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Universidade

Católica de
Brasília
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA
STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA

Mestrado
INTERAÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES
CONTEXTOS ESCOLARES: ESTUDO DE CASO DE UMA
CRIANÇA COM AUTISMO
Lúcia de Carvalho Brandão
Orientadora: Drª Tânia Maria de Freitas Rossi

BRASÍLIA 2009
LÚCIA DE CARVALHO BRANDÃO

INTERAÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES CONTEXTOS ESCOLARES:


ESTUDO DE CASO DE UMA CRIANÇA COM AUTISMO

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Psicologia da
Universidade Católica de Brasília,
como requisito para obtenção do
Título de Mestre em Psicologia

Orientadora: Drª Tânia Maria de


Freitas Rossi

Brasília
2009
Dissertação de autoria de Lúcia de Carvalho Brandão, intitulada
“INTERAÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES CONTEXTOS ESCOLARES:
ESTUDO DE CASO DE UMA CRIANÇA COM AUTISMO”, apresentada como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da
Universidade Católica de Brasília, em 29 de setembro de 2009, defendida e
aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi


Orientadora
Psicologia-UCB

Profª Drª Nara Liana Pereira Silva


Psicologia-IESB

Prof. Dr. João Bosco Pavão


Educação – UNEB

Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida


Psicologia-UCB

Brasília
2009
DEDICATÓRIA

À minha mainha e meu painho (in


memorian), que lutaram contra todas
as adversidades da vida para que eu
chegasse até aqui, me incentivando
sempre com carinho e compreensão.
AGRADECIMENTOS

À professora Tânia Rossi, pela dedicação e paciência na orientação


desse trabalho.
Às professoras Sandra Francesca e Nara Liana, pelas contribuições na
qualificação do projeto.
Ao professor João Bosco, por ter iniciado o meu processo acadêmico na
graduação e participar até hoje da minha história.
À Izabel, minha amiga, que me incentivou, me acolheu e esteve sempre
ao meu lado nos momentos de dificuldades e angústia.
À Anelice, minha amiga, pelo apoio e cumplicidade.
À Karina, Márcia e Hellen, minhas companheiras de caminhada.
Aos integrantes do Projeto de Pesquisa Perturbações do Espectro de
Autismo, pela oportunidade da rica convivência.
Aos colegas da Secretaria de Estado de Educação, por me receberem
com confiança e afeto no ato da pesquisa, em especial, Sandra Estela, pela
dedicação na busca do sujeito participante deste estudo.
À Secretaria de Estado de Educação, pela oportunidade de me fazer
conviver com o universo de pessoas com autismo durante alguns anos da
minha vida, o que me fez escolher esse tema para pesquisa.
À professora Erenice, pelo incentivo inicial na busca por esse sonho, e
pelas contribuições durante o tempo que esteve conosco no Projeto de
Pesquisa.
Aos meus irmãos, sobrinhos e meus amigos, pela fé, cumplicidade e
afeto.
"A utopia está lá no horizonte. Me
aproximo dois passos, ela se afasta
dois passos. Caminho dez passos e
o horizonte corre dez passos. Por
mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não
deixe de caminhar".

Eduardo Galeano
RESUMO

Referência: BRANDÃO, Lúcia de Carvalho Brandão. “Interação social em


diferentes contextos escolares: estudo de caso de uma criança com
autismo”, fl.124. Dissertação de Mestrado (Psicologia) – Universidade
Católica de Brasília, Brasília-DF, 2009.

O objetivo deste estudo de caso foi analisar as interações sociais de um aluno


com autismo nos contextos da Escola Classe e da Escola Parque. Participaram
da pesquisa um aluno com o diagnóstico de autismo, matriculado no 2º ano do
ensino fundamental de uma Escola Classe e, também, na Escola Parque da
rede pública de ensino do Distrito Federal, seus professores e colegas. Foram
realizadas observações de atividades pedagógicas estruturadas e momentos
livres nos dois contextos. Os resultados foram analisados a partir das
contribuições da teoria da Atividade de Leontiev e da tipologia de interações
de Hinde, e evidenciam que a qualidade das interações do aluno autista com
seus colegas mantém o mesmo padrão em ambas as escolas. Entretanto,
quanto à estrutura da participação da criança com autismo nas interações na
Escola Parque, predominam as interações paralela individual e paralela
complementar, enquanto na Escola Classe predominam as interações do tipo
individual e em grupo. Ordenar e obedecer são as categorias comportamentais
mais frequentes nas interações que envolvem a criança na Escola Classe; na
Escola Parque, destacam-se as categorias ordenar e solicitar. A rejeição e a
imitação são mais presentes na Escola Parque; enquanto o elogio sobressai
na Escola Classe. A investigação aponta para a importância do contexto sobre
a qualidade, estrutura e estilo comportamental de interação da criança com
autismo. Na Escola Parque, o contexto favorece o desenvolvimento social da
criança focalizada, uma vez que a impulsiona para a autonomia.

Palavras chave: Autismo. Contextos de interação. Interação social.


ABSTRACT

Reference: BRANDÃO, Lúcia de Carvalho.“Social interaction in different


school contexts: case study of a child with autism”, 124. fl. Master’s Essay
(Psychology) – Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2009.

The objective of this case study was to analyze the social interactions of a child
with autism in the contexts of two different schools: Escola Classe and Escola
Parque. Involved in the survey were a child with autism diagnosis - registered in
the second year of elementary school in public institutions of Distrito Federal -,
his teachers and colleagues. Several structured pedagogical activities and free
moments were observed in both contexts. The results analyses were based on
the Activity Theory by Leontiev as well as on Hinde’s interactions typology and
unveiled the autistic student’s interactions quality and the fact that there is a
pattern in both schools. However, while at Escola Parque parallel individual and
parallel supplementary interactions predominate; at Escola Classe individual
and group interactions prevailed. Ordering and obeying are the most common
behavioral categories that involve the child at Escola Classe and, at Escola
Parque, the categories Ordering and Soliciting are the most common. The
rejection and imitation are more present at Escola Parque whilst the
complement is more noticeable at Escola Classe. The investigation points to the
importance of the context over quality; structure; and the autistic’s child
interaction behavioral style. Furthermore, it is visible that the context of Escola
Parque favors the focalized child’s social development once it stimulates
autonomy.

Keywords: Autism. Interaction contexts. Social interaction.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................... 11
1 REFERENCIAL TEÓRICO................................................ 21
1.1 Revisão de literatura......................................................... 21
1.2 Interação social.................................................................. 32
1.3 “Pessoas são pessoas através de outras pessoas”:A 35
emergência do sujeito nas interações sociais
1.4 A defectologia e os problemas gerais no
desenvolvimento da pessoa com autismo......................... 39
1.5 A teoria psicológica da atividade....................................... 45
2 METODOLOGIA................................................................ 53
2.1 Contexto............................................................................ 54
2.1.1 A Escola Classe................................................................ 54
2.1.2 A Escola Parque................................................................ 55
2.2 Participante........................................................................ 56
2.3 Procedimentos.................................................................. 58
3 ANALISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS 58
RESULTADOS..................................................................
3.1 Interações na Escola Classe: Um olhar panorâmico ....... 62
3.2 O ambiente da observação............................................... 65
3.3 Atividades Pedagógicas Estruturadas............................... 66
3.3.1 Construindo uma pirâmide alimentar................................. 66
3.3.2 Copiando o texto do saci................................................... 74
3.3.3 Encontrando a página de um livro..................................... 78
3.3.4 Momentos livres................................................................ 80
3.3.4.1 Proteção em série............................................................. 80
3.3.4.2 Quem pegou minha revista?............................................. 82
3.3.4.3 A busca frustrada............................................................... 85
3.4 Interações na Escola Parque: novo panorama ............... 86
3.5 Observação na escola parque........................................... 89

3.5.1 Artes Visuais – o ambiente da observação....................... 90


3.5.1.1 Desenhando com cola cololorida....................................... 90
3.5.1.2 Jogo da memória:uma nova regra..................................... 94
3.5.2 Música- o ambiente da observação................................... 96
3.5.2.1 No ritmo do violão.............................................................. 96
3.5.2.2 A banda de percussão....................................................... 100
3.5.3 Momentos livres................................................................. 104
3.5.3.1 No bebedouro................................................................... 104
3.5.3.2 Lendo um livro.................................................................. 105
3.6 Síntese das interações sociais......................................... 107
CONSIDERAÇÔES FINAIS............................................. 110
REFERENCIAS................................................................ 115
ANEXOS........................................................................... 122
11

INTRODUÇÃO

O autismo apresenta, desde sua definição, inúmeras divergências


acerca de suas possíveis causas e explicações. Atualmente, quando se fala em
autismo, admite-se este como um Transtorno do Espectro Autista,
nomenclatura que abriga perturbações de diferentes intensidades de
manifestações, a ponto de serem enquadradas nas condições de um Espectro.
É Lorna Wing (1997), psiquiatra americana, que introduz o conceito de
espectro do autismo para referir-se às diferentes formas de expressão das
perturbações, negando, assim, a abordagem que considera o autismo como
uma entidade única. As perturbações apresentam-se com um leque de
intensidades distintas, cujas múltiplas manifestações variam ao longo do ciclo
vital. Para esta autora, as perturbações, no autismo, manifestam-se nos
domínios: social (linguagem e comunicação), pensamento e comportamento.
Nomenclatura que ficou conhecida como a tríade de Lorna Wing, na qual, de
acordo com Marques (2000, p.18), observa-se um conjunto de características
que se agrupam nos seguintes sintomas:
Uma limitação extrema na capacidade da criança de participar de
situações que exigem um certo convívio social ou “interação social”
mútua;
Uma forte diminuição da capacidade da criança de participar de
convívios sociais que incentivem a utilização da expressão livre da
comunicação, tanto receptiva quanto expressiva;
Uma redução do poder de utilização da capacidade imaginativa e da
fantasia da criança, fazendo com que ela adquira um limitado
repertório comportamental, repetitivo e estereotipado (MARQUES,
2000, p. 18).

A dificuldade de socialização da criança com espectro do autismo é uma


das características mais fortes e enfatizadas em todos os estudos sobre este. A
criança com autismo pode isolar-se, como pode também interagir de forma
percebida como estranha. Seu comportamento e sua linguagem as diferenciam
de outros sujeitos da mesma faixa etária. A interação social, muitas vezes, é
representada por padrões repetitivos de condutas, a ponto de gerar códigos
generalizados e pautar a comunicação com o outro através desse
comportamento.
Lorna Wing (1998) identifica quatro grupos diferenciados na interação
social de pessoas com autismo, a saber: isolamento social; interação passiva;
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interação ativa porém estranha; e interação hiperformal.


O isolamento social é caracterizado pela existência de indiferença na
maioria das situações de troca. Nesse caso, a pessoa com autismo tende a se
isolar e evita ativamente o contato físico ou social com outras pessoas.
Algumas vezes, procura aproximar-se com um interesse específico, que,
quando satisfeito, resulta no retorno ao isolamento e, também, ao estado de
indiferença. Algumas pessoas aceitam o contato físico e certas brincadeiras.
Contudo, não demonstram interesse pelo aspecto social da interação como,
por exemplo, algumas crianças que gostam de ser tocadas em determinadas
áreas do corpo ou deitam-se no colo de alguém. Esse grupo é considerado o
mais grave, pois o isolamento e a indiferença são muito acentuados.
A interação passiva caracteriza-se pela existência de abordagens
sociais limitadas, marcadas pela passividade da criança com espectro de
autismo. Nesse grupo, a criança não procura de forma espontânea interagir
socialmente com seus pares, mas, quando convidada, aceita passivamente,
demonstrando bom grado e não apresentando maiores resistências. Segundo a
autora, neste caso, as crianças tendem a participar das brincadeiras com os
colegas assumindo o papel que lhe foi dado, mas, ao final da brincadeira, se
distanciam, e só retornam se lhes for oferecido um novo papel. Pode-se dizer,
em outras palavras, que sua ação depende da mediação do outro. Essas
crianças podem apresentar, ainda, fala ecolálica imediata - repetição imediata
da fala do outro, mantendo geralmente a mesma estrutura e entonação.
Na interação ativa porém estranha, as crianças iniciam interações
sociais espontaneamente, mas totalmente inadequadas e unilaterais, pois são
orientadas para suas fixações. As interações servem para satisfazer interesses
específicos de suas ideias repetitivas. Não demonstram interesse pelo outro,
não modificam suas idéias, fala ou comportamento numa troca. Persistem
única e duramente nas atividades e assuntos prediletos, ainda que
questionadas e estimuladas a mudar de abordagem. A linguagem pode
apresentar ecolalia imediata ou mediata, repetição tardia da fala de outros,
inclusive de personagens de filmes, novelas, propagandas de rádio e televisão,
se distanciando totalmente do contexto em que se apresenta.
Na interação hiperformal, as crianças ou adultos com autismo são
extremamente educados e formais na sua conduta e fala. Iniciam a interação
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social e podem manter diálogos corretos. Em contatos rápidos, dificilmente se


consegue perceber dificuldades na interação social. Entrementes, quando esta
se estende, é perceptível, principalmente pela dificuldade que essas pessoas
apresentam em aprender as regras sutis da convivência social, bem assim pela
falta de percepção em relação ao outro.
As diferenças nas interações sociais, próprias de pessoas do espectro
do autismo, coexistem com outras situadas no domínio da linguagem, seja da
comunicação verbal ou da não-verbal, que se apresentam deficientes e
desviadas dos padrões habituais. A linguagem pode ter desvios semânticos e
pragmáticos, estimando-se que 50% (cinquenta por cento) das pessoas com
autismo não desenvolvem linguagem oral durante toda a vida. Neste sentido, a
interação social é diretamente afetada, pois é através da linguagem, seja ela
verbal ou não-verbal, que se estabelecem as interações.
Para Valmaseda (2004), a linguagem não se restringe à fala ou
compreensão do que os outros dizem, podendo ser considerada como
representação interna da realidade construída que utiliza um meio de
comunicação compartilhado socialmente. E define a linguagem como: a) um
sistema de signos (organizados em diferentes códigos) arbitrário e
compartilhado por um grupo; b) com o objetivo de se comunicar com os outros;
c) que permite manipular mentalmente a realidade na ausência dela.
De acordo com Golse e Bursztejn (1993), a linguagem movimenta tanto
o sistema intelectual como o sistema neuromotor e o sistema afetivo,
solicitando, assim, uma maturação de diferentes sistemas. O desenvolvimento
da linguagem se dá em períodos diferentes, que se subdividem em período
pré-verbal e a aquisição da linguagem, períodos que, por sua vez, subdividem-
se em etapas e, muitas vezes, não se destacam tão claramente no
desenvolvimento da linguagem de crianças com autismo.
Vygotski (2001) relaciona o desenvolvimento da linguagem em três
etapas: linguagem exterior, linguagem egocêntrica e linguagem interior. A
linguagem exterior é a linguagem para os outros. A linguagem interior é a
linguagem para si. Já a linguagem egocêntrica é considerada pelo autor como
um fenômeno de transição da atividade social e coletiva, para a fala mais
individualizada. Desse modo, a linguagem egocêntrica, pela sua manifestação
sonora, é uma linguagem exterior, enquanto, paralelamente, é interior por suas
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funções e estrutura.
O autor relaciona a linguagem em dois planos, o plano dos aspectos
semânticos, interiores e o plano dos aspectos físicos, externos e sonoros da
linguagem. Vygotski (2001) considera que o aspecto externo da linguagem se
desenvolve das partes para o todo, da palavra para a oração. Já o aspecto
interno se desenvolve inversamente, do todo para as partes, logo da oração
para as palavras.
Golse e Bursztejn (1993) pontuam alguns exemplos como marcas do
desenvolvimento da linguagem, sinalizando peculiaridades presentes no
desenvolvimento da linguagem da criança com autismo:
1) O grito, que, com o passar de algumas semanas, passa a ser
reconhecido pelos pais pela diferenciação de sensações da criança, a exemplo
da dor, fome, prazer. Na criança com autismo, no entanto, de acordo com o
autor, este grito se apresenta de forma monótona e não diferencia as
sensações.
2) Iniciam-se as vocalizações, que se assemelham em crianças do
mundo todo, em que estão presentes a emissão de tritongos e quadritongos.
No caso das crianças com autismo, há a presença de ruídos guturais e uma
fixação por estes, o que, na avaliação dos autores, é um bom sinal, pois trata-
se de um momento em que a vocalização deixa de ser solitária, sinalizando
que poderão abandonar a condição de autistas.
3) Dois a seis meses: o gorgeio, o balbucio e o tagarelar, emissão de
sons mais articulados e repetição de sílabas. Nas crianças com autismo,
observa-se a ausência dessa fase.
4) Seis a nove meses: nesta fase, a criança inicia a interiorização da
linguagem como um ato entre pessoas e começa a frasear, a replicar o diálogo
entre pessoas. Salientam os autores que, no tocante às crianças com retardo
ou psicóticas, essa fase é mais visível. Em crianças com autismo não é
possível identificar essa fase, pois elas parecem não perceber os diálogos
entre pessoas e não os replicam.
5) Momento marcado pela repetição de sílabas. Algumas crianças com
autismo também entram na linguagem pela repetição de sílabas, o que é
considerado por Golse e Bursztejn (1993) como um bom sinal, pois é possível
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considerar que seu aparelho psíquico é capaz de fazer junções. Nesta fase
aparecem as primeiras palavras soltas.
Observa-se, também, nesse momento, o ato de apontar, que geralmente
acontece quando um objeto se encontra distante da criança, que o aponta e o
adulto nomina ou o alcança. Entretanto, há ausência do ato de apontar em
crianças com autismo.
6) Por volta dos dois anos, ocorre a junção de duas palavras. Iniciam-se
as frases, é também frequente a ecolalia no final dos dois anos, a criança
repete a frase do adulto, indicando uma percepção da fala do outro. No
autismo, apesar de aparecer ecolalia, ela não se instala nesta idade como
forma de percepção da fala do outro, é uma repetição que não emite uma
reciprocidade.
7) O aparecimento do “sim” e do “não” é comum na idade de dois anos e
meio aos três anos. Quando estimulados a negar ou afirmar, o “não” é bem
mais frequente, tendo em vista que é mais fácil negar do que afirmar. Destaca-
se, também, o uso do pronome “eu”, momento em que a criança se identifica
como sujeito de determinada situação. Observamos que crianças com autismo
não costumam usar o pronome “eu”, demonstrando que não se reconhecem.
8) Por volta dos três anos/três anos e meio, entra em cena o “eu
narrativo”, fase na qual a criança começa a narrar fatos externos, fazendo um
misto de emoções anteriores, apelando a risos, etc. A criança com autismo não
se coloca como “eu”, como vimos anteriormente, e não narra fatos.
Golse e Bursztejn (1993) também consideram como marco do
desenvolvimento da linguagem o momento em que a criança estrutura a frase,
e, que, com a fantasia aflorada, principalmente nas brincadeiras de faz-de-
conta, sugere a possibilidade de mudar de papel social ou de lugar, colocando-
se ora como objeto, ora como sujeito de uma determinada situação. Essa
característica, muitas vezes, inexiste em crianças com autismo, que parecem
não reconhecer os outros, bem como não se reconhecer. Elas se referem a si
mesmas como se fosse outro ser, sendo comum fazê-lo pelo seu próprio nome.
Nota-se que, no lugar do jogo imaginativo, o real tem sua marca fortemente
registrada.
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Os desvios no desenvolvimento da linguagem de pessoas com autismo


implicam diversas alterações na comunicação social e podem abranger a
emissão e a recepção da linguagem. No que diz respeito à emissão, a
linguagem pode apresentar ecolalias imediatas ou tardias, nas quais a criança
reproduz oralmente sons ouvidos anteriormente ou imediatamente,
conservando a entonação, podendo, algumas vezes, repetir incansavelmente o
mesmo som.
A ecolalia pode aparecer aleatoriamente ou em situações de diálogo.
Contudo, na hipótese de apresentar-se fora de contexto, é comum que
palavras proferidas por pessoas do espectro do autismo estejam diretamente
ligadas às suas fixações e/ou seus próprios interesses que, de um modo geral,
podem ser bizarros.
Algumas crianças desenvolvem um repertório básico de palavras que
sinalizam suas necessidades imediatas, como idas ao banheiro e solicitação de
alimentos. Outras, também, podem falar palavras soltas, que, fora do contexto,
possivelmente não apresentarão significações reais, mas certamente carregam
uma estrutura comunicativa, que, pela dificuldade de expressão, não
possibilitam a transmissão da mensagem.
Pode-se citar, como exemplo, uma situação vivida numa Classe Especial
de escola pública para alunos do espectro do autismo. Na ocasião, um aluno,
demonstrando muita tristeza e impaciência, passou a tarde chorando, falando:
“quero avião, avião”. Então, os professores lhe deram aviõezinhos de papel
para brincar, pensando que era um brinquedo que havia deixado em casa.
Acontece que a família do aluno teria deixado o pai no aeroporto para uma
viagem e, desde que o avião partiu, o choro se estabeleceu. Assim, não era um
avião de brinquedo que a criança desejava naquele momento, como
pensavam as professoras. Como o aluno foi deixado na escola sem nenhuma
explicação, o mistério só pôde ser desvendado na hora da saída, quando a
mãe explicou a viagem do pai, esclarecendo, então, o desejo de comunicação
do aluno e a estratégia utilizada para fazê-lo: a ecolalia.
Pessoas que não desenvolvem linguagem oral podem estabelecer
comunicação por vias alternativas, como a linguagem não-verbal, por gestos e,
até mesmo, por alguns comportamentos, substituindo a fala por ações físicas
em momentos que necessita expressar um desejo, como pegar a pessoa pela
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mão ou empurrá-la, conduzindo-a.


Em crianças com autismo, podemos observar, em especial naquelas em
que a linguagem encontra-se em grau mais lento de desenvolvimento, uma
ligação quanto ao seu comportamento. Crianças com autismo que não falam,
tendem a ter comportamentos mais bizarros: agressão e auto-agressão,
ingestão de alimentos não-comestíveis, choro e sorriso sem motivo aparente,
variação de humor, dentre outros. Neste sentido, esses comportamentos
revelam que essas crianças encontram-se em um nível de desenvolvimento
como se estivessem, ainda, no plano filogenético.
Cabe ressaltar que, nas crianças com autismo, ainda que mais
desenvolvidas, é comum encontrarmos rigidez do pensamento e do
comportamento, fraca imaginação social, comportamentos ritualistas e
obsessivos, dependência de rotinas, atraso intelectual, ausência de jogo
imaginativo e uma dificuldade nas relações sociais.
Para Wing (1996), o problema no autismo não é a ausência do desejo de
interagir e comunicar-se, e, sim, a ausência de habilidade para fazê-lo.
Se o que possibilita a socialização é a interação, e a dificuldade de
pessoas desse espectro está, justamente, na capacidade em estabelecer
relações de interação recíprocas, pode-se dizer, de acordo com a tríade de
Lorna Wing, que as áreas da linguagem, comportamento e interação social
entrecruzam-se, acontecendo, assim, uma junção dessas alterações.
Vygotski (2001) explica que, na sócio-gênese do desenvolvimento
humano, pensamento e linguagem apresentam raízes genéticas diferentes,
mas no homem, em especial, para que ocorra a transformação do biológico no
histórico-cultural, as curvas do desenvolvimento da fala e do pensamento se
entrecruzam, e dão início a uma forma de comportamento exclusivamente
humana, onde a linguagem passa a ser intelectual e o pensamento, verbal.
Neste sentido, nos revela que as transformações do plano biológico para o
histórico-cultural acontecem no processo de constituição das funções
psicológicas superiores, presentes somente na espécie humana, por meio de
ações mediadas por signos e instrumentos. As funções psicológicas
superiores, apesar de ter sua origem na vida histórico-cultural do homem, só
são possíveis porque existem atividades cerebrais, substrato biológico
necessário ao desenvolvimento (VYGOTSKI, 2000).
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Na perspectiva histórico-cultural, a interação social é a responsável pelo


desenvolvimento humano, pois esta considera o homem como um ser social,
fruto de sua história e de sua cultura. O desenvolvimento, resultado da
interação com o meio físico e cultural, é responsável por transformações que
ocorrem através de sínteses dialéticas.
Para tanto, a transformação só é possível porque o sujeito se apropria
dos conteúdos e modos de funcionamento que circulam nas interações sociais,
resultado do processo de internalização, que não se restringe às pessoas com
autismo, alcançando os sujeitos de um modo geral.
Nesse sentido, vale para todos a lei geral de desenvolvimento
(VYGOTSKI, 2000, p.75):
a. Uma operação que, inicialmente, representa uma atividade externa,
é reconstruída e começa a ocorrer internamente.
b. Um processo interpessoal é transformado em intrapessoal.
c. A transformação de um processo interpessoal num processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos
ao longo do desenvolvimento.

