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Estudiosos ativistas indígenas e antropólogos

anarquistas notam que muitas culturas, e até mes-


mo algumas nações, não têm o mesmo impulso Entender
para definir fronteiras claras ou policiar seus po-
vos – formas que controle social que são tomadas
como garantidas como política. Vamos notar em
nossas próprias vidas a diferença entre as histórias
GÊNERO
oficiais de quem está no controle e como a vida
realmente funciona. Como podemos nutrir os ele-
mentos de nossa sociedade que cooperam com ou-
tras pessoas assim como com ecossistemas para
criar liberdade, igualdade e abundância?
Como o poder, o gênero está em todo lugar, Jamie Hecker
correndo por nossos relacionamentos conosco
mesmos, com os outros e com a Terra, e nos
relacionamentos entre nações, classes e cultu-
ras. E como o poder, ele não é um problema
em si, mas sim uma questão de como o faze-
mos. O gênero pode ser um padrão de controle,
violência e dominação. Ou ele pode apenas ser
outra maneira de falar sobre a bela diversidade
da existência humana.

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Estudiosos ativistas indígenas e antropólogos


anarquistas notam que muitas culturas, e até mes-
mo algumas nações, não têm o mesmo impulso Entender
para definir fronteiras claras ou policiar seus po-
vos – formas que controle social que são tomadas
como garantidas como política. Vamos notar em
nossas próprias vidas a diferença entre as histórias
GÊNERO
oficiais de quem está no controle e como a vida
realmente funciona. Como podemos nutrir os ele-
mentos de nossa sociedade que cooperam com ou-
tras pessoas assim como com ecossistemas para
criar liberdade, igualdade e abundância?
Como o poder, o gênero está em todo lugar, Jamie Hecker
correndo por nossos relacionamentos conosco
mesmos, com os outros e com a Terra, e nos
relacionamentos entre nações, classes e cultu-
ras. E como o poder, ele não é um problema
em si, mas sim uma questão de como o faze-
mos. O gênero pode ser um padrão de controle,
violência e dominação. Ou ele pode apenas ser
outra maneira de falar sobre a bela diversidade
da existência humana.

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definidas menos pela parentela sanguínea e mais
A Série Lexicon foi criada pelo Instituto para Estu-
por afinidade, amizade e intimidade. Pessoas em
dos Anarquistas /Anarchiststudies.org grupos sociais, movimentos e até mesmo vizinhan-
ças podem se tornar família, desenvolvendo seus
“Entender Gênero” por Jamie Heckert
próprios rituais e relacionamentos. Cooperativas de
Traduzido por Claudia Mayer moradia, redes queer de amigos e amantes, ou fa-
Design da capa por Josh McPhee / Justseeds.org mílias estendidas de todo tipo todas enfatizam que o
e adaptada por Bardena James. ideal fortemente generificado da família nuclear é
apenas uma possibilidade dentre muitas.
A economia e a política podem ser feitas de
maneira diferente também. Os sistemas dominan-
tes do capitalismo e do estado-nação não são as
únicas opções. Eles nem ao menos representam a
maioria das maneiras pelas quais as pessoas se
Editora Monstro dos Mares engajam na economia ou na política, mas ao in-
Ponta Grossa – PR vés disso simplesmente demandam mais atenção.
Fevereiro 2019 Geógrafas e economistas feministas, por exem-
plo, enfatizam as diversas economias que exis-
www.monstrodosmares.com.br
tem ao redor do mundo – todas as várias formas
de produzir, consumir, compartilhar e trabalhar –
que não se enquadram na estreita (e machista)
definição de economia. Nós podemos reconhecer,
celebrar e desenvolver economias diversas, coo-
perativas e carinhosas, enfatizando suas viabili-
Copyleft – copiar e distribuir livremente
dades como alternativas reais.

