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Introdução
Podemos conceber a organização da filiação por ter três eixos estruturais: biológico,
jurídico/cultural e o psíquico. Dada as inúmeras transformações sociais, sendo uma delas a
valorização dos laços familiares socioafetivos, a formação dos vínculos de filiação está cada
vez mais se afastando da valorização do eixo biológico [1]. Ressalta-se que um dos efeitos
dessas diferentes configurações familiares contemporâneas é gerar laços de parentesco em
cadeias genealógicas cada vez mais complexas, como por exemplo, as famílias formadas pela
adoção [2].
Essa modalidade de formação da família torna-se cada vez mais frequente, o que vem
permitindo a diminuição de estigmas desqualificadores e a ampliação de estudos que possam
mapear componentes mais promotores ou não da saúde desses vínculos. Especificamente, nesta
composição de sistema os laços parentesco adotivos estão separados do eixo biológico,
exigindo o fortalecimento dos elos nos campos psíquico e jurídico-cultural [3]. No Brasil, há
fundamental respaldo legal de irrevogabilidade desta filiação formando uma equidade de
direitos e deveres nos laços de parentesco, sejam por consanguinidade ou por adoção [4].
Sob essa perspectiva, encontramos na literatura a constatação da inexorável
complexidade de elementos que estruturam os vínculos parento-filiais na adoção [5].
Observamos que um contínuo trabalho psíquico em torno da manutenção dos vínculos é
fundamental, o qual consiste no processo de elaboração das inquietações e fantasias, por meio
do aparelho psíquico familiar, a fim de simbolizá-las e transformá-las [6]. Quando esse aparelho
falha nas funções destacadas pode surgir o adoecimento dos vínculos, e consequentemente, o
sistema pode desenvolver uma dinâmica psicopatológica, que deve ser compreendida a partir
da construção de complexa rede de interações. Nestes casos, a psicoterapia familiar ocupada a
função desse aparelho mental intersubjetivo capaz de revelar as particularidades de
perturbações emocionais. A psicoterapia familiar acaba sendo um dispositivo responsável por
permitir um espaço de expressão e compreensão das dinâmicas intersubjetivas implícita [7]. É
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possível afirmar que esse espaço viabiliza a necessidade do ser humano em se comunicar para
conhecer ou reconhecer partes dos mistérios que permeiam suas vidas [8].
É raro encontrar famílias com filhos adotivos que não buscam psicoterapia, geralmente
sendo encaminhadas para psicólogos quando estão em crise, pois muitas vezes o casal parental
vivencia múltiplos dilemas frente a adoção, experimentando tais situações com emoções
intermináveis, como se estivessem em uma montanha russa, tendo momentos de grandes
alegrias e, também momentos de grandes tristezas. Essas famílias demandam maior rede de
apoio da comunidade e da sensibilidade dos profissionais [9].
Tal demanda se apresenta não porque os pais adotivos se arrependeram da adoção, mas
sim por encontrarem dificuldades em entrar em contato com sentimentos dolorosos durante a
manutenção do vínculo com seus filhos que tiveram suas vidas marcadas por perdas,
separações, as vezes traumas e dores antes de serem inseridos na família atual. A psicoterapia
familiar apresenta grande relevância nesse contexto ao trabalhar a transformação dessas
experiências e sentimentos em algo de grande valia para toda a família [9].
Atualmente, tais questões mencionadas ganharam maior destaque nas mídias e em
estudos recentes, mas isso não torna o processo menos doloroso para o grupo familiar. Muitas
vezes os pais se apegam à busca desesperada por soluções para que possam compreender o
sintoma apresentado pelos filhos. A procura por diagnósticos ou qualquer explicação plausível
oferece alívio aos pais e recursos psíquicos para não se sentirem impotentes frente ao problema.
Contudo, a incansável tentativa e esperança em resolver esses infortúnios os levam a decepção
e frustração [9]. Diante do exposto, podemos inferir a relevância da psicoterapia como
dispositivo de ajuda para as famílias adotivas.
Uma das grandes fontes de sofrimento no contexto da filiação adotiva são as perdas e
mistérios vivenciados pela criança na sua família de origem repercutindo de forma variada em
sua identidade e senso de pertencimento, mobilizando dilemas de caráter existencial que
envolvem questionamentos sobre quem eu sou, de onde eu vim e a que grupo eu pertenço [9].
Tais dilemas requerem uma capacidade mental dos pais de intenso contato emocional com a
criança, de modo que possam constantemente perceber suas angústias para assim simbolizá-las,
ajudando-a a construir e reconstruir sua história.