A apropriação intrapsicológica dos conteúdos e modos de


funcionamento que circulam na esfera interpsicológica se dá por meio da
internalização. Para Rossi (2006), internalização é a reconstrução interna de
uma operação externa com objetos e bens culturais com os quais o sujeito
interage. A atividade externa ao sujeito, realizada no contexto cultural, torna-se
atividade interna. De acordo com Leontiev (2004), é a atividade que diferencia
os seres humanos dos outros animais, pois é dela que se origina o
desenvolvimento histórico-cultural, representado pela forma particularmente
humana, que, segundo ele, é a forma dos fenômenos externos da cultura
material e intelectual.
Podemos considerar que a forma como se organiza a condição de vida
concreta do homem é determinada pela cultura e pelas interações sociais.
Segundo Rossi (2006), o desenvolvimento humano não se realiza de modo
individual, a partir de ações isoladas do sujeito sobre o ambiente. Da mesma
forma, o ambiente também não pode determiná-lo. O desenvolvimento humano
decorre de interação entre o sujeito que conhece com o objeto a ser conhecido,
e pela mediação do outro social; há a promoção simultânea da aprendizagem e
do desenvolvimento. Desta forma, o sujeito transforma, via internalização, os
conteúdos externos em conteúdos da consciência.
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Rossi (2006) nos insere em uma discussão acerca do desenvolvimento


humano e da importância dos processos interativos na constituição da
consciência do sujeito. Sobre o tema, é interessante observar que a escola
ocupa um papel importante, pois se cuida de um ambiente onde as interações
sociais acontecem constantemente. Na escola, como sabido, as interações
sociais se fazem presentes diariamente através da convivência entre as
crianças com seus pares, professores e demais funcionários.
A escola, no entanto, pode ser agente da promoção de diferentes
atividades geradoras de diferentes oportunidades de desenvolvimento, pois é
certo que motivos distintos podem gerar operações e ações igualmente
distintas. A escola serve de veículo de rompimento com o estabelecimento de
meras rotinas e, ao mesmo tempo, possibilita o aumento do leque de atividades
para que se desenvolvam as interações sociais, principalmente para as
crianças com espectro do autismo, devido à dificuldade de interação.
Uma atividade, inicialmente, é gerada por uma necessidade que se
dirige a um objeto, que pode não ser explícito. Contudo, na medida em que a
necessidade é satisfeita por esse objeto, ele passa a ser reconhecido e
revelado, tornando-se um motivo. A atividade está ligada a um motivo, e este,
ao objeto da atividade.
Podemos exemplificar com uma atividade escolar: escrever seu próprio
nome. Esta atividade é de inicio, um motivo criado pelo professor e, logo, a
criança começa a fazê-lo mecanicamente, sem sentido. Passado um tempo, a
criança começa a ver que necessita escrever seu nome para ser identificada na
tarefa. Esta necessidade cria um motivo novo: sua identificação pelo nome.
Nesse sentido, a atividade é definida pela necessidade. Para satisfazer
a necessidade, a atividade gera ações. Cada ação tem seu objetivo próprio. Na
medida em que o sujeito passa a ter consciência do motivo que o impele à
atividade, há o estabelecimento de um objetivo consciente mais abrangente,
que pode se subdividir em vários outros objetivos, demandando diferentes
ações. As ações são realizadas de formas diversificadas, merecendo relevo o
fato de que cada forma de realização da ação é nomeada como operação. O
sujeito, então, na tentativa de alcançar um objetivo, realiza ações através de
um conjunto de operações que estão vinculadas às condições de realização da
ação (LEONTIEV, 2004). Será a relação entre motivo, objeto e necessidade
20

que estruturará, portanto, a atividade, gerando uma hierarquia da atividade, em


que atividade transforma-se em ação, e esta, em atividade.
Tendo em vista as contribuições da perspectiva histórico-cultural e da
teoria psicológica da atividade - que afirmam que as interações sociais são
implicadas nos contextos construídos historicamente por meio da atividade
social, sabendo que as interações sociais no sujeito do espectro autista
apresentam-se deficitárias, se comparado a seus pares, por ser um fator que o
caracteriza como tal, perguntamos: a educação do aluno com autismo,
acontecendo em ambientes educativos diferenciados, como a Escola Parque e
Escola Classe, deflagram e determinam formas distintas nas interações sociais
desse aluno?
Existe um modo peculiar de interação do aluno autista em cada um
destes ambientes escolares1?
Neste sentido, para esclarecer essas indagações, o objetivo principal
desse projeto foi analisar as interações sociais de um aluno com autismo nos
ambientes distintos de aprendizagem da escola classe e da escola parque.
A busca de possíveis respostas a esses problemas de pesquisa foi
pautada em aportes teóricos do interacionismo simbólico, notadamente sob o
enfoque da perspectiva histórico cultural.
Este trabalho constitui um subprojeto do Projeto de Pesquisa intitulado:
Perturbações do Espectro do Autismo – Perfil do Alunado e Intervenção na
Rede Pública do Distrito Federal, desenvolvida pelo Laboratório de Saúde
Mental e Aprendizagem Humana da Universidade Católica de Brasília, no
programa de Pós – Graduação: Mestrado em Psicologia, com apoio da
CAPES, CNPq e FAPDF. Teve como objetivos:

Objetivo geral

• Analisar as interações sociais de um aluno com autismo, seus


pares e professores, no contexto de situações cotidianas de
aprendizagem, em uma Escola Classe e no contexto das
aulas de Artes Visuais e Música de uma Escola Parque.

1
Ao longo do trabalho contextos e ambientes escolares serão considerados sinônimos.
21

Objetivos específicos

• Caracterizar os ambientes de aprendizagem do aluno na


Escola Parque e na Escola Classe onde estuda.
• Identificar a qualidade das interações sociais do aluno com
autismo com seus colegas de turma e professores.
• Analisar as interações sociais efetivadas em ambos os
contextos.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Revisão de literatura

Apresentamos uma revisão de literatura que consta da seleção de


algumas pesquisas que versam sobre o tema relacionado à interação social.
Dentre vários estudos, selecionamos alguns que destacaram as contribuições
teóricas de Robert Hinde ao estudo da interação social, bem como a interação
social entre pessoas com e sem deficiência, em especial os estudos que
envolveram pessoas com autismo. Há escassez de pesquisas que envolvam
crianças com autismo e interação social, e, na revisão, constatamos a ausência
de estudos que abranjam a interação social dessa clientela em um âmbito de
uma atividade, sob o enfoque da teoria da atividade proposta por Leontiev e
das contribuições da perspectiva histórico-cultural.
Farias, Maranhão e Cunha (2008), objetivando discutir a prática
profissional de professores de crianças com autismo incluídas na educação
infantil, observaram a interação professor-aluno no contexto da educação
inclusiva e entrevistaram professores para saber suas concepções sobre a
educação inclusiva. Participaram da pesquisa dois professores e seus alunos,
distribuídos em duas turmas. A turma “A” era composta pela professora, uma
auxiliar e sete alunos com desenvolvimento típico e um aluno com autismo.
Compunham a turma “B” a professora, 20 alunos com desenvolvimento típico,
um com autismo, dois auxiliares e um facilitador, que se responsabilizava pelo
aluno com autismo.
22

As autoras, ao aplicarem uma escala baseada na teoria da Experiência


de Aprendizagem Mediada (EAM) para analisar o padrão de mediação de
aprendizagem e para investigar a concepção das professoras acerca da
educação inclusiva, optaram por fazer uma entrevista semi-estruturada. Para
que se considere uma situação de EAM, é necessário que a interação siga
alguns critérios básicos: a intencionalidade, a significação e a transcendência.
Com base na escala, Farias, Maranhão e Cunha (2008) constataram
diferenças no padrão de mediação entre as professoras investigadas. A
professora da turma “A” seguiu os três critérios da escala necessários para
considerar a interação como uma experiência mediada. A professora da turma
“B”, porém, não alcançou esses critérios, por apresentar um nível baixo de
mediação com o aluno com autismo.
Já os relatos verbais das professoras indicaram a aceitação da inclusão
escolar em duas versões. A professora da turma “A” demonstrou encantamento
com a questão da inclusão, enquanto a professora da turma “B” demonstrou
indiferença, remetendo sua posição à obrigatoriedade legal da inclusão. Neste
sentido, as autoras concluem que a professora da turma “B” não possui suporte
necessário para promover o desenvolvimento cognitivo da criança com
autismo.
Di Napoli e Bosa (2005), com o objetivo de investigar o reconhecimento
da imagem de si em crianças com e sem autismo e sua possível associação
com os comportamentos maternos, buscaram examinar a ocorrência desse
fenômeno e suas possíveis relações com a qualidade da interação mãe-
criança. Participaram do estudo 10 crianças com desenvolvimento típico, com
idade entre 2-3 anos, e 10 crianças com diagnóstico de autismo, com idade
entre 4-6 anos. A faixa etária das crianças com desenvolvimento típico se
justifica por ser essa a idade do reconhecimento de si indicado pela literatura. A
idade das crianças com autismo é o dobro da idade das crianças com
desenvolvimento típico, e foi escolhida com o objetivo de amenizar a
discrepância entre os grupos, considerando que 70% dessas crianças
possuírem deficiência intelectual.
23

As autoras realizaram entrevistas com as mães. Observaram, em


sessão de brinquedo livre, atividades conjuntas partilhadas entre mães e
crianças. Codificaram como episódio interativo as atividades em que ambas
estavam envolvidas com os mesmos objetos ou ações. Esses procedimentos
permitiram apreender a fluência e a qualidade das interações da díade e não
apenas os comportamentos maternos e infantis isolados. Di Napoli e Bosa
(2005) também aplicaram a técnica do espelho, que consiste em pintar a ponta
do nariz da criança e conduzi-la para a frente de um espelho, com a pretensão
de auferir o reconhecimento de si.
Os resultados mostraram que todas as crianças com desenvolvimento
típico reconheceram-se diante do espelho com o nariz pintado, enquanto que,
no grupo das crianças com autismo, apenas 50% evidenciaram o
reconhecimento da própria imagem. As maneiras de expressar esse
reconhecimento também variaram consideravelmente entre os grupos. Apesar
de ser proporcional o comportamento de tocar o nariz com a mão e o dedo, as
outras formas de manifestação se diferenciaram muito nas crianças com
autismo. Estas se comportaram de forma bizarra e primitiva, e apresentaram
reações negativas ao se verem refletidas daquela forma. Di Napoli e Bosa
(2005) chamam atenção para o fato de algumas crianças com autismo
reconhecerem objetos da sala refletidos no espelho, mas não reconhecerem a
si próprias.
A análise mostrou a existência de uma associação do reconhecimento
da imagem de si ao comportamento materno, tanto nas crianças com
desenvolvimento típico como nas crianças com autismo. As autoras verificaram
que a qualidade da interação da díade mãe-criança é relevante no
desenvolvimento dessa habilidade, pois as crianças que mais interagiram com
a mãe se reconheceram (em sua grande maioria, as crianças com
desenvolvimento típico), enquanto as crianças com autismo que não interagiam
ou interagiam com pouca frequência, não se reconheceram. Nesse sentido, as
autoras concluíram que a ausência do reconhecimento da imagem de si pode
ser associada a problemas na interação cuidador-criança. O estudo revelou
também que crianças com autismo podem desenvolver a habilidade de
reconhecerem a própria imagem, mas a manifestação desse reconhecimento
pode ser de forma estranha, acompanhada de comportamentos bizarros.
24

Passerino e Santarosa (2005), com o objetivo de verificar as dificuldades


de interação social de pessoas com autismo em ambientes informatizados,
analisaram a interação social de três jovens com autismo, alfabetizados, com
idade entre 21 e 28 anos, e com níveis diferentes da síndrome. A pesquisa
aconteceu num ambiente computacional de aprendizagem, no qual os
participantes usaram software de chat: MsChat, um programa de bate-papo on-
line que permite aos sujeitos estabelecer uma conversa dentro de uma história
em quadrinhos, apresentando o conteúdo das conversas em balões de
diálogos. Os sujeitos deviam escolher um personagem, dentre vários
oferecidos pelo software para representá-los, e balões para expressar suas
emoções.
As autoras identificaram a intenção de comunicação dos participantes,
mas as ferramentas que simbolizam emoções foram pouco utilizadas,
limitando-se seu uso apenas à troca de desenho e não para representar, de
fato, uma emoção. Passerino e Santarosa (2005) também observaram a
presença de fixações como determinantes nas conversas, ecolalias como fonte
de intencionalidade de comunicação, e a dificuldade dos participantes em
manter um diálogo profundo.
Em outra pesquisa, Passerino e Santarosa (2007) objetivaram discutir o
desenvolvimento da interação social em ambientes digitais de aprendizagem
de 4 autistas jovens, com idade entre 15 e 28 anos, divididos em díades de
sujeitos alfabetizados e díades de sujeitos que já tinham iniciado um processo
de alfabetização. Valeram-se de entrevistas e observações como instrumentos
de coleta de dados. As entrevistas com pais, professores e outros profissionais
serviram para seleção dos sujeitos, que foram classificados em dois grupos: G1
autismo leve e G2 autismo moderado.
Nas observações, as autoras perceberam um forte indicativo de
interação social entre os participantes, que se envolviam em trocas reais.
Aprenderam que o uso de abreviação predicativa assumia características de
ecolalia, e como forma de manter um processo de comunicação. Salientaram
que a falta de intencionalidade de comunicação em determinadas situações da
tarefa pode estar relacionada com a falta de compreensão das metas das
ações do outro.
25

Passerino e Santarosa (2007) apontam para a relevância do uso de


ambientes digitais de aprendizagem para o desenvolvimento e promoção da
interação social de sujeitos com autismo, desde que adaptados aos interesses
dos mesmos, visto que esta pesquisa revelou um avanço nas qualidades das
interações dos participantes. Contudo, enfatizam que, para que haja mudanças
nessas interações, é preciso criar estratégias para serem aplicadas nestes
ambientes, com o claro objetivo de promover a interação social.
Caldeira e Oliver (2007) investigaram a interação social em um grupo de
aproximadamente quinze crianças, duas delas com deficiência intelectual e
treze sem deficiência, em uma biblioteca comunitária, objetivando discutir as
relações interpessoais frente à deficiência e descrever como estas se
manifestam e se transformam nesse ambiente. Nessa pesquisa, de cunho
qualitativo, as autoras fizeram o uso da técnica de observação participante,
descrevendo as situações lúdicas, os comportamentos e as ações das
crianças, distribuídas em três categorias, a saber: tipo de brincadeira, estilo de
interação e caráter social. Estas, por sua vez, foram desmembradas em
subcategorias.
A categoria “Tipo de brincadeira” foi subdividida em: a) faz - de - conta:
brincadeira onde existe a substituição/transformação de um objeto por outro ou
de uma pessoa por um personagem. b) jogos: conjunto de brincadeiras que
envolvem regras pré-estabelecidas.
A categoria “Estilo de interação,” considerada o modo como os sujeitos
interagem no episódio de brincar, se dividiu em: a) solitário: quando as crianças
brincam longe umas das outras, concentradas no que fazem, sem dar atenção
ao que as outras crianças estão realizando; b) independente: quando duas ou
mais crianças estão brincando próximas umas das outras, não havendo
tentativa de um influenciar a brincadeira do outro; c) assimétrico: quando duas
ou mais crianças estão brincando separadamente, havendo uma tentativa de
estabelecer algum contato entre si, envolvendo ou não um terceiro, e existindo
uma tentativa de influência recíproca, porém, sem complementaridade das
ações; d) complementar: quando duas ou mais crianças estão brincando
juntas, havendo influência recíproca e envolvendo ou não um terceiro; a ação
de uma é complementada pela ação de outra; e) passagem: foi incluído um
estilo de interação "de passagem", que é caracterizado por uma interação
26

passageira dos participantes, revelada em brincadeiras em que um dos


participantes não dava continuidade.
Já a categoria “Caráter social” abrangeu uma regulação mútua entre os
participantes, ou seja, estes possuem a propriedade de regular e de serem
regulados. Divide-se em duas subcategorias: a) agonístico: tipo de relação em
que duas ou mais crianças, independentemente do contexto do brincar,
desempenham ações de agressividade, lutas, disputas, etc.; e b) pró-social:
tipo de relação em que duas ou mais crianças, independentemente do contexto
do brincar, desempenham ações que envolvem amizade, cumplicidade,
confiança, afinidade ou sentimentos similares.
Os resultados encontrados revelaram que o brincar das crianças com
deficiência e sem deficiência favoreceu o processo de desenvolvimento nas
relações interpessoais. A mediação de adultos contribuiu para que as crianças
sem deficiência envolvessem os colegas com deficiência nas brincadeiras. A
interação muitas vezes iniciava-se com o brincar paralelo, logo, este foi
considerado como um contexto potencializador das interações sociais. Nas
interações de passagem, as pesquisadoras observaram um predomínio de
interações agonísticas, diferente das brincadeiras paralelas, que deflagraram a
prevalência das interações pró-sociais.
Para as autoras, a brinquedoteca comunitária se revelou, nesse estudo,
como um contexto que oferece, para crianças com e sem deficiência, a
possibilidade de desenvolverem comportamentos sociais transformadores.
Concluíram que os recursos existentes nesse ambiente, assim como os
profissionais que ali trabalhavam, os familiares das crianças e a comunidade,
agiram como facilitadores no processo de transformação.
Palmieri e Branco (2007) investigaram a promoção e/ou inibição de
diferentes modalidades de interdependência humana (cooperação, competição
e individualismo) articuladas às interações específicas e às orientações para
crenças e valores sociais a elas associadas. As práticas de socialização no
contexto da educação infantil foram analisadas numa perspectiva sociocultural
construtivista. Participaram do estudo duas professoras e seus alunos (com
desenvolvimento típico) de 4 a 6 anos de idade, distribuídos em duas turmas
da educação infantil, pré-escola “A” (PEA) e pré-escola “B” (PEB). As
pesquisadoras solicitaram às professoras um planejamento de uma atividade
27

com o objetivo de promover a colaboração entre os alunos. Trata-se de uma


pesquisa de cunho qualitativo, na qual as autoras fizeram análise
microgenética das interações.
Os indicadores motivacionais para a promoção ou inibição das
interações foram divididos em dois níveis: (1) estrutural: estrutura e
organização das atividades desenvolvidas pelas crianças segundo as regras de
participação social propostas pela professora; e (2) dinâmico: episódios de
interação professora-crianças e criança-criança, no contexto de uma atividade
estruturada e planejada pela professora.
Os resultados mostraram que houve um aumento de padrões de
interação individualista e competitivo. As autoras observaram que o incentivo à
experiência coletiva da cooperação foi diminuído, tanto nas atividades diárias,
como durante a sessão estruturada pela professora.
O individualismo apareceu com mais frequência na PEB e se relacionou
com a dependência dos alunos à professora, revelado quando a mesma guiava
as interações e mantinha uma postura de reprovar as buscas das crianças de
interagir com os outros. A competição foi evidente na PEA, uma vez que a
professora planejou atividades em que as crianças deveriam alcançar metas
excludentes (ganhadores versus perdedores), prevalecendo a competição
entre os participantes.
Para Palmieri e Branco (2007), a ação das professoras em canalizar as
interações para o individualismo e para a competição comprova que elas não
sabiam o significado do termo cooperação. Neste sentido, as autoras
evidenciaram que as crenças e valores (individuais) das professoras é que
orientam seus trabalhos, impedindo que a educação infantil ofereça às
crianças, que estão em pleno desenvolvimento, outras oportunidades de
interações sociais mais significativas.
Lopes, Magalhães e Mauro (2004), com o objetivo de construir uma rede
de relações sociais entre crianças da educação infantil e refletir sobre o uso de
duas metodologias diferentes para a análise de um fenômeno social,
desenvolveram uma pesquisa onde mesclaram metodologia qualitativa e
quantitativa. A pesquisa foi dividida em três etapas. Contava com um teste
sociométrico, em que, através de fotografias os participantes selecionavam
verbalmente o amigo preferido. Em seguida, ocorria a observação dos
28

comportamentos com o uso da Árvore Geradora Mínima (um método baseado


na teoria dos grafos) para a análise das interações simétricas, que considera a
ocorrência das interações ao invés de considerar sua direção. A pesquisa foi
feita em sala de aula da educação infantil durante um ano letivo. A primeira
etapa aconteceu no primeiro mês de aula; a segunda, após o recesso; a
terceira, no último mês do ano. Nas observações do comportamento, valeram-
se de cinco categorias comportamentais: interação positiva, interação negativa,
observação, atividade individual, sozinho/apático, interação fracassada,
interação recusada e interação com o professor. Para a construção das
árvores, Lopes, Magalhães e Mauro (2004) escolheram as categorias interação
negativa e positiva, uma vez que as qualidades das interações podem indicar o
tipo de relacionamento entre os pares (HINDE, 1997).
Compararam os resultados encontrados nas três etapas de observações
e verificaram que as categorias que apareceram com uma frequência maior
foram: a atividade individual, a observação e a interação positiva. As autoras
chamam a atenção para um fato mencionado por Bussab e Maluf (1998), que é
a frequência das categorias opostas à interação positiva aparecerem de forma
mais marcante nas crianças que apresentam um nível baixo desta, fenômeno
este que foi constatado nessa pesquisa. Observaram que as crianças que se
destacaram nas interações positivas destacaram-se também nas interações
negativas. Esse fato foi justificado como sendo a busca de estratégias para
solucionar as dificuldades nos relacionamentos. Na indicação da preferência
verbal do melhor amigo dos participantes, constatou-se “segregação sexual” e
oscilação das respostas das crianças em relação às etapas anteriores, pois o
amigo indicado na primeira etapa não coincidiu com o indicado nas demais. A
indicação da preferência verbal não revelou a existência de relacionamentos
entre eles. Neste sentido, a indicação verbal do melhor amigo não apresentou,
de forma significativa, a preferência interativa entre os sujeitos pesquisados.
As autoras sinalizaram que, se os dados encontrados nas observações
feitas em sala de aula fossem comparados aos dados de observações do
comportamento dos mesmos sujeitos em área de recreação, possivelmente
revelariam outros resultados, pois o tipo de atividade em que os sujeitos estão
envolvidos pode deflagrar preferências por parceiros distintos.
29

Lordelo (2002) estudou 146 crianças de nível socioeconômico baixo e


médio, em situação de brinquedo livre, sendo 58 delas em creche e 98 em
ambientes domésticos, com o objetivo de descrever e comparar os níveis de
interação adulto – criança nesses ambientes, incluindo diferentes indicadores
de interação. Em ambientes domésticos, observou díades mãe-criança. Na
creche, fez observações individuais, filmando uma criança por vez, e realizou
entrevistas com as mães dos participantes. As interações foram caracterizadas
como: interação verbal, interação não-verbal, interação e sozinho.
O estudo evidenciou diferenças entre as interações em ambientes
domésticos se considerada a classe social das crianças. Constatou que os
sujeitos da “classe baixa” apresentavam mais interação do que os da “classe
média”, sendo que as interações não-verbais (corporais) prevalecem com um
forte peso na primeira. Já as crianças de classe média passam mais tempo
sozinhas e apresentam menos episódios de interação do que as de classe
baixa. Nesse caso, ficam mais soltas, exploram o ambiente por conta própria e
as interações nas díades acontecem mais verbalmente.
Com relação às interações no ambiente de creche, Lordelo (2002)
observou que as crianças em creches públicas apresentavam um número de
interação não-verbal significativamente maior do que as de creche particular e,
nas interações verbais, não ocorreram diferenças significativas entre os dois
tipos de creche. O estudo também verificou que as interações em ambientes
domésticos de baixa renda e creches públicas se assemelham quanto ao
contato corporal, sendo superior às creches privadas e ao ambiente doméstico
da classe média; este, por sua vez, superior nas interações verbais.
Diante desses resultados, a autora mostra que se considerarmos que a
interação acontece apenas pela comunicação verbal, os ambientes domésticos
de classe baixa e creches públicas seriam deficientes. Assim como, se a
interação fosse vista de forma contrária, pelo contato físico, os ambientes
domésticos de classe média poderiam ser considerados deficientes. Logo,
Lordelo (2002) sinaliza a importância de se ajustarem decisões metodológicas,
pois os resultados sugerem definições diferentes de interação, de acordo com
o contexto, indicando o cuidado que deve ter o pesquisador ao julgar o
ambiente no sentido de promover desenvolvimento humano.
30

Oliveira, Chaves e Alves (2006) fizeram uma pesquisa com o objetivo de


compreender como as interações sociais em sala de aula promovem a
elaboração de conceitos. O estudo teve como participantes uma professora da
1ª série e seus 25 alunos, que foram observados durante as interações sociais
nas formações de conceitos. Os dados foram analisados através da
abordagem microgenética que, para os autores, pelo fato de ser ancorada na
perspectiva histórico-cultural, entrelaça as dimensões cultural, histórica e
semiótica, assim como focaliza as mudanças na elaboração conceitual e sua
transição do plano social para o plano individual.
As aulas foram divididas em momentos, cada um indicado pela mudança
do tema da conversa, e os diálogos foram separados por turnos. Em cada
turno, porém, foi caracterizada a ação mediada do sujeito dirigida ao outro ou
ao objeto do conhecimento, salientando a maneira pela qual o sujeito se dirigiu
aos interlocutores e o conteúdo do enunciado. Os autores identificaram ações
como perguntar e solicitar quando os sujeitos se dirigiam um ao outro. Essas
ações envolviam pistas para a resposta e reelaboração da pergunta ou da
solicitação, assim como correção e auto-correção, confirmação, concordância,
afirmação, negação e silenciação. Com relação ao objeto do conhecimento,
Oliveira, Chaves e Alves (2006) identificaram as ações de definição do
conceito, de nomeação, exemplificação e contra-exemplificação. As categorias
de análise abrangeram mais de uma ação em um mesmo turno de fala.
Os resultados mostraram que a professora e a pesquisadora trouxeram,
para as interações, definições abstratas acerca dos conceitos em pauta para
ensinar aos alunos. Estes apresentavam, no comportamento em sala, seus
conhecimentos anteriores e suas capacidades de generalização e abstração
ainda em desenvolvimento, demonstradas nos momentos em que
exemplificavam as definições feitas pela professora. Contudo, os autores
afirmam que, apesar de o foco do estudo ser a elaboração de conceitos nas
interações, observaram que a abordagem utilizada pela professora foi
“interativa de autoridade”. Concluíram, então, que, embora tenha havido
espaço para as crianças se manifestarem, o que permaneceu foi a perspectiva
da professora. Logo, houve mais transmissão de conhecimento do que
construção compartilhada.
31

Pereira-Silva e Dessen (2006), com o objetivo de descrever as


dimensões das relações parentais em famílias com e sem filho com Síndrome
de Down, realizaram um estudo comparativo em que buscaram identificar
aspectos similares e diferenciadores do funcionamento das famílias de crianças
com Sídrome de Down em relação às famílias de crianças com
desenvolvimento típico. Participaram da pesquisa dez famílias, das quais cinco
tinham um filho com Síndrome de Down e cinco não. A metodologia utilizada
foi de observação direta das interações entre criança-mãe, criança-pai, em
seus lares. As observações foram feitas durante dois anos, divididas em etapas
com intervalo de seis meses entre elas. Houve quatro etapas nas famílias com
crianças com a Síndrome de Down e três etapas nas famílias com crianças
com desenvolvimento típico. A pesquisa foi fundamentada na teoria ecológica
de Bronfenbrenner.
As autoras observaram que, nos conteúdos das interações que os
genitores e crianças faziam juntos, predominaram as atividades lúdicas. Na
forma como os genitores e crianças participaram das atividades, destacou-se a
participação conjunta. A sincronia caracterizou a qualidade das interações
parentais. Os resultados encontrados mostraram similaridades e diferenças na
frequência das atividades e na qualidade e participação com o passar do
tempo. Verificaram que as alterações nos padrões de interação mais
acentuadas apareceram com mais ênfase na 2ª etapa da coleta. As autoras
atribuíram esses resultados ao fato de as famílias estarem mais relaxadas com
a presença da pesquisadora em suas casas nesse segundo momento, o que
também determinou um equilíbrio nas interações das fases posteriores.
Os resultados do estudo revelaram a necessidade de direcionar
programas de intervenção e prevenção às famílias e não somente às crianças
com deficiência. Pereira-Silva e Dessen (2006) apontaram igualmente a
importância de serem realizados estudos posteriores, abordando outros
contextos ecológicos como o da escola, por ser um ambiente de extrema
importância para a socialização da criança com deficiência.
Os resultados dos estudos selecionados indicam, em sua grande
maioria, a importância que as interações sociais têm para o desenvolvimento
humano. Embora tenhamos escolhido pesquisas com uma vasta alternância de
contextos tais como creches, lares, escola de educação infantil, escola de
32

ensino fundamental, ambientes digitais de aprendizagem, existe uma


semelhança entre elas, quando analisaram e buscaram categorizar, em sua
maioria, as qualidades das interações reveladas em cada um desses
contextos.