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definidas menos pela parentela sanguínea e mais


A Série Lexicon foi criada pelo Instituto para Estu-
por afinidade, amizade e intimidade. Pessoas em
dos Anarquistas /Anarchiststudies.org grupos sociais, movimentos e até mesmo vizinhan-
ças podem se tornar família, desenvolvendo seus
“Entender Gênero” por Jamie Heckert
próprios rituais e relacionamentos. Cooperativas de
Traduzido por Claudia Mayer moradia, redes queer de amigos e amantes, ou fa-
Design da capa por Josh McPhee / Justseeds.org mílias estendidas de todo tipo todas enfatizam que o
e adaptada por Bardena James. ideal fortemente generificado da família nuclear é
apenas uma possibilidade dentre muitas.
A economia e a política podem ser feitas de
maneira diferente também. Os sistemas dominan-
tes do capitalismo e do estado-nação não são as
únicas opções. Eles nem ao menos representam a
maioria das maneiras pelas quais as pessoas se
Editora Monstro dos Mares engajam na economia ou na política, mas ao in-
Ponta Grossa – PR vés disso simplesmente demandam mais atenção.
Fevereiro 2019 Geógrafas e economistas feministas, por exem-
plo, enfatizam as diversas economias que exis-
www.monstrodosmares.com.br
tem ao redor do mundo – todas as várias formas
de produzir, consumir, compartilhar e trabalhar –
que não se enquadram na estreita (e machista)
definição de economia. Nós podemos reconhecer,
celebrar e desenvolver economias diversas, coo-
perativas e carinhosas, enfatizando suas viabili-
Copyleft – copiar e distribuir livremente
dades como alternativas reais.

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sexualidades criam espaços para si mesmos e
para os outros se conectarem, compartilhar e
Gênero
brincar. Amizades, redes e movimentos tam-
bém podem incluir, atravessar e transcender
todas essas identidades e mais. Gênero é um sistema para categorização das
pessoas (incluindo seus corpos, desejos e compor-
Às vezes as pessoas se prendem ao gênero tamentos) que corre através de todos os aspectos
para se sentirem seguras. Outras vezes, elas po- da cultura e da sociedade, e se entrelaça com ou-
dem se prender mais fracamente. Espaços diferen- tras categorias e hierarquias (raça, classe, sexuali-
tes, práticas diferentes, podem ajudar as pessoas a dade, idade, habilidade e muitas outras). Vários
se sentir seguras o suficiente para deixar cair suas aspectos da biologia (por exemplo, genitais, cro-
próprias fronteiras e autopoliciamentos para expe- mossomos, e formato de corpo) recebem o signifi-
rimentar o gênero de maneira leve, divertida. cado de que humanos naturalmente pertencem a
As famílias podem, é claro, também encarnar uma de duas categorias: masculino e feminino.
alternativas ao gênero normativo. Mães ou pais Mas se olharmos mais de perto, podemos nos
solo, mães e pais conjuntos, e pais transgênero questionar sobre a natureza do gênero. A biologia,
todos demonstram que crianças não precisam de humana e outras, é maravilhosamente diversa.
dois pais de gêneros supostamente opostos. A di-
A natureza não nos dá essas duas opções.
versidade de gênero nas crianças pode ser respei-
Nós interpretamos e categorizamos, e então co-
tada e honrada. As pessoas podem se tornar cons-
meçamos a acreditar que essas interpretações,
cientes de como o trabalho é dividido na casa.
essas categorias, são a verdade. O gênero não
Nós podemos ser menos fixos e mais experi- acontece simplesmente. As pessoas o definem, o
mentais com nossos papéis e identidades. Às inventam. Mesmo a cirurgia em corpos intersex
vezes as pessoas criam suas próprias famílias,

