar vínculo entre o indivíduo e a nova ordem jurídica, para
além daquela relação com o Estado nacional, resulta a ideia da cidadania cosmopolita, capaz de assegurar direitos e liberdades a
serem reconhecidos por diversas ordens jurídicas.
Assim, encontramo-nos diante de uma nova e complexa realidade, em que subsistem estados nacionais, uma ordem econômica
internacional e a afirmação de valores culturais locais dentro de cada estado. A cidadania cosmopolita será, portanto, aquela que
assegurará direitos e liberdades a serem reconhecidos, não somente pelo estado nacional, mas que perpassará diversas ordens
jurídicas (BARRETO, 2010).
Nessa perspectiva plural, a tolerância com as diferenças e as minorias é o principal instrumento para a concretização da cidadania
cosmopolita. Assim como não é possível pensar em cidadania sem liberdade, pergunta-se: como imaginar um Estado sem o devido
respeito com as diferenças, já que vivemos em um mundo culturalmente diverso e múltiplo?
Essa característica de interação da sociedade contemporânea resulta em um mundo cultural diverso e múltiplo, o que gera a
necessidade de aceitação de novos valores culturais de forma mútua, que são importantes para a construção da nova identidade
social. Não devemos deixar de observar que essa “internacionalização” de direitos, culturas e valores nos remete a uma reflexão
bastante importante: a de que, por vezes, há outra hierarquia de valores incidentes na concepção dos direitos humanos.
Nos países islâmicos, por exemplo, o movimento dos direitos humanos é visto como uma imposição de valores ocidentais e símbolo
da continuidade da hegemonia política e cultural do Ocidente. Nos regimes islâmicos – lei islâmica ou sharia (shari’ah) – o próprio
Deus ordena os princípios da justiça e da vida pública.
Considerando, assim, que a hierarquia de valores diverge em cada situação, tornase evidente a dificuldade de formular um projeto
universal – senão universalizante – dos direitos humanos.
A alteridade pode ser entendida como a relação entre o eu e o outro, pois “em cada eu, há um outro - que não sou eu, que é
diferente de mim, mas que eu posso compreender e assimilar” (BAUDRILLARD; GUILLAUME, 1994, p. 10). Já o reconhecimento
do outro favorece a compreensão de si. Pelo fato de que a relação com o outro é um dos elementos que constrói a visão de si
mesmo, a identidade e a alteridade são indissociáveis.
É nesse sentido que a alteridade, enquanto fenômeno de caráter relacional de uma construção psicológica, em torno da relação
entre o eu e o outro é tão importante nesse processo. A alteridade é, pois, a capacidade de compreender o outro na plenitude da
sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença.
Segundo o jurista e antropólogo Boaventura de Sousa Santos (2002), a ideia, em síntese, é a de que todas as culturas são, em
alguma medida, incompletas, e o diálogo entre elas pode avançar precisamente a partir dessa incompletude, desenvolvendo a
consciência de suas imperfeições.
Propõe-se, então, a construção gradativa de um “multiculturalismo progressista” com base em uma conversação transcultural, em
que cada povo esteja disposto a se expor ao olhar do outro, um olhar que lhe mostre as debilidades de suas concepções e lhe
aponte as carências de seu sistema de valores.
Boaventura destaca, em outro texto, que vale a pena esclarecer o que chamamos de “sociedade civil”. Na tradição ocidental, esse
conceito ajudou na consolidação dos espaços democráticos da ação dos cidadãos, bem como os espaços de exclusão daqueles que
não eram considerados cidadãos, assim como as mulheres, os trabalhadores, os negros e os indígenas. De acordo com esse
conceito original, muitos indivíduos foram excluídos da cidadania (LOPEZ, [2018]).
Nas palavras do sociólogo Boaventura de Souza Santos, em entrevista para Immaculada Lopez, é preciso pensar no princípio da
igualdade criando políticas de redistribuição de riquezas, por exemplo. Ao mesmo tempo, o princípio da diferença se importa em
criar políticas de reconhecimento e aceitação do outro. É, portanto, um processo paralelo. Somos diferentes em uma família, em
uma região e em uma nação. A diferença é inerente, portanto, à natureza humana. Santos sustenta que “não podemos reconhecer a
identidade dos indígenas e, ao mesmo tempo, tirar suas terras e riquezas naturais. Portanto, a sociedade civil transnacional ainda é
um grande projeto em construção” (LOPEZ, [2018], on-line).
A cidadania tem, como importantes preceitos, a alteridade, a tolerância e o pluralismo. Esses princípios são indissociáveis de um
Estado Democrático de Direito e constituem, igualmente, a base para uma convivência pacífica entre as diferentes culturas que
coexistem no planeta.
O filme “12 Anos de Escravidão” chegou ao Brasil aproximadamente 120 após a abolição da escravatura,
que ocorreu com a Lei Áurea de 1888. Nos Estados Unidos, a escravidão acabou algumas décadas antes, em
1863, mas em um processo bem mais conflituoso e que gerou uma guerra a qual dividiu o país.
Tendo a liberdade como tema central, o filme conta a história de um escravo negro que nasceu livre e aceita
um trabalho em outra cidade. Nessa transição, ele é, então, sequestrado e acorrentado. Vendido como se
fosse um escravo, precisa superar as humilhações físicas e emocionais para sobreviver. Ao longo de doze
anos, ele passa por dois senhores que, cada um, à sua maneira, exploram seus serviços.
Fonte: a autora.
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ATIVIDADES
1. Analise as afirmativas a seguir:
I)A nacionalidade pode ser definida como o vínculo jurídico que liga o indivíduo ao Estado. Ela se liga mais intimamente ao
conceito sociológico de nação.
II)O termo nação adquiriu prestígio durante a Revolução Francesa. Ele era constantemente utilizado para expressar tudo o que
fizesse referência ao povo enquanto unidade homogênea.