O filho adotivo ao longo do seu desenvolvimento apresenta interesse em saber sobre as
suas origens, este desejo e curiosidade estão inseridos no duelo da construção da sua própria
identidade [9]. Consideramos que as ansiedades referentes ao enigma da própria existência
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Objetivos
O objetivo geral deste estudo foi investigar a constituição da parentalidade adotiva,
buscando mapear aspectos e processos psíquicos presentes na construção das funções parentais
e no desenvolvimento da interação familiar. Além disso, pretendeu-se analisar a demanda por
psicoterapia de família e sua relação com o exercício da parentalidade adotiva. A pesquisa foi
dividida em dois subestudos: 1) A constituição da parentalidade adotiva; e 2) A demanda de
psicoterapia de família e o exercício da parentalidade adotiva.
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Metodologia
1) Subestudo 1 - A constituição da parentalidade adotiva
No Subprojeto 2, foi utilizada uma metodologia clínico, com base de estudo de caso único
[14], a fim de analisar o tratamento psicoterapêutico de uma família adotiva atendida
semanalmente no Serviço de Psicologia Aplicada da PUC-Rio entre os anos 2014 e 2018. A
análise intrínseca foi feita a partir dos 51 relatórios referentes a cada sessão de atendimento
realizada por dois coterapeutas. Houve uma leitura de todo material com discussões centradas
nas temáticas que se destacaram, dentre elas: as vivências da parentalidade e da filiação
adotivas, as manifestações da curiosidade sobre as origens, além dos principais conflitos
familiares.
Em relação às considerações éticas, no subestudo 2, a família adotiva atendida no SPA
da PUC-Rio assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a
utilização dos dados clínicos para fins de ensino, pesquisa e publicação científica. Como
procedimento institucional do serviço, os coterapeutas na entrevista de plantão apresentam o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a todos os pacientes.
Durante o processo de apresentação e discussão dos resultados, houve a preocupação com
as identidades e determinados conteúdos históricos serem preservados. Portanto, alguns dados
foram ocultados ou substituídos preservando o anonimato da família, sem prejuízo à
fidedignidade do material clínico.
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Resultados finais
Apresentamos no relatório anterior os resultados do Subestudo 1, por isso, vamos expor
aqui os dados encontrados e a discussão realizada referente ao Subestudo 2. Primeiramente,
devemos destacar o quanto desenvolver um estudo de caso único é relevante para o meio
científico. De acordo com Stake (2010) [14], a genuína tarefa de um estudo de caso é a busca
pela particularização e aprofundamento de uma determinada questão, não sendo seu fim a marca
da generalização. Um caso específico é relevante pois permite olhar para um fenômeno
aprofundando-o, dando ênfase sua singularidade, um entendimento único e rigorosamente
esmiuçado.
Tomando como base o método elaborado pelo referido autor, limitamos a análise à tarefa
de entender o caso, observando temas específicos que emergiram durante o tratamento.
Seguimos a proposta de nos guiarmos inicialmente a leitura por eixos temáticos com base
teórica e conceitual, relacionados às questões básicas de pesquisa como adoção, vínculos,
parentalidade e filiação, para depois nos debruçarmos em tópicos relacionados à complexidade
e ao contexto do caso analisado.
Durante o desenvolvimento do subestudo 2 surgiram algumas dificuldades, pois como
haver apenas um único caso de psicoterapia familiar no contexto da adoção no Serviço de
Psicologia Aplicada (durante o período designado no cronograma). Contudo, diante dessa
dificuldade reconhecemos a oportunidade de aprofundar nossa experiência nesse método de
pesquisa de caso único. Outro desafio foi o vasto material clínico a ser analisado, portanto
contendo informações amplas da vida familiar, a discussão dos resultados exigia muito cuidado
na preservação da confidencialidade e do anonimato dos dados. Dada a preocupação com
caráter ético na leitura e discussão dos relatórios, foi necessário maior investimento na reflexão
e criação de procedimentos de leitura e análise dos registros clínicos, de modo que não houvesse
riscos de falhas éticas.
Sobre o caso, o perfil da família deve ser caracterizado como um grupo pertencente a
camada média da população brasileira, composta por três membros: a mãe de 55 anos, o pai de
56 anos e a filha adotiva de 9 anos de idade. O processo psicoterapêutico ocorreu em um ano e
meio, sendo realizado em coterapia no Serviço de Psicologia Aplicada e supervisionado
semanalmente durante todo o período de tratamento.
Conforme mencionado, houve a preocupação em manter o caráter sigiloso dos dados no
apresentação da discussão e, a partir disso, foi fundamental o aprofundamento teórico e técnico
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espelhamento nas relações humanas. Porém, se ocorre por meio de uma fantasia de
incorporação, não há espaço para a separação, para o desenvolvimento da mente própria [17].
À medida que o tratamento avançava, as brigas conjugais se intensificaram, levando a
ataques às origens de cada um sem qualquer tipo de inibição perante a filha. Argumentavam
que não se entendiam por serem de origens diferentes. Contaram que a família da mãe adotiva
era mais humilde, diferente da família do pai, que pertencia a um nível socioeconômico mais
alto. A relação conflituosa conjugal desencadeava um modelo relacional intolerante ao
reconhecimento da alteridade. As interações tanto em nível do mundo interno quanto externo
se configuravam em um modelo relacional indiferenciado e persecutório [18].