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sexualidades criam espaços para si mesmos e


para os outros se conectarem, compartilhar e
Gênero
brincar. Amizades, redes e movimentos tam-
bém podem incluir, atravessar e transcender
todas essas identidades e mais. Gênero é um sistema para categorização das
pessoas (incluindo seus corpos, desejos e compor-
Às vezes as pessoas se prendem ao gênero tamentos) que corre através de todos os aspectos
para se sentirem seguras. Outras vezes, elas po- da cultura e da sociedade, e se entrelaça com ou-
dem se prender mais fracamente. Espaços diferen- tras categorias e hierarquias (raça, classe, sexuali-
tes, práticas diferentes, podem ajudar as pessoas a dade, idade, habilidade e muitas outras). Vários
se sentir seguras o suficiente para deixar cair suas aspectos da biologia (por exemplo, genitais, cro-
próprias fronteiras e autopoliciamentos para expe- mossomos, e formato de corpo) recebem o signifi-
rimentar o gênero de maneira leve, divertida. cado de que humanos naturalmente pertencem a
As famílias podem, é claro, também encarnar uma de duas categorias: masculino e feminino.
alternativas ao gênero normativo. Mães ou pais Mas se olharmos mais de perto, podemos nos
solo, mães e pais conjuntos, e pais transgênero questionar sobre a natureza do gênero. A biologia,
todos demonstram que crianças não precisam de humana e outras, é maravilhosamente diversa.
dois pais de gêneros supostamente opostos. A di-
A natureza não nos dá essas duas opções.
versidade de gênero nas crianças pode ser respei-
Nós interpretamos e categorizamos, e então co-
tada e honrada. As pessoas podem se tornar cons-
meçamos a acreditar que essas interpretações,
cientes de como o trabalho é dividido na casa.
essas categorias, são a verdade. O gênero não
Nós podemos ser menos fixos e mais experi- acontece simplesmente. As pessoas o definem, o
mentais com nossos papéis e identidades. Às inventam. Mesmo a cirurgia em corpos intersex
vezes as pessoas criam suas próprias famílias,

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é descrita como corretiva, como se a natureza ti- insustentável em um planeta finito. O autocen-
vesse cometido um erro ao não se conformar ao tramento (associado, por exemplo, a algumas ver-
nosso pensamento binário. sões da masculinidade orientadas para o sucesso)
pode também levar à visão dos corpos de outras
Porque inventamos o gênero, nós o fazemos
pessoas, outras espécies, e da Terra como apenas
diferencialmente. Isso se torna claro quando
“recursos” disponíveis para o próprio benefício
olhamos para as muitas maneiras através da his-
em oposição a seres com seus próprios direitos.
tória e entre diferentes culturas, diferentes as-
pectos da vida social e da personalidade tomam O gênero é um sistema vivo, em evolução.
parte na definição de gênero. O que conta como Não tem verdades fixas. Ele muda à medida que
sendo um homem “real” ou uma “boa” mulher, nós mudamos nossos relacionamentos conosco
como masculino e feminino, varia de lugar para mesmos, com os outros e o mundo. A diversida-
lugar e de tempos em tempos. Em algumas de de gênero é sobre a inacreditável beleza da
(sub)culturas, o gênero não fica limitado a duas capacidade da vida de transbordar, minar, sub-
opções mas, ao contrário, inclui o reconheci- verter e recusar todas as categorias que coloca-
mento de três, quatro ou muitos gêneros. mos sobre o gênero, nós mesmos e os outros.
A história comum em países como os Esta- A compaixão pode motivar pessoas a procu-
dos Unidos, o Canadá e o Reino Unido, entre- rar umas às outras, apoiar e nutrir uns aos ou-
tanto, é que há apenas duas opções. E enquanto tros, a fazer o gênero de maneira diferente. Ho-
esses países oferecem igualdade formal e legal, mens que querem se deixar ser gentis viram
na prática eles ainda largamente valorizam amigos. Mulheres que sabem que podem ser
aquelas características associadas ao homem e à fortes se organizam e compartilham habilidades.
masculinidade (por exemplo, independência, Drag queens e kings, pessoas bi e trans, mulhe-
controle e força) acima daquelas associadas com res lésbicas e homens gays e queers de todas as