A função da nacionalidade é a de estabelecer parâmetros que permitam que as pessoas se comportem de acordo com o que
III)
a) I, apenas.
b) I e III, apenas.
c) II, apenas.
d) III, apenas.
e) I e II, apenas.
2. A Revolução Francesa de julho de 1789 foi marcada pelo lema liberté, égalité, fraternité – liberdade, igualdade, fraternidade – e
pela tomada da Bastilha, prisão em que eram encarcerados os adversários do regime e um dos símbolos do totalitarismo. Esse
movimento revolucionário trouxe uma importante renovação institucional, possibilitando o surgimento do primeiro Estado
jurídico, guardião:
Considerando as palavras do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, é perceptível que a cidadania tem, como importantes
preceitos:
a) Alteridade e individualismo.
b) Intolerância e pluralismo.
c) Alteridade e pluralismo.
d) Egocentrismo e tolerância.
e) Egocentrismo e intolerância.
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RESUMO
No que tange à diferença das expressões nacionalidade e cidadania, podemos concluir que, em sentido amplo, elas abarcam um
mesmo conceito. No direito brasileiro, todavia, a nacionalidade é utilizada para definir o vínculo jurídico que liga o indivíduo ao
país. Já a cidadania, por seu turno, assume no jurídico âmbito brasileiro, a relação de direitos e deveres políticos, que permitem ao
indivíduo intervir de forma direta ou indireta na direção dos negócios públicos do Estado.
A liberdade tornou-se o conceito fundador dos direitos humanos, já que eles representam uma defesa do indivíduo contra as
arbitrariedades do exercício do poder, em especial, o do Estado.
As liberdades possuem, assim, um papel fundamental no combate a diferentes males e o desenvolvimento de uma sociedade está
essencialmente relacionado com as oportunidades que ele oferece para a população de fazer escolhas e de exercer a cidadania.
O desenvolvimento das sociedades proporcionou uma reflexão acerca da cidadania e das liberdades, superando o vínculo de
submissão do indivíduo com o Estado nacional. A ordem jurídica plural promoveu, para a cidadania, uma concepção cosmopolita,
capaz de assegurar direitos e liberdades a serem reconhecidos por diversas ordens jurídicas.
Para Boaventura de Souza Santos (2002), é preciso pensar na igualdade, mas, ao mesmo tempo, respeitar as diferenças,
reconhecendo e aceitando o outro. A alteridade, a tolerância e o pluralismo conduzem ao aprendizado e o respeito aos “diferentes”,
tornando possível o convívio em uma sociedade e consubstanciando as relações interpessoais.
Assim, é sabível que a alteridade, a tolerância e o pluralismo são preceitos indissociáveis de um Estado Democrático de Direito e
constituem, igualmente, a base para uma convivência pacífica entre as diferentes culturas que coexistem no planeta.
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ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Apresentação do caso:
O caso trata sobre a contratação de mão de obra para uma construção civil em que se verificou o descumprimento de deveres
trabalhistas, previdenciários e fiscais. Não só, mas também averiguou-se um grande problema contemporâneo, que é do trabalho
realizado em condições análogas à de escravo, cujo objetivo é atender as demandas de uma economia globalizada e a obtenção do
lucro a todo custo.
Ementa:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
:
Elementos do caso:
• Falha na fiscalização por parte do ente público, o qual não agiu, nem tomou as medidas necessárias no momento em que ainda
fosse possível impedir que os empregados da contratada chegassem àquela situação.
• Refletir sobre a necessidade de se resguardar direitos e liberdades a serem reconhecidos por diversas ordens jurídicas.
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Material Complementar
Na Web
O texto discute as noções de tolerância e de neutralidade, e avalia, em
termos éticos e político-institucionais, modelos de justificação da
tolerância como “respeito mútuo”. Examina-se, no contexto de sociedades
pluralistas, a concepção de tolerância como “respeito mútuo”, inserindo,
na discussão, a noção de neutralidade, endereçada às instituições
políticas. Após rejeitar as tentativas de ancorar a tolerância (e a
neutralidade), em razão delas próprias neutras, do ponto de vista moral, o
texto examina dois modelos de justificação - centrados nos valores da
autonomia e da justificação razoável -, sugerindo-se a possibilidade de sua
síntese a partir de perspectivas extraídas do liberalismo rawlsiano.
Acesse
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REFERÊNCIAS
ANNONI, D. Os Novos Conceitos do Novo Direito Internacional: Cidadania, Democracia e Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2002.
ARON, R. Duas declarações de direitos. In: GROCE, B.; CARR, E. H.; ARON, R. Declarações de direitos . 2. ed. Brasília: Senado
Federal, Centro de Estudos Estratégicos, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2002.
BARRETO, V. de P. O fetiche dos direitos humanos e outros temas Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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BAUDRILLARD, J.; GUILLAUME, M. Figures de l’altérité. Paris: Descartes & Cie, 1994.
BENEVIDES, M. V. Cidadania e Direitos Humanos Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA). [2018].
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
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______. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de
Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: < https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-
penha-lei-11340-06 >. Acesso em:
29 nov. 2018.
______. Emenda Constitucional n. 54, de 20 de setembro de 2007. Dá nova redação à alínea c do inciso I do art. 12 da Constituição
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brasileiros nascidos no estrangeiro. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas
/emc/emc54.htm >. Acesso em: 29 nov. 2018.
CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
DING, N. Q.; DAILLIER, P.; PELLET, A. Direito Internacional Público . 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 2003.
LAFER, C. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das
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LOPEZ, I. Em busca da cidadania global: Entrevista com Boaventura de Souza Santos. DHnet [2018]. Disponível em:
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POSENATO. N. A Evolução Histórico‐Constitucional da Nacionalidade no Brasil. In: DAL RI, A.;OLIVEIRA, O. M. de. (Orgs.).
Cidadania e Nacionalidade efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. Ijuí: Unijuí, 2002.
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SANTOS, B. de S. Toward a multicultural conception of human rights. In: TRUYOL, B. E. H. (Org.). Moral imperialism A critical
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SEN, A. Desenvolvimento como liberdade São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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REFERÊNCIAS ON-LINE
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APROFUNDANDO
Você sabia que o Principio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos principais fundamentos para a garantia de direitos, tais como
a nacionalidade e a cidadania?