1.2 Interação social

A interação social pode ser definida como o contato entre sujeitos ou


entre grupos através da comunicação, capaz de modificar comportamentos.
Passerino e Santarosa (2007) consideram a interação social como uma
relação complexa, por envolver os sujeitos e os instrumentos de mediação do
contexto histórico-cultural aos quais pertencem, sendo evidenciada tanto pela
linguagem como pelas ações dos sujeitos. Oliveira (2006) conceitua interação
como “Eventos em que um indivíduo apresenta determinado comportamento a
outro e este outro também participante responde ao primeiro, apresentando
alguma forma de comportamento.” (p.17).
Hinde (1997) situa a interação social numa perspectiva interdisciplinar,
que organiza as relações em níveis de complexidade social. A interação
caracteriza-se pela troca entre pelo menos dois sujeitos, em um período curto
de tempo.
Já a relação social é composta por uma série de interações entre
sujeitos que se conhecem. As relações sociais compõem o grupo social, e este,
a sociedade. Para tanto, sociedade, grupo, relação, comportamentos e fatores
fisiológicos se relacionam dialeticamente com a estrutura histórico-cultural e
com o meio físico.
Para Hinde (1997), o curso de uma interação depende de cada parceiro
de uma díade, pois envolve elementos subjetivos, como as percepções,
expectativas de comportamentos, emoções e atitudes que cada um apresenta.
Nessa vertente, para esclarecer a compreensão dos comportamentos (1) e
aspectos afetivos e cognitivos (2) dos relacionamentos gerados no nível da
interação, o autor apresenta oito categorias.
Das categorias relativas ao do comportamento, fazem parte o conteúdo,
a qualidade, a diversidade e a frequência das interações.
33

O conteúdo das interações diz respeito ao que os participantes estão


fazendo juntos. A qualidade das interações refere-se ao modo como o fazem.
A diversidade, no entanto, é composta pelas qualidades das interações e
consubstancia-se na riqueza das diferenças dos comportamentos de seus
participantes. A frequência relativa das interações, por seu turno, considera
as variações das interações, incluindo frequências qualitativas, sempre levando
em conta as associações que antecedem e sucedem as interações, no sentido
de evitar julgamentos equivocados sobre elas mesmas.
As categorias que dizem respeito aos aspectos afetivos e cognitivos dos
relacionamentos são: a reciprocidade e complementaridade, o compromisso e
a percepção interpessoal. A reciprocidade e complementaridade buscam
analisar as interações recíprocas ou simétricas em que os participantes
apresentam o mesmo comportamento, assim como as complementares, onde
os parceiros apresentam comportamentos distintos que se completam. O
compromisso vincula-se à cooperação e confiança, no contexto que implica a
aceitação dos parceiros na continuidade da relação. A percepção
interpessoal diz respeito à maneira como os sujeitos se percebem através das
interações.
Ventorine e Garcia (2004), em um estudo sobre relacionamento
interpessoal, listaram alguns conceitos básicos formadores das relações
sociais desenvolvidos por Hinde, que são esclarecedores e complementares às
categorias por ele elaboradas. Dentre eles estão presentes a semelhança e a
diferença entre os participantes, atribuindo aos relacionamentos efeitos
positivos e negativos. As diferenças, por exemplo, podem ser positivas no
sentido de complementar necessidades entre os parceiros; e negativas, por
gerarem dificuldade nas comunicações entre sujeitos. A semelhança tem o
aspecto positivo de facilitar a comunicação. Esses conceitos estão diretamente
ligados à categoria da reciprocidade e complementaridade, onde a semelhança
é recíproca e a diferença, complementar. As interações complementares
exigem ações diferentes dos seus participantes.
Outro conceito estudado é o de conflito, que tanto pode ser benéfico na
relação, pois a divergência desencadeia a transformação e a negociação, e,
em consequência, o movimento na relação; como maléfico, quando utilizado
34

nas relações de poder como trunfo para imposições de líderes, chefes e


similares.
Para Hinde (1997), o poder faz parte do relacionamento e não do próprio
indivíduo. Envolve seus participantes, as ações de um sobre o outro e varia de
acordo com o contexto. Na escola, por exemplo, o poder pode variar inclusive
de acordo com as habilidades dos alunos relacionadas às disciplinas escolares.
Na aula de matemática, detém o poder aquele aluno que tem mais habilidade
nesta disciplina. Nesse sentido, todo poder é relativo, e se escora na visão que
o sujeito que é controlado tem do sujeito controlador da situação.
A auto-revelação e a privacidade também fazem parte desse quadro
conceitual e revelam que, quanto maior a exposição do sujeito (auto-exposição)
ao parceiro, menor é o grau de privacidade. Geralmente, a auto-exposição
aparece nas relações quando um parceiro pretende se aproximar do outro. A
privacidade é um movimento inverso, que preza o respeito à autonomia. Para
tanto, os fatores culturais estão presentes nessas tentativas de aproximação e
podem gerar conflitos nas relações, e, assim, afetar a qualidade das
interações.
Os parceiros procuram dar continuidade a uma relação por meio do
compromisso, que se vincula ao conteúdo da relação na medida em que
envolve estratégias para garantir sua duração. As características individuais
influenciam as relações através da forma como o sujeito se comunica. A auto-
estima, as expectativas e as influências sociais estão ligadas aos contextos
histórico-culturais que englobam a posição do sujeito, os ambientes físicos e
sua organização.
Em face disso, Hinde (1997) aponta para a importância das análises das
interações sociais ao se estudar esse fenômeno. Embora as interações façam
parte das relações, é necessário diferenciar a abordagem do estudo de cada
um desses fenômenos, pois as interações atingem umas às outras durante
uma relação. Com efeito, observar o maior número de interações entre os
mesmos indivíduos pode revelar dados mais significativos para análise do que
se feito ao contrário.
Como exemplo, o conteúdo das interações de uma mesma díade pode
variar de acordo com o contexto em que acontece, e, consequentemente, sua
qualidade também varia. Ventorine e Garcia (2004), ao fazerem uma releitura
35

da obra de Hinde (1997), afirmam que o contexto é um conjunto de forças


externas que afetam os relacionamentos, podendo também influenciar as
características individuais dos participantes.
Para tanto, o relato detalhado desse contexto pode interferir
sobremaneira na descrição das interações e, até mesmo, na forma como estas
podem ser categorizadas. Hinde (1997), ao criar categorias de interação,
contribuiu significativamente para os estudos que as envolvem, abrindo
caminho para diversas pesquisas nessa direção.
A obra de Hinde oferece importante contribuição nas observações e
descrições de interações sociais, e tem grande relevância para nossa
pesquisa, uma vez que oferece um sistema de categorias que revela a
estrutura da participação, a qualidade e as categorias comportamentais
presentes nos episódios que envolvem interações.

1.3 2 “Pessoas são pessoas através de outras pessoas”: a emergência


do sujeito nas interações sociais

No início do séc. XX, os teóricos idealistas consideravam a consciência


como pré-existente, os mecanicistas negavam o idealismo e seccionavam os
comportamentos do homem para efeitos de estudo, comparando-os aos
animais (VYGOTSKI, 1996). Foi no materialismo dialético que Vygostky ( 1996)
encontrou uma saída para este conflito. Postulou que era importante estudar a
passagem do externo (sensorial) para o interno (racional), chegando ao estudo
da gênese do desenvolvimento humano, em um movimento que engloba as
esferas filogenéticas, ontogenéticas e sociogenéticas. É a sociogênese que
diferencia, qualitativamente, o desenvolvimento do ser humano em relação aos
outros animais, pois é responsável pelo desenvolvimento das funções
psíquicas superiores, originárias da interação do homem com seu meio
histórico-cultural.
Vygotski (1996) incorpora o método do materialismo dialético e elabora
um novo método de investigação que considera a necessidade do estudo dos

2
Tradução do ditado Xhosa – língua materna de Nelson Mandela: “UBUNTU
UNGAMNTU NGANYE ABANTU”
36

fenômenos em seu processo dinâmico, processo este passível de mudança no


decorrer da sua história. Ao analisar o método experimental que, até então, era
utilizado pela psicologia e, concomitantemente, criar novas bases para a
pesquisa, Vygotski iniciou uma nova caminhada na psicologia.
De acordo com Sirgado (1990), esse novo método tem como ponto
central a tese de que os fenômenos psíquicos não podem ser analisados e
considerados como meros objetos, mas, sim, como processos em mudança. O
método anterior, com ênfase na conexão entre estímulo e resposta, embora
servisse para o estudo de processos elementares, mostrou-se totalmente
inadequado para o estudo de processos complexos como as formas de
comportamento especificamente humanas, qualitativamente diferentes do
desenvolvimento dos animais.
Ao tentar sair do círculo das psicologias objetivistas do comportamento,
Vygotski (apud MORLON, 1999) afirma que os métodos de investigação dos
reflexólogos reconheciam a consciência como um entrelaçamento de sistemas
reflexos, mas não perceberam que esta não se confunde com o reflexo, sendo,
sim, um sistema de transmissão de reflexos (MORLON, 1999).
Vygotski (1996) procurou, então, levar a unidade explicativa do reflexo
condicionado às últimas consequências e sintetizou algumas de suas primeiras
ideias sobre a consciência, linguagem e inconsciente. De início, questionou o
uso em demasia da palavra “reflexo” na psicologia e o considerou como um
conceito abstrato, sinalizando que este não deveria se converter no conceito
principal da psicologia (VYGOTSKI, 1996).
Para Morlon (1999), no entanto, foi nos estudos da linguagem que
Vygotski superou o dualismo reflexológico e percebeu que a consciência
humana tem origem nas interações sociais. Neste sentido, o sistema de reflexo
se subdivide em duas categorias: reflexos internos e externos. Quando o
reflexo interno se transforma em palavra falada, a consciência aparece como
um sistema de transmissores, que é regido por leis com uma estrutura
complexa e que abarca subsistemas de uma totalidade. Desta maneira,
considera a palavra como a unidade básica do sistema de reflexos da
consciência.
Veer e Valsiner (2001) entendem que Vygotski considera a linguagem
oral com uma dupla função: a de mediar as ações entre as pessoas (ação
37

recíproca entre pessoas) e de ser instrumento de ação recíproca, íntima,


consigo mesmo. Para tanto, a palavra organiza o pensamento, e este,
consequentemente, o comportamento, de maneira interna e externa. Assim, o
pensamento tem um caráter social.
A criança aprende a compreender primeiro os outros, para depois
aprender a compreender a si mesma. Podemos, então, dizer que nos
“conhecemos“ quando internalizamos o que o outro afirma sobre o que somos
ou que estamos conscientes de nós mesmos quando passamos a ser outro
para nós mesmos, ou seja, um estranho (VYGOTSKI apud VEER e
VALSINER, 2001).
Vygotski (2001), ao considerar a importância do outro na formação da
consciência, estabelece que o sujeito deixa de ser produto de um reflexo e
passa a ser a conformação de um sistema de reflexos (MORLON, 1999).
Assim, o eu se constrói na relação com o outro e o sujeito passa a ter
consciência de si porque se reconhece por intermédio do olhar do outro. Essa
relação acontece através da ação mediada.
De acordo com Morlon (1999), a mediação é tida como um pressuposto
norteador do arcabouço teórico metodológico de Vygotski e não pode ser
encontrada entre dois termos de uma relação, mas é a própria relação
Já Toassa (2006) considera que a mediação da experiência acumulada
e sintetizada na linguagem é que desenvolve o processo pelo qual a realidade
reflete no homem o caráter criativo e voluntário da atividade cerebral. É na
apropriação dos sistemas de significações historicamente desenvolvidos que
as pessoas são capazes de ir além das sensações e podem generalizar a
experiência nas palavras. Os signos são estímulos criados artificialmente para
representar os estímulos-objeto (coisas, pessoas) e também para acumular as
experiências.
O caminho entre o sujeito e um objeto a ser conhecido, e vice-versa,
passa por outra pessoa, sendo, portanto, a relação mediada por um sistema de
signos. A linguagem, enquanto o sistema de signos mais avançado que
possuímos, é o principal mediador na formação e no desenvolvimento das
funções psicológicas superiores. É o meio pelo qual o homem se individualiza,
humaniza-se, apreende e materializa o mundo das significações, que é
construído no processo social e histórico (AGUIAR, 2000), implicando a
38

constituição de sua consciência. Logo, a linguagem é constitutiva e


constituidora do sujeito, pois é nela e por ela que o sujeito se constitui nas
relações sociais, no campo das intersubjetividades (MORLON, 1999).
O sujeito, então, se constitui da relação dialética entre o eu e o outro, ou
melhor, pela mediação; e é na esfera intersubjetiva que se reconhece e toma
consciência de si. O contexto determina essa constituição, por meio de
significação, que se diferencia polissemicamente, ao sabor de variações e
intenção das situações (PINO, 1991).
Este preceito é válido para o desenvolvimento humano de um modo
geral, mas as peculiaridades do desenvolvimento da pessoa com autismo
podem ocasionar um entrave no desenvolvimento e na constituição da
consciência dessas pessoas. Lorna Wing (1997), conforme já antecipamos,
verificou que nelas existe um padrão de comprometimento no desenvolvimento
da interação social, linguagem, pensamento e comportamento, que estão
entrelaçados entre si, o que gera prejuízos na constituição da consciência.
Para Scheuer (2002), é o desenvolvimento da linguagem que faz com
que a pessoa se sinta como pertencente a uma cultura e se identifique como
tal. Deve servir não somente para revelar os desejos, necessidades de si,
como também ser deflagradora dos desejos e necessidades dos outros,
instaurando sentido à linguagem e a possibilidade de uma comunicação.
A dificuldade de crianças com autismo em interagir com outras pessoas,
de reconhecê-las e se reconhecerem, está relacionada com o atraso do
desenvolvimento da linguagem ou sua ausência. Segundo os relatos de pais de
crianças com autismo, é possível perceber o atraso quando estas ainda são
bebês, pois costumam não responder a estímulos do ambiente, tendem a ficar
quietas e a reagir como se fossem surdas, não respondendo até mesmo
quando chamadas por seus próprios nomes (SHEUER, 2002).
Algumas crianças iniciam o processo de desenvolvimento da linguagem e
em seguida, apresentam regressão, permanecendo, muitas vezes, com um
repertório de poucas palavras, e, ao usá-las, não conseguem, em certas
situações, demonstrar a existência de intenção de se comunicar (SHEUER,
2002). Neste sentido, utilizam palavras soltas, descontextualizadas.
Scheuer (2002), assim como Wing (1997), reconhece que as
dificuldades comunicativas não são isoladas, e que, muitas vezes, aparecem
39

acompanhadas de comportamentos agressivos, auto-agressivos e de


isolamento social. A dificuldade de simbolização igualmente está presente no
brinquedo, que, de modo geral, é utilizado com o objetivo de ser manipulado,
sem lhe ser atribuída uma função, o que indica a inexistência de brincadeira.
Para a pessoa com autismo, a dificuldade de simbolização para
representar um objeto ausente ou para simbolizar objetos presentes acarreta
problemas no desenvolvimento da linguagem, principalmente no que se refere
à criação de novos significados, e isso afeta, com efeito, não só a linguagem
oral, mas também o pensamento abstrato, a compreensão do discurso do outro
e a tomada de consciência de si mesma.
De acordo com Vygotski (2001), a palavra somente tem sentido quando
adquire um significado, isto é, quando é iluminada pelo pensamento. Neste
caso, podemos chamá-la de palavra consciente; do contrário, palavra morta. A
palavra só tem um significado porque é um signo social. Relembrando a
expressão de Feurbach (apud VYGOTSKI, 2001), a palavra, na consciência, é
absolutamente impossível para um homem e possível para dois, sendo a
expressão mais direta da natureza da consciência humana.
A importância das relações sociais para o desenvolvimento individual da
consciência humana está no fato de que esta não se constitui por si só. A
criança com autismo necessita ser inserida em contextos de interação social
constantes. Essa interação promoverá o desenvolvimento social, ao que se
seguirá, consequentemente, o desenvolvimento da consciência da criança e
das demais funções psicológicas superiores.

1.4 A defectologia e os problemas gerais no desenvolvimento da criança


com autismo

A concepção de deficiência nos estudos de Vygotski (1997) difere das


concepções dos demais teóricos da sua época, pois a abordagem histórico-
cultural elevou o estudo das pessoas com algum tipo de deficiência a um
patamar totalmente divergente da psicologia que predominava até então.
O diagnóstico com enfoque nos testes psicológicos, que eram feitos
apenas para indicar o que a deficiência trazia de negativo para as pessoas e
40

que confirmava suas inabilidades, deficiências e limitações, cumpria um papel


de instrumento de segregação, separando as pessoas da convivência social.
Com efeito, a deficiência deixou o foco organicista para inserir-se no
campo social, rompendo com os testes e métodos de investigação que se
baseavam na abordagem quantitativa do estudo da criança com alguma
deficiência. Essa nova perspectiva passou a investigar as capacidades,
pontuando a importância da adoção de uma base metodológica que pudesse
se pautar pela qualidade dos fenômenos e dos processos de desenvolvimento.
De acordo com Vygotski (1997), a criança com defeito não deve ser vista
como menos desenvolvida, mas sim como uma criança que apresenta um
desenvolvimento diferente. Ao afirmar que a cultura é o elemento essencial
para o desenvolvimento, este autor focaliza a natureza social de deficiência e
indica que a compensação de um defeito ocorre igualmente pela via social.
Para ele, a insuficiência orgânica desempenha um duplo papel no
processo de desenvolvimento e na formação da personalidade da criança. Por
um lado, a deficiência representa a limitação, a debilidade, o negativo, o
desenvolvimento diminuído; por outro, justamente por criar dificuldades, a
própria deficiência estimula um avanço no desenvolvimento. Todo defeito cria
estímulos para elaborar uma compensação, mas Vygotski (1997) reconhece
que nem todo defeito é passível de compensação, uma vez que a
compensação deve ser voltada para as consequências sociais dos defeitos.
Como as deficiências afetam, antes de tudo, as relações sociais das
crianças, é importante que haja educação social, no sentido de compensar as
luxações sociais e os impactos que esses defeitos trazem para
desenvolvimento do sujeito:
[...] o que decide o destino da personalidade não é o defeito em si,
mas as conseqüências sociais, sua realização sócio-psicológica.
Assim como a vida de todo organismo está orientada pela exigência
biológica de adaptação, a vida da personalidade está orientada pelas
exigências de seu ser social (VYGOTSKI, 1997, p. 44 e 45)
(Tradução nossa).

Desse modo, sendo a deficiência social, a compensação biológica


deverá ser substituída por uma compensação social, a exemplo de algumas
deficiências tais como a surdez e a cegueira. O princípio fundamental da
compensação é a convivência social. A educação, então, deve se ocupar em
41

criar mecanismos favoráveis ao convívio social, sobretudo com investimentos


em processos interativos e comunicativos.
Se o processo de compensação pode ser efetivado nas situações de
deficiência física ou sensorial, o curso do desenvolvimento complicado por
outras modalidades de deficiência não se vê beneficiado. É o caso do autismo
que apresenta, como particularidade obstaculizadora, a consciência social de si
mesmo pouco desenvolvida, o que dificulta a geração de sentimentos de
valoração social e a participação na coletividade, aspectos que nutrem o
processo de compensação.
Nas crianças com autismo, conforme já mencionado, a dificuldade na
interação social, na linguagem e na comunicação obliteram, em grande parte, o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Vygotski (1997), ao
investigar o desenvolvimento de pessoas com defeitos, pouco acrescenta no
entendimento dos problemas do desenvolvimento de uma pessoa com autismo.
De fato, o termo “autismo” não aparece em suas obras, por ter sido nomeado
por Léo Kanner, em 1943, posteriormente às publicações de Vygotski no
Ocidente.
As pessoas com autismo, além de apresentarem um padrão
característico de perturbações em diferentes áreas do desenvolvimento, dentre
elas, a interação social, a comunicação e o comportamento, como se sabe,
também se estima que 70% delas apresentam deficiência intelectual
(GAUDERER 1997).
Wing (1997) em consonância com Kanner, afirma que, no autismo, a
capacidade de interação social recíproca é afetada, e considera esta como
uma função complexa, por envolver o reconhecimento do outro, a
compreensão e o uso da comunicação, e a habilidade de imaginação. Para a
perspectiva histórico-cultural, a relação com o outro é a chave do
desenvolvimento humano, e a linguagem, o instrumento principal para que
essa relação aconteça. A imaginação também representa um aspecto
importante para esse processo.
Ao estudarmos o espectro de autismo quanto à interação social,
deparamo-nos com características peculiares, que podem manifestar-se em
diferentes níveis de gravidade. A comunicação social também sofre alterações
severas, que afetam o recebimento e a emissão de sinais sociais verbais e
42

não-verbais, de acordo com Wing (1997). A linguagem, que tem um papel


determinante no desenvolvimento, representa um entrave para que este
aconteça de forma típica. No caso do autismo, a relação entre pensamento e
linguagem apresenta especificidades:
A relação entre pensamento e linguagem não é constante para todos
os casos de perturbação, de retardamento, de inversão do
desenvolvimento, mas adquire sempre uma forma específica que
caracteriza precisamente um dado tipo de processo patológico, para
um dado quadro de perturbações e retardamentos (VYGOTSKI,
2001, p.111).

Essa especificidade pode ser analisada, em parte, no exemplo de


ecolalia que se segue. A ecolalia é descrita como uma forma de linguagem de
pessoas com autismo e, muitas vezes, interpretada como uma mera repetição
de palavras, ditas sem sentido e significado.
Ciro (nome fictício), um aluno com autismo de 8 anos, demonstrava
verdadeiro fascínio por ventiladores. Por vezes, na aula, se desligava das
atividades e uma boa parte do tempo se mantinha parado, olhando para o
ventilador. No decorrer do processo de escolarização, Ciro aprendera a se
policiar e tentava não olhar mais diretamente para o objeto, mesmo porque
sabia que a professora tinha algumas estratégias para lhe auxiliar a mudar o
foco durante a atividade. Um certo dia, Ciro levantou e foi se olhar no espelho.
Na verdade, tratava-se de estratégia para olhar o ventilador, disfarçadamente.
Contudo, parecia não se sentir bem com este comportamento e, diante do
espelho, repetia: pára de olhar para o ventilador, Ciro!
Uma professora menos avisada poderia entender aquela forma
comunicativa como uma mera ecolalia, a repetição do que a criança ouvira
anteriormente. Entretanto, pode ser considerada uma forma de auto-regulação.
O aluno encontrou no espelho uma forma de burlar uma regra estabelecida na
sala de aula – não se fixar no ventilador – e, ao perceber que assim o fazia,
procurou se corrigir, oralizando seu pensamento. É o que chamamos de pensar
alto. Dessa forma, repete para si mesmo que não deve olhar para o ventilador.
Isso demonstra que Ciro já começa a ter consciência de sua ação e utiliza a
linguagem para regular seu comportamento.
Somente fazendo parte do contexto e conhecendo o processo de
desenvolvimento de Ciro seria possível analisar de modo mais claro o episódio
e a comunicação ali estabelecida. Vygotski (2001) observou que a linguagem
43

egocêntrica cumpre determinadas funções intelectuais na conduta das crianças


em situações de obstáculos. Essa linguagem aparece como um indicador da
tentativa de se organizar, com ajuda de verbalizações, na busca de solução de
um problema. A reflexão que busca a solução indica o início de um modo mais
sofisticado de funcionamento: a internalização da fala em forma de
pensamento verbal.
Já Piaget define a linguagem egocêntrica como uma linguagem primitiva
e “autística”, que apenas acompanha a atividade da criança e sem exercer
função alguma. A linguagem egocêntrica, no entanto, na perspectiva
vygotskiana, torna-se pensamento por assumir a função de planejar tarefas a
serem solucionadas. A despeito de ser oralizada, essa linguagem já tem
características de linguagem interior, por sua função. E configura uma transição
de uma operação externa a outra interna (VYGOTSKI, 2001).
A linguagem se estrutura na dinâmica social para, em seguida, se
interiorizar. O uso da linguagem expressa a experiência social. Dessa forma,
esta não é apenas um instrumento da comunicação, mas, também, do
pensamento. No caso de Ciro, a ecolalia se manifesta como uma forma de
organizar seu pensamento e de controlar seu comportamento. Mesmo que, na
situação citada, não houvesse intenção comunicativa, a oralização demonstra
uma intencionalidade no controle do comportamento e também a transição da
linguagem externa para a interna.
Para chegar a esse comportamento de auto-regulação, Ciro passou por
algumas etapas de mediação da professora, a ponto de compreender que
podia mudar e controlar seu comportamento, ainda que esta aquisição tenha
ocorrido em um tempo diferente de outras crianças de sua faixa etária.
O exemplo nos chama atenção para a importância da motivação no
desenvolvimento de crianças com autismo, sobretudo na busca de se entender
alguns comportamentos que podem, em sua grande maioria, ser interpretados
de forma errônea, visto que a intenção deste não se explicita desde o início.
As relações de afeto e intelecto, nesse sentido, passam a exercer uma função
importante para o desenvolvimento.
Retomando as peculiaridades do desenvolvimento do pensamento e da
linguagem da criança com autismo, além dos prejuízos na capacidade de
interação social, elas também apresentam deficiência intelectual em cerca de
44

70% dos casos, como antes afirmado. Para Wing (1997), tal fato é
demonstrado pelo déficit do reconhecimento social, prejuízos na imaginação e
na compreensão social, e dificuldades na capacidade de brincar de faz-de-
conta, de imaginar-se no lugar do outro ou de se reconhecer.
Lewin (apud VYGOTSKI, 1997) considera que, na deficiência intelectual,
a característica fundamental é justamente a falta de fantasia, ou seja, o
pensamento carece de imaginação, o que dificulta o processo de abstração,
pois este demanda fluidez e mobilidade dos sistemas psicológicos. A
generalização e a formação de conceitos se vêem, portanto, igualmente
comprometidos.
Nestes processos dinâmicos, pensamento e ação constituem uma
unidade em movimento, onde a ação se transforma em pensamento e este, em
ação, num processo dialético, no qual a situação real fluída em pensamento só
é possível quando acontece também um movimento inverso, em que o
pensamento fluído transforma-se em situação real. Os comportamentos e
ações, entretanto, por terem uma relação biunívoca com afeto e pensamento,
são gerados, em grande medida, em função do aspecto volitivo. O motivo e a
vontade exercem uma força propulsora no mecanismo de controle das ações, e,
de certa maneira, estão ligados às significações que se instituem socialmente.
O pensamento vincula-se a um motivo e tem sua gênese na dimensão
afetiva:
Assim como nossas ações não nascem sem causa, e são movidas
por determinados processos dinâmicos, necessidades e estímulos
afetivos, também nosso pensamento sempre é motivado, sempre
está psicologicamente condicionado, sempre deriva de algum
estímulo afetivo pelo qual é posto em movimento e orientado. O
pensamento não motivado é tão impossível como uma ação sem
causa (VYGOTSKI, 1997, p. 266) (Tradução nossa).