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é descrita como corretiva, como se a natureza ti- insustentável em um planeta finito. O autocen-
vesse cometido um erro ao não se conformar ao tramento (associado, por exemplo, a algumas ver-
nosso pensamento binário. sões da masculinidade orientadas para o sucesso)
pode também levar à visão dos corpos de outras
Porque inventamos o gênero, nós o fazemos
pessoas, outras espécies, e da Terra como apenas
diferencialmente. Isso se torna claro quando
“recursos” disponíveis para o próprio benefício
olhamos para as muitas maneiras através da his-
em oposição a seres com seus próprios direitos.
tória e entre diferentes culturas, diferentes as-
pectos da vida social e da personalidade tomam O gênero é um sistema vivo, em evolução.
parte na definição de gênero. O que conta como Não tem verdades fixas. Ele muda à medida que
sendo um homem “real” ou uma “boa” mulher, nós mudamos nossos relacionamentos conosco
como masculino e feminino, varia de lugar para mesmos, com os outros e o mundo. A diversida-
lugar e de tempos em tempos. Em algumas de de gênero é sobre a inacreditável beleza da
(sub)culturas, o gênero não fica limitado a duas capacidade da vida de transbordar, minar, sub-
opções mas, ao contrário, inclui o reconheci- verter e recusar todas as categorias que coloca-
mento de três, quatro ou muitos gêneros. mos sobre o gênero, nós mesmos e os outros.
A história comum em países como os Esta- A compaixão pode motivar pessoas a procu-
dos Unidos, o Canadá e o Reino Unido, entre- rar umas às outras, apoiar e nutrir uns aos ou-
tanto, é que há apenas duas opções. E enquanto tros, a fazer o gênero de maneira diferente. Ho-
esses países oferecem igualdade formal e legal, mens que querem se deixar ser gentis viram
na prática eles ainda largamente valorizam amigos. Mulheres que sabem que podem ser
aquelas características associadas ao homem e à fortes se organizam e compartilham habilidades.
masculinidade (por exemplo, independência, Drag queens e kings, pessoas bi e trans, mulhe-
controle e força) acima daquelas associadas com res lésbicas e homens gays e queers de todas as

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ou encontrar outras maneiras saudáveis de lidar à mulher e à feminilidade (como interdependên-
com nossos sentimentos, a maioria de nós é en- cia, amor e gentileza). Essa hierarquia pode ser
sinada a segurá-las ou rejeitá-las (o que é, na sutil ou gritante, tecida com outras hierarquias
verdade, apenas outra forma de ater-se). Apren- através de instituições e sistemas, socialização e
der a estar confortável com nossos desejos as- cultura, de maneiras que produzem muitos efei-
sim como nossos medos é parte da criação de tos complexos. Em culturas dominantes, a men-
um mundo em que podemos viver com e amar a te e a razão são imaginadas como separadas e
nós mesmos junto com os outros em todas as superiores ao corpo e à emoção; assim como o
nossas diferenças e similaridades. privilégio branco sobre a cor, ação sobre descan-
so, hetero sobre homo, e firmeza sobre ternura.
Até nosso relacionamento com o resto do
mundo natural (“Mãe natureza”) é conectado ao O gênero pode ser mais ou menos rígido.
gênero. Incitar o medo e a vergonha nas pesso- Comportamentos de gênero supostamente anor-
as, sobre seu próprio gênero ou outros do gêne- mais, antinaturais ou impróprios podem encon-
ro (como queers ou estrangeiros), induz a um trar censura social indo de provocações ao
estado mental autocentrado. Quando indivíduos bullying, discriminação, aprisionamento, “trata-
se sentem ameaçados, eles certamente se prepa- mento” médico forçado, violência sexual, abuso
ram para se defender. Eles podem fazer isso emocional e até mesmo assassinato. Essa vio-
apoiando a guerra, que tem um profundo impac- lência é mais óbvia quando se trata de pessoas
to ecológico, ou até mesmo por fazer compras. transgênero, ou aqueles que de alguma forma
Tornar as pessoas inseguras em relação a seus transgridem o pressuposto de dois gêneros natu-
corpos, e então oferecer produtos e serviços para rais e fixos. Por que a transgressão de gênero
trabalhar supostas imperfeições, é combustível deflagra emoções tão fortes, chegando mesmo
para o fogo de uma economia de crescimento, ao ponto da violência? Talvez isso aconteça