Que tal falarmos um pouco sobre esse importante principio? Um dos mais importantes direitos fundamentais do homem é o
Principio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual passou a ser o fundamento do Estado Democrático de Direito e urna das
principais lutas da sociedade internacional na defesa dos direitos humanos.
Hão há como tratar de direitos humanos e fundamentais sem se falar em dignidade. De acordo com José Cretella Junior:
o ser humano, o homem, seja de qual origem for, sem discriminação de roça, sexo, religião, convicção política ou filosófica, tem
[...]
direito a ser tratado pelos semelhantes como "pessoa humana", e este direito encontra-se insculpido no princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, figurando como princípio basilar e norteador do atual Estado de direito (CRETELLA JUNIOR, 1998,
p.139).
Na lição de José Afonso da Silva (1998, p. 91), a dignidade acaba por se confundir com a própria natureza do ser humano, unia vez
que é "atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço,
que não admite substituição equivalente".
A palavra dignidade provém do latim dignitate e pode ser traduzida como honradez, honra, nobreza, decência, respeito a si próprio,
ligando-se ao ser humano pela representação de um estado de espírito, advinda de uma abstração intelectual.
A dignidade é tida, pois, como o "primeiro fundamento de todo o sistema constitucional". É ela que dá a direção, é o primeiro
comando a ser seguido pelo intérprete. É absoluta, plena, e não pode ser arranhada ou por qualquer argumento relativizada 2002,
p.45).
Para Alexandre de Moraes (2007), são decorrentes imediatos da dignidade da pessoa humana, os direitos à vida privada, à
intimidade, à honra, à imagem e dentre outros, enquanto a dignidade é:
um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se man-ifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável
(...]
da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em mínimo invulnerável
que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício
dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos (MORAES, 2007, p. 46-47).
Com o movimento de internacionalização do direito, deu-se o reconhecimento internacional do Principio da Dignidade da Pessoa
Humana com a promulgação, em 1948, pela Assembleia Geral do ONU, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. O Texto
ratifica, em seu artigo 1°, que "todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos" (ONU, 1948), sendo dotadas de
razão, devendo prevalecer, nas suas relações, o espírito de fraternidade.
A defesa internacional dos direitos fundamentais do ser humano tem assumido uma configuração cada vez mais global,
transmitindo uma ideia de justiça globalizada. Não só, mas também exigindo que os Estados nacionais cumpram os instrumentos
jurídicos internacionais que regulam a matéria.
tio Brasil, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é apresentado, de maneira inédita, no inciso III do artigo 1° da Constituição
da República de 1988, uma vez que os textos constitucionais anteriores não faziam menção a esse princípio. Sua inserção é feita
como o fundamento da própria organização política do Estado Democrático de Direito, estando, entre as finalidades de sua
existência, assegurar condições sociais dignas aos cidadãos (ANTUNES ROCHA, 2001).
Para Carmem Lúcia Antunes Rocha (2001), todos os ramos do direito sofrem a influência da constitucionalização do princípio da
dignidade da pessoa humana.
Alterou-se, pois, a concepção tanto do humano quanto da dignidade por ele imposta e, por consequência, da comunidade em que
ele está inserido. Quanto maior for o aprofundamento no estudo do que é a dignidade humana, mais esse entendimento se abre,
confluindo para o que se tinha como não-humano, ampliando-se a humanidade e reduzindo o poder opressor e destruidor.
A partir do princípio da dignidade da pessoa humana, dá-se a composição e a estruturação dos demais direitos fundamentais, ou
seja, somente os direitos que refletem de forma perfeita esse principio podem ser classificados como direitos fundamentais.
Tem-se, pois, a dignidade humana como valor absoluto, inafastável e irrenunciável da pessoa, que pode ser oposto contra as
demais pessoas e contra o próprio Estado. Trata-se do núcleo (undante do Estado De-mocrático de Direito, que leva a proteção
integral do homem enquanto sujeito passí-vel de proteção erga omnes.
Para se ter direito ao exercício e à prote-ção da dignidade, basta a condição huma-na, não sendo aceita nenhuma forma de
discriminação ou exclusão.
PARABÉNS!
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EDITORIAL
DIREÇÃO UNICESUMAR
27 p.
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A CIDADANIA GLOBAL
Professor (a) :
Objetivos de aprendizagem
• Analisar o declínio da perspectiva tradicional de cidadania fundada no Estado territorial.
• Refletir sobre as doutrinas contemporâneas que buscam a afirmação da cidadania global e plural, e de uma democracia
cosmopolita, por meio da universalização dos direitos humanos.
• Analisar a influência da chamada democracia universal na necessidade de se estabelecer uma nova cultura sócio-política apoiada
em princípios universais.
Plano de estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Introdução
As lutas que culminaram na Independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa romperam com a
prevalência do Estado sobre os súditos, ampliando o conceito e a prática de cidadania.
A cidadania, enquanto meio privilegiado de integração social na comunidade política, está vinculada histórica e teoricamente com
a figura do Estado-nação e com a ordem internacional baseada nos princípios e normas fixados no Tratado de Vestfália.
Estudaremos o declínio da concepção clássica da cidadania atrelada à figura do Estado territorial e a afirmação de uma cultura
mais ampla, fundando a ideia de uma cidadania global e uma democracia cosmopolita.
Essa “nova” ideia de cidadania será, inicialmente, abordada por meio dos pensamentos de Immanuel Kant, amparado na obra: “A
Paz Perpétua”, que possui apelo à solidariedade em relação aos estrangeiros, ou seja, de que os indivíduos se definam como
cosmopolitas e vão além de cidadãos nacionais.
Posteriormente, analisaremos as doutrinas contemporâneas. Elas firmam seus pensamentos na democracia cosmopolita, em que o
respeito universal e global dos direitos humanos, a igualdade cívica universal, o estado de direito e uma sociedade civil global
constituem a sua espinha dorsal.