É neste sentido que Vygotski (1997) mostra a importância da


coletividade como fator de desenvolvimento da criança com algum tipo de
deficiência, tanto quanto de crianças com desenvolvimento típico. Em outras
palavras, ainda que haja peculiaridades no desenvolvimento da criança com
autismo, o processo seguirá as mesmas leis do desenvolvimento típico.
45

1.5 A teoria psicológica da atividade

Uma aranha executa operações que se assemelham às


manipulações do tecelão, e a construção das colméias das
abelhas poderia envergonhar mais de um mestre–de-obras.
Mas há algo em que o pior mestre de obras
leva vantagem, logo de início, sobre a melhor abelha,
É o fato de que, antes de executar a construção,
projeta–a em seu cérebro.
No final do processo de trabalho, brota um resultado,
Que, antes de começar o processo
Já existia na mente do operário: ou seja, um resultado que já
tinha existência ideal.
O operário não se limita a fazer mudar de forma a matéria que lhe
oferece a natureza,
mas ao mesmo tempo, realiza nela seu objetivo,
objetivo que ele sabe que rege como uma lei
as modalidades de sua atuação
e à qual tem necessariamente de submeter sua vontade.
K. MARX

A atividade é considerada por Karl Marx (1989) como responsável pela


origem do desenvolvimento histórico e cultural dos homens, bem como do
desenvolvimento individual (DAVIDOV apud ASBAHR, 2005), e, dessa forma,
apresenta-se como categoria central no materialismo dialético. Segundo
Leontiev (2004), Marx foi o primeiro a realizar a análise teórica da natureza
social do homem e do seu desenvolvimento histórico-cultural, considerando
todas as relações humanas com o mundo e a visão, audição, olfato, gosto,
sabor e todos os órgãos de sua individualidade como órgãos sociais.
A atividade, como categoria central no materialismo dialético, é revelada
na psicologia histórico-cultural, e compreende as relações humanas como
relações sociais com a realidade externa, realidade esta que se transforma. As
mudanças históricas e materiais na vida da sociedade acontecem na atividade
social e são mediadas por instrumentos e signos, sejam eles externos como
ferramentas, sejam eles internos como a linguagem.
O trabalho é, para a teoria da atividade, a ação humana fundamental,
por fixar e transmitir às gerações as aquisições da evolução, através da
criatividade e da produção. Assim como Marx, Leontiev (2004) reconhece o
trabalho humano e o diferencia das atividades de outros animais pela
intencionalidade e pela criação, mediados por instrumentos.
O que caracteriza a atividade humana é que ela é mediada
"externamente" pelos: (a) instrumentos técnicos, que se destinam a regular as
46

ações sobre os objetos; e (b) sistemas de signos, que, por sua vez, são
orientados a regular as ações sobre o psiquismo dos outros e de si mesmo. É a
incorporação dos signos à atividade instrumental (mero uso de instrumentos)
que confere à atividade sua dimensão humana (SIRGADO, 1990).
O instrumento carrega em si as características da criação humana e se
estabelece como um produto cultural. Não se limita apenas a um objeto de
forma pré-determinada, que fala “por si”, mas, sim, como um objeto social no
qual estão incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente
organizadas. O homem, diferentemente dos animais, se organiza socialmente e
executa atividades criadoras, que se cristalizam e são repassadas de geração
a geração, sofrendo mudanças que se desenvolvem historicamente. A
atividade, que se constitui na relação do homem com o mundo exterior,
implicada na ação - e esta em um motivo - estrutura-se em diferentes níveis de
funcionamento.
Leontiev (2004) define atividade como um processo que é eliciado e
dirigido por um motivo - aquele no qual uma ou outra necessidade é objetivada.
Por trás de uma relação entre atividades, há sempre uma relação entre
motivos. Relações entre necessidade, objeto e motivo estruturam a atividade.
Assim, o funcionamento da atividade humana inicia-se por uma condição
interna: a necessidade. Essa condição é a razão pela qual a atividade
acontece, pois é a geradora do motivo. O motivo é ligado ao objeto da
atividade, visto que toda atividade necessita de um objeto, pois quem
necessita, necessita de algo. Quando o motivo passa a ser consciente, é
transformado em um objetivo que passa a nortear ações que serão realizadas.
E é por meio destas que a atividade acontece, pois toda ação tem um objetivo
definido, que se subdivide em pequenos outros objetivos que se relacionam
com uma operação (LEONTIEV, 2004).
A operação é a maneira como se executa uma ação. Portanto, uma ação
pode ser executada de diversas maneiras, ou operações. As operações se
relacionam com as condições que são oferecidas pelo contexto onde a
atividade ocorre.
Atividade, ação e operação diferem porque, enquanto a atividade está
relacionada a um motivo, a ação está relacionada a um objetivo (que é a
47

consciência do motivo) e a operação, às condições em que a ação pode ser


executada.
Podemos citar como exemplo uma tarefa rotineira em sala de aula que é
desenhar. Para que essa se torne uma atividade, deve integrar a atividade
dominante da criança. Então, a professora diz qual o motivo do desenho:
construir um mural com desenhos de flores. O objetivo da criança é desenhar
flores coloridas. Assim, sua ação é desenhar e, para tanto, ela deve organizar
seu material para fazê-lo. Diversas operações são envolvidas; a criança :
aponta o lápis, recolhe as aparas, joga na lixeira, desenha, apaga, colore. Ela
pode utilizar outras operações enquanto cria: usa raspas de lápis, canetinhas
coloridas, e ainda podem emergir, na medida em que desenha, novas ações,
novos objetivos, o que demanda novas operações.
Ao organizar a atividade hierarquicamente, Leontiev (2004) o faz de
forma flexível e dialética. Admite que é o movimento que rege as
transformações na atividade. Assim, o que é uma ação pode se transformar na
própria atividade, abrindo espaço para novos objetivos, ações e operações.
O sistema nos remete a uma reflexão em relação à atividade na escola,
sinalizando a necessidade de uma reestruturação na busca do sentido do qual
se reveste a tarefa escolar, já que as atividades se conectam a um motivo e
controlam outras tarefas. Há uma integração das hierarquias cognitivas com o
motivo e a estruturação das atividades com sentido, processo este que ocorre
no âmbito da esfera afetiva. Para Leontiev (2004), o sentido se relaciona com o
motivo e indica a relação do sujeito com os fenômenos conscientes e, logo,
todo sentido é o sentido de algo, e de uma significação.
Observa-se que a escola é programada para seguir um currículo, e
como trabalha com o conhecimento “pronto”, muitas vezes opta por tarefas
desenvolvidas de modo mecânico, abortando a possibilidade do aparecimento
de atividades. Tacca e Rey (2008) sustentam que, ao trabalhar com o
conhecimento pronto, a escola deixa de impressionar os alunos, principalmente
porque, fora dela, a dinâmica da vida social não pára, os desafios são
constantes, a ameaça está presente, e a necessidade de viver os empurra para
a criatividade. Para tanto, a escola, ao gerar uma tarefa sem motivo, torna-se
inerte, impossibilitando a geração de desenvolvimento psíquico.
48

A atividade inicia-se com a necessidade, mas esta, por si só, não basta.
É necessário encontrar um objeto para ser objetivado, tornando-o o motivo da
atividade. Assim, a necessidade é apenas o pré-requisito para a atividade que,
no desenvolvimento, com a ação do sujeito, converte-se em resultados através
de transformações.
Comer e beber, por exemplo, são necessidades animais, mas a cultura
constrói, em si e por si, outras fomes e outras sedes que se modificam com o
passar dos tempos, e que se estabelecem pela criação social humana, a
exemplo da arte. Antunes, Fromer e Britto (1997), na música “Comida”, deixam
claro o quanto nos diferenciamos dos animais pela cultura, e que é esta que
nos leva do nível filogenético ao sócio-genético:
Bebida é água
Comida é pasto
Você tem fome de quê?
Você tem sede de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida,
Diversão e arte.

As características tipicamente humanas não são transmitidas


biologicamente, mas pela cultura, condição externa ao homem que, em
movimento, é (re)construída e internalizada socialmente. Leontiev (2004)
afirma que “o indivíduo aprende a ser homem”, pois a verdadeira herança para
o desenvolvimento é a cultural, que, ao mesmo tempo, possibilita ao homem se
apropriar de objetos e fenômenos criados pela humanidade. Para isso,
passamos por diferentes atividades que, no curso do seu desenvolvimento, se
reproduziram e se acumularam no objeto.
Para o autor, a existência de uma atividade dominante, em uma
determinada fase da vida de uma criança, desempenha papel essencial no seu
desenvolvimento, pois caracteriza o estágio em que ela se encontra – primeira
infância, segunda infância ou adolescência. Essa atividade torna-se a principal
forma de relacionamento da criança com a realidade. É por meio da atividade
dominante que a criança se coloca em relação com o mundo, em cada novo
estágio, no qual aparecem necessidades específicas do psiquismo infantil
(FACCI, 2004).
O desenvolvimento do psiquismo se pauta pela atividade dominante, e
Leontiev (2004) chama atenção para uma questão interessante: a atividade
49

dominante não é a que mais aparece. Essa atividade deve ser considerada
qualitativamente, pois independe do número de vezes e frequência com que
acontece. Nessa perspectiva, não são descartadas outras atividades, o que
determina a atividade é o estágio de desenvolvimento em que a criança se
encontra.
A atividade principal ou dominante é "aquela cujo desenvolvimento
condiciona as principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as
particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio de seu
desenvolvimento" (LEONTIEV, 2004, p.312).
Neste sentido, de acordo com Facci (2004), a atividade, que é
dominante em certo período, deixa de ser no período seguinte, mas não
desaparece; continua a existir, porém, através de um processo de
enfraquecimento. Elkonin (apud FACCI, 2004) identifica e divide a atividade
dominante de acordo com as características objetais, em dois grupos:
[...] no primeiro grupo estão aquelas atividades desenvolvidas no
sistema criança-adulto social, as quais têm orientação predominante
na atividade humana e na assimilação de objetivos, motivos e
normas das relações entre as pessoas; no segundo grupo estão
presentes as atividades que ocorrem num sistema criança-objeto
social, no qual ocorre a assimilação de procedimentos de ação com
os objetos (ELKONIN apud FACCI, 2004, n. p.)

A partir dessa classificação e considerando que, após o período em que


predomina o desenvolvimento na esfera motivacional e de necessidades,
advêm períodos com predomínios de formação de possibilidades operacionais
técnicas, Elkonin (apud FACCI, 2004) formula a hipótese de periodização dos
processos de desenvolvimento psíquico, a qual vem distribuída em grupos, de
acordo com a sequenciação da atividade dominante, a saber: a primeira
infância, a segunda infância e a adolescência.
A primeira infância divide-se em dois momentos. No primeiro, que é
chamado grupo da comunicação emocional direta, a atividade principal é a
comunicação direta dos bebês com os adultos, que serve de base para a
construção de sentimentos sociais mais concretos. Caracteriza-se pela relação
da criança com os adultos mais próximos e os recursos utilizados por ela para
se comunicar, a exemplo do sorriso e do choro, que geralmente indicam
sensações diferenciadas. Essas manifestações podem ser observadas desde
as primeiras semanas de vida até um ano de idade.
50

No segundo momento, aparece o grupo da atividade objetal


manipulatória, onde a atividade principal é a objetal-instrumental. A criança, por
intermédio da manipulação de objetos, passa a assimilar os procedimentos
elaborados socialmente, com a ajuda dos adultos. A linguagem começa a
aparecer com uma função comunicativa, auxiliando a criança a compreender a
ação dos objetos. Assim, a comunicação emocional passa a ser prática e,
numa evolução, com a prática social, a criança (por volta de 2 anos) passa a
conhecer a função simbólica da linguagem. Esta fase é marcada pelo início da
formação da consciência.
A segunda infância, assim como a primeira, se divide em duas fases. Na
primeira, identificada como fase pré-escolar, o jogo ou a brincadeira aparecem
como atividade principal. Nela, a criança faz uso de objetos concretos para
reproduzir ações nas brincadeiras de faz-de-conta. Com o brincar, ela
desenvolve a consciência do mundo objetivo, quando representa, na
brincadeira, ações que não pode ainda realizar na vida real. De acordo com
Leontiev (1998), a criança tenta integrar uma relação ativa não apenas com as
coisas diretamente acessíveis a ela, mas também com o mundo mais amplo,
esforçando-se para agir como um adulto.
A segunda fase que constitui a segunda infância é caracterizada pela
entrada da criança na escola, e a atividade principal é o estudo. Nela, há o
estabelecimento de relações sociais em um campo mais restrito. A
aprendizagem é em grupo. Nesse universo, as regras e as leis estabelecidas
fazem com que a criança perceba essa atividade como a mais importante.
Acontece uma mudança na posição social que a criança ocupa, pois, passando
a ser um estudante, recebe uma nova identidade, as pessoas a ela se referem
e reconhecem como tal. Assim, mudam as relações sociais quando a criança
começa a frequentar a escola.
A adolescência, assim como a primeira e segunda infância, é subdividida
em duas fases. Na primeira, a atividade principal é a comunicação íntima entre
os adolescentes. Esta fase é marcada pela relação do adolescente com o
adulto, e a mudança corpórea o coloca numa posição de igualdade com o
adulto, no que se refere à força física. O adolescente começa a se impor
criticamente e a se posicionar frente às imposições da realidade, reproduzindo
com seus pares as relações existentes entre os adultos.
51

Há, ainda, na adolescência, uma segunda fase que tem como atividade
principal a atividade profissional de estudo. Nesta fase, a escola passa a
ocupar o lugar de orientadora para um futuro profissional.
Dessa maneira, cada etapa é constituída por dois períodos que se
interligam, iniciando com o período em que prepondera a assimilação de
objetivos, dos motivos e das normas da atividade, havendo, assim, uma
preparação para a passagem para o próximo período, onde vai ocorrer a
assimilação dos procedimentos de ação com o objeto e a formação de
possibilidades operacionais e técnicas (FACCI, 2004).
As condições sócio-históricas determinam a atividade dominante num
determinado estágio do desenvolvimento. Este estágio, porém, não é definido
pela idade da criança, mas pelas relações humanas que acontecem no
contexto social em que se encontra, relações estas que mudam
sucessivamente, e que, em cada fase, são carregadas de especificidades, a
exemplo da brincadeira infantil, do jogo, da escola e do trabalho.
Leontiev (2004) esclarece que a mudança de atividade dominante
acontece no momento em que a criança percebe que o lugar que ocupa no
mundo que a rodeia – considerado este como o das relações humanas –
deixou de corresponder às suas possibilidades, e, a partir daí, começa a se
esforçar para modificá-lo. Neste sentido, ocorre uma contradição entre as
possibilidades que já foram por ela superadas e seu modo de vida, levando-a a
reorganizar sua atividade. Nesse momento, a criança passa para um estágio
de desenvolvimento psíquico novo.
Dessa forma, o desenvolvimento do psiquismo da criança é determinado
pela sua vida, pelo desenvolvimento da atividade interior e exterior, admitindo
que ambas atividades apresentam uma mesma estrutura geral. A atividade
externa apresenta-se como forma primária da atividade, constituída na prática
externa e coletiva. Esta ultima, por sua vez, constitui a atividade interna,quando
é internalizada, ou seja, há a transformação da atividade externa em interna
(ASBAHR, 2005).
Segundo Leontiev (2004), esta transformação da atividade externa em
interna é o ponto crucial da chamada superioridade psíquica do homem, pois é
desse processo que advém a subjetividade humana, a consciência. E a criança
52

só passa de um estágio a outro quando se conscientiza da necessidade desse


avanço pela superação do estágio anterior.
A consciência é, pois, social por natureza, e se estrutura através das
significações sociais que se cristalizam e são representadas pela experiência
humana. De acordo com Asbahr (2005), as significações são fenômenos da
consciência social, mas, quando apropriadas pelos indivíduos, passam a fazer
parte da consciência individual. Logo, esta só existe por meio da consciência
social, através da atividade humana mediada por objetos.
A atividade humana na pessoa com autismo encontra empecilhos para
se desenvolver, pois a consciência social muitas vezes não é desenvolvida
nessas pessoas, e muito menos a sua própria consciência. Wing (1997) nos
chama a atenção para um fato curioso, característico de pessoas com esse
transtorno, que é a dificuldade de se vincularem a um contexto e a tendência
de se aterem apenas a detalhes específicos do próprio contexto. Tal tipo de
comportamento pode, por um lado, ser interessante na resolução de algumas
tarefas, porém, por outro lado, pode ser extremamente maléfico no que diz
respeito à compreensão de histórias e situações mais complexas, e,
acreditamos, também no aparecimento de novas atividades.
Observamos que algumas intervenções pedagógicas propostas
especialmente para crianças com autismo utilizam métodos que acentuam
ainda mais essa desvinculação com o contexto, pois são baseadas em tarefas
repetitivas, extremamente individualizadas, sem significado, o que impede a
criação de atividades. Wing (1997) questiona a aprendizagem mecânica, e
sugere que se aproveitem as situações do dia-a-dia para transformá-las em
atividade de ensino, e, dessa forma, incentivar essas crianças a utilizarem os
conhecimentos em sua prática diária.
O isolamento social da pessoa com autismo, portanto, não deve ser
fortalecido com tarefas desconectadas dos contextos, pois não demandam um
motivo e não geram uma atividade. Apesar de reconhecermos a dificuldade da
pessoa com autismo em estabelecer vínculos, acreditamos que o contexto
possa ser revelador de oportunidades de ações com um sentido, e, sobretudo,
de conduzir essas pessoas à atividade, gerando assim novas atividades
dominantes.
53

Vygotski (1997) buscou desatar um nó até então não desatado, que é a


questão do estudo do desenvolvimento das pessoas com algum tipo de
deficiência e que, de certa maneira, são afastadas da convivência social. Neste
sentido, estudar oportunidades que resultem na esfera da atividade dominante,
parece relevante no caso da criança com autismo.

2 METODOLOGIA

Optamos por uma metodologia qualitativa, porque esta se coaduna com


os aportes teóricos que sustentam a pesquisa: as contribuições da perspectiva
histórico-cultural.
Por outro lado, adotamos o estudo de um caso, pois isso nos permite
investigar o fenômeno humano em seu ambiente natural, fornecendo as
complexidades do sujeito e dos ambientes investigados. Ao pesquisador, cria-
se um espaço para transitar pelo ambiente pesquisado, de modo a se apropriar
de fenômenos novos que possam emergir no decorrer da construção dos
dados (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998).
Neste sentido, a abordagem qualitativa abre um leque de oportunidades
e favorece o aparecimento de informações que podem revelar resultados não
previstos pela pesquisa. De acordo com Mazzotti e Gewandsznajder (1998),
neste tipo de pesquisa é possível descobrir não somente o que se busca, mas
também elementos novos que podem ser convertidos em dados importantes
para a construção de novos conhecimentos.
O conhecimento gerado pelo estudo de caso é diferente do
conhecimento advindo de outras pesquisas, pois é:
• Mais concreto – configura-se como um conhecimento que encontra
eco em nossa experiência porque é mais vivo, concreto e sensório
do que abstrato.
• Mais contextualizado – nossas experiências estão enraizadas num
contexto, assim também como o conhecimento nos estudos de caso.
• Mais voltado para a interpretação do leitor – os leitores trazem para
os estudos de caso as suas experiências e compreensões, as quais
levam a generalizações, quando novos dados do caso são
adicionados aos antigos. (MERRIAM apud ANDRÉ, 2005, p. 17).

Trabalhamos com um estudo de caso do tipo etnográfico que, de acordo


com Stake (apud ANDRÉ, 2005), é a escolha ideal para o pesquisador que
54

deseja entender um caso em particular, considerando seu contexto e sua


complexidade. Kenny e Grotelueschen (apud ANDRÉ, 2005) consideram como
critério de escolha a singularidade da situação, onde o caso escolhido
apresenta-se como digno de ser estudado, tanto por representar outros casos
como pelo fato de ser singular e se distinguir de outros casos.

2.1 Contexto da pesquisa

A pesquisa foi realizada em duas escolas da rede pública de ensino do


Distrito Federal, vinculadas à Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto,
onde se encontra matriculado um aluno com autismo, sendo uma delas escola
de ensino regular e a outra, Escola Parque.

2.1.1 A Escola Classe

A Escola Classe é uma escola convencional, ou seja, possui uma


estrutura formal em que as aulas acontecem em dias consecutivos durante a
semana e os alunos são agrupados por série, estando sempre com a mesma
professora e os mesmos colegas, que constituem sua turma. Sua programação
se organiza com base no currículo comum, cuja proposta pedagógica abrange
as seguintes disciplinas: Matemática, Português, História, Geografia e
Ciências.
A escola que nos recebeu foi inaugurada em 11 de abril de 1973, sendo
tombada como Patrimônio Histórico por possuir azulejos do artista plástico
Athos Bulcão. Tem uma área de 3.500 m², e as salas de aula medem de 80 a
100 m², exceto duas outras, que medem 60 m².
No ano de 2000, a escola tornou-se uma escola inclusiva e passou a
receber alunos com Necessidades Especiais – Deficiência Física –, por
apresentar uma arquitetura que não apresenta barreiras para a circulação
desses alunos. Hoje, a escola também atende, nas classes de inclusão, alunos
com Deficiência Intelectual e alunos com Transtornos Globais do
Desenvolvimento, categoria em que estão incluídos os alunos com autismo.
O atendimento ao aluno com Necessidades Educacionais Especiais na
rede pública de ensino do Distrito Federal diferencia-se em modalidades dentro
55

da própria Escola Classe, onde é possível ocorrer o atendimento em Classes


Especiais (turma exclusiva com alunos especiais), Classe Comum (turma
inclusiva), e Classe de Integração Inversa, que contempla alunos em séries
iniciais do ensino fundamental, com uma redução do número de alunos por
sala. De acordo com as Diretrizes Pedagógicas (GDF, 2009, p. 71):
As turmas de integração inversa são classes diferenciadas,
constituídas por alunos “sem” e “com” necessidades especiais, ainda
não indicados para a inclusão total, previstas para alunos com
deficiência mental, física e auditiva e para aqueles que apresentam
condutas típicas de síndromes. Essas classes são de caráter
transitório, voltadas ao processo de socialização, alfabetização e
aquisição de comportamentos adaptativos.

2.1. 2 A Escola Parque

A primeira Escola Parque do Brasil foi criada pelo educador baiano


Anísio Teixeira, em 1952, na cidade de Salvador. De acordo com Pereira e
Rocha (2006), em Brasília tentou-se resgatar esse modelo de escola, com o
objetivo de oferecer ao aluno uma educação integral que complementasse a
escola comum.
A primeira Escola Parque de Brasília foi construída para compor um
complexo escolar, nos moldes de uma universidade infantil. O mesmo era
composto de um Jardim de Infância, quatro Escolas Classe e uma Escola
Parque, que eram denominados Centro de Educação Elementar. A Escola
Parque atendia, diariamente, os alunos das Escolas Classe, constituindo um
regime de oito horas diárias, realizando, assim, o desejo de Anísio Teixeira,
revelado no Manifesto dos Pioneiros (1932), de criação de uma Escola Nova
que contemplasse não somente a educação tradicional, mas também a
educação para a cultura e para a criatividade.
Em Brasília, foram construídas cinco Escolas Parque em datas distintas,
e, agora, no ano de 2009, uma instituição passou a fazer parte do quadro das
Escolas Parque, a saber: EASP – Escola da Ação Social do Planalto, ainda que
com uma estrutura arquitetônica diferente das demais, somando seis escolas.
A Escola Parque em que fizemos a pesquisa foi inaugurada em 21 de
abril de 1977 e atende a cinco escolas. Funciona em dois turnos e recebe os
56

alunos uma vez por semana no contraturno. Atualmente, atende a 2.650


alunos, que cursam do segundo ano ao nono ano do ensino fundamental.
A Escola Parque apresenta uma concepção acadêmica diferente das
escolas comuns. De acordo com o Art. 3º do regimento interno da Secretaria
de Educação do Distrito Federal (2006), a classificação da Escola Parque
“destina-se a oferecer atividades que complementem o ensino da Escola
Classe”. Dessa maneira, sua função é complementar a matriz pedagógica da
Escola Classe. Os componentes curriculares são diferentes dos que
convencionalmente integram o corpo de disciplinas escolares e a presença do
aluno na escola não é diária, como ocorre normalmente. Ele frequenta a escola
Parque uma vez por semana, no contraturno.
Seu currículo é constituído de Artes e Educação Física, e são
desenvolvidas atividades tais como teatro, música e artes visuais, assim como
jogos cooperativos e outras atividades da Educação Física escolar. O corpo
docente é formado por professores com habilitação em Artes Visuais, Música,
Teatro e Educação Física. Alguns destes são especialistas em Educação
Especial - professores que trabalham no apoio à inclusão dos alunos com
Necessidades Educativas Especiais. A estrutura física da escola também difere
das escolas comuns.

2.2 Participante

Eric3 nasceu no ano 2000 de parto normal. Sua mãe tinha 15 anos e
seu pai 23 anos. Foi o primeiro filho do casal. De acordo com a mãe, a
gravidez foi planejada, sem complicações e desejada pelos pais, embora tenha
levado um tombo no sexto mês de gestação. Eric foi amamentado até os 3
meses. A amamentação foi interrompida por que o leite havia acabado.
Quanto ao desenvolvimento da linguagem, a mãe não se lembra se o
filho balbuciou, apenas de que falava algumas sílabas repetidas com
aproximadamente 8 meses de idade (pa, ma, da). Permaneceu sem
linguagem oral até os 6 anos de idade e comunicava-se por meio de gritos,
birras e choro. Não mantinha o contato afetivo. Sacudia sempre mãos e braços

3
Nome fictício.
57

em movimentos estereotipados e emitia alguns sons. A mãe relata que ele


ficava calmo quando assistia a um determinado programa infantil na televisão,
concentrando por um período longo de tempo nessa atividade.
Quando pequeno, apresentava medo de animais e se assustava com
barulho. Quando necessitava de algo, conduzia sempre um adulto pela mão
para alcançar o que lhe convinha.
Eric costumava fazer birra e se jogar no chão quando queria andar de
carro. Tinha mania de ranger os dentes e não dormia em ambientes estranhos.
Eric foi matriculado em uma Escola de Educação Infantil aos cinco anos
de idade. Diante do quadro de comprometimento do aluno a escola se
organizou para que Eric fosse atendido no programa de Estimulação Precoce
(ainda que sua faixa de idade não fosse compatível com a dos alunos do
programa). No ano seguinte, na mesma escola, Eric teve um atendimento
individual na sala de recursos, com algumas entradas na sala de aula da
Educação infantil, numa inclusão gradativa. De acordo com relatos da
professora, ele apresentava dificuldade em se concentrar, estereotipias
motoras, gostava de brincar empilhando peças de jogos de encaixe (lego), mas
aceitava bem comandos a ele dirigidos respondendo, na maioria das vezes, às
solicitações.
Eric aos seis anos adquiriu o controle esfincteriano e começou a se
comunicar oralmente, com algumas palavras soltas. A Escola encaminhou o
aluno para diagnóstico no Centro de Orientação Médico Psicopedagógica
(COMPP) em 2006. Em 2007, teve o diagnóstico de Autismo o que garantiu a
Eric a matricula em uma Classe Especial para crianças com autismo, onde
permaneceu por um ano. Durante o tempo que ficou nessa classe, ele obteve
ganhos significativos na linguagem e na interação social o que lhe possibilitou o
encaminhamento para na uma Classe de Integração Inversa de um Jardim de
infância, no Plano Piloto. Em seguida, Eric foi promovido para a turma em que
hoje estuda, em uma Escola Classe.
Eric tem oito anos e onze meses de idade, e está matriculado no 2º ano
do Ensino Fundamental (de nove anos).
O critério da escolha de Eric como participante da investigação se deu
pelo diagnóstico, matrícula na Escola Classe e pela frequência na Escola
Parque.
58

2.3 Procedimentos

Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Conselho de Ética da


Universidade Católica de Brasília, foi solicitada autorização para realização da
pesquisa à Secretaria de Educação (anexo A), e, de posse do
encaminhamento da Secretaria de Educação e de um termo de apresentação
emitido pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Católica de Brasília explicitando os objetivos da pesquisa, entramos em contato
com a direção da Escola Classe e da Escola Parque onde ocorreu a pesquisa.
Apresentamos aos professores e aos pais de alunos que participaram da
pesquisa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Carta-convite
(anexo B e anexo C), que foram ser assinados, autorizando a coleta de dados
e a filmagem. Após a assinatura do termo, traçamos um calendário de
observação das atividades pedagógica estruturadas desenvolvidas pelos
professores e nos momentos livres quer seja no pátio ou em sala.
Para a coleta dos dados foram utilizadas observações, feitas de forma
sistemática, com uso de vídeo, cujas filmagens foram feitas na sala de aula e
no recreio da Escola Classe, nas salas de aula de Artes Visuais e Música e no
pátio da Escola Parque.
Os registros foram feitos em uma filmadora mini dv, portátil.