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ou encontrar outras maneiras saudáveis de lidar à mulher e à feminilidade (como interdependên-


com nossos sentimentos, a maioria de nós é en- cia, amor e gentileza). Essa hierarquia pode ser
sinada a segurá-las ou rejeitá-las (o que é, na sutil ou gritante, tecida com outras hierarquias
verdade, apenas outra forma de ater-se). Apren- através de instituições e sistemas, socialização e
der a estar confortável com nossos desejos as- cultura, de maneiras que produzem muitos efei-
sim como nossos medos é parte da criação de tos complexos. Em culturas dominantes, a men-
um mundo em que podemos viver com e amar a te e a razão são imaginadas como separadas e
nós mesmos junto com os outros em todas as superiores ao corpo e à emoção; assim como o
nossas diferenças e similaridades. privilégio branco sobre a cor, ação sobre descan-
so, hetero sobre homo, e firmeza sobre ternura.
Até nosso relacionamento com o resto do
mundo natural (“Mãe natureza”) é conectado ao O gênero pode ser mais ou menos rígido.
gênero. Incitar o medo e a vergonha nas pesso- Comportamentos de gênero supostamente anor-
as, sobre seu próprio gênero ou outros do gêne- mais, antinaturais ou impróprios podem encon-
ro (como queers ou estrangeiros), induz a um trar censura social indo de provocações ao
estado mental autocentrado. Quando indivíduos bullying, discriminação, aprisionamento, “trata-
se sentem ameaçados, eles certamente se prepa- mento” médico forçado, violência sexual, abuso
ram para se defender. Eles podem fazer isso emocional e até mesmo assassinato. Essa vio-
apoiando a guerra, que tem um profundo impac- lência é mais óbvia quando se trata de pessoas
to ecológico, ou até mesmo por fazer compras. transgênero, ou aqueles que de alguma forma
Tornar as pessoas inseguras em relação a seus transgridem o pressuposto de dois gêneros natu-
corpos, e então oferecer produtos e serviços para rais e fixos. Por que a transgressão de gênero
trabalhar supostas imperfeições, é combustível deflagra emoções tão fortes, chegando mesmo
para o fogo de uma economia de crescimento, ao ponto da violência? Talvez isso aconteça

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porque nenhum de nós é um exemplo perfeito de homens de cor. Desigualdades em curso são
de um homem real ou de uma mulher real. reforçadas por continuamente colocar mulheres
Ninguém pode atingir as expectativas desses e homens de cor, especialmente aqueles no as-
ideais abstratos, com todas as mensagens con- sim chamado países em desenvolvimento, no
traditórias do que significam. papel de vítimas que precisam de caridade.
A maioria das pessoas se esforça para se Divisões de gênero são cheias de contradi-
conformar com o que elas pensam que devem ções. Hierarquias de classe, por exemplo, po-
ser, ao invés de apenas perceber o que realmente dem ser baseadas numa divisão entre trabalho
são. O policiamento de si mesmo em relação ao manual (usar o corpo, que é associado à femini-
gênero pode ser uma sensação familiar, tão ha- lidade) e a assim chamada mão de obra qualifi-
bitual e sutil, que o esforço colocado em se con- cada (usar a mente, ligada com autoridade e
formar pode parecer natural e fácil. Entretanto, controle, que são todas ligadas à masculinida-
há algo profundamente libertador em se tornar de). A frustração da masculinidade da classe tra-
autoconsciente dos hábitos aos quais nos apega- balhadora frequentemente apenas reverte essa
mos devido ao medo ou à vergonha, e quando hierarquia, sugerindo que a força de usar o cor-
estamos prontos, aprender a deixá-los ir embora. po é a forma mais autêntica de masculinidade,
enquanto homens de classes mais altas com suas
O gênero não é apenas uma experiência indi-
roupas limpas e pele suave são efeminados.
vidual, entretanto. Ele está entrelaçado a todo os
nossos relacionamentos e instituições sociais – Ater-se a tais ressentimentos, à fantasia de
muitas delas, mesmo que às vezes inadvertida- superioridade e ao medo de culturas diferentes é
mente, sirvam para restringir, machucar ou con- parte de uma cultura generificada desconfortá-
trolar a maioria das pessoas. Talvez a estrutura vel com a emoção. Ao invés de simplesmente
mais óbvia que faz isso hoje em dia seja a família, deixar que as emoções existam e nos atravessem,