Verificaremos que, para esses autores, a globalização deve ser utilizada como um instrumento que promova a aproximação entre
países, povos e culturas, ao mesmo tempo em que reafirma a universalidade da dignidade humana.
A democracia cosmopolita consiste, assim, no regime político no qual o respeito universal e global dos direitos humanos, a
igualdade cívica universal, o estado de direito e uma sociedade civil global constituem a sua espinha dorsal. A cidadania global
seria, assim, uma consequência desse processo.
Avançar
A cidadania está, sem dúvida, associada à condição humana e foi descoberta pelos gregos, embora negada para a maioria da
população no início de sua vigência. Todavia, isso faz parte do processo de descoberta e afirmação de uma linguagem enquanto
fenômeno social.
As lutas que culminaram na Independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa romperam com o
princípio de legitimidade que prevalecia até então, baseado nos deveres dos súditos, e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos
do cidadão. Esse momento decorre das lutas que foram travadas para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania,
expandindo-se até as mulheres, crianças, minorias (étnicas, sexuais, etárias) etc.
A perspectiva tradicional de cidadania, a qual foi fundada no Estado territorial, prega que ela perde seu sentido se desvinculada da
territorialidade e soberania nacional. Nesse sentido, ser cidadão é ter direitos e deveres concretos em relação a um Estado
soberano específico, e não direitos ou deveres abstratos em relação à humanidade. Os cidadãos, enquanto membros de um Estado
soberano, possuem direitos que os estrangeiros não possuem.
A democracia como forma de governo e a cidadania como meio privilegiado de integração social na comunidade política estão
vinculadas histórica e teoricamente com a figura do Estado-nação e com a ordem internacional baseada nos princípios e normas
fixados no Tratado de Vestfália. Esse tratado inaugurou o moderno Sistema Internacional, ao acatar, consensualmente, noções e
princípios, como o de soberania estatal e o de Estado nação (VIEIRA, 2001, on-line)¹.
Após séculos de lutas, a noção monárquica de súdito foi substituída pelo princípio democrático da cidadania, baseado nos direitos
e deveres do cidadão. A modernidade, que foi uma resposta ao absolutismo monárquico, teve a necessidade de revelar o caráter
individual que se encontrava asfixiado e sem expressão frente ao soberano (VIEIRA, 2001, on-line).
Nesse momento, o Estado surge enquanto organização política harmonizada com o constitucionalismo, que, por sua vez, possui
dois objetivos: a limitação dos poderes do Estado e a declaração dos direitos fundamentais. A noção de território, soberania e
povo, a qual orientou a configuração do Estado, perde destaque.
Além disso, o tradicional paradigma Estado e cidadão começa a ruir. Durante as primeiras décadas do século XX, prevaleceu-se a
ideia de que duas forças conviviam dentro do Estado: o poder público, com sua autoridade, e os cidadãos, com sua pauta de
direitos fundamentais. A ideia de cidadania clássica, até então, definida com base na ideia de que os Estados nacionais se
delimitavam por fronteiras rígidas e intransponíveis e os direitos plenos eram outorgados apenas aos indivíduos daquele território,
entra em crise.
Tais conceitos não podem ser estudados como oposição, mas inter-relacionados, o que nos aponta para uma reflexão em que não
existe, a priori, a prevalência do interesse público sob o particular, com o simples argumento de autoridade.
Hannah Arendt (1989) situa a decadência do Estado-Nação no período que sucedeu a Primeira Guerra Mundial, em decorrência
da avassaladora inflação e o desemprego em grandes proporções. As guerras civis assolaram os países: após tais acontecimentos,
houve migrações de grupos que deixaram seus países, os quais se tornaram apátridas.
A concepção da cidadania pós-nacional conduz os cidadãos para uma cultura mais ampla, com perspectiva cívico-nacional, e não
étnico-nacional. Trata-se, aqui, de uma filiação mais política do que social-local, a exemplo do que ocorre em sociedades
multiculturais, como Suíça e Estados Unidos (HABERMAS, 1995).
O conceito de cidadania dissociado da identidade nacional possibilita a implementação de amplas políticas em relação aos
estrangeiros, assim como um sistema constitucional democrático garante a coexistência, com respeito às diferenças. O declínio da
territorialidade como fundamento da identidade política do cidadão, a perda do monopólio por parte do Estado na esfera pública e
o impacto da globalização econômica reforçam a ideia de uma cidadania global. A globalização, por sua vez, também diminui os
laços territoriais que ligam o indivíduo e o povo ao Estado, redirecionando as bases da cidadania tradicional.
A Cidadania Global
A Democracia Cosmopolita
Os teóricos do direito natural dos séculos XVII e XVIII, como Tomás de Aquino, Francisco Suárez, Thomas Hobbes, Hugo Grócio,
John Locke e Jean-Jacques Rousseau, haviam adotado uma perspectiva estatista no que se refere a cidadania, na qual os
indivíduos somente assumem direitos e deveres dentro dos limites territoriais de um Estado soberano.
Contra essa visão, insurgiu a de Immanuel Kant, afirmando que os indivíduos têm obrigações éticas com toda a humanidade. A
concepção de que a cidadania global teria, assim, amparo na obra: “A Paz Perpétua”, com seu apelo à solidariedade em relação aos
estrangeiros, e no ius cosmopoliticum envolve mais do que o reconhecimento dos estrangeiros, preocupando-se com estruturas
,
universais de comunicação.
Segundo Kant, a paz perpétua somente é possível na medida em que se estabelece, acima de Estados nacionais soberanos, uma
ordem jurídica capaz de limitar seu poder – o que o pensador denomina como república universal.
A visão cosmopolita kantiana define três níveis de direito público: o direito cívico ( jus civitatis ), que é aquele dos cidadãos do
interior de um estado, qual seja a cidadania cosmopolita; o direito das gentes ( jus gentium ), que é o dos povos, internacional e rege
as relações interestatais, a sociedade cosmopolita; e o direito cosmopolítico, ou direito dos cidadãos do mundo, que é
transnacional (BARRETO, 2010).