2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS - RESULTADOS

As categorias utilizadas na análise têm por base o conceito de interação


social definido por Hinde (1997) e contemplam as dimensões da qualidade e do
conteúdo de episódios de interações dos atores sociais que participam da
investigação. O sistema de categorias adotado na investigação é uma
adaptação das categorias propostas por Pereira-Silva (2003), por sua vez
baseadas em Dessen (2000) e estão apresentadas nos quadros 1, 2 e 3 que se
seguem.
59

Estrutura de participação

Essa categoria retrata a organização estrutural da interação em relação


aos participantes. O Quadro 1 indica os tipos de participação ocorridos entre os
sujeitos da pesquisa, além das legendas correspondentes.

1. In Individual Refere-se ao engajamento de apenas


uma criança no desenvolvimento de
uma tarefa.
2. Gr Grupo Participação de mais de uma criança no
desenvolvimento de uma tarefa.
3.Pl Paralela Tarefas diferentes ou não,
desenvolvidas por participantes que se
encontram próximos fisicamente.
3.1.Pi Independente Tarefa desenvolvida com proximidade
física na qual um não interfere e nem
sofre interferência do comportamento do
outro..
3.2.Pc Complementar Tarefa desenvolvida de modo que um
participante observa o comportamento
do outro, sendo por ele influenciado,
ainda que execute a tarefa de modo
individual.
Quadro 1. Tipo de participação

Qualidade dos episódios de interação

A qualidade da interação, para Hinde (1997) é uma dimensão que indica


“como os participantes fazem algo juntos” e seus comportamentos revelam a
existência ou não de sincronia, supervisão, liderança, bem como as
manifestações positivas e negativas de afetos nos comportamentos. O Quadro
2 apresenta as dimensões referentes às qualidades das interações observadas
entre os sujeitos.
60

1. Si Sincronia Refere-se à natureza de


articulação/transmissão de pistas
dialógicas entre os participantes.
1.1.Csi Com Sincronia Caracteriza-se por uma articulação de
comportamentos em que as respostas
de um dos participantes indicam pistas
para a emissão do comportamento do
outro na interação.
1.2.Ssi Sem sincronia Caracteriza-se pela falta de
articulação/transmissão entre os
comportamentos dos participantes na
interação.
2. Sv Supervisão Refere-se à emissão de
comportamentos de retorno e/ou ajuda
ou não de um participante em direção ao
outro.
2.1.Csv Com supervisão A interação é caracterizada por
comportamento que intenta fornecer
retorno aos comportamentos do outro na
execução de uma tarefa ou na emissão
de um comportamento.
2.2. Ssv Sem supervisão A interação caracteriza pela ausência de
comportamento que intenta fornecer
retorno aos comportamentos do outro na
execução de uma tarefa ou na emissão
de um comportamento.
3. A Afetividade Refere-se a emissões de
comportamentos afetivos negativos ou
positivos.
3. 1. Ap Afeto positivo A interação é caracterizada por
emissões de comportamentos afetivos
que denotem tranquilidade, satisfação.
3.2. An Afeto negativo A interação é caracterizada por
agressões físicas, disputas verbais e/ou
motoras que denotam
descontentamento e insatisfação.
4. Ld Liderança A interação desenvolve-se com a
predominância ou não de um dos
membros na sua condução.
4.1.Cld Com liderança Caracteriza-se pela condução verbal ou
gestual por um dos participantes, que se
destaca como o maior responsável pela
direção da interação.
4.2. Sld Sem liderança Caracteriza-se pela ausência da
condução verbal ou gestual por um dos
participantes como o maior responsável
pela direção da interação.
Quadro 2. Qualidade dos episódios de interação
61

Categorias Comportamentais

Essas categorias expressam a natureza e a intenção do comportamento


dos participantes entre si, indicando ações como: solicitar, sugerir, ordenar,
proibir, responder, acatar, obedecer ordem, rejeitar, elogiar e imitar. O quadro 3
indica os comportamentos emitidos pelos sujeitos durante os episódios de
interação.

1. St/Sg Solicitar /sugerir Pedir verbalmente algum objeto,


atenção ou ajuda na execução de uma
tarefa, bem como sugerir alguma tarefa.
2. Or Ordenar Ordenar a execução de alguma tarefa
com um tom de voz imperativo.
3. Pr Proibir Impedir a execução ou a continuidade
de uma tarefa iniciada ou a ser iniciada
pelo outro.
4. Re Responder Refere-se à emissão de
comportamentos caracterizados por uma
resposta a alguma solicitação, sugestão
ou ordem dada pelo parceiro da
interação.

4.1. Ast Atender solicitação/sugestão Caracteriza-se pela emissão de


comportamentos que visam atender aos
pedidos e sugestão de atenção ou
ajuda.
4.2. Ob Obedecer Refere-se ao cumprimento das ordens
emitidas pelo parceiro da interação.
4.3. Rj Rejeitar Refere-se à emissão de
comportamentos caracterizados por
ignorar ou recusar, verbalmente ou
através de movimentos motores, alguma
solicitação, ordem ou proibição.
5. El Elogiar Refere-se à emissão de comportamento
com o objetivo de aprovar ou incentivar
alguma ação emitida pelo outro.
6. Im Imitar Emissão de comportamentos iguais ou
similares aos emitidos pelo outro.
Quadro 3. Categorias Comportamentais

Para Hinde (1997), o conteúdo das interações mostra o quê os


participantes estão fazendo juntos, em determinados contextos.
Utilizamos, também, aportes da perspectiva histórico cultural,
notadamente a Teoria da Atividade para lançar luz aos dados coletados nas
observações.
62

Para descrever a dimensão das interações, utilizamos duas situações, a


saber, momentos livres e atividades pedagógicas estruturadas. Consideramos
atividades pedagógicas estruturadas aquelas nas quais a professora tinha um
objetivo de ensino a ser alcançado e mediava o processo de aprendizagem das
crianças intencionalmente. Já os momentos livres eram situações sem
supervisão direta da professora ou de outro adulto, em que as crianças podiam
brincar livremente. Foram selecionados dois momentos livres: (a) após o
lanche, quando as crianças aguardavam, em sala de aula, a saída para o
recreio; (b) o recreio.

3.1. Interações na Escola Classe : Um olhar panorâmico

A coleta de dados na Escola Classe foi organizada para ser realizada,


conforme planejado, em duas situações distintas, a saber, nas atividades
pedagógicas estruturadas e nos momentos livres.
O registro das observações ocorreu dentro da sala de aula durante o
percurso comum da aula, totalizando 2 horas e 54 minutos de filmagem em
câmera mini dv portátil e anotações feitas por duas observadoras: a
pesquisadora e uma auxiliar de pesquisa.
As sessões de filmagem foram assistidas, transcritas na íntegra e, logo
em seguida, foram selecionados trechos considerados mais expressivos, ou
seja, situações de interação/relação protagonizadas por Eric ou que o
envolviam diretamente e cujo conteúdo se mostrou recorrente ao longo da
observação e de seu registro.
Considerando a frequência absoluta das interações e das categorias que
ostentaram ao longo das observações, há diferenças importantes entre os
momentos livres e as atividades estruturadas em cada um dos contextos
observados.
Na Escola Classe, nos momentos livres, predominam, em relação à
qualidade, as interações com sincronia e afeto positivo. O tipo de participação
tende a favorecer as interações individuais e em grupo. Considerando as
categorias comportamentais, há ainda o predomínio dos comportamentos
“prescritivos” como ordenar e atender, mas já emerge a possibilidade de
rejeitar.
63

Durante as Atividades Pedagógicas Estruturadas, como seria de


esperar, predominam as interações com a participação quase totalmente
direcionadas pela professora e caracterizadas, quanto à qualidade, por
sincronia, afeto positivo e liderança. As interações individuais entre as crianças
nos horários livres, cedem lugar às individuais protagonizadas pela professora,
gerando, quando possível, alguns tipos de participação paralelas, quase
sempre independes. As categorias comportamentais são as de ordenar e
obedecer, conforme poderá ser percebido nas tabelas1,2,e 3 que se seguem.

Tabela1. Frequência absoluta e percentual da qualidade das interações na


Escola Classe.

Atividade Direção do sentido


Categorias Momentos pedagógica Total 45
de livres estruturada E>X X>E E<>X
qualidade
da Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. Freq. %
interação %

Com 10 62,5 25 86,2 35 77,8 9 24,5 26 55,5 35 100


sincronia

Sem
sincronia 06 37,5 04 13,8 10 22,2 6 60 4 40 0

Afeto 10 62,5 23 79,3 33 73,3 10 30 23 70 18 54,5


positivo

Afeto
negativo 06 37,5 06 20,7 12 26,7 3 25 9 75 8 66,7

Com 2 12,5 24 82,8 26 57,8 2 7,7 24 92,3 0


supervisão

Sem 14 87,5 05 17,2 19 42,2 0 0 0


supervisão

Com 05 31,2 20 69 25 55,6 1 4 24 96 0


liderança
Sem 11 68,8 09 31 20 44,4 0 0 0
liderança
Total 64 116 180

O somatório de cada dimensão é de 100%.


64

Tabela 2. Frequência absoluta e percentual do tipo de participação nas


interações sociais na Escola Classe.

Momentos Atividade Direção do sentido


Tipo de Livres pedagógica Total
participação estruturada
E>X X>E E<>X
Freq. % Freq. % Freq. %
Freq. % Freq. % Freq. %

Individual 05 31,25 10 34,5 15 33,3 2 15 13 87 0

Grupo 05 31,25 05 17,3 10 22,3 7 70 3 10 0

Paralela
independente 04 25 07 24,1 11 24,4 0 0 11 100
Paralela
complementar 02 12,5 07 24,1 09 20 7 77,8 2 22,2 0

TOTAL 16 100 29 100 45 100

Tabela 3. Frequência absoluta e percentual dos comportamentos nas


interações sociais na Escola Classe

*Categorias Momentos Atividade Total 45 Direção do sentido


comporta- Livres Pedagógica
mentais estruturada E>X X>E E<>X
Freq. %
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
% Freq.

Solicitar/ 6 37,5 8 27,6 14 42 5 36 9 64 0


sugerir 0
Ordenar 4 19 17 81 21 58 0 21 100 0
Proibir 0 0 0 0 0 0
Atender
solicitação 2 12,5 4 13,8 06 13,3 4 67 2 33 0
/sugestão
Obedecer 5 31,2 13 44,8 18 40 15 83 0 0
Rejeitar 5 31,2 6 20,7 11 24,4 09 89 2 11 0
Elogiar 0 8 27,6 8 17,8 0 8 100 0
Imitar 1 6,2 4 13,8 9 20 9 100 0 0

*O somatório das dimensões não é de 100% uma vez que em uma mesma interação aparece mais de
um comportamento.

Apresentaremos, na sequência e em maior detalhamento, episódios que


ilustram os resultados, ao mesmo tempo os discutiremos. Foram selecionados
como episódios expressivos nas atividades pedagógicas estruturadas:

a) Construindo a pirâmide alimentar


b) Copiando o texto do Saci
65

c) Encontrando a página em um livro

E nos momentos livres foram:

a) Proteção em série
b) Quem pegou minha revista
c) A busca frustrada

Para a transcrição dos episódios foi utilizada a legenda indicada no Quadro


4.
PEC: professora da Escola Classe
Sublinhado: ênfase
MAIÚSCULA: sonoridade
/: o começo de falas sobrepostas
.: pausa curta
(2.0): pausa medida
(3.0): pausa longa
==: continuações sem pausas audíveis
[]: transcrição incerta
*: interrupção voluntária
[...] inaudível
/.../: corte na gravação
//: troca de comportamento
(): comentário do analista
Quadro 4. Legenda da transcrição

3.2 Ambiente de observação

Era uma classe de integração inversa, na qual os alunos com


necessidades educacionais especiais que aí se encontravam eram
considerados mais comprometidos do que os que são diretamente incluídos na
classe regular comum. A sala de aula, padrão, de uma escola classe, contava
66

apenas com 16 carteiras, em função do número de alunos previstos para a


modulação de classe de integração inversa da Secretaria de Educação do DF.
O mobiliário da sala tinha 16 carteiras, disponibilizadas em U, recuadas
para o canto esquerdo. Na frente das carteiras estavam a mesa e a cadeira da
professora. No canto lateral direito da mesa da professora havia um armário
em aço e, atrás da mesa, um quadro branco afixado na parede. Seguindo a
parede do quadro encontrava-se um armário pequeno, destinado aos materiais
do programa Ciência em Foco. No fundo da sala, do lado esquerdo, havia um
segundo armário em aço e, do lado direito, uma prateleira com brinquedos e
revistinhas.
Do lado direito da sala encontrava-se uma mesa pequena, com quatro
cadeiras pequenas. Encostada na parede na lateral direita da sala, próximo à
mesa, havia uma prateleira com pastas de alunos e materiais didáticos.
A sala fica nos fundos da escola, possui forma retangular, com 2
paredes em forma de L que se encontram. A primeira é construída do piso até
o teto em alvenaria, e a segunda é construída de alvenaria até a metade,
sendo a parte superior feita em vidro, de forma que, no interior da sala, é
possível ver a quadra de esporte, o pátio externo e até mesmo um prédio
residencial vizinho à escola. Na parede da direita havia cartazes de
aniversariantes do mês, o alfabeto em letras caixa alta e cursivas, os numerais
de 0 a 10, um calendário e um cartaz com a arca de Noé.

3.3 Atividades pedagógicas estruturadas

3.3.1 Construindo a pirâmide alimentar4

A turma de Eric, em certo dia, estava composta de 15 (quinze) crianças,


7 meninos e 8 meninas. A carteira que Eric ocupava naquele dia situava-se no
meio do U, em frente à mesa da professora. O objetivo da atividade era
construir, coletivamente, um cartaz contendo uma pirâmide alimentar, ou seja,
classificando os alimentos de acordo com seu valor nutricional. Depois de

4
A duração da observação desse episódio foi de 11 min 25 seg.
67

confeccionado o cartaz, a professora o levou para colar fora da sala e, ao


retornar, propôs que cada aluno fizesse sua pirâmide individualmente.
Para viabilizar a execução da tarefa, a professora explicou
detalhadamente cada etapa da elaboração da pirâmide, dirimindo dúvidas e
permitindo a participação das crianças Neste momento, Eric se ausentou da
sala para ir ao banheiro e perdeu, pois, o início da explicação.
Ao retornar à sala de aula, Eric sentou-se em sua cadeira e alternou seu
comportamento entre prestar atenção à explicação da professora, realizar
estereotipias motoras e observar o comportamento dos colegas. Assim que
terminou a explicação da tarefa para todos os alunos, a professora de dedicou
a acompanhar Eric individualmente.

A PEC estava explicando a tarefa, Eric se levantou de sua cadeira foi até a
professora e disse:
Eric: pode xi xi (Posso ir fazer xixi)
PEC: tá
Eric saiu da sala de aula acompanhado de Manuela
PEC: Na pirâmide == as coisa que come em casa . lembra aquela lista que
fizemos das coisas que nos comemos (2.0) nos agora vamos colocar dentro
da pirâmide (2.0) só que a gente . PRESTA ATENÇÃO . vai colocar . no
lugar que a gente pode comer . Ai tia, mas eu trazia chips para a escola todo
dia == agora não posso mais trazer . pode comer chips todo dia?
Alunos: NÃO
PEC: quando é que é que pode comer chips?
Alunos: RARAMENTE/
PEC: /raramente . então a gente vai poder comprar só um pacote
de chips uma vez por mês/
Nesse momento, Eric entrou na sala de aula e sentou na sua carteira// olhou
para a câmera e depois olhou o que a professora estava colocando em cima
da mesa// olhou para a professora// olhou para trás, onde estavam os
colegas e voltou a dirigir o olhar para a professora// abriu e fechou a boca
diversas vezes, em movimentos estereotipados // olhou para os colegas ao
lado e voltou a olhar a professora// movimentou os braços e os dedos
seguidamente em movimentos estereotipados// olhou a professora// //
movimentou novamente os braços e os dedos, circularmente, de modo
seguido, em movimentos estereotipados// olhou para os colegas e sorriu//
reativo a mesma estereotipia// parou// olhou para o teto e olhou a
professora// arrumou a cadeira para mais próximo da carteira e olhou para a
68

câmera// deitou a cabeça sobre a mesa e ficou alguns segundos assim.

PEC: / que vai poder comer chips só uma vez por mês .
então olha lá == chiiiiii (2.0) pronto . olha aqui . vai fazer o desenho da
pirâmide . igual nos fizemos no papel grande
Aluna: dever de casa?/
PEC: / dever de casa NÃO . é pra fazer agora (2.0) ai olha LÁ . EU
como CHIPS não é? Não como chips? . aonde é que eu vou desenhar o
chips?
Alunos: no raramente/
PEC: /no raramente . EU como arroz com feijão . aonde é que eu
vou colocar arroz com feijão?
Manuela: é deitado tia? (a aluna se referiu à posição da folha que a
professora havia entregue para desenhar a pirâmide)
PEC: em pé
PEC: AQUI . segundo ano . AQUI (2.0) quanta vezes?
Elisa: uma vez/
PEC: /uma vez por/
Elisa: /semana
José : tia é pra desenhar ou pra escrever?
PEC: é pra desenhar . o que o desenho não der pra identificar == você
escreve o nome em baixo (2.0) aqui
José: quantas vezes por dia
PEC: por dia?
José: por semana/
PEC: / por semana
José: quantos dias...
PEC: comer três ou (2.0) quatro vezes por semana . não é por dia não, heim
. senão vai ficar gordo
/José: ó tia comer(3.0)
/PEC: e aqui?
José: comer todos os dias/
PEC: /comer todos os dias (2.0) só o José que tá assistindo
aula é? [...]
PEC: (Dirigindo-se a Eric) o que ‘tá’ escrito aqui? . escreve seu nome (3.0)
pronto? . deixa a tia riscar pra você (3.0) fala pra tia uma coisa que você tem
que comer todo o dia . heim?
Eric: arrozi ( arroz)
PEC: arroz? . então você vai desenhar o arroz . tá . vai desenha aqui o arroz
PEC: tem que falar pra mamãe comprar outro oh. num tá fechando . por isso
69

que cai toda hora oh ( a professora se referia a latinha de lápis de Eric)


Eric estava concentrado no desenho//levantou a cabeça e disse:
Eric: cabei ( acabei)
PEC: isso . agora outra coisa que você tem que comer todo dia?
Eric: futa/ (fruta)
PEC: /fruta . então desenha a fruta ai (2.0) não tá em todo dia ainda oh .
todos os dias . então desenha a fruta aqui . todos os dias (3.0) que mais? .
arroz, fruta . que mais?
Eric: uva
PEC: / uva . uva não é fruta?
Eric: icho (isso)
PEC: o que mais?
Eric: [aanja] (laranja)
PEC: Ah?
Eric : aanja/ (laranja)
PEC: /laranja (2.0) e o leite . quantas * como é que você tem que tomar o
leite? (2.0) heim? . e ai . tem que tomar o leite todo dia ou não? . heim?
Eric: sim
PEC: /sim . então desenha o leite ai (3.0) que mais?
Karen: tia é pra desenhar e escrever o nome?
PEC: é . se a gente não conseguir identificar == você escreve o nome pra
saber/
Eric: feijão/
PEC: /feijão . muito bem (2.0) agora eu vou passar pra três vezes por
semana . o que que o Eric pode comer só três vezes por semana?
Eric: sagadinho (salgadinho)
PEC: não salgadinho é RARAMENTE . aqui oh . salgadinho é aqui em cima .
RARAMENTE pode comer salgadinho
Alex: [o tia . posso fazer o que a Ana Maria Braga tem em cima da cabeça?]
PEC: vai fazer aonde
Alex: [...]
PEC: alface? Eu nunca vi [...] alface . ‘[tá]’ de conversa fiada (2.0) ‘tá’ de
‘cuvercê’ (3.0) que mais? (2.0) que mais? . e o bolo? . bolo pode comer
quantas vezes?
Eric: milho
PEC: bolo de milho . pode comer quantas vezes?
Eric: uuu ( o aluno só fez barulho, não respondeu)
PEC: três a quatro vezes == oh . ‘tá’ . por semana (3.0) e o bolo de
aniversário?
Eric: é
70

PEC: pode comer todo dia? . não . é raramente que pode comer bolo de
aniversário (3.0) é uma vez por semana . o que pode comer só uma vez por
semana?
Eric: rão (macarrão)
PEC: ah?
Eric: Ca carrão ( macarrão)
PEC: fala de novo que a tia não ouviu
Eric: cacarrão (macarrão)
PEC: ah macarrão * miojo . miojo pode comer só uma vez por semana . não
pode comer muito miojo == que faz mal . muito bem . lembrou de tudo (2.0)
isso . agora deixa eu escrever o nome
/.../
PEC: agora vai pintar Eric
PEC: vai lá pegar o giz de cera ‘pra’ você pintar sua pirâmide . vai
Eric levantou, mostrou o desenho para professora e disse
Eric: MACHÃ (maçã)
PEC: a gente escreveu maçã aí oh . ‘TÁ’
Eric foi pegar o giz de cera arrastando os pés até a prateleira que está nos
fundos da sala // pegou a lata de giz de cera e voltou para a carteira//
colocou a lata em cima da carteira e sentou na cadeira// pegou um giz e
colocou na mesa// ficou olhando para o desenho// pegou o giz novamente
em cima da mesa e começou a pintar a pirâmide alimentar que ele fez.

Eric, ao retornar à sala de aula, parecia um pouco perdido; demonstrava


certa inquietação motora, traduzida, diversas vezes, em movimentos
estereotipados com a boca e com as mãos, movimentos que cessavam na
medida em que ele olhava para os colegas e retomava a atenção para a
professora.
O jogo de movimentos estereotipados versus controle da atenção à
professora evidencia que há uma relação entre olhar os colegas, verificar o que
estão fazendo (prestando atenção à explicação da professora) e imitar o
comportamento dos colegas (também prestar atenção à professora), de modo
a regular o próprio comportamento, reduzindo e controlando os movimentos
estereotipados. Nessa situação, tem-se um episodio de interação paralela
complementar, pois, embora os atores não se mostrem “visíveis” em um
primeiro momento no processo interativo, ou seja, Eric não dirige ou recebe
palavra, gesto ou qualquer tipo de intenção explícita que caracterize uma
71

relação ou interação, mas ele observa o comportamento dos colegas e se


permite influenciar por estes, alterando o seu comportamento. Nesse sentido, o
tipo de participação de Eric na interação, de acordo com as categorias
elaboradas a partir de Hinde (1997), é Pc ( paralela complementar), pois o
sujeito modifica seu comportamento pela observação do comportamento do
outro.
Nesse momento, Eric entrou na sala de aula e sentou na sua carteira// olhou
para a câmera e depois olhou o que a professora estava colocando em cima
da mesa// olhou para a professora// olhou para trás, onde estavam os
colegas e voltou a dirigir o olhar para a professora// abriu e fechou a boca
diversas vezes, em movimentos estereotipados // olhou para os colegas ao
lado e voltou a olhar a professora// movimentou os braços e os dedos
seguidamente, em movimentos estereotipados// olhou a professora//

Durante a confecção da pirâmide com a ajuda da professora, nos foi


possível apreender a qualidade que envolve as interações ocorridas naquele
contexto. Para Hinde (1997), a qualidade de uma interação refere-se a como
os participantes de uma interação fazem algo juntos. Identificamos que a
interação de Eric com a professora, caracteriza-se pela sincronia (Csi), pois,
são momentos em que as respostas da professora indicam pistas para a
emissão do comportamento de Eric e vice-versa, estabelecendo uma
articulação entre o comportamento da criança e da professora.

PEC: (Dirigindo-se a Eric) o que ‘tá’ escrito aqui? . escreve seu nome (3.0)
pronto? . deixa a tia riscar pra você (3.0) fala pra tia uma coisa que você tem
que comer todo o dia . heim?
Eric: arrozi ( arroz)
PEC: arroz? . então você vai desenhar o arroz . tá . vai desenha aqui o arroz
PEC: tem que falar pra mamãe comprar outro oh. num tá fechando . por isso
que cai toda hora oh ( a professora se referia a latinha de lápis de Eric)
Eric estava concentrado no desenho//levantou a cabeça e disse:
Eric: cabei ( acabei)
PEC: isso . agora outra coisa que você tem que comer todo dia?
Eric: futa/ (fruta)

No mesmo episódio, podemos perceber que há, ao mesmo tempo, uma


interação com supervisão (CSv), na medida em que o comportamento da
72

professora fornece retorno aos comportamentos de Eric na execução da tarefa


No exemplo que se segue, Eric acerta a resposta e inicia o desenho da fruta
em um lugar não indicado, a professora mostra o lugar correto e incentiva a
realização e o prosseguimento da tarefa.

PEC: /fruta . então desenha a fruta ai (2.0) não tá em todo dia ainda oh .
todos os dias . então desenha a fruta aqui . todos os dias (3.0) que mais? .
arroz, fruta . que mais?

A tranquilidade e a satisfação de Eric e da professora na execução da


tarefa revela a presença de afeto positivo (Ap) e transversaliza todo o episódio,
seja por meio de expressões verbais, seja por meio de gestos em que há
reciprocidade na direção dos afetos.