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porque nenhum de nós é um exemplo perfeito de homens de cor. Desigualdades em curso são
de um homem real ou de uma mulher real. reforçadas por continuamente colocar mulheres
Ninguém pode atingir as expectativas desses e homens de cor, especialmente aqueles no as-
ideais abstratos, com todas as mensagens con- sim chamado países em desenvolvimento, no
traditórias do que significam. papel de vítimas que precisam de caridade.
A maioria das pessoas se esforça para se Divisões de gênero são cheias de contradi-
conformar com o que elas pensam que devem ções. Hierarquias de classe, por exemplo, po-
ser, ao invés de apenas perceber o que realmente dem ser baseadas numa divisão entre trabalho
são. O policiamento de si mesmo em relação ao manual (usar o corpo, que é associado à femini-
gênero pode ser uma sensação familiar, tão ha- lidade) e a assim chamada mão de obra qualifi-
bitual e sutil, que o esforço colocado em se con- cada (usar a mente, ligada com autoridade e
formar pode parecer natural e fácil. Entretanto, controle, que são todas ligadas à masculinida-
há algo profundamente libertador em se tornar de). A frustração da masculinidade da classe tra-
autoconsciente dos hábitos aos quais nos apega- balhadora frequentemente apenas reverte essa
mos devido ao medo ou à vergonha, e quando hierarquia, sugerindo que a força de usar o cor-
estamos prontos, aprender a deixá-los ir embora. po é a forma mais autêntica de masculinidade,
enquanto homens de classes mais altas com suas
O gênero não é apenas uma experiência indi-
roupas limpas e pele suave são efeminados.
vidual, entretanto. Ele está entrelaçado a todo os
nossos relacionamentos e instituições sociais – Ater-se a tais ressentimentos, à fantasia de
muitas delas, mesmo que às vezes inadvertida- superioridade e ao medo de culturas diferentes é
mente, sirvam para restringir, machucar ou con- parte de uma cultura generificada desconfortá-
trolar a maioria das pessoas. Talvez a estrutura vel com a emoção. Ao invés de simplesmente
mais óbvia que faz isso hoje em dia seja a família, deixar que as emoções existam e nos atravessem,