A palavra cosmopolita foi empregada inicialmente pelas elites intelectuais, na Europa, durante a efervescência do Iluminismo,
significando o “universalismo político ou cultural, que desafiava a particularidade de nações e estados, de um lado, e as pretensões
ao universalismo religioso, do outro.” Na modernidade, o termo passou a designar o “cidadão do mundo”, “aquele indivíduo que se
sente em casa, não importa onde se encontre” (BARRETO, 2010, p. 223).
A teoria kantiana adota a visão de que indivíduos de diferentes Estados desenvolvam uma preocupação moral mais profunda e
igualitária com os seres humanos.
Autores contemporâneos se afastam da visão estatista tradicional, que entende que a cidadania é indissoluvelmente do Estado, e
veem com moderação a visão kantiana clássica. Para eles, a democracia cosmopolita afirma que direitos e deveres concretos
podem estar enraizados em dispositivos políticos transnacionais complexos. Representa um mecanismo institucional da era da
globalização e tem, nos direitos humanos, seu pilar teórico-político.
Analisando tal contexto, Vicente de Paulo Barreto (2010) lembra que o processo de construção de sistemas políticos
transnacionais – a exemplo da Constituição da União Europeia – evidencia como a democracia cosmopolita já se encontra em fase
de gestação institucional. Isso se deve, uma vez que a existência de instituições supranacionais, como a União Europeia, exige que
se repense nos alcances da soberania em sua forma tradicional. Passa-se, nesse sentido, a repensar sobre o caráter exclusivamente
nacional dos direitos políticos por meio da cidadania.
A democracia cosmopolita, destarte, revela-se fundamental na reflexão, visando superar os impasses sociais e políticos
provocados pelo projeto econômico do capitalismo global e centralizador.
Nesses termos, para não ser encarada como um mero arranjo econômico, a globalização deverá se orientar para o compromisso da
democracia cosmopolita:
A democracia cosmopolita consiste, assim, no regime político onde o respeito universal e global dos direitos
humanos, a igualdade cívica universal, o estado de direito e uma sociedade civil global constituem a sua
espinha dorsal. O processo de globalização deixará então de refletir a tentativa de imposição de um modelo
econômico global, sob forma do “capitalismo democrático” universal, e permitirá o surgimento de múltiplos
capitalismos, que corresponderão a diferentes vocações sociais e culturais existentes num orbe pluralístico
(BARRETO, 2010, p. 232).
Para Ulrich Beck (2003), no entanto, o cosmopolitismo favorece o reconhecimento da diversidade autêntica, enquanto o
globalismo apoia a sua negação. O autor propõe, portanto, que devemos desenvolver uma compreensão nova, crítica e autocrítica
de cosmopolitismo.
Na visão da democracia cosmopolita, o apelo kantiano para que os indivíduos se definam como cosmopolitas vai além de cidadãos
nacionais. A finalidade é o desenvolvimento de novas formas de comunidade política em que todos os cidadãos, incluindo os
estrangeiros, igualem-se como colegisladores em uma esfera pública mais ampla.
Nesse contexto, é importante lembrarmos que, em sentido jurídico, os direitos do indivíduo que decorrem da cidadania, pela
condição de nacional/cidadão de um país, são direitos específicos dos membros de um determinado Estado, de uma determinada
ordem jurídico-política.
Por isso, um determinado governo possui autonomia para modificar as prioridades no que diz respeito aos deveres e aos direitos
do cidadão. Pode modificar, por exemplo, o Código Penal, no sentido de alterar sanções, bem como pode modificar o Código Civil,
no sentido de equiparar direitos entre homens e mulheres. Além disso, pode modificar o Código de Família, no que diz respeito aos
direitos e deveres dos cônjuges, na sociedade conjugal, em relação aos filhos e em relação um ao outro, e pode estabelecer deveres
por um determinado período, por exemplo, os relativos à prestação do serviço militar. Tudo isso diz respeito a cidadania
(BENEVIDES, [2018]).
A Democracia Cosmopolita e os
Princípios Universais
A necessidade de se estabelecer uma nova cultura sócio-política está apoiada em princípios universais. A Resolução 32/130 da
ONU, firmada pela Assembleia Geral, em 1977, estabelece os princípios norteadores dos direitos humanos:
a) Todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes; [...]
b) A total realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais é
impossível; [...]
c) Todos os direitos humanos e liberdades fundamentais da pessoa humana e de povos são inalienáveis;
e) Ao abordar as questões dos direitos humanos dentro do sistema das Nações Unidas, a comunidade
internacional deve dar prioridade ou continuar a dar prioridade à busca de soluções para as violações em
massa e flagrantes dos direitos humanos dos povos e pessoas afetadas por situações resultantes do
apartheid, de todas as formas de discriminação racial, do colonialismo, da dominação e das ocupações
estrangeiras, das agressões e ameaças contra a soberania nacional, a unidade nacional e a integridade
territorial, bem como da recusa em reconhecer os direitos fundamentais dos povos à autodeterminação e a
cada nação ao exercício da plena soberania sobre sua riqueza e recursos naturais;
f )A realização da nova demanda econômica internacional é um elemento essencial para a promoção efetiva
dos direitos humanos e a liberdade fundamental, e devem, também, ser, prioritariamente, reconhecidos
(UNITED NATIONS, 1977, p. 151, tradução nossa).
Todos os atuais sistemas jurídicos do mundo consideram, ainda que abstratamente, a cidadania como uma pré-condição para a
própria existência do Estado, assim como afirmado no art. 1°, parágrafo II, da Constituição Federal de 1988: “Art. 1º A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] II - a cidadania; [...]” (BRASIL, 1988, on-line).
E a mudança de se estabelecer uma nova cultura sócio-política ocorreria? Alguns doutrinadores sugerem algumas respostas.