PEC: agora vai pintar Eric


PEC: vai lá pegar o giz de cera ‘pra’ você pintar sua pirâmide . vai
Eric levantou, mostrou o desenho para professora e disse
Eric: MACHÃ (maçã)
PEC: a gente escreveu maçã aí oh . ‘TÁ’

É perceptível, sobretudo no trecho em que Eric conclui a tarefa e a


professora se prontifica a escrever o nome dos alimentos que ele desenhou,
uma atitude que iguala sua tarefa à dos demais colegas da sala. Eric, por sua
vez, como não domina ainda a leitura, mostra o desenho da maçã para a
professora, questionando a falta da escrita do nome da fruta. A professora
entende o questionamento do aluno, situa seu desenvolvimento como uma
possibilidade em processo de construção e diz que já havia escrito o nome
maçã em tom harmonioso.
Sabemos que o desenvolvimento da criança com autismo ocorre em
ritmo diferenciado e que apresenta peculiaridades quanto às interações sociais,
à constituição da linguagem e do pensamento, no processo de comunicação,
ao uso da fantasia e da imaginação. De todo modo, conforme sustenta
Vigotsky (2001), o desenvolvimento da criança com autismo segue o curso da
lei geral de desenvolvimento, ou seja, todas as funções psicológicas superiores
aparecem duas vezes no desenvolvimento humano. A primeira surge nas
73

atividades coletivas, sociais, ou seja, como funções que ocorrem entre os


sujeitos, daí serem chamadas de interpsíquicas. A segunda aparece nas
atividades individuais, como propriedades internas do pensamento do sujeito,
ou seja, como funções intrapsíquicas (ROSSI, 2006).
É justamente no sistema coletivo que surge a atividade (LEONTIEV,
2004), enquanto algo derivado de um objeto ou de um motivo. Antes da
atividade se instituir como a realização de ações individuais dirigidas por
objetivos, ela é atividade para o outro, a ser internalizada quanto aos seus
motivos e objetivos pelo sujeito. Assim, as ações que Eric ensaia e realiza são
mediadas pela professora, que busca auxiliar no processo de internalização
criando operações rotineiras, que dependem das condições da ação. As
modificações que ela promove na sala de aula, os motivos que cria (não
apenas ações e habilidades isoladas, mas um sistema coletivo) é que estrutura
a atividade das demais crianças e, sobretudo, a de Eric. Ele se esforça para
manter a orientação da ação para o objeto e, enquanto isso, preenche o
propósito específico da atividade. A força de direção da atividade
“confeccionar uma pirâmide alimentar” está em seu motivo e é o que a
direciona.
Assim, as operações que Eric desenvolveu para executar a ação de
fazer a pirâmide só se tornaram possíveis pela qualidade da mediação
envidada pela professora, e que diz respeito à qualidade das interações
havidas entre esses dois interlocutores. Inicialmente, ela oferece a Eric um
motivo e, ainda que ele não possa transformá-lo imediatamente em um
objetivo, ou seja, um motivo consciente, o jogo das interações permite
apreender como, dialeticamente, ações, operações e objetivo se constituem
mutuamente, sob o motivo proposto.
A mediação da professora forneceu pistas a Eric para que ele
categorizasse os alimentos de acordo com o valor nutricional e os distribuísse,
por meio de desenhos, nos locais adequados dentro da pirâmide, postura
docente que Bruner (1997) considera como andaime e que favorece o
desenvolvimento da criança. Eric, com a supervisão da professora, conseguiu
fazer a tarefa de forma correta, o que talvez não conseguisse fazer sozinho, a
ponto de ser elogiado no final.
74

No entanto, Eric, que apresenta notória predileção por chips, pois inseriu
o alimento no local destinado àqueles que podem ser consumidos três vezes
por semana. A pirâmide seguia um padrão numérico que indicava a quantidade
de vezes que o alimento poderia ser consumido. O mesmo ocorreu em relação
ao bolo de aniversário. A professora retoma o significado da palavra raramente,
e questiona o único erro de Eric quanto à inserção dos alimentos em seus
devidos lugares.
Por um lado, a palavra raramente talvez não faça parte do campo
semântico do aluno o que pode ter dificultado a compreensão da categorização
dos alimentos que apenas se pode consumir em ocasiões incomuns ou pouco
frequentes. Por outro, o fato de serem alimentos prediletos os inserem em um
campo semântico regido por sentidos, isto é, pela região mais de afetos do que
do ponto de vista categorial, conceitual, impelindo a criança a fazer a alocação
dos alimentos como algo “permitido” mais vezes por semana, em função do
prazer que geram.
É interessante observar que não houve movimentos motores
estereotipados durante todo o período em que Eric esteve envolvido na tarefa
junto à professora, mostrando que a presença da docente regula o
comportamento de Eric, uma vez que ele controla sua ansiedade e demonstra
segurança na resolução da tarefa, aceitando prontamente os questionamentos
e sugestões da professora.

3.3.2. Copiando o texto do Saci5

Participaram desse momento da aula, a professora e 13 alunos, sendo 7


meninas e 6 meninos, acomodados nas carteiras dispostas em U. Eric era o
primeiro aluno do lado direito e, ao seu lado, estava sentada Carla. A
professora havia lido um texto sobre o Saci para a turma na semana anterior e
os alunos o reescreveram com suas próprias palavras. No dia em que se
realizou a observação, a professora, com o objetivo de trabalhar sinais de
pontuação, selecionou um texto dentre os textos produzidos pelos alunos, e o
copiou no quadro de giz, mantendo a identidade do autor no anonimato. Em

5
A duração do episódio foi de 13 min. 27 seg.
75

seguida, começou a reescrevê-lo, utilizando a pontuação correta. Na


sequência, ela solicitou aos alunos copiassem o texto já corrigido do quadro em
uma folha m branco.
Eric estava copiando o texto quando a professora saiu para ir ao
banheiro. Ele levantou-se de sua cadeira e andou pela sala, indo de um canto
para outro. Fez movimento estereotipado e permaneceu em pé. A professora
voltou para sala e, ao vê-la, Eric sentou-se novamente em sua cadeira. Ela,
então, lhe perguntou até que parte do texto ele havia copiado. Ele apontou
difusamente para o quadro e a professora pediu que prosseguisse a fazer a
cópia. Eric retomou a tarefa, mas logo a interrompeu, iniciando uma série de
movimentos, alternando entre tentar copiar, olhar para a professora, olhar para
o texto e para o quadro. A professora perguntou novamente até que ponto ele
havia chegado na cópia, solicitando que ele levantasse e apontasse
diretamente no quadro de giz. Eric o fez prontamente. Entretanto, não
conseguiu realizar totalmente a tarefa,; escrevendo letra por letra, em caixa
alta, copiou só a metade do texto.

A PEC retomou a sala// Eric voltou para sua carteira// sentou.


PEC: Eric onde você parou
Eric: ali
PEC: então continua . vamos
Eric voltou a copiar o texto.
PEC: bora meu amor aonde é que você tá?
Eric continuou olhando para o texto do quadro e depois voltou a copiar//
parou de copiar e olhou para trás em direção à professora// fez estereotipia
com as mãos// voltou a olhar fixamente para o quadro// colocou o lápis na
boca// voltou a copiar o texto// fez movimento para frente e para trás e olhou
para a filmadora// encostou na cadeira e copiou o texto// ficou olhando para a
professora e voltou a olhar para o texto// olhou para o lápis// olhou para a
janela// olhou para a filmadora e olhou para o quadro// deu pulinhos na
cadeira// olhou para a filmadora// voltou a olhar para o texto// esticou o braço
sobre a mesa e deitou com a cabeça em cima.
PEC: terminou Eric
Eric voltou a copiar o texto.
PEC: aonde que você está? . mostra lá pra tia
Eric apontou com o dedo para o quadro.
Eric: [...]
76

PEC: hã?
ERIC: hã
PEC: vai lá no quadro e mostra pra tia . vai lá no quadro
Eric levantou, foi até o quadro e apontou a palavra.
PEC: cachimbo
Eric: bo
PEC: cachimbo
Eric sentou novamente na cadeira e ficou olhando para o quadro.
PEC: então escreve
Eric levantou novamente, foi até o quadro e ficou olhando.
PEC: Eric
Eric: esse (apontou com o dedo a palavra)
PEC: esse . então senta pra escrever
Eric sentou na cadeira e continuou copiando o texto
Eric apoiou a cabeça nos braços postos na mesa// levantou o corpo e
continuou a copiar.

Eric tenta se envolver na cópia do texto, mas se dispersa facilmente, e


não consegue encontrar a parte do texto até onde havia copiado. Pede a
palavra e não consegue se comunicar verbalmente com a professora para lhe
dizer o que está acontecendo. Inicia, então, uma série de movimentos com o
corpo, demonstrando inquietação e ansiedade.
As dificuldades comunicativas, uma peculiaridade de pessoas com
autismo, podem aparecer acompanhadas de alguns comportamentos atípicos
em crianças com autismo (SHEUER, 2002). Eric apresenta a linguagem oral
desenvolvida, ainda que com alguns atrasos. No episódio podemos apreender
a atenção compartilhada, o uso da fala com função comunicativa, a conjugação
do olhar da criança e da professora sobre um mesmo objeto. Compartilhar o
foco de interesse com ela pressupõe a representação do outro como um sujeito
que apresenta interesse em relação à tarefa em curso e em relação a si
próprio. Mas, diante de situações em que ele não consegue se fazer entender,
a reação motora estereotipada aparece como uma comunicação alternativa.
Podemos compreender a função do comportamento de Eric no contexto em
que se manifesta e, nesse caso, denota inquietação e insatisfação pelo fato de
se perder na cópia do texto. São movimentos que “comunicam”, falam ao
outro sobre suas experiência internas.
77

Eric manifesta a vontade de realizar a tarefa, esforça-se para realizar o


que é solicitado pela professora e tenta acompanhar a turma. Todavia,
depende da regulação da professora, que encontra alternativas sutis de mediar
sua relação com o objeto de conhecimento, sem fazer com que a criança se
sinta diminuída diante dos colegas. Ela lhe ofereceu o motivo da tarefa a priori:
copiar o texto. Eric tentou internalizar o motivo e transformá-lo em um objetivo
consciente, envidando uma série de operações e ações complexas, ainda que
com algumas dificuldades e consegue copiar uma parte do texto. Sua ação se
organiza diante das pistas que a professora lhe entrega, ou seja, as pistas
constituem modos de realizar a ação, ou seja, operações. Eric fornece retorno
ao comportamento da professora, executando a tarefa. São interações cuja
qualidade denota sincronia e supervisão. A professora modula os
procedimentos pedagógicos diferenciados que utiliza com Eric, com cuidado
para não constrangê-lo diante da turma.

PEC: Eric
Eric: esse (apontou com o dedo a palavra)
PEC: esse . então senta pra escrever
Eric sentou na cadeira e continuou copiando o texto

Há entre eles, uma relação afetiva positiva, o que proporciona a Eric o


impulso para seguir adiante com a cópia, e como ele ainda está em processo
de desenvolvimento da leitura e da escrita, a professora lhe pede que aponte
no quadro o lugar onde parou, evitando pedir que lesse a palavra.

PEC: vai lá no quadro e mostra pra tia . vai lá no quadro


Eric levantou, foi até o quadro e apontou a palavra.

A professora encarna a figura do outro social, do responsável pela


mediação entre Eric, o sujeito que conhece, e a escrita e a leitura, objetos a
serem conhecidos, possibilitando a ele transformar os conteúdos externos em
conteúdos da sua consciência (ROSSI, 2006). Enquanto ensina, promove,
gradativamente, o desenvolvimento da criança, que aprende.
78

3.3.3 Encontrando a página de um livro6

Após o recreio, os alunos retornaram à sala de aula e a professora lhes


entregou um livro do programa Ciência em Foco, solicitando que o abrissem na
página que haviam parado na aula anterior (mostrando a eles seu livro aberto).
Trata-se de um livro-texto com muitas gravuras coloridas, utilizado nas aulas de
ciências. Com as cadeiras dispostas em U, Eric era o primeiro aluno do lado
direito, tendo como vizinha, Carla. Os alunos começaram a folhear o livro para
chegar até a página indicada pela professora. Eric olhou para Carla e, à
medida em que ela ia folheando o livro, ele procurou imitá-la, folheando o seu
também. Carla chegou logo à página indicada; a professora observou que Eric
ainda não havia conseguido e sugeriu que Carla o ajudasse. Eric olhou para a
colega e permitiu que o ajudasse.

PEC: Agora nós vamos abrir a página do livro onde nós paramos e vamos
observar o desenho que tem nessa página (a professora mostrou seu livro
aberto para os alunos)
Carla abriu o livro// Eric abriu o seu também//Carla começou a folhear o
livro// Eric observou e folheou o seu também// o livro escapou da mão de Eric
e fechou// Eric abriu novamente e, olhando para Carla, tentou acompanhá-la,
passando as páginas rapidamente.
Carla falou: Pronto tia (abriu o livro na página indicada e deixou sobre a
mesa).
Eric olhou para o livro de Carla// passou mais páginas de seu livro// o livro
fechou//Eric abriu novamente e tentou encontrar a página também.
PEC: pronto . agora ajuda o Eric aí.
Carla pegou o livro de Eric e começou a procurar a página certa// Eric
estendeu o braço sobre a mesa// deitou sobre o braço// virou a cabeça em
direção a Carla e ficou olhando a ação da colega// Carla entregou o livro a
Eric//Eric riu//olhou para Carla, que observava a gravura do livro//olhou para
seu livro e fixou o olhar assim como a colega fazia.

Eric tenta encontrar a página do livro indicada pela professora imitando a


ação de sua colega Carla, sinalizando compreensão do objetivo da tarefa

6
A duração da observação desse episódio foi de 1 min. e 24 seg.
79

formulado pela docente. Novamente, o processo interativo que se estabelece


com a colega tem como base a imitação.

Carla abriu o livro// Eric abriu o seu também//Carla começou a folhear o


livro// Eric observou e folheou o seu também// o livro escapou da mão de Eric
e fechou// Eric abriu novamente e, olhando para Carla, tentou acompanhá-la,
passando as páginas rapidamente.

Chama-nos a atenção como, no autismo, as defasagens sociais afetivas


e cognitivas não se mostram de modo uniforme em todos os sujeitos e
também nos processos cognitivos de um mesmo sujeito.
Para Hobson (apud PASSERINO ; SANTA ROSA, 2006), essa variação
é derivada da limitação ou deficiência na capacidade de ter um “sentido da
relação pessoal” e de experimentar essa relação. Eric mostra-se capaz de criar
um significado para a interação social e, consequentemente, participar da
mesma. Apresenta, pois, estratégia para compartilhar a atenção com a
colega. O uso da imitação, que aparece como algo “engessado”, uma
tentativa de cópia fiel de um modelo, é diferente da imitação criativa e ativa que
ocorre em crianças com desenvolvimento típico.
A imitação desempenha um papel crucial no desenvolvimento e na
aprendizagem sobre o mundo desde o início da infância. Desde o nascimento,
a criança se mostra predisposta a se engajar em interações com as pessoas.
De acordo com Moura e Ribas (2002), ao nascer, a criança apresenta uma
capacidade de imitação inicial bastante sofisticada. A imitação é uma espécie
de base adaptada através da qual se conhece o mundo. Conexões não-
aprendidas são evidentes na imitação do recém-nascido e é uma dos pilares do
processo de representação.
Assim, a imitação é um aspecto singular das interações sociais e é
determinada socialmente. Aí se encontra sua essência. O desafio é superar a
reprodução mecânica da realidade para dar lugar a formas mais criativas de
imitação. Se, ao imitar, a criança tem consciência do que reproduz, estamos
diante da ampliação da capacidade de representar, com abertura para novas
aprendizagens.
80

Carla, antes modelo a ser imitado numa interação complementar


paralela, abre o livro na página correta.
A intervenção da professora, pedindo que Carla ajudasse o colega,
ocorre quando ela realiza a leitura da “dificuldade” de Eric e abre um canal de
interação entre eles. Ela, nesse caso, poderia ter ido até a mesa de Eric e o
ajudado diretamente, mas delegou a Carla essa função, aproximando-a de
Eric. A ação de Carla para com Eric difere da mesma ação se fosse com a
professora, pois os coloca em uma situação de igualdade, onde uma colega
colabora com o outro - é uma relação entre pares que se assemelham em
idade e na mesma condição de alunos em sala de aula. A mesma ação, se
tivesse sido tomada pela professora, poderia estabelecer uma relação de poder
e talvez tivesse outro sentido para Eric que, ao ser ajudado por Carla, procura
assumir sua postura ao observar a gravura do livro.
Neste episódio, os movimentos estereotipados e repetitivos estão
ausentes. Junto a Carla, Eric conseguiu ter sob controle seu próprio
comportamento e manter a orientação para a tarefa, sem desviar a atenção das
gravuras do livro.

3.3.4 Momentos livres

3.3.4.1 Proteção em série7

Os alunos terminaram de lanchar e aguardavam o toque do sinal para


saírem para o recreio. Brincavam livremente. Enquanto isto, Loli, em sua
cadeira de rodas continuava a lanchar em seu lugar. Eric se aproximou e
começou a se movimentar perto da cadeira de rodas. Percebendo a tentativa
de interação da criança, a professora lhe solicita que conduza Loli. Lina e Fábia
acompanham Eric, enquanto ele empurrava a cadeira de Loli.

Eric foi à mesa de Loli e viu que seu saco de pipoca estava vazio// pegou o
saco// amassou-o//o jogou no lixo// voltou para perto de Loli// ficou em pé
atrás de sua cadeira// saiu.

7
A duração da observação desse episódio foi de 3 min. e 18 seg.
81

A professora, que observava o movimento, falou:


PEC: Eric trás a Loli vai . vai buscar ela
Eric foi até Loli// tentou empurrar sua cadeira e viu que tinha uma mochila
atrapalhando// tirou a mochila e a colocou em cima da mesa// enquanto isso,
Loli olhava o que Eric estava fazendo// Eric empurrou a cadeira de Loli até o
grupo das meninas.
Lina, observando a ação do colega, disse:
Lina: Eric você vai derrubar ela.
Eric continuou empurrando Loli até o grupo// Lina e Fábia posicionaram-se
atrás de Eric e o acompanharam enquanto ele conduzia Loli// Eric deixou Loli
no grupo e saiu.

O espaço de aprendizagem transforma-se em lugar da realização da


aprendizagem quando as crianças são orientadas pela ação intencional da
professora, por intermédio de atividades orientadoras de ensino. Aqui, a
atividade comparece como estruturante, de modo a permitir que as crianças
interajam, mediadas por uma tarefa, negociando significados, com o objetivo
de solucionar coletivamente uma dada situação. A atividade define os
elementos essenciais da ação educativa e introduz a cooperação e o
reconhecimento do outro como valores a serem assumidos na escola. A
professora significa “a aproximação” de Eric junto a Loli, oferece a ele um lugar,
convoca seu auxílio, valorizando sua contribuição, uma interação com
sincronia. Percebe a linguagem não-verbal do aluno, quando se incomoda com
a situação da colega e o autoriza a conduzi-la até as outras colegas.
Todo afeto, emoção ou sentimento é um chamado à ação ou à rejeição da
ação. Nenhum sentimento pode permanecer indiferente e infrutífero no
comportamento. As emoções são o organizador interno das reações e do
comportamento, que coloca em tensão, excita, estimula ou freia todas as
reações (VIGOTSKY, 2001).
A imitação e a brincadeira indicam um nível de compreensão a ser
trabalhado. Diferentemente dos animais, que também podem imitar os gestos
humanos, o aprendizado da criança é fomentado pela natureza social de sua
espécie. Um processo pelo qual elas são inseridas na vida intelectual da
comunidade. A atividade coletiva e o aprendizado social permitem que se
ultrapasse os limites do desenvolvimento real. Educar significa gerar mudanças
82

nas várias áreas do desenvolvimento humano e, principalmente, na esfera dos


sentimentos e das emoções. A professora encontra, nos sentimentos, uma
ferramenta valiosa para educar as crianças, fortalece as relações afetivas entre
professor e aluno, incitando-as a cuidarem uma das outras. A sala de aula
torna-se um terreno onde circulam afetos.
Eric responde à solicitação da professora - Re (responder) - e rejeita a
alerta da colega, quando ela avisa que ele pode deixar Loli cair (interação
rejeitar). A colega, por sua vez, tem a intenção de protegê-lo e proteger Loli, e
num efeito em série, outra colega é afetada, une-se ao grupo cooperativo e
acompanha o transporte de Loli, com uma demonstração de cuidado e de afeto
positivo.
Eric tinha um motivo claro: levar Loli para o grupo das meninas.
Estabelecida essa comunicação e autorizada a condução, Eric inicia sua ação,
que necessita de algumas operações que são determinadas pelas condições
ambientais, tais como virar a cadeira e tirar uma mochila do meio do caminho.
É interessante ressaltar o fenômeno da proteção e a percepção de Eric
da necessidade de outra criança. A convivência com Loli talvez tem para o
desenvolvimento de Eric um aspecto muito positivo com relação à constituição
de sua identidade. Vigotsky (2001) sustenta que inicialmente aprendemos a
compreender os outros para depois compreendermos a nós mesmos e, assim
sendo, passamos a nos conhecer quando conhecemos os outros. O contexto
histórico e cultural, nesse sentido, é, portanto, determinante da constituição do
sujeito e a escola apresenta-se como um contexto que proporciona esse
desenvolvimento.

3.3.4.2 Quem pegou minha revista?8

Em outro dia, os alunos também já haviam lanchado e esperavam o


sinal do recreio, simulando lutas corpóreas, conversando e cantando em um
espaço livre na sala de aula. Eric abriu a mochila de Carla e pegou uma
revistinha da colega. As demais crianças disseram a ele que não o fizesse,

8
A duração da observação desse episódio foi de 2 min. e 03 seg.
83

mas ele não lhes deu atenção. Carla viu a cena e tentou tomar a revista mas
Lina tomou a frente e tentou justificar a ação de Eric, afirmando que ele apenas
desejava ver a revista pelo fato de ser o Sitio do Pica-pau Amarelo, sua
predileta. Em seguida, já em outra brincadeira, as demais crianças faziam
perguntas a Eric, que respondeu a algumas, demonstrando compreensão da
situação e envolvimento nas brincadeiras.

Eric começou a mexer na mochila de Carla, José, Vitor e Alex o


repreenderam, mas Eric ignorou, pegando uma revistinha que estava dentro
da mochila// Carla partiu para tomar a revista de Eric, Lina pegou a revista da
mão de Eric e disse:
Lina: é do pica-pau . ele só que ver
Carla tomou bruscamente a revista da mão de Lina, nesse momento Eric
estendeu a mão em direção a Carla e falou:
Eric: meu . é meu
Carla guardou a revista em sua mochila. Os outros colegas começaram a
conversar com Eric
Alex: Eric ele é bonitinho?
Eric: [não]
Alex: e eu . eu sou bonitinho?
Eric: NÃO
Lina: Eric fala que ele [é feio]
/Vitor: é ela . fala que ela é feia
Eric deu uns tapas leves no rosto de Lina
PEC: olha . (Eric parou e observou os colegas conversando)
(grupo conversa)
Lina levantou e pegou nas mãos de Eric, tentando levantá-lo
Lina: levanta . levanta
Eric escorregou com o bumbum no chão segurando as mãos da colega//
soltou as mãos e pegou novamente// Eric soltou as mãos e segurou nas
pernas da colega// puxou Lina pelas pernas. A professora olhou para Lina e
disse:
PEC: depois você cai e não sabe por quê
A colega saiu de perto de Eric e ele continuou sentado no chão próximo aos
colegas//

Eric se aproximou dos colegas para brincar, mas a fixação pelos


personagens do sitio do pica-pau amarelo o desviou da brincadeira, a ponto de
84

abrir a mochila da colega para pegar a revistinha de seu grupo preferido. Lina
protege Eric, demonstrando afeto pelo colega - Ap ( afeto positivo) - ,
impedindo Carla de ser ríspida com Eric. Carla rejeita a proibição de Lina e
guarda a revista. Eric tenta argumentar com Carla, que demonstra insatisfação
pela ação do colega - An (afeto negativo).
Lina expressa sua empatia em relação ao comportamento de Eric,
tratando o assunto de forma natural e sem penalizá-lo. Vitor e Alex também
procuram protegê-lo, mudando o foco da situação conflitante em que ele e
Carla se encontravam para uma brincadeira que o envolvia numa seção de
perguntas. Eric responde as perguntas dos colegas e assim estabelece uma
relação Csi (com sincronia), pois evidencia uma articulação entre os
comportamentos de ambos. Contudo, demonstra nas respostas que se frustrou
com a atitude de Carla em retirar-lhe a revista, ao eleger o não como resposta.

Carla guardou a revista em sua mochila. Os outros colegas começaram a


conversar com Eric
Alex: Eric ele é bonitinho?
Eric: [não]
Alex: e eu . eu sou bonitinho?
Eric: NÃO

A partir do momento que Lina pede que Eric fale que o colega é feio, ele
reage, batendo de leve em seu rosto. Ela, por sua vez, não considera a reação
de Eric como negativa e inicia uma brincadeira de luta com ele, que
corresponde - Csi (com sincronia) - e responde a brincadeira.

Eric escorregou com o bumbum no chão, segurando as mãos da colega//


soltou as mãos e pegou novamente// Eric soltou as mãos e segurou nas
pernas da colega// puxou Lina pelas pernas.

A postura da professora em impedir a brincadeira de Eric e Lina aponta


para outras experiências anteriores onde ele a machucou. Eric aparenta ter
mais força que os colegas, mesmo porque é o maior e o mais velho da sala.
Por mais que não apresente comportamentos agressivos, demonstra não
possuir noção da força que tem e do perigo que podem representar
85

determinadas brincadeiras para a colega. Nesse sentido, a interação entre Eric


e Lina foi impedida pela observação da professora e a sua intenção era a de
proteger a aluna.

3.3.4.3 A busca frustrada 9

Esse episódio se passa no recreio que, na Escola Classe, acontece em


dois turnos: no primeiro turno, participam os alunos maiores matriculados no
quarto e quinto ano; no segundo turno, as crianças menores do primeiro,
segundo e terceiro ano. Os alunos brincam livremente, sem orientação ou
supervisão de adultos no pátio externo e pátio coberto, na quadra de esporte e
pelos arredores da escola. Como os espaços são extensos, os alunos se
espalham e não se concentram em um mesmo local.
A turma de Eric saiu da sala quando tocou uma música sinalizando o
recreio. Eric acompanhou seus colegas até o pátio externo, estes se juntaram
a colegas de outras turmas, sem dar atenção a Eric. Várias vezes, ele olhava
as crianças, tentava se aproximar, sem conseguir entabular uma conversa,
brincadeira ou iniciar uma interação. Assim, retornou à sala de aula, buscando
se ocupar, mas voltou ao pátio, fez movimentos estereotipados e passou o
resto do recreio caminhando pelo pátio sozinho, de um lado a outro.

Eric saiu da sala de aula com seus colegas// foram formados grupinhos entre
os colegas na saída para o recreio. Eric ficou sozinho no pátio, andou um
pouco; observou um grupo de meninas que estava conversando// olhou para
a câmera e continuou a caminhar pelo pátio descoberto// parou e dirigiu seu
olhar para uns colegas que estavam mais distantes, jogando bola// olhou
para a filmadora// começou a caminhar na direção dos colegas que estavam
brincando de bola// olhou para uma menina que vinha em sua direção// a
menina apressou os passos ao chegar próximo de Eric e passou direto// Eric
a acompanhou com o olhar// começou a caminhar e correr em direção de um
colega que correu pelo pátio// parou de correr e ficou parado.
/.../
Eric entrou para o pátio interno da escola (coberto) e andou sozinho // entrou
na sala de aula da educação infantil// parou em frente a uma prateleira//

9
A duração da observação desse episódio foi de 8 min. e 12 seg.
86

olhou// deu meia volta e caminhou em direção a uma vassourinha de


brinquedo que estava jogada no chão// pegou a vassoura e caminhou pela
sala//voltou à prateleira// mexeu nas revistinhas que se encontravam em
cima da prateleira.
/.../
Saiu da sala// caminhou sozinho pelo pátio coberto movimentando os braços
e os dedos seguidamente em movimentos estereotipados. Repetiu algumas
vezes o caminho do palco fixo ao lado oposto do pátio coberto// o sinal que
indicava o término do recreio tocou.