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O estado-nação também é generificado. Como onde as pessoas geralmente aprendem pela pri-
o tradicional chefe de família, o chefe de estado meira vez a perceber as ansiedades e expectati-
oferece proteção em troca de obediência. Suas ou- vas que vêm com o gênero. Até mesmo a ideia
tras características (incluindo fronteiras rígidas, do que é uma família e de como ela funciona (ou
competitividade, agressão e independência) são o que ela deveria ser e como ela deveria funcio-
também ligadas a certas versões de homem e mas- nar) é inextricavelmente ligada com o gênero.
culinidade. Algumas nações invadem outras para
A família nuclear idealizada, por exemplo, é
demonstrar sua dominância, o que mais uma vez definida como consistindo de um casal heterosse-
envolve hierarquias de raça e riqueza. Como indi- xual monogâmico, casado e que se reproduz lide-
víduos ou casas competindo por sucesso econômi- rado por um homem “chefe da família”. Se a mu-
co, estados-nação são inerentemente inseguros. lher trabalha fora de casa, como é frequentemen-
Por simultaneamente criar medo e prometer segu- te necessário neste estágio do capitalismo, a ela
rança, eles justificam sua existência infinitamente. ainda tende a fazer muito mais do trabalho de
Os modos como categorizamos a humanida- casa, do trabalho emocional e do cuidado com as
de em raças, etnias, classes e países são todos crianças – com pouco ou nenhum reconhecimen-
to de tais tarefas como trabalho. Às crianças são
generificados. Considere estereótipos comuns: a
dados rótulos de gênero desde o nascimento e se
mulher passiva do Leste da Ásia, o homem ne-
espera que elas se conformem a esses rótulos. E,
gro hiperssexualizado, o outro exótico de além
enquanto ser o chefe da família tem seus privilé-
da fronteira (seja de nações ou de vizinhanças).
gios, a masculinidade é frequentemente ligada à
Invasões coloniais são há tempos justificadas
capacidade de alguém de prover ou não a família
por homens brancos (e mulheres brancas) leva- financeiramente, o que por sua vez leva a uma
dos tanto pela riqueza quanto por bancar o he- grande quantidade de ansiedade, frustração e ver-
rói, supostamente protegendo mulheres de cor gonha em sociedades baseadas em classe.

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O estado-nação também é generificado. Como onde as pessoas geralmente aprendem pela pri-
o tradicional chefe de família, o chefe de estado meira vez a perceber as ansiedades e expectati-
oferece proteção em troca de obediência. Suas ou- vas que vêm com o gênero. Até mesmo a ideia
tras características (incluindo fronteiras rígidas, do que é uma família e de como ela funciona (ou
competitividade, agressão e independência) são o que ela deveria ser e como ela deveria funcio-
também ligadas a certas versões de homem e mas- nar) é inextricavelmente ligada com o gênero.
culinidade. Algumas nações invadem outras para
A família nuclear idealizada, por exemplo, é
demonstrar sua dominância, o que mais uma vez definida como consistindo de um casal heterosse-
envolve hierarquias de raça e riqueza. Como indi- xual monogâmico, casado e que se reproduz lide-
víduos ou casas competindo por sucesso econômi- rado por um homem “chefe da família”. Se a mu-
co, estados-nação são inerentemente inseguros. lher trabalha fora de casa, como é frequentemen-
Por simultaneamente criar medo e prometer segu- te necessário neste estágio do capitalismo, a ela
rança, eles justificam sua existência infinitamente. ainda tende a fazer muito mais do trabalho de
Os modos como categorizamos a humanida- casa, do trabalho emocional e do cuidado com as
de em raças, etnias, classes e países são todos crianças – com pouco ou nenhum reconhecimen-
to de tais tarefas como trabalho. Às crianças são
generificados. Considere estereótipos comuns: a
dados rótulos de gênero desde o nascimento e se
mulher passiva do Leste da Ásia, o homem ne-
espera que elas se conformem a esses rótulos. E,
gro hiperssexualizado, o outro exótico de além
enquanto ser o chefe da família tem seus privilé-
da fronteira (seja de nações ou de vizinhanças).
gios, a masculinidade é frequentemente ligada à
Invasões coloniais são há tempos justificadas
capacidade de alguém de prover ou não a família
por homens brancos (e mulheres brancas) leva- financeiramente, o que por sua vez leva a uma
dos tanto pela riqueza quanto por bancar o he- grande quantidade de ansiedade, frustração e ver-
rói, supostamente protegendo mulheres de cor gonha em sociedades baseadas em classe.