Para Habermas (1996), um dos filósofos e sociólogos mais renomados da contemporaneidade, essa crise entre a noção política de
cidadania e a noção históricocultural de nação só pode ser superada no momento em que a condição dos princípios constitucionais
de direitos humanos e a democracia atribuírem prioridade para uma compreensão cosmopolita da nação de cidadãos para além da
concepção de nação como entidade pré-política.
Diante dessa evolução, múltiplos atores e organizações da sociedade civil são contra a corrente hegemônica da globalização e
reinventam formas de democratização e de construção da cidadania local e global.
Nas palavras de Boaventura de Souza Santos ([2018]), em entrevista para Immaculada Lopez, é possível pensar em um
universalismo baseado na dignidade humana:
Vivemos em um mundo onde queremos ser simultaneamente iguais e diferentes. Pensamos uma cidadania
planetária que respeite as diferentes culturas como a muçulmana, hindu, indígena ou africana. Não
queremos um falso universalismo que destrói todas as diferenças e que impôs a cultura branca, masculina e
ocidental como um padrão universal. [...] O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como
ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas.
Temos direito de ser iguais quando a diferença não inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade
nos descaracteriza (LOPEZ, [2018], on-line).
Souza lembra que é possível pensarmos em um movimento universalista abarcando os grandes embates entre Norte e Sul, ricos e
pobres, mas que, ao mesmo tempo, mantenha a flexibilidade e horizontalidade na sua organização. É preciso deixar de lado os
dogmatismos, intolerâncias ou aproveitamentos políticos excludentes, e não se pode esquecer que quem participa dessas
mobilizações ainda é uma minoria que representa a maioria da população mundial, que, muitas vezes, ainda é analfabeta, está com
fome e não tem forças para se organizar (LOPEZ, [2018]).
Segundo Vicente de Paula Barreto (2010), para se institucionalizar a democracia cosmopolita, é necessário analisar três fatores:
Em que medida as relações da comunidade com o poder público asseguram a governabilidade dessa nova
ordem político-institucional; quais as relações entre o sistema de produção econômica e a sociedade civil,
vale dizer, em que medida e através de quais mecanismos pode a sociedade influir na atividade econômica e
contribuir para soluções para além do mercado, tendo em vista os desafios sociais; qual o mecanismo
político-institucional próprio para agregar de forma orgânica os dois fatores acima adiantados (BARRETO,
2010, p. 226).
Essa alternativa surge para superar – tanto político-institucional quanto cientificamente – o atual modelo do constitucionalismo
liberal, que não atende à complexidade da sociedade contemporânea (BARRETO, 2010).
O modelo metaconstitucionalista assume diversas formas jurídicas, tais como os acordos internacionais referentes aos direitos
humanos, que têm efetividade legal, ou, então, as leis não constitucionais. “Esse tipo de lei não constitucional trata das relações
interestatais, mas tem suficiente autoridade para estabelecer uma comunidade política não-estatal ou meta-estatal, como é o caso
da União Europeia” (BARRETO, 2010, p. 227)
Já para Liszt Vieira (2001), a cidadania global pode ser sintetizada em torno dos seguintes pontos.
1.Atualmente, a solidariedade que constitui a base da cidadania possui aspectos culturais relevantes, uma vez que influenciam nas
identidades nacional ou de classe. Nesse sentido, identificamos formas de ativismo e militância política ligadas com questões de
gênero, raça, religião, ecologia etc., e que estão, de certa forma, ligadas à solidariedade e à cultura de uma sociedade.
2. A globalização levou ao enfraquecimento do Estado-nação. As migrações e o multiculturalismo criam bases de uma “nova
cidadania” que não mais se define pelo conjunto de direitos e liberdades – que constituem sua definição política –, mas pelos
direitos econômicos e sociais, baseada na conexão entre as raízes culturais locais e consciência global.
Na visão de Vieira (2001, on-line)¹, poderíamos falar de um “contrato de cidadania”, em que os direitos de cidadania seriam
concedidos, também, aos estrangeiros, que guardariam sua própria cultura, mas se comprometeriam em aderir aos valores
democráticos e às legislações nacionais de proteção aos direitos fundamentais.
3. Afastando-se da visão estatista tradicional, em que a cidadania estaria ligada ao Estado-nação, bem como da visão kantiana
clássica, o autor opta por uma democracia global cosmopolita, na medida em que combina a centralidade atribuída ao
autogoverno, com a democracia direta e participativa, e o respeito ao constitucionalismo-legal.
4. Dessa forma, Vieira (2001, on-line)¹ opta pela perspectiva da democracia cosmopolita, a qual afirma que direitos e deveres
podem estar enraizados em espaços políticos transnacionais complexos, a exemplo da União Europeia. O autor considera a
possibilidade de uma “política cívica mundial”, voltada para a construção da democracia política, do desenvolvimento social, da
proteção ambiental e da diversidade cultural em níveis local, nacional e global (VIEIRA, 2001, p. 269, on-line)¹.
A sociedade civil, representada em vários níveis de interesses e valores, organizase para encaminhar ações em prol de políticas
sociais e públicas, protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas. Sob tal recorte, o movimento contra a
segregação racial se consolida no início da década de 1960, particularmente, em 1963, e conduz à promulgação do Civil Rights Act ,
A construção da democracia cosmopolita está, assim, cercada por diversas identidades ligadas a gênero, raça, religião etc.,
associando-se aos chamados novos movimentos sociais. Nesse contexto, deixa-se de lado, de forma definitiva, a cidadania clássica
definida pelo Estado territorial.
A repercussão de valores nascidos no contexto de comunidades locais, baseados em realidades objetivas em nível global, é o que
assegura a construção de um regime democrático cosmopolita. Nesse processo, o Estado-nação será o agente responsável pelo
equilíbrio entre as esferas local e global.