Verificamos por meio da análise do caso que um dos fatores dificultadores para os pais
atendidos estabelecerem conversas sobre a filiação adotiva com a filha envolvia conflitos e
segredos relacionados às suas próprias histórias familiares. Portanto, compreendeu-se que o
processo de elaboração dos enigmas relacionados à filiação adotiva estava relacionado à
qualidade conflitante da relação interna que os adotantes estabeleciam com suas próprias
origens. Percebemos que o tratamento no dispositivo de psicoterapia de família permitiu
observar entraves nos laços de parentesco, levando em consideração múltiplos elementos.
No processo psicoterapêutico da família, pudemos observar a necessidade de oferecer um
espaço que viabilizava mais do que a fala e a escuta, tornando-se a representação de permitir
entrar em contato com experiências emocionais difíceis de serem vividas. Dessa maneira, o
dispositivo clínico também se apresentou importante em auxiliar a família a suportar certo grau
de separação, sem que esta seja vivenciada como perda ou abandono.
Em paralelo, outro fator fundamental foi proporcionar a liberdade de expressão da pulsão
epistemofílica da criança, conforme apresentada anteriormente, permitindo ao grupo familiar
encarar sua realidade psíquica grupal. O processo psicoterapêutico possibilitou um
amadurecimento de recursos interpsíquicos, fomentando discussões e questionamentos que
permitiram o reconhecimento do sujeito como pertencente ao grupo.
Durante o tratamento clínico foi possível observar diversas questões relacionadas a
curiosidade sobre as origens. De maneira lúdica, a menina trouxe para uma das sessões um livro
infantil sobre o nascimento, o qual fora caracterizado por ela como um livro de muitas páginas.
Ao ler o livro para todos, a criança relatou que a personagem encontrou um bebê dentro da lata
de lixo; o que nos fez compreender a integração do seu mundo interno ao tentar encontrar sua
história e dar um novo sentido a ela, fortalecendo os laços de filiação. Ao expressar sua fantasia
de que também havia sido descartada como a personagem, ganhava espaço o processo de
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simbolização de seu nascimento nessa família, oferecendo novos recursos para transformações,
esperança e resiliência [19].
Como recurso para a questão das origens serem ainda mais aprofundadas, os coterapeutas
aplicaram o genograma, ampliando a narrativa sobre a história familiar. A partir do uso desse
instrumento, a família pôde contar e elaborar as mortes de recém-nascidos vivenciadas por três
gerações: nessa família e no grupo familiar de origem do casal. Assim, em uma cumplicidade
inédita do subsistema conjugal, puderam relatar a experiência da morte de um filho deles que
antecedera a chegada da filha adotiva.
Cabe ainda ressaltar outra experiência transformadora que aconteceu durante o processo
psicoterapêutico, quando a família se deparou com uma caixa de brinquedos e a mãe questionou
se era para eles, logo sendo interrompida pela menina que disparou “Tira o olho, é meu!”. Nesse
sentido, inferimos que tal fala marcava o seu espaço pessoal e se diferenciava dos demais
membros, tornando-se capaz de se apropriar dos conteúdos externos e representar seus
conteúdos internos.
Por fim, devemos sublinhar que este relatório finaliza o subestudo 2, e consequentemente
a investigação mais ampla. Fazendo uma reflexão geral sobre tudo que foi investigado,
entendemos que na filiação adotiva é fundamental identificar as manifestações da pulsão
epistemofílica ao longo de todo o desenvolvimento vital, se tornando ainda mais pungente no
contexto familiar que impede tais atitudes.
A noção das características singulares da adoção de uma única criança, tendo como base
a análise intrínseca de estudo de caso e a discussão dos resultados encontrados, fomentou
discussões de grande valia que levaram à elaboração de um novo projeto de pesquisa, intitulado
“Parentalidade na adoção conjunta de irmãos: constituição dos vínculos familiares”. O referido
projeto tem como objetivo geral investigar crenças e expectativas relacionadas à parentalidade
e à formação dos vínculos familiares na adoção conjunta de irmãos, no momento anterior à
chegada das crianças e após a inserção do grupo fraterno no contexto familiar.
Entendemos que o novo estudo apresenta grande relevância ao buscar ao compreender a
ampliação da complexidade por adotar mais de uma criança, seja por recursos financeiros ou
psíquicos. Visto que a presença simultânea de múltiplas questões ligadas a subjetividade de
cada filho exige do casal parental maior trabalho psíquico na construção dos vínculos.
Pretendemos como fruto dessa ampla investigação sobre a parentalidade e filiação no
contexto da adoção, elaborar de um projeto de pesquisa e extensão, a ser apresentado para as 1ª
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