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A política econômica mais ampla é também de pessoas de cor e mulheres de todas as raças.
generificada de maneiras opressivas e explora- Muitas figuras históricas celebradas em nações co-
tórias. Assim como o trabalho das mulheres loniais são tanto brancas quanto homens. Não há
dentro de casa é tipicamente tomado como ga- nada de errado com os homens per se, mas não há
rantido, todos os tipos de trabalho feminizado nada de tão especial neles como as culturas de su-
são tomados como garantido também. Quando premacia branca e hierarquia de gênero nos enco-
as pessoas falam de “a economia”, eles geral- rajam a acreditar. Além disso, ninguém faz nada
mente estão se definindo a uma definição estrei- sozinho. Nós todos dependemos dos esforços de
ta e oficial que apenas inclui o trabalho pago, a outrem. Enquanto são subestimados pelo pensa-
produção de materiais ou conhecimento, e a mento capitalista, tais esforços têm valor inerente
venda e distribuição desses produtos. A econo- e apontam o caminho para diferentes economias.
mia, nesse entendimento, não inclui ter filhos e
De fato, quando trabalho associado com
cuidar deles (não pago) nem o trabalho domésti-
mulheres e feminilidade (como ensinar, cui-
co (não pago) do qual a economia depende.
dar, limpar e ouvir) é pago, é pago muito me-
O capitalismo e projetos colonialistas relaci- nos que trabalho associado com homens e
onados também não reconhecem verdadeira- masculinidade (como esportes, finanças, lide-
mente o conhecimento tradicional de culturas rança e falar). Essa hierarquia de gênero está
não-imperialistas, cujas extensivas histórias de, ligada, além disso, com desigualdades de raça
por exemplo, como usar as plantas, são explora- e classe quando, por exemplo, mulheres de
das por corporações farmacêuticas e agrícolas. status mais alto conseguem entrar em traba-
Feministas de cor têm notado há tempos as liga- lhos tradicionalmente associados com ho-
ções entre a dependência não reconhecida do co- mens, assim deixando o trabalho feminizado
lonialismo nas habilidades, sabedoria e trabalho para mulheres de status mais baixo.

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A política econômica mais ampla é também de pessoas de cor e mulheres de todas as raças.
generificada de maneiras opressivas e explora- Muitas figuras históricas celebradas em nações co-
tórias. Assim como o trabalho das mulheres loniais são tanto brancas quanto homens. Não há
dentro de casa é tipicamente tomado como ga- nada de errado com os homens per se, mas não há
rantido, todos os tipos de trabalho feminizado nada de tão especial neles como as culturas de su-
são tomados como garantido também. Quando premacia branca e hierarquia de gênero nos enco-
as pessoas falam de “a economia”, eles geral- rajam a acreditar. Além disso, ninguém faz nada
mente estão se definindo a uma definição estrei- sozinho. Nós todos dependemos dos esforços de
ta e oficial que apenas inclui o trabalho pago, a outrem. Enquanto são subestimados pelo pensa-
produção de materiais ou conhecimento, e a mento capitalista, tais esforços têm valor inerente
venda e distribuição desses produtos. A econo- e apontam o caminho para diferentes economias.
mia, nesse entendimento, não inclui ter filhos e
De fato, quando trabalho associado com
cuidar deles (não pago) nem o trabalho domésti-
mulheres e feminilidade (como ensinar, cui-
co (não pago) do qual a economia depende.
dar, limpar e ouvir) é pago, é pago muito me-
O capitalismo e projetos colonialistas relaci- nos que trabalho associado com homens e
onados também não reconhecem verdadeira- masculinidade (como esportes, finanças, lide-
mente o conhecimento tradicional de culturas rança e falar). Essa hierarquia de gênero está
não-imperialistas, cujas extensivas histórias de, ligada, além disso, com desigualdades de raça
por exemplo, como usar as plantas, são explora- e classe quando, por exemplo, mulheres de
das por corporações farmacêuticas e agrícolas. status mais alto conseguem entrar em traba-
Feministas de cor têm notado há tempos as liga- lhos tradicionalmente associados com ho-
ções entre a dependência não reconhecida do co- mens, assim deixando o trabalho feminizado
lonialismo nas habilidades, sabedoria e trabalho para mulheres de status mais baixo.

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