Mireille Delmas-Marty (2007) recorda que a ideia de que se possa existir uma solidariedade transnacional, desvinculada da
soberania, não é recente, já que foram mencionadas por Hugo Grotius – que é considerado o precursor, juntamente com Francisco
de Vitória, do direito internacional, baseando-se no direito natural –, quando tratou das questões ligadas ao alto mar. No entanto, a
nociva herança pessoal – individual e coletiva – e material, deixada pelas duas guerras mundiais no século XX, conduziu a novos
anseios.
É preciso pensar em uma reorganização dos elementos típicos do Estado. Nesse sentido, Mireille Delmas-Marty (2007) propõe a
trilogia do saber, querer e poder na refundação dos poderes, em que o processo cívico de refundação impulsiona um contrato
social mundial e o processo jurídico de construção de um estado de direito mundial, sem deixar de lado os valores, que é a condição
para o pluralismo ordenado.
Na visão de Michele Carducci (2010), a universalidade dos direitos depende, em primeiro lugar, do sentido atribuído à palavra
universal e, em segundo lugar, da perspectiva do direito posto. Isto é:
são endossáveis por todas as culturas, eles realmente não são inquestionavelmente universais, mas são
“universalizáveis” (CARDUCCI, 2010, p. 225).
A universalidade dos direitos humanos é uma exigência do mundo contemporâneo, plural, pós-moderno, que convoca a sociedade
para uma consciência cultural, com respeito às particularidades, e que haja a afirmação dessa universalização de direitos por meio
do diálogo intercultural.
Assim, a universalidade dos direitos humanos provém da aproximação cada vez mais real entre países, povos e culturas, enquanto
exprime, ao mesmo tempo, a ideia normativa de universalidade da dignidade humana, de que se originaram as modernas
reivindicações emancipacionistas políticas e jurídicas (BIELEFELDT, 2000).
Léon Duguit propõe o termo interdependência social no lugar de solidariedade: “O homem, diremos nós,
está ligado aos outros homens pelos laços da solidariedade social. Para evitar a palavra solidariedade, pode-
se dizer interdependência social.” Fonte: Duguit (2004, p. 22).
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ATIVIDADES
1. A democracia, enquanto forma de governo, e a cidadania, enquanto meio privilegiado de integração social na comunidade
política, estão vinculadas histórica e teoricamente com a figura do Estado-nação e com a ordem internacional baseada nos
princípios e normas fixados no Tratado de Vestfália, que, por sua vez, inaugurou o moderno Sistema Internacional, ao acatar
consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado nação.
Assim, é correto afirmar que, após séculos de lutas, a noção ____________ de ____________ foi substituída pelo princípio ____________ da
cidadania, baseado nos direitos e deveres do ____________.
Dentre as alternativas a seguir, assinale a que contém, na sequência, as palavras corretas para completar as lacunas anteriores:
2.Segundo o filósofo Immanuel Kant, a paz perpétua somente é possível na medida em que estabelece, acima de Estados nacionais
soberanos, uma ordem jurídica capaz de limitar seu poder, a qual é denominada de república universal.
A visão cosmopolita do filósofo define três níveis de direito público. Um deles é aquele dos povos, que é internacional e rege as
relações interestatais, a sociedade cosmopolita. Esse nível é chamado, pelo autor, de:
d) direito cosmopolítico.
e) direito supraestatal.
3. Analise as afirmativas abaixo e na sequência marque a alternativa que indica quais afirmativas estão corretas:
I) A universalidade dos direitos humanos provém do distanciamento cada vez mais real entre países, povos e culturas.
II)As modernas reivindicações emancipacionistas políticas e jurídicas se originaram da ideia normativa de universalidade da
dignidade humana.
III) A universalidade dos direitos humanos é uma exigência do mundo contemporâneo, plural e pós-moderno.
a) I apenas.
b) I e III apenas.
c) II apenas.
d) III apenas.
e) II e III apenas.
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RESUMO
Como fora apresentado, a construção de uma cidadania global envolve muito mais do que altruísmo ou compaixão, mas aponta
para a igualdade de todos os seres humanos enquanto colegisladores de uma esfera pública transnacional, configurando-se uma
aposta normativa.
A ampliação do conceito de cidadania a partir da Independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa
rompe com a perspectiva tradicional, fundada no Estado territorial. Ser cidadão passa a assumir direitos e deveres concretos em
relação a um Estado.
A noção de território, soberania e povo, a qual orientou a configuração do Estado, perde destaque. Essa concepção pós-nacional
conduz os cidadãos a uma cultura mais ampla, com perspectiva mais política do que social-local.
O declínio da territorialidade enquanto fundamento da identidade política do cidadão, a perda do monopólio por parte do Estado
na esfera pública e o impacto da globalização econômica reforçam a ideia de uma cidadania global e uma democracia cosmopolita.
Essa transformação pode ser fundada na teoria kantiana, que defende a visão de que indivíduos de diferentes Estados
compartilham de uma preocupação moral mais profunda e igualitária com os seres humanos.
A visão kantiana clássica é vista com moderação pela doutrina contemporânea, que defende que a democracia cosmopolita está
enraizada em dispositivos políticos transnacionais complexos, a exemplo do que ocorre na União Europeia, e a globalização, para
além de um arranjo econômico, deve orientar a sociedade para esse compromisso da democracia cosmopolita.
A construção da democracia cosmopolita provém da aproximação cada vez mais real entre países, povos e culturas, enquanto
exprime, ao mesmo tempo, a ideia normativa de universalidade da dignidade humana, de que se originaram as modernas
reivindicações emancipacionistas políticas e jurídicas.
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ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA
Apresentação do caso:
O caso revela a atual conjuntura do aumento expressivo do fluxo de imigrantes dos países da América do Sul, tais como os
bolivianos, que vêm ao Brasil em busca de melhores condições de vida.
Ao trabalhar no país, o estrangeiro passa a ter os mesmos direitos trabalhistas de um empregado natural do Brasil, ainda que esteja
em situação irregular.
