Teoria Política Aplicada às Relações Internacionais (DEI00055) Docente: Márcio José Melo Malta Discente: Ana Luiza de Souza Ornelas (121059044) Trabalho 1
A democracia ateniense sob a perspectiva de Aristóteles e Giovani Sartori —
análise comparativa entre os autores e suas alegações.
Aristóteles, grande filósofo grego nascido em Estagira em 384/83 a.C, deixou
diversas contribuições e trabalhos para que estudiosos hodiernos pudessem estudá-lo. Indo da Matemática até a Literatura, o conhecido filósofo dedicou seu tempo a vários nichos de estudo. Um deles foi acerca do funcionamento da democracia ateniense, quais as formas de governo e qual a mais ideal, bem como sua visão acerca delas. O objetivo dessa análise é comparar a visão de democracia entre um ateniense que realmente viveu a democracia grega e a representação dela atualmente, descrita e explicada por Giovanni Sartori, autor que será citado no decorrer do texto. Primeiramente, é preciso pontuar que, durante sua vida, Aristóteles viveu um período da democracia grega em que a mesma já estava “desgastada” e não era mais vista com tão bons olhos. Ela já não era mais tão valorizada quanto foi durante o governo de Péricles, um dos poucos a aplicar e administrar uma democracia de verdadeiro agrado aos atenienses. As críticas dos próprios filósofos da época ao governo que vivenciavam são diversas, mas o importante aqui será pontuar as diferenças dela para a atual, começando por ter sido uma democracia direta e não representativa, como é a nossa. Os cidadãos — homens atenienses com mais de 18 anos — se reuniam regularmente em uma assembleia para discutir questões importantes e guiar o funcionamento da pólis. Parte da crítica dos autores da época vinha de que os que faziam as decisões para a pólis eram colocados no cargo por sorteio, ou seja, qualquer cidadão, competente ou não, poderia praticar a política. Isso desagradava muitos autores, inclusive Aristóteles, que também tem suas críticas a essa forma de governo — apesar de ter a todas as outras, também. Sua obra “A Política” explica bem a diferença entre cada forma de governo e qual a mais adequada, e quando se fala da democracia, o autor diz que, das formas de governo puras, estão entre elas a realeza, a aristocracia e a democracia moderada. Esta funcionaria, para o autor, apenas se os representantes buscassem o bem comum da cidade e não desejassem o alargamento de poder, fazendo política pensando na pólis como um todo e não nos cidadãos de forma individual ou em seus interesses. Considerando que o exercício da política era feito de forma direta e as decisões acerca de tudo eram tomadas por poucas pessoas, é compreensível a preocupação com o funcionamento dessa política. Entretanto, é necessário analisar como esse tipo de prática, que já era motivo de preocupação para os atenienses, funcionava de forma muito diferente da democracia atual — que, para eles, provavelmente seria inconcebível numa sociedade. A democracia representativa aplicada em diversas repúblicas atualmente não é, como o nome diz, tão parecida com a ateniense. Giovanni Sartori, em sua obra “Teoria da Democracia Revisitada”, fala desse tópico no capítulo “Homonímia, não homologia” pois, segundo ele, mesmo tendo nomes iguais, o significado de ambas é diferente. A pólis grega, segundo o autor, era uma “cidade-comunidade”, não uma cidade-Estado como estamos acostumados a chamar. A concepção de Estado, aliás, não teria feito parte da realidade ateniense. A pólis grega eram mais seus cidadãos do que sua forma de governo. O Estado como conhecemos hoje é muito mais um conjunto de práticas, leis e formas de organização do que de fato o povo, sendo uma “entidade impessoal”, como escreveu Maquiavel, enquanto a pólis grega era algo muito mais palpável aos cidadãos e à comunidade ateniense como um todo. Inclusive, Giovanni Sartori diz nessa mesma obra que a ideia de “Estado democrático”, considerando o que é o Estado de fato, teria sido uma contradição para os gregos. Com a ideia de “Estado democrático” e suas contradições, precisamos pontuar que a pólis grega contava com pouquíssimas pessoas (cerca de 6 mil) quando comparada com os Estados atuais. Dessa forma, acaba não sendo concebível comparar como ela era praticada com a democracia atual, que exige soluções diferentes não só por conta das “dimensões geográficas e demográficas” como também “de uma diferença de objetivos e valores”, como afirma Sartori em sua obra. “Como poderíamos pensar que hoje, ao defender a democracia, estamos em busca dos mesmos objetivos e ideais dos gregos? Como poderíamos não entender que, para nós, a democracia encarna valores que os gregos não conheciam nem tinham como conhecer?” SARTORI, Giovanni. Homonímia, não homologia. A teoria da democracia revisitada, p. 36. Definitivamente, a democracia precisa ser defendida e sua existência e prática precisam perdurar, mas é inegável que “não dispomos de nenhuma experiência atual significativa de uma democracia do tipo grego”, como afirma Sartori. Nossas democracias são indiretas e possuem ideais diferentes, ou seja, não é realista tentar nos basear na forma com que era praticada na Grécia já que eram realidades e perspectivas diferentes. Além