O recreio da escola acontece sem a supervisão do professor. Os alunos


brincam livremente e se misturam às crianças de outras salas. O ambiente fica
barulhento. Como não consegue iniciar uma interação, Eric procura um lugar
mais estruturado para entrar, uma sala de aula, para, em seguida, retornar ao
pátio. O comportamento de Eric denota a intenção de buscar o outro. Olhava
os colegas brincando, caminha em direção a eles, o que pode ser considerado
uma interação sem sincronia (Ssi) pela falta de transmissão do seu desejo de
brincar ou de se comunicar com os colegas. Temos muito mais a dificuldade de
comunicação e de interação do que a ausência do desejo de interagir e
comunicar-se. (WING, 1996)
O recreio, de modo diferente dos momentos livres em sala de aula,
acontece em um espaço maior, com crianças de outras salas e sem a presença
da professora. Eric necessita de parceiros que regulem seu comportamento e
da manutenção de um ambiente mais estruturado e de parceiros conhecidos.
Os colegas de sala se espalham pela amplidão dos espaços e se misturam a
outros desconhecidos e, sem essa parceria, ele se envolve com os rituais
repetitivos e estereotipados. Essa foi a característica principal do
comportamento da criança em todos os recreios nos quais foi observado.

3.4 Interações na Escola Parque: novo panorama

Nas observações realizadas na Escola Parque, houve variação das


interações nos Momentos Livres tanto em relação à Escola Classe, com
visível aumento dos episódios em que ocorre a participação sem supervisão,
simultaneamente ao afeto positivo e com sincronia. Mostra também certo
87

equilíbrio quanto aos tipos de participação, uma vez que um tipo não se
sobrepõe aos demais, ainda que as categorias comportamentais permaneçam
centralizadas no ordenar e obedecer.
Já nas Atividades Pedagógicas Estruturadas estão presentes o afeto
positivo, a sincronia e a supervisão, mas ao contrário do que acontece na
Escola Classe, há um significativo aumento das interações paralelas
complementares e independentes e surgem interações mais pautadas no
“sugerir” e não apenas no “ordenar”. É o que evidenciam as tabelas que se
seguem:
Tabela 4. Frequência absoluta e percentual de qualidade das interações na
Escola Parque.

*Categorias de Momentos Atividade Total Direção do sentido


qualidade da livres pedagógica
interação estruturada
E>X X>E E<>X
Freq. % Freq. % Freq. %
Freq. % Freq. % Freq. %

Com sincronia 6 75 34 77,3 40 77 4 32,5 36 67,5 3 100

Sem sincronia 2 25 10 22,7 12 23 7 58 5 42 0


Afeto positivo 7 87,5 28 63,6 35 67 4 11,3 30 85,7 1 2,9

Afeto negativo 1 12,5 16 36,7 17 33 4 23,5 12 70,5 1 6

Com
supervisão 1 12,5 34 77,3 35 67 1 2,5 34 97,5 0
Sem
supervisão 7 87,5 10 22,7 17 33 0 0 0
Com liderança 2 25 31 70,5 33 63,5 1 3 32 97 0

Sem liderança 6 85 3 29,5 19 36,5 0 0 0


Total 32 176 208
* O somatório de cada dimensão é de 100%.

Tabela 5. Frequência absoluta e percentual do tipo de participação nas


interações sociais na Escola Parque

Tipo de Momentos Atividade Direção do sentido


participação Livres pedagógica Total
estruturada E>X X>E E<>X
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %

Individual 3 37,5 9 20,5 12 23 4 33,3 8 67,7 3 100


Grupo 1 12,5 10 22,7 11 21 0 3 27 8 73

Paralela 2 25 11 25 13 25 0 0 13 100
independente
Paralela
complementar 2 25 14 31,8 16 31 16 100 0 0
TOTAL 8 44 52
88

Tabela 6. Frequência absoluta e percentual dos comportamentos nas


interações sociais na Escola Parque
*Categorias Momentos Atividade Total Direção do sentido
comportamentais Livres Pedagógica
estruturada E>X X>E E<>X

Freq. % Freq. %
Freq. % Freq. % Freq. %
Solicitar/ 2 8,7 21 91,3 23 57,5 6 26 17 74 0
sugerir
Ordenar 3 37,5 14 31,8 17 32,7 0 17 100 0
Proibir 1 12,5 1 2 0 1 100 0
Atender 3 37,5 12 27,3 15 28,8 12 80 3 20
solicitação
/sugestão
Obedecer 2 25 13 29,5 15 28,8 15 100 0 0
Rejeitar 1 12,5 09 20,5 10 19,2 07 70 3 30 0
Elogiar 06 13,6 6 11,5 6 100 0
Imitar 2 13,5 14 87,5 16 30,8 100 0 0
Total
*O somatório das dimensões não é de 100% uma vez que em uma mesma interação aparece mais de
um comportamento.

Os episódios expressivos selecionados para efeito de análise na Escola


Parque foram:

Atividades pedagógicas estruturadas:

Artes Visuais:

a) Desenhando com cola colorida


b) Jogo da memória: mudando regras

Música:

a) No ritmo do violão
b) A banda de percussão

Momentos livres:

a) No bebedouro
b) Lendo um livro
89

3.5 A Observação na Escola Parque

Na Escola Parque, inicialmente foi feito um projeto-piloto, onde foram


observadas as aulas de todas as disciplinas ministradas na escola, a saber,
Artes Visuais, Educação Física, Teatro e Música. Para a coleta de dados foram
escolhidas as disciplinas de Artes Visuais e Música. Descartamos Educação
Física porque esta se iniciava no primeiro horário e isso ocasionava o atraso de
algumas crianças e interrupção constante da aula com a chegada das mesmas.
As aulas de teatro também foram descartadas em função do afastamento da
professora por problemas de saúde, o que resultava em substituições
frequentes de professores.
A turma era a mesma da Escola Classe e, em função da presença de
duas crianças com Necessidades Educacionais Especiais (Eric e Loli), as aulas
de cada disciplina foram acompanhadas por uma professora da sala de
recursos, com formação específica na área.
A observação foi organizada à semelhança do que ocorreu na Escola
Classe e realizada em duas situações distintas, a saber, nas atividades
pedagógicas estruturadas e nos momentos livres, seguindo os mesmos
critérios.
O registro das observações ocorreu dentro e fora das salas de aula,
totalizando 2 horas, 47 minutos e 25 segundos de filmagem.
Para a transcrição dos episódios, foi utilizada a legenda indicada no Quadro 5.

PAV: professora de artes visuais


PMU: professor de música
PRE: professora da sala de recursos
Sublinhado: ênfase
MAIÚSCULA: sonoridade
/: o começo de falas sobrepostas
.: pausa curta
(2.0): pausa medida
(3.0): pausa longa
==: continuações sem pausas audíveis
90

[]: transcrição incerta


*: interrupção voluntária
[...] inaudível
/.../: corte na gravação
//: troca de comportamento
(): comentário do analista
Quadro 5. Legenda da transcrição

3.5.1 Artes Visuais – o ambiente da observação

Era uma sala de aula padrão da Escola Parque. Possuía 25 carteiras


distribuídas em 4 grupos e o número de integrantes variava de acordo com os
objetivos de cada aula. Na frente das carteiras estavam a mesa e a cadeira da
professora e, atrás da mesa, um quadro-negro. Na parede lateral, à direita da
sala, havia uma pia com um balcão; embaixo da pia, prateleiras. Ao lado da
pia, havia uma parede recuada com uma porta de acesso a um depósito. Ao
lado da parede do depósito, existia um armário em aço com umas caixas em
cima.
A sala está localizada no meio do pavilhão. É ampla, possui janelas de
vidro na parede esquerda, oposta à porta de entrada, que se abre para um hall.
Na parede da esquerda havia um cartaz com cores quentes e cores frias, e um
outro versava sobre luz e sombra.

3.5.1.1 Desenhando com cola colorida10

Nesse dia, a sala estava organizada em 3 grupos de 8 carteiras cada


mas, no início da aula, a professora dividiu os alunos em dois grupos, um grupo
de meninas e um de meninos, sobrando um grupo de carteiras vazias. Os
alunos que estiveram presentes à aula anterior deveriam dar continuidade a
uma tarefa já iniciada. Como Eric e mais duas colegas haviam perdido a aula e
iniciaram, então, a mesma tarefa, que consistia em fazer um desenho com cola

10
A duração da observação desse episódio foi de 10 min. e 59 seg.
91

colorida em um envelope. Para realizarem a tarefa, foram separados dos


demais colegas e formaram um novo grupo.

PRE: O que você vai fazer


Eric: Lá. (falando pra dentro)
PRE: O quê?
Eric olhou para o quadro, levantou o braço como quem ia apontar e disse:
Eric: Lá.
PRE: Ah. A nuvem. A nuvem
Eric: É
PRE: Ai que lindo que vai ficar isso aqui . Desce colinha . Tá seca. Não
desce.
PAV: Pega essa aqui ó. ( entregou outra cola para PRE)
PRE: Eric a cola ficou seca . pega essa aqui agora. (a professora testou a
cola no envelope de Eric e se certificou que essa estava saindo). Ai que lindo
capricha hein Eric
/PAV: Devagar . devagar . agora vou fazer a chamada (sentou –se em sua
mesa e começou a chamada)
Eric pegou a cola colorida azul// olhou para a lousa// fez uma nuvem em seu
trabalho// abaixo da nuvem escreveu seu nome// esticou o braço para onde
estavam as outras colas (nas mesas de suas colegas como se fosse pegar a
cola verde)
PRE: Quer o verde
Eric: É
Eric desenhou algo indefinido no envelope// tentou pegar a cola amarela,
mas sua mão não a alcançou direito.
PRE: Passa a amarela pra ele Elisa.
Elisa entregou a cola a Eric. PRE olhou para o desenho do aluno e disse?
PRE: - QUE É ISSO . Apareceu uma coisa grande aí nesse desenho
Eric continuou desenhando//Eric tentou continuar seu desenho agora com a
cor amarela//sacudiu a cola e disse:
Eric: - Não
PRE: Não tá saindo
A professora estava limpando o bico de outras colas com papel toalha para
tirar uma membrana de cola seca que impedia a cola de sair.
Eric: Papel
PRE: Quer o papel . Limpa aí.
O aluno limpou o bico da cola// começou a desenhar algo ao lado das
nuvens com a cor amarela.
Edson: Mãe eu quero o verde
92

/PRE: Senta aqui ó perto de sua amiga


/Edson: Não . vou ficar aqui
PRE foi até a cadeira do filho levar a cola verde, na volta parou ao lado
esquerdo de Eric, observou seu desenho e disse:
PRE: _ Ah o sol . tá maravilhoso. (saiu e foi até o armário).
O aluno abandonou a cola amarela// observou o trabalho das colegas ao
lado que desenhavam corações vermelhos em seus envelopes// apontou
para a cola vermelha
PRE: - É vermelho que você quer
Eric: É.
A PRE pegou a cola e viu que estava entupida também.
Elisa: - Tia . a tia (se referindo a PAV) corta quando fica assim.
PRE: Você corta o bico é
PAV: - Tem que cortar . fica ressecada . aí no armário tem tesoura.
PRE foi até o armário e pegou uma tesoura// cortou o bico da cola e a
entregou para Eric.
PRE: Vixe vazou . vou pegar um papel toalha. (Pegou o papel toalha e
limpou a carteira do aluno)
De posse da cor vermelha Eric olhou para o desenho das colegas que
estavam em seu grupo e reproduziu um coração// Mostrou para a PRE e
disse:
Eric: Achão (coração)
PRE: Ah . Coração
Eric: É.
Eric olhou as colegas// voltou a desenhar com mesma cor vermelha outro
coração// a tinta começou a falhar ele sacudiu.
PRE: “Cabou” o vermelho Eric (2.0) Vamos mudar de cor. (Entregou outra
cor para o aluno).
/.../
Edson: Mãe . eu quero o verde (pediu o filho da professora)
PRE: Passa o verde pra ele Eric.
Eric passou o verde para Edson
PRE: O que você vai fazer ( perguntou a PRE ao filho)
F: Uma árvore . Uma árvore grande
Eric trocou de cor// pegou o verde também para iniciar um novo desenho.
Elisa: Tá prestando não . Eric.
Ana: Tá sim
Eric tentou fazer a cola sair e não conseguiu. A PRE recolheu a cola verde e
falou:
PRE: Faz de amarelo . Eric. (entregou uma cola amarela para ele)
93

Eric: Tia vai fazer gande (grande).


PRE: Vai fazer uma árvore grande
Eric desenhou uma parte da árvore (como se fosse o tronco) // abandonou a
cor amarela// esticou o braço e falou:
Eric: O verde
A PRE entregou-lhe a cola verde e disse:
PRE: Vai fazer a copa da árvore
Eric não respondeu a pergunta da professora// pegou a cola// abriu// olhou
bem para o buraco onde sai a cola//começou a desenhar a copa.(2.0) Olhou
o desenho do filho da professora// fez uma linha verde na parte baixa do
envelope , assim como o garotinho fez.
PRE: Olha que lindo . E aí . O que você acha . Tá lindo .
Eric: -Tá.
Nesse momento, a PAV encostou-se à mesa de Eric e elogiou seu trabalho.
PAV: Ta lindo Eric . Terminou. Já terminou.
Eric: Já.

A professora estruturou uma tarefa em grupo onde os colegas deveriam


dividir o material para confeccionar, de forma individual, um desenho em um
envelope. Eric iniciou seu desenho pela observação do desenho que a
professora fez no quadro, estabelecendo uma participação PC (paralela
complementar), pois foi influenciado pelo comportamento da professora. Na
sequência, estabeleceu com a professora de sala de recursos uma interação
com sincronia nos momentos em que solicita material para produzir o desenho,
através de linguagem verbal e gestual. Esse episódio envolve, portanto,
comportamentos de solicitar (st) por parte de Eric e atender solicitação (Ast)
por parte da professora.
A professora da sala de recursos também controla a execução de sua
tarefa com questionamentos constantes, instituindo uma interação com
supervisão. Algumas vezes, responde aos questionamentos da professora - Re
(responder).
Eric, que iniciou sua produção pela observação e reprodução de um
desenho feito pela professora, passou a olhar para a tarefa de seus colegas e,
na medida em que foram surgindo novos desenhos, os incorporou aos seus,
evidenciando uma participação paralela complementar. Trata-se da tentativa
de, por intermédio da atividade externa, internalizar os desenhos
94

transformando-os, internalizando o motivo da atividade, as ações e operações


envolvidas em sua consecução.
A proposta da atividade - fazer um desenho livre - requer das crianças
criatividade e imaginação. Pessoas com autismo podem apresentar uma
redução do poder da utilização da capacidade imaginativa, o que leva à
utilização de um repertório repetitivo (MARQUES, 2000). Eric parece driblar a
dificuldade imaginativa quando, em vez de repetir os desenhos que já lhes são
comuns, apropria-se dos desenhos de colegas, reproduzindo-os. A
apropriação da experiência do outro modifica a estrutura geral dos reflexos e
resulta na transformação de comportamentos. Assim, diferentemente dos
animais, a imitação nos humanos pode criar possibilidades de novas ações e
de aprendizagem (LEONTIEV, 2004).
A professora de recursos faz elogios e incentiva a realização da tarefa, o
que se reflete de imediato no comportamento de Eric que, reconhecido, nomeia
o desejo e o apresenta a ela.
A comunicação de Eric com a professora mostra que o desenvolvimento
de suas funções psíquicas superiores encontra-se em franco processo. Sua
linguagem expressa seu pensamento; ele é capaz de antecipar oralmente o
que desenhará em seguida, indicando o início da reconstrução interna da
atividade.

3.5.1.2 Jogo da memória: uma nova regra11

A professora dividiu a turma em 4 grupos. Eric ficou em um grupo com


três colegas. A tarefa era jogar o jogo da memória com um tema relacionado a
obras de artes. A regra do jogo era a seguinte: cada jogador devia virar duas
cartas à procura de seu par. As cartas que eram viradas e não emparelhadas,
deveriam ser desviradas no mesmo local para que os participantes as
memorizassem e utilizassem na próxima jogada. Eric virava sempre as
mesmas cartas, ainda que a professora e os colegas tivessem explicado
diversas vezes como ele deveria agir. Lina tentou solucionar o problema e
propôs que embaralhassem as cartas, o que daria a ele a possibilidade de

11
A duração da observação desse episódio foi de 4 min. e 55 seg.
95

receber cartas diferentes das anteriores. Isso criaria a possibilidade de Eric


receber cartas diferentes das anteriores e selecionar outras. Com a mudança
de estratégia, Eric consegue formar um par. A reação dos colegas é de
vibração e alegria contagiantes, diante do acerto da criança.
A tarefa foi estruturada para ser feita em grupo, com a participação de
todas as crianças fazendo jogadas individuais. Essas jogadas poderiam ter
transformado o jogo em uma atividade de caráter competitivo, mas elas
preferiram atribuir à situação novo rumo e a canalizaram para a cooperação.
Eric demonstrou, no jogo, certa rigidez no ato de selecionar cartas para
efetuar o pareamento, mantendo o ritual de desvirar sempre as mesmas cartas.
Reconhecemos que ele tentava apreender as ações dos colegas, e repetindo-
as buscava captar o motivo e as operações do jogo. Observou como os
colegas jogavam, participou no limite de sua possibilidade de imitar as ações,
sem, no início, apreender a operação subjacente à ação de procurar o par de
cada carta virada. Ele mostrou dificuldade em interpretar a regra do jogo e em
virar cartas apenas as cartas que fossem iguais. A idéia de Lina em misturar
as cartas para que Eric virasse outras, quebra a regra principal do jogo e
poderia prejudicar os demais participantes. Para garantir a participação de Eric
e criar condições para que ele efetivasse as operações que resultariam na
ação”correta” no jogo, a estratégia funcionou e, embora Eric tenha encontrado
apenas um par, já foi um começo para que ele percebesse a regra do jogo.
A atitude dos colegas em abrir mão do próprio jogo para favorecer a
inserção de Eric na tarefa amplia a qualidade da interação, estabelecendo uma
relação afetiva Ap (afeto positivo) e Csi ( com sincronia). As crianças se
articulam para dar pistas de como se jogar. Assim, demonstram preocupação,
compromisso com a participação efetiva de Eric, e o auxiliam a superar, de
forma sutil, essa característica típica de pessoas com autismo que é o
comportamento ritualístico de repetição.
A tarefa proposta não teria sentido para Eric se as condições do
contexto não tivessem sido favoráveis à sua aprendizagem. Eric não
compreendia que as cartas poderiam ser diferentes no seu verso, já que, na
parte que ficava virada para cima, elas eram todas iguais. Não se importava
com o outro lado das cartas e virava sempre as mesmas cartas (que, para ele,
eram iguais). Somente quando experimentou virar de fato cartas com o verso
96

iguais é que pode ter sido revelado a ele o sentido do jogo. Eis um bonito
exemplo de como o sujeito se constitui pela mediação entre o eu e o outro, e
de como o contexto da atividade é determinante na constituição e pode se
diferenciar de acordo com as variações das intenções (PINO, 1991)
Assim, a estrutura da tarefa em grupo tem um peso importante no que
diz respeito ao comportamento de Eric. A mediação de Lina e o
estabelecimento de situações de cooperação exerceram um papel regulador de
seu comportamento, tornando-o mais típico e menos ritualístico, desvelando o
objetivo do jogo. O episódio mostra que as crianças percebem Eric como um
colega diferente, mas agem no sentido de promover seu desenvolvimento,
respeitando a diferença.

3.5.2 Música – o ambiente de observação

Na sala, havia 28 carteiras, dispostas em semi-circulo, à frente do qual


estava a cadeira do professor, atrás de uma mesa. Na parede do fundo havia
um quadro negro e à esquerda, um armário de aço. Na parede da direita
encontrava-se uma pia com balcão e, ao seu lado, um piano. Como os
banheiros do pavilhão à direita estavam passando por reforma, e por ser
próximo da sala de música, no ambiente de sala de aula havia barulho e
poeira, o que fez o professor sair da sala e ministrar a aula em outros espaços
existentes na escola.

3.5.2.1 No ritmo do violão12

As crianças estavam sentadas na sala de aula. O PMU propôs uma


atividade fora daquele ambiente e, para organizar a saída dos alunos, designou
cada um com uma nota musical, de forma que, ao chamar uma nota, os alunos
por ela representados sairiam e esperariam pelos outros colegas no hall de
entrada da sala. Ao longo da tarefa, as crianças dançaram ao som de um
violão, ora em ritmo rápido, ora em ritmo lento, ora se transformando em
“estátuas”. Eric, recebendo o carinho dos colegas, realizou a atividade com

12
A duração da observação desse episódio foi de 7 min. e 16 seg.
97

grande excitação e prazer, alternando movimentos da dança com movimentos


estereotipados.
PMU: a nota que eu chamar . vai pra lá em (apontando para a hall de entrada
da sala.
/.../
PMU: Dó
Eric levantou da cadeira e foi em direção a porta
PMU: você não Eric . pêra lá
Eric voltou para dentro da sala sorrindo/ sentou na cadeira
PMU: e o (2.0) sol
Eric levantou e correu em direção à porta
Colegas: Vai Eric . Vai Eric
/.../
Os alunos ficaram encostados de pé na parede enquanto o PMU explicava a
atividade que eles deveriam fazer
PMU: o exercício é assim . olha pra mim . a gente vai tocar a música . se a
música for lenta = = a gente faz movimentos lentos . se a música for rápida =
= a gente faz movimentos rápidos . se for mais ou menos ai mais ou menos .
quando a música parar o que acontece?
Alunos: a gente tem que parar
PMU: fica estátua . se a pessoa se mexe o que acontece? . a pessoa sa . sai
Aluno: pode mexer os olhos?
PMU: com certeza
PRE: entendeu Eric
PMU: é assim que tem que fazer os exercícios
Eric: tendeu (entendeu)
PRE: entendeu
PMU: se falar . dois o que acontece
Aluna: tem que fazer um grupo de dois
PMU: você tem que procurar um colega e se juntar de dois . se eu falar três
você vai fazer um grupo de três . se eu não falar nada . o que acontece . ai
não pode se juntar . ta
Enquanto o professor explicava a atividade Eric fez estereotipia com as
mãos/ olhou para o professor/ fez estereotipia/ parou e olhou para o colega
que estava rodopiando/ fez estereotipia/ olhou para PRE que falou com ele/
olhou para os colegas que estavam do outro lado/ segurou a mão de Lina
que estava ao seu lado/ ficou olhando para as mãos dadas/ olhou para Lina
que o abraçou/ soltou as mãos e fez estereotipia
PMU: todo mundo
Os alunos se espalharam no espaço
98

PMU: um . dois . três


O professor começou a tocar o violão e os alunos, a dançarem/ Eric
acompanhou, dançando no mesmo ritmo dos colegas/ só que bem próximo
ao professor, olhando constantemente para o violão e rindo//o professor
diminuiu o ritmo da música e Eric acompanhou/ Eric fez estereotipia com as
mãos// o professor aumentou o ritmo da música e Eric também acelerou,
dançando em frente ao professor/ o professor parou a música e Eric
continuou dançando/ professor pediu para Eric congelar, fazendo um gesto
para que ele imitasse. Eric parou e fez como o professor//sorriu//olhou para o
violão// PMU voltou a tocar a música em ritmo acelerado//Eric dançou no
ritmo dos colegas// o PMU diminuiu o ritmo da música/ Eric deu uns passos
lentos e fez estereotipia com as mãos/ O professor voltou a tocar//Eric
acompanhou o ritmo dos colegas, olhando para o PMU// A música parou//
Eric cruzou os braços, imitando o colega ao lado//A música continuou// o
PMU parou a música/ Eric continuou a se movimentar, girando o corpo para
acompanhar com o olhar o PMU, que levantou para passar entre os alunos.
PMU: nossa essa estátua tá boa hein
PRE: congela Eric . cê ta de estátua não mexe não
Eric olha para PMU que fez um movimento para Eric imitar/ Eric imitou o
professor e sorriu
PMU: poxa heim . essa estatua ta boa
Eric se movimenta, mas não saiu do lugar onde parou/ fez estereotipia com
as mãos// o professor voltou a tocar o violão// Eric seguiu o ritmo da música,
acompanhando os colegas/ Eric se aproximou do violão//sorriu// fez
estereotipias/ /dançou frente ao PMU
PMU: dois . vai . vai
José, que estava próximo de Eric, o abraçou/ PMU voltou a tocar o violão e
os alunos dançaram/ Eric repetiu os movimentos dos colegas//PMU parou
de tocar// Eric continuou a caminhar na frente do professor
PMU: se eu pedir pra . se não falar nada. Não se mexe . não posso ajudar
hein . cuidado
O PMU falou direcionando a Eric// continuou a tocar/ /Eric dançou no ritmo
dos colegas/ PMU parou/ Eric continuou a dançar/ PMU voltou a tocar/ Eric
dançou/ o professor parou/ Eric continuou a dançar/ professor voltou a tocar/
Eric estava dançando/ professor parou e Eric continuou dançando
PMU: só para o Eric que eu tô dando algumas vidas a mais hein (2.0) tô
dando uma colher de chá hein . mas não deveria
PMU continuou tocando/ o professor parou/ Eric parou de dançar// o
professor fingiu que ia tocar e Eric dançou/ professor apontou que ele
99

perdeu//os colegas riram e Eric saiu correndo, sorrindo, para o canto da


parede e sentou-se ao lado da colega que também perdeu anteriormente/

Eric parecia contente! Sorria, dançava, aproximava-se do professor,


fixando o olhar no violão.
O episódio, dentre as várias possibilidades de análise que suporta,
evidencia, pelo menos, três aspectos relevantes. O primeiro diz respeito à
dificuldade que a criança apresenta em se deixar representar. Seja por uma
falha no processo imaginativo, seja por falha no processo de representação,
quando algo não está ou não é admitido que esteja em lugar de uma outra
coisa , tal como “fazer de conta que o sujeito é a nota sol”. O que não está
(re)presentado não é passível de ser recordado. Assim, o fato de se dirigir à
porta quando o professor chama o “dó”, menos que um problema mnemônico,
pode ser a singularidade do funcionamento da função simbólica da criança.
O segundo aspecto refere-se às trocas afetivas que se estabelecem na
interação sincrônica entre as crianças, Eric e os professores. As crianças, em
várias situações, se articulam para coordenar ações no sentido de auxiliar Eric
a realizar as tarefas, encarnando papéis similares aos dos professores.
O terceiro aspecto, vinculado ao anterior, aponta para a internalização
das regras da brincadeira. Estas se tornam signos, artifícios que auxiliam Eric a
estruturar o próprio comportamento e, inclusive, a controlar os movimentos
estereotipados.
Eric dança com os colegas quando o professor para de tocar e dá o
comando anteriormente combinado com os alunos. Em seguida, o professor
incentiva Eric a encontrar seu par. José toma a iniciativa e abraça Eric, que
aceita de bom grado, estabelecendo uma interação afetiva com o colega - Ap
(afeto positivo) - deflagrada na aceitação do toque físico por Eric e na
espontaneidade de José em abraçá-lo.
Durante a atividade, Eric parece fascinado pelo violão, e a cada batida, a cada
ritmo novo, ele se alegra e se agita. O professor percebe a satisfação de Eric e
abre concessões na regra do jogo para ampliar a vivência musical da criança
naquele momento. Chama a atenção e justifica sua postura, supervisiona e
incentiva o comportamento de Eric.
100

A literatura aponta que as pessoas com autismo podem se ater a


detalhes específicos de um dado objeto e não considerarem o contexto em que
estão integrados ou se fazem parte de uma situação específica. Em uma parte
do episódio, Eric sente-se fortemente atraído pelo violão e pelos ritmos que ele
provê a ponto de se distanciar do objetivo da atividade. Dança, quando é para
parar. Para, quando é para dançar. Com a ação de dar “mais vidas” a Eric na
brincadeira, o professor deu-lhe também a oportunidade de entender o motivo
da atividade, e se ligar mais no contexto da brincadeira, uma vez que o aluno
pode permanecer mais tempo no jogo, vivenciando com seus colegas as regras
propostas. Tanto é que, no momento em que Eric “errou”, o professor apontou
para ele, que saiu prontamente do jogo e foi sentar no local dos perdedores
com um semblante alegre, demonstrando ter internalizado a regra proposta.