Ementa:
Atualmente, graças à influência da legislação internacional no ordenamento jurídico interno, com vistas a proteção e a efetividade
dos direitos humanos, foi editada a Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017, conhecida como Lei de Migração Brasileira, que revogou
o antigo Estatuto do Estrangeiro, regulamentado pela Lei 6.815/1980, corrigindo as injustiças e omissões contidas da legislação
revogada.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
:
______. Decreto n. 6.975, de 7 de outubro 2009 Promulga o acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do
.
Mercado Comum do Sul – Mercosul, Bolívia e Chile, assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum,
realizada em Brasília nos dias 5 e 6 de dezembro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010
/2009/Decreto/D6975.htm >. Acesso em: 29 nov. 2018.
______. Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
.
Elementos do caso:
• Analisar os direitos de liberdade e igualdade, considerados, nesse contexto, exigências para a concretização da dignidade da
pessoa humana.
• Refletir sobre a construção de uma sociedade justa, livre e solidária (art. 3o, inc. ICF/88), a erradicação da pobreza e da
marginalização (art. 3o, inc. III, CF/88), que consagram a concepção do Estado social.
• Reconhecimento dos direitos dos cidadãos na perspectiva global, e não somente nacional.
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Material Complementar
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pátria, que viveu 26 anos de sua vida sem ter nenhum documento, e que,
após ser recepcionada pelo Brasil, acabou perdendo o irmão em um
assalto na cidade de Belo Horizonte/MG.
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REFERÊNCIAS
ARENDT, H. As origens do Totalitarismo São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
.
BARRETO, V de P. O fetiche dos direitos humanos e outros temas Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
.
BECK, U. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. São Paulo: UNESP, 2003.
BENEVIDES, M. V. Cidadania e Direitos Humanos. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA). [2018].
Disponível em: < http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/benevidescidadaniaedireitoshumanos.pdf >. Acesso em: 29 nov. 2018.
BIELEFELDT, H. Filosofia dos direitos humanos: fundamentos de um ethos de liberdade universal. São Leopoldo: Unisinos, 2000.
CARDUCCI, M. A universalidade inclusiva dos direitos. Pensar Revista de Ciências Jurídicas, Fortaleza,
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CRISTINI, M; AMAL, M. I nvestimento direto externo no Mercosul o papel da Europa. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung,
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DELMAS-MARTY, M. Les forces imaginantes du droit (III) . La refondation des pouvoirs. Paris: Seuil, 2007.
HABERMAS, J. Citizenship and National Identity: Some Reflections on the Future of Europe. In: BEINER, R. (Org.). Theorizing
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______. The European Nation-State: Its Achievements and its Limits. On the Past and Future of Sovereignty and Citizenship. In:
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LOPEZ, I. Em busca da cidadania global: Entrevista com Boaventura de Souza Santos. DHnet. [2018]. Disponível em:
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VIEIRA, L. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001.
REFERÊNCIAS ON-LINE
Avançar
APROFUNDANDO
A chamada Paz de Vestfália (ou, ainda, Westfália) firmada em Münster e Osnabrück, em 1648, trouxe a primeira previsão
positivada da concepção de igualdade soberana entre os Estados. Desvincularam-se da Santa Sé, os nascentes Estados europeus,
iniciando-se um processo de identidade própria.
Ela se refere a um conjunto de tratados que encerrou a Guer-ra dos Trinta Anos, iniciada com a intensificação da rivalidade política
entre o Imperador Habsburgo do Sacro Império Roma-no-Germânico e as cidades-estado luteranas e calvinistas do território
norte da atual Alemanha, que se opunham ao seu controle. Tal guerra teve o envolvimento de potências católi-cas administradas
pelos Habsburgo, como a Espanha e Áustria, e também de Estados protestantes escandinavos e da França, que, mesmo sendo
católica, temia o domínio dos Habsburgo na Europa e apoiou os protestantes no conflito.
Enquanto o tratado entre a Espanha e os Países Baixos - as-sinado em Münster, no mês de janeiro - pôs fim a Guerra dos Oitenta
Anos, o tratado assinado em Osnabrück, em outubro, pelo Sacro Imperador Romano-Germânico Fernando III, pelos príncipes do
Sacro Império Romano-Germânico, pela França e pela Suécia, encerrou a luta dessas duas últimas potências com o Sacro Império
(JESUS, 2018).
Vestfália permitiu a constituição da sociedade internacional, com normas mutuamente acordadas que definem os detentores de
autoridade e suas prerrogativas, sendo, o Estado moderno, essa autoridade detentora de soberania. O sistema de Estados
soberanos exigia instituições estatais dentro das fronteiras e o desaparecimento de autoridades que interferissem de fora, para
que a autoridade suprema vigorasse dentro do território e tivesse independência política e integridade territorial. Tal autoridade
conota legitimidade - aqui entendida como o direito de controlar instituições e poderes - e territorialidade, em um momento em
que as pessoas governadas pelos detentores de soberania são definidas pela locação dentro das fronteiras, não por relações
familiares ou por crença religiosa (JESUS, 2018).
Guido Soares (2002) lembra que a Paz de Viestafália consagraria a regra que passaria a ser conhecida em sua formulação, no latim
cartorário da época: hujus regio, ejus religio, traduzido literalmente, "na região dele, a religião dele":
Na verdade, a regra da Vestfólia nada mais significa que: na região (leia-se, no território), sob o império de um príncipe, esteja
vigente unicamente uma ordem jurídica, sua ordem jurídica (...) o próprio Estado, como uma forma de organização da socie-dade.
Nasceria com a marca indelével de possuir, como condição essencial para sua existência, uma base territorial, e o sistema jurídico
nacional que dele se origina, por outro lado, passaria a ser eminentemente territorial (SOARES, 2002, p. 30-31).
A Paz de Vestfália é, assim, concebida como um marco fundamental do sistema laico das interações e dos princípios estatais
modernos, como a soberania territorial, a não interferência na política doméstica dos demais Estados e a tolerância entre unidades
políticas dotadas de direitos iguais.
PARABÉNS!
Avançar
EDITORIAL
DIREÇÃO UNICESUMAR
29 p.
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