disso, a própria democracia foi uma ideia adormecida por muito tempo e só voltou a ser discutida no século XVI. A visão ruim que perdurou em Atenas por muito tempo, inclusive na época de Aristóteles, continuou existindo por mais de 1700 anos. Apesar de ser a melhor forma conhecida até agora, por muito tempo ela não era valorizada e concebida como é hoje. Um ponto importante a ser diferenciado entre uma e outra além de entre um autor e outro é que, como Sartori diz em “A Teoria da Democracia Revisitada”, enquanto “a democracia direta permite a participação do povo no exercício direto do poder, a democracia indireta consiste num sistema de limitação e controle do poder”. Os governantes estão de um lado e os governados estão do outro, cada qual com seus limites, direitos e deveres. Com isso, fica evidente que as diferenças entre a democracia atual (indireta) e a ateniense (direta) são inúmeras, e é difícil escolher entre qual é melhor, mas é fato de que cada uma tinha seu funcionamento baseado na possibilidade de aplicação prática — enquanto hoje não seria possível uma democracia direta, em Atenas também não seria concebível uma democracia indireta. Ambos os autores mencionados aqui possuem suas próprias opiniões acerca dessa forma de governo, e enquanto Aristóteles tem críticas mais pontuais sobre a democracia em si, Sartori acaba por criticar mais a equiparação injusta entre ambas, mas defende a prática da atual. Por fim, outra distinção importante entre as duas formas de governo — que apesar do mesmo nome são muito diferentes — é a concepção de liberdade. “Não nos esqueçamos de que Aristóteles, um observador realista e testemunha dos eventos que levaram ao fim das liberdades da Antiguidade, situava a democracia na classe de formas corruptas da politeia.” SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. P. 38. Aristóteles defendia apenas a democracia moderada, mas chamava num geral de “governo dos pobres”. Para ele, o demos era constituído pelos pobres e, mesmo que os ricos fossem a maioria, gerariam uma oligarquia enquanto os pobres como maioria geraram a democracia. De qualquer forma, como dito anteriormente, a democracia ateniense funcionava de forma que a pólis era vista como um todo, uma comunidade que devia ter o bem comum posto como prioridade, mas as liberdades e desejos individuais não tinham tanto espaço. Dessa forma, mesmo que a maioria tivesse mais “poder”, as decisões eram baseadas no que seria bom para a comunidade em geral. Atualmente, com a luta de classes — citada por Sartori em sua obra, inclusive — e com as diferenças entre a sociedade atual e a ateniense, é notável que hoje existe um ideal individual e de liberdades individuais que não era tão forte em Atenas. Sartori diz, na terceira parte do 10º capítulo da obra, que “há uma diferença tão grande entre as concepções antigas e modernas de democracia como a existente entre as concepções antigas e modernas de liberdade”. Não que os gregos não vivenciavam liberdade alguma ou não soubessem o que era, mas a prática da liberdade como conhecemos hoje não existia. Hoje, o cidadão tem o direito — em um governo democrático — de pensar e dizer o que quiser, apesar de ter que praticar apenas o que se encaixa na lei. O cidadão pode fazer o que acha melhor para si sem pensar no bem comum de onde mora ou de seu país sem ser julgado, algo que para os gregos, aparentemente, não era algo tão comum assim visto que o bem comum e bom funcionamento da pólis era a prioridade. “A pólis é soberana no sentido de os indivíduos que a constituem estarem completamente submetidos a ela. [...] Uma cidade livre é uma coisa, cidadãos livres, outra bem diferente. [...] Quando gregos e romanos igualmente falavam “homem”, referiam-se ao cidadão de suas civitas. Portanto, a diferença básica entre a concepção antiga de liberdade e a moderna reside precisamente em acreditarmos que um homem é mais que um cidadão de um Estado. Segundo nossa concepção, um ser humano não pode ser reduzido à sua cidadania. [...] A democracia moderna propõe-se proteger a liberdade do indivíduo enquanto pessoa — uma liberdade que não pode ser entregue, como dizia Constant, à ‘sujeição do indivíduo ao poder do todo’”. SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada, p. 45. Tendo tudo isso em vista, concluímos que a democracia ateniense e a atual possuem diversas diferenças e, talvez, seja um pouco mais complexo do que parece comparar uma a outra ou se inspirar na primeira para aplicar a segunda. Entretanto, é inegável que o legado grego deixado para nós acerca do funcionamento da democracia foi imprescindível para que pudéssemos de fato aplicar essa forma de governo e nos ensinar intensamente a como aplicá-lo. Comparações podem ajudar a nos guiar e nos inspirar, mas as diferenças pontuais devem ser sempre lembradas para que possamos consertar os erros que Atenas não conseguiu reparar e descobrir qual a melhor forma de governo para nós, atualmente, sempre valorizando e respeitando o legado que nos foi deixado. Ambos os autores evidenciam a democracia em suas obras e acham importante escrever sobre ela, deixando um objeto de estudo importante para nós.
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