PMU continuou tocando/ o professor parou/ Eric parou de dançar// o


professor fingiu que ia tocar e Eric dançou/ professor apontou que ele
perdeu//os colegas riram e Eric saiu correndo, sorrindo, para o canto da
parede e sentou-se ao lado da colega que também perdeu anteriormente/

Mais uma vez, as operações que Eric desenvolveu na execução das


ações na tarefa só foram possíveis pela mediação do professor e dos colegas,
envolvendo-o nas atividades como um sujeito ativo e participativo. Há, pois,
cumplicidade entre os professores e as crianças na criação de um ambiente
com afetos positivos, um contexto especial e protegido de desenvolvimento.

3.5.2.2 A banda de percussão13

Estavam presentes à aula 12 alunos, sendo 5 meninos e 7 meninas. A


escola continuava muito barulhenta e empoeirada por causa da reforma. O
professor levou os alunos para um pátio coberto.
Em função da apresentação de um número musical que irão fazer no
final do ano, naquele dia iniciaram um trabalho com os instrumentos musicais,
de forma que ia se chamar de um por um para pegar o instrumento (indicado
pelo professor) que iriam tocar.

13
A duração da observação desse episódio foi de 12 min. e 07 seg.
101

PMU: Agora vamos fazer assim . eu vou chamar um por um . vou dizer qual
o instrumento e vamos fazer dois grupos, um aqui desse lado (apontou para
sua direita) e outro desse lado (apontou para a esquerda). Vamos começar
por esse lado.
Alguns alunos: Eu. eu . tio .
Eric: Eu.
PMU: Calma . você Lina. pega o pandeiro meia-lua.
Lina se levantou pegou o pandeiro meia lua e sentou onde o professor
indicou.
PMU: Põe o pandeiro no chão . antes de começar a tocar nós vamos bater
palmas ta . vamos fazer a marcação da música. Pá . pá. pá. ( todos os
alunos acompanharam).
O professor pegou o violão e começou a tocar.
PMU: Agora: dois, três e pá, pá, pá.
/ Eric: dois, tês, (três) quato,(quatro) pá ,pá.
PMU: Dois três e pá, pá, pá. (os alunos acompanharam com palmas).
PMU: Isso. vamos lá ( olhando para Lina, que pega o pandeiro no chão e se
posiciona para começar). Vamos lá. dois . três e pá.
Lina começou a tocar Eric acompanhou com palmas.
PMU: Só o pandeiro. deixa só ela Eric. Eric encerrou as palmas// olhou para
o professor// colocou as mãos no queixo//olhou Lina tocar)
PMU: Muito bem . agora você .( apontou para Vitor) Pega o tambor e senta
ao lado dela.
PMU:Vamos lá agora Vitor. você acompanha ele Lina . dois, três e ...
( o professor tocou e os alunos também, Eric olhou para o tambor e fez
movimentos com as mãos e os braços repetidamente// levantou as
sobrancelhas //fechou e abriu os olhos/abriu e fechou a boca//sorriu//olhou
para o tambor//repetiu os movimentos motores estereotipados.
PMU: - Agora você ( apontou para Elisa/ Elisa levantou) Pega o triângulo e
senta aqui desse outro lado. (indicando o lado oposto ao que Lina e Vitor
haviam sentado) vamos lá, pá, pá, pá (2.0) vocês aqui vão marcar ta . vamos
juntos agora (2.0) dois três e ( o PMU tocou o violão e os alunos
acompanharam com os instrumentos).
PMU: Agora (2.0), deixa eu ver. Você Eric.
Eric se levantou foi até os instrumentos.
PMU:Pega o (2.0) o ovinho.
Eric pegou e sacudiu fortemente o ovinho// se dirigiu ao seu lugar// antes de
chegar, o professor falou:
102

PMU: Aqui (apontando para o lugar onde Eric deveria sentar), ao lado do
Vitor.
Eric sentou ao lado de Vitor// sacudiu várias vezes o ovinho// bateu com ele
no rosto// fez movimentos estereotipados, sacudindo o ovo//parou de
sacudir// segurou a ovo entre as pernas//olhou para o tambor que estava
com Vitor.
PMU: Eric olha pra mim . pá, pá, pá . vamos lá
Eric começou a acompanhar o professor// Vitor também acompanhou//Vitor
olhou para Eric e sorriu//Eric olhou para Vitor e sorriu.
O PMU olhou para Elisa e falou:
PMU: Você três e eles duas.
Enquanto isso Eric bateu com o ovinho no tambor de Vitor que também
estava tocando, Vitor sorriu, Lina também. Os outros colegas começaram a
fazer barulho.
/.../
PMU: - Loli, você. (PRE entregou um pandeiro menor para Loli) Aqui do lado
de Manuela. (A PRE conduziu Loli e colocou ao lado de Manuela). Vamos lá,
pá, pá, todo mundo, dois três e
Todos tocaram.
Eric tocou//sacudiu o corpo//fez movimentos estereotipados//tocou com os
dedos no tambor de Vitor// Vitor permiti//Eric tocou novamente no tambor de
Vitor// Vitor sorriu//Eric sorriu
PMU: Alan, você. Pega o atabaque. ( Alan pegou,) Agora senta lá do lado de
Lina.
Vamos lá,( o professor repetiu o exercício)
Eric se sacudiu//deu pulinhos sentado// fez diversas expressões
faciais//passou a mão no rosto// abriu e fechou a boca//balançou o
corpo//esticou a perna//sacudiu o ovinho em movimentos repetitivos.
PMU: Agora Ana . pega o outro pandeiro e fica perto de Loli. (Ana
obedeceu).
O professor repetiu o exercício.
Eric fazia movimentos estereotipados//sacudia as mãos e os braços pegava
na camisa//balançava o corpo//olhava para o tambor//
PMU: Eric olha pra mim
Eric olhou para o professor//tocou acompanhando a turma.

Mais que nos demais episódios observados, nesse Eric se mostrava


mais ansioso e agitado, possivelmente em função da presença dos
instrumentos musicais. As estereotipias apareceram com maior frequência,
mas assumiram uma nova faceta. Se antes eram exibidas como manifestação
103

de ansiedade diante de uma dificuldade de lidar com uma determinada tarefa,


nesse episódio ganha contorno de estratégia para regular o próprio
comportamento. Ele demonstra forte atração pelos instrumentos musicais,
conforme já mencionado. Busca aproximar-se ao máximo deles e percebe-se o
ímpeto de quem quer “alcançá-los, manuseá-los, tocá-los”. Há regras a serem
seguidas, no entanto. Cada aluno deve se contentar com o instrumento que lhe
é indicado pelo professor. Eric desejava o tambor e lhe coube um chocalho, um
“ovinho”. Os movimentos estereotipados emergiram, então, em dois momentos:
apareciam quando surgia o risco de descumprir a regra, tentar, num impulso,
alcançar o instrumento desejado - o tambor - , ou quando surgia a necessidade
de demonstrar que sabia “tocar” o chocalho de acordo com o ritmo indicado e
que desempenharia bem seu papel na “banda”.
Parece a escolha feita pelo professor do instrumento que deveria tocar
ocorreu pelo fato de ser aquele que faz menos barulho, dentre os demais
instrumentos. Se Eric o utilizasse em descompasso não atrapalharia tanto a
aula como os demais instrumentos.
Eric, por sua vez, apesar de ter aceitado passivamente a escolha do
professor não se conformou e contou com a anuência de Vítor para também
tocar o tambor.
No momento em que Eric foi convidado a tocar com o professor, Vítor
fez a marcação no tambor olhando para Eric com alegria. A interação de Eric
com Vitor caracteriza-se qualitativamente pela sincronia e afeto positivo, pela
existência de articulação entre o comportamento de ambos.
O professor percebeu as reações de Eric e tentou auxiliá-lo, focando a
atenção da criança na própria atividade. Eric, por sua vez, parava e olhava
para o professor, obedecendo seus comandos. A interação de Eric com o
professor se pauta pelo respeito e compreensão, de forma sincrônica,
perceptível nos momentos em que o comportamento de Eric se articula aos
comandos do professor, permitindo que este supervisione suas ações dentro
da atividade.
Eric, assim que compreende o motivo da atividade, tenta imprimir o ritmo
adequado ou esperado, mas sem sucesso; além disso, está orientado por
outro instrumento que foi concedido a outra criança, fazendo com que esta
tarefa não tenha se constituído, para Eric, em uma atividade. O aluno se agitou
104

e sua agitação configurou por diversos momentos em movimentos de


regulação da ansiedade e frustração.

3.5.3 Momentos Livres

3.5.3.1 No bebedouro14

Ao sair da aula de Educação Física, Eric e dois colegas pararam no


bebedouro no pátio da escola para tomar água. O bebedouro tem três torneiras
dispostas horizontalmente e ligadas em um mesmo cano, de modo que só
funciona uma torneira por vez. O desafio era fazê-las funcionar ao mesmo
tempo para que as três crianças pudessem tomar água simultaneamente.

Acabou a aula de Educação Física, a turma saiu para o pátio para aguardar
a aula de Artes Visuais. Alan. Ana e Eric pararam no bebedouro para tomar
água, enquanto os demais alunos seguiram em frente. Alan, que ia na frente,
se posicionou na primeira torneira da esquerda para a direita; Ana, em
seguida, na segunda; logo após chegou Eric, que ficou na terceira.Quando
Eric chegou, Alan já bebia água e Ana tentava abrir a torneira, Eric começou
a abrir a torneira e a água não saiu. Eric sacudiu várias vezes a torneira e
gritou:
Eric: NÃO . NÃO
Ana tentou ajudar Eric, abrindo e girando ainda mais a maçaneta da
torneira.Eric olhou para Ana// a água não saiu.
Alan terminou de beber e seguiu adiante ao encontro dos colegas. Eric
fechou sua torneira e passou para a torneira de Alan. Enquanto isso, a água
jorrou na torneira de Ana. Eric abriu a torneira e a água mais uma vez não
saiu. Eric sacudiu a torneira com força diversas vezes e gritou:
Eric: Não!
Ana fechou sua torneira e foi ajudar Eric. Abriu a torneira de Eric e a água
saiu. Eric começou a tomar água. Ana voltou para sua torneira, abriu e a
água não saiu. Ana foi para a torneira de Eric e os dois tomaram água juntos.

Eric se deparou com uma situação-problema quando tinha sede e não


conseguia fazer sair água na torneira. Ele irritou-se, tentou solucionar o
problema mudando de torneira, mas sem êxito. Alan, o colega mais próximo,

14
A duração da observação desse episódio foi de 53 segundos.
105

pareceu não se incomodar com o “problema” de Eric, ainda que o mesmo


tenha demonstrado com palavras e com gestos, num flagrante de interação
sem sincronia. Não houve articulação nem transmissão de mensagem de um
comportamento para outro.
Já com Ana deu-se o contrário. Ambos vivenciavam o mesmo desafio,
com a diferença de que, para uma criança autista, o momento pode ser
considerado crítico, devido à sua tendência à rotina e intolerância à frustração,
o que pode deflagrar crises de birras e descontrole emocional (WING,1997). A
compreensão dos limites de Eric, para Ana, ocorre por meio da dinâmica
afetiva. Ela se permite afetar pelo que a frustração representa para Eric e o
auxilia a buscar uma saída para o problema com tranquilidade, equilibrando o
colega a ponto dele dividir com ela a tão sonhada água.
A escola, ao expor o aluno com autismo a situações-problema, age no
sentido de favorecer a quebra da rotina e rituais, apresentando-se como um
fator positivo para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores dessas
pessoas, pois, através desse processo, pode-se permitir uma flexibilização do
pensamento e o rompimento com rituais rígidos e repetitivos.

3.5.3.2 Lendo um livro15

Os alunos estavam na aula de Artes Visuais e já haviam concluído a


atividade pedagógica estruturada pela professora. Ela dispôs alguns livros de
literatura infantil sobre o balcão da pia e solicitou aos alunos que escolhessem
um para lerem até tocar o sinal do recreio.
Assim como os colegas, Eric pegou um livro, se dirigiu a um grupo de
carteiras vazias e sentou sozinho. Abriu o livro, olhou para os demais colegas
do grupo e iniciou sua leitura silenciosa.

PAV: Eric vem prá cá ó (apontou o dedo para a cadeira que ele tinha sentado
no início da aula). Senta aqui com os meninos. VEM!
Eric sentou no lugar indicado pela professora// folheou o livro//olhou para os
colegas que estavam lendo//olhou para o livro//começou a passar página por
página//olhou para os colegas//olhou para o livro//parou//começou a passar

15
A duração da observação desse episódio foi de 1minuto e 23 segundos.
106

o dedo no texto do livro, acompanhando com os olhos esse movimento//viu a


gravura da chuva no livro e falou:
Eric: CHUVA.
A PRE que vinha conduzindo Loli na cadeira de rodas a colocou ao lado de
Eric e falou:
PRE: Chuva. Eric você gosta de tomar banho de chuva
Eric: Gosta.
PRE: Ah . você gosta. mas fica todo molhado

Eric tentou se isolar dos demais colegas. Talvez menos por ser uma
criança com autismo e, mais, por estar em uma situação de leitura, habilidade
que ele ainda não domina. A professora percebeu o distanciamento do aluno e
o chamou para fazer a leitura em grupo. Eric obedeceu à ordem da professora,
sentou-se junto aos colegas e iniciou sua leitura, folheando o livro rapidamente.
Em seguida, percebeu “como” os colegas liam ao seu lado e mudou a postura:
olhava para as páginas do livro, passava o dedo vagarosamente sobre o texto.
Quem lê, não folheia, portanto, rapidamente as páginas do livro. Deve haver
alguma outra operação possivelmente ligada a acompanhar cada linha com o
dedo, lentamente. Acostumado a interações sincrônicas e complementares e
paralelas complementares, mais uma vez, Eric tenta imitar as ações das
demais crianças, de modo a estruturar a sua ação e ter um “comportamento de
leitura”. Há um processo de comunicação em curso, o mesmo que sustenta a
participação e é o lugar de aluno e colega que Eric assume na escola.
A comunicação é um processo que permite os seres humanos entrarem
em contato com os fenômenos do mundo circundante através de outros
homens. Nesse sentido, seja a comunicação verbal ou não-verbal, esta se
apresenta como a condição necessária para o desenvolvimento humano.
(LEONTIEV, 2004).
Assim, é a comunicação com os demais colegas que faz florescer em
Eric o motivo da leitura e escrita. Ele passa a reconhecer a função do texto no
intercâmbio com seus colegas. A ação de Eric em deixar de folhear o livro e
passar a “lê-lo”, indica que se instaura uma transição de atividades. Eric aponta
para o surgimento de uma nova atividade dominante: o estudo. A passagem de
uma atividade dominante a outra, no entanto, não significa a existência de uma
ruptura radical, mas sim o enfraquecimento de uma atividade em detrimento ao
107

aparecimento de outra. Para Leontiev (2004), o que determina a mudança de


uma atividade para outra é a percepção da criança que aquela atividade deixou
de corresponder às suas expectativas, se empenhando em modificá-la.

3.6 Sínteses das interações sociais

Os dados revelam, de acordo com a Tabela 7, que não existe uma


diferença importante no padrão de sincronia nas interações sociais do aluno
com autismo O afeto positivo, no entanto, se destaca mais nas interações da
Escola Classe. É na Escola Classe que o aluno convive com mais frequência
com os colegas e professora regente, dentro de uma estrutura mais rotineira,
estabelecendo vínculos afetivos positivos mais intensos, dado que é revelado
na direção do sentido das interações, uma vez que indica forte reciprocidade.

Tabela 7. Síntese das categorias de qualidade das interações


Categorias Escola Direção de sentido Escola Direção de sentido
de Classe Parque
qualidade Total 45 Total 52
E>X X>E E<>X E>X X>E E<>X
da
interação
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq.
Freq. % Freq. %
%
Com
sincronia 35 77,8 9 20 26 80 35 100 40 77 4 32,5 36 67,5 35 100
Sem
sincronia 10 22,2 6 60 4 40 0 00 12 23 7 58 5 42 0
Afeto
positivo 33 73,3 10 30 23 70 18 54,5 35 67 4 11,3 30 85,7 1 2,9
Afeto
negativo 12 26,7 3 25 9 75 8 66,7 17 33 4 23,5 12 70,5 1 6

Com
supervisão 26 57,8 2 7,7 24 92,3 24 92,3 35 67 1 2,5 34 97,5 0
Sem
supervisão 19 42,2 0 0 0 17 33 0 0

Com
liderança 25 55,6 1 4 24 96 24 96 33 63,5 1 3 32 97 0
Sem
liderança 20 44,4 0 0 0 00 19 36,5 0 0

A liderança e a supervisão aparecem com mais frequência na Escola


Parque e o sentido predominante parte do outro em direção a Eric. O conteúdo
Envolve proteção dos colegas para com Eric, bem como colaboração na
execução das tarefas.
108

Tabela 8. Síntese dos tipos de participação nas interações sociais


Escola Classe Escola Parque
Direção do sentido Total Direção de Sentido
Tipo de Total
participação
Freq. % E>X X>E E<>X E>X X>E E<>X

Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %

Individual 15 33,3 2 15 13 87 15 100 12 23 4 33,3 8 67,7 15 100

Grupo 10 22,3 7 70 3 10 10 100 11 21 0 3 27 8 73

Paralela 11 24,4 11 100 13 25 0 0 13 100


independente
Paralela 09 20 7 77,8 2 22,2 00 16 31 16 100 0 0
complementar
TOTAL 45 100 52

A Tabela 8 nos revela diferenças nos tipos de interação social na Escola


Classe e na Escola Parque. Na primeira prevalecem os tipos individual e em
grupo, enquanto na Escola Parque as interações do tipo paralela independente
e complementar, e denuncia a influencia do contexto sobre a organização e
objetivos das interações. A Escola Classe, enquanto escola que trabalha com
as disciplinas do núcleo comum do currículo, mantém uma estrutura mais rígida
no processo de ensino e aprendizagem; apresenta preocupação em oferecer a
Eric uma aprendizagem que lhe equipare aos demais alunos da turma e, por
isso, momentos de aprendizagem individuais lhes são proporcionados na sala
de aula, postura francamente favorável ao desenvolvimento e à participação
social de Eric.
A cadeira da criança está posicionada próxima ao quadro e à professora,
o que lhe faculta processos de comunicação mais efetivos com um número
reduzido de atores, privilegiando, sobretudo, a figura da professora durante as
atividades pedagógicas estruturadas.
Nos momentos livres da Escola Classe, geralmente vividos dentro da
sala de aula em um espaço reservado, como os alunos se agrupam para
brincar, são esses agrupamentos que favorecem a participação em grupo de
Eric.
Na Escola Parque, diferentemente da Escola Classe, sendo
desenvolvidas disciplinas complementares ao currículo comum, estas
apresentam uma estrutura mais flexível no processo de ensino e
109

aprendizagem. Reduz o nível de cobrança e eleva o nível de participação das


crianças. As atividades pedagógicas estruturadas geralmente são organizadas
para serem resolvidas em grupo e com a participação de todos os alunos,
independente das diferenças no desenvolvimento de cada um deles.
Percebemos que a organização do ambiente das salas de aula, em
especial das aulas de Artes Visuais, em que os alunos sentam-se sempre em
grupo e utilizam material coletivo, contribui significativamente com a variação
da estrutura da interação. Deveras, organização promove a construção coletiva
do conhecimento, onde um colega pode observar a tarefa do outro e incorporar
às suas algumas informações, inclinando-se, sempre, para o motivo da
atividade. Ainda, constatamos que as interações independentes e
complementares tiveram um papel regulador no comportamento de Eric,
diminuindo a frequência dos movimentos repetitivos e estereotipados. No mais,
notamos que quando Eric busca a imitação como recurso utilizado para
compreender, as interações independentes e complementares são o motivo
das operações que envolvem determinadas atividades, o que nos faz concluir
que se cuida de uma tentativa de se equiparar aos colegas, impulsionado-o
para a autonomia.

Tabela 9. Síntese dos comportamentos emitidos nas interações.


Escola Classe Escola Parque

Categorias Direção de Sentido Direção de Sentido


comporta- N=45 N=52
mentais E>X X>E E<>X E>X X>E E<>X
Freq. % Freq. %
Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %

Solicitar/
sugerir 14 42 5 36 9 64 0 23 57,5 6 26 17 74 0
Ordenar 21 58 0 21 100 0 17 32,5 0 17 100 0
Proibir 0 0 0 0 0 1 2 0 1 100 0
Atender
solicitação/ 6 13,3 4 67 2 33 15 28,8 12 80 3 20 0
sugestão
Obedecer 18 40 15 83 0 0 15 28,8 15 100 0
Rejeitar 11 24,4 9 89 2 11 0 10 19,2 7 70 3 30 0
Elogiar 8 17,8 8 100 0 6 11,5 6 100 0
Imitar 9 20 9 100 0 0 16 30,8 16 100 0 0

Ordenar, obedecer são os comportamentos que se destacam com mais


frequência na Escola Classe. São interações que revelam relações de poder,
110

pois, numa análise da direção da sentido, conclui-se que ela parte do outro
para Eric, enquanto que, em relação à obediência, o sentido é oposto: de Eric
para o outro. Para Hinde (1997), o poder faz parte do relacionamento e envolve
seus participantes, variando de acordo com o contexto. Nesse caso, todo
poder é relativo, e se ampara na visão que o sujeito que é controlado tem do
sujeito controlador da situação. No caso da Escola Classe, o sujeito
controlador é a professora.
O elogio e a rejeição também aparecem mais frequentemente na Escola
Classe, o elogio parte sempre do outro para Eric e está posto geralmente em
situações de conquistas pedagógicas. A rejeição é evidenciada em situações
de falta de interesse de Eric por certas brincadeiras iniciadas por seus colegas
nos momentos livres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fundamentais para este estudo, as contribuições da perspectiva


histórico-cultural e da teoria psicológica da atividade afirmam que as interações
sociais são historicamente construídas por meio da atividade social.
Sabendo que o comportamento social da criança com autismo é
deficitário, buscou-se verificar se a educação destes alunos, acontecendo em
ambientes educativos diferenciados como uma Escola-Parque e uma Escola
Classe, deflagraria e determinaria distintas formas em suas interações sociais,
bem como a existência de um modo peculiar de comportamento deste aluno
em cada um destes contextos escolares.
Os resultados revelaram que as interações do aluno com autismo se
diferenciam e são determinadas pelo ambiente, pois, em cada escola,
predominam diferentes tipos de convívio social e este, dentro de uma mesma
escola, se diferencia em relação aos momentos livres e às tarefas pedagógicas
estruturadas.
A qualidade das interações na Escola Classe, ocorridas nas tarefas
pedagógicas estruturadas, é mais sincrônica do que nas atividades ocorridas
nos momentos livres, que são mais supervisionadas, mais lideradas e têm mais
afeto positivo. Neste caso, a criança em estudo – Eric - sinaliza a necessidade
111

de supervisão e liderança em suas interações, corroborando com a literatura


que aponta a dificuldade da criança com autismo em iniciar e manter uma
relação de convívio com os colegas. Neste sentido, o “outro”, através da troca
social, é quem revela ao aluno com autismo o motivo da atividade.
Na Escola Parque, os índices de qualidade das interações também se
apresentam com diferenças significativas. Nos momentos livres, destaca-se
com mais freqüência o afeto positivo enquanto que, nas atividades
pedagógicas estruturadas, destacam-se a supervisão e a liderança. O alto
índice de afeto positivo nos momentos livres indica a proteção dos colegas
para com Eric, ocasionada pelo contexto: trata-se de uma escola fisicamente
grande, com a presença de alunos de outras escolas, e até mesmo a mudança
constante de um ambiente específico de aula para outro. Dessa forma, os
colegas acolhem Eric e o direcionam, efetivando, de fato, sua inclusão. Assim,
transformam sutilmente um contexto que poderia ser ameaçador para ele em
um contexto de aprendizagem e prazer. As tarefas pedagógicas estruturadas
oferecem ao aluno com autismo a oportunidade de adquirir não só habilidades
acadêmicas, como também habilidades sociais e comunicativas, por
proporcionarem tarefas iguais, caminhos para aprender e generalizar com mais
facilidade as aquisições educacionais (RIVIÉRE, 2004). A liderança e a
supervisão, assim como na Escola Classe, apresentam um nível mais elevado
nas tarefas pedagógicas estruturadas. É pela organização dos alunos em sala
de aula (geralmente em grupos e em atividades coletivas) e pela presença
constante de uma professora de recurso que podemos inferir que estes índices
estão ligados ao grau das mediações com professores e colegas.
O resultado geral da qualidade das interações nas duas escolas indica a
inexistência de diferenças significativas nos percentuais. Isso nos faz concluir
que Eric mantém com seu grupo de colegas e professores uma relação
qualitativamente estável, e os dois contextos estudados favorecem sua
interação, o que revela um vínculo entre o aluno com autismo, seus colegas e
professores. A sincronia se destaca com um índice mais elevado em ambas
as escolas. Sua dimensão chama-nos atenção para a reciprocidade nas
interações protagonizadas pelo aluno com autismo. A reciprocidade existente
na sincronia das relações suscita um aspecto positivo na medida em que
favorece respostas amistosas (HINDE 1997), aqui comprovadas pelo alto
112

número de interações com afeto positivo, que podem guiar as demais


respostas dos parceiros (supervisão e liderança), favorecer a troca de
conhecimento e gerar desenvolvimento. As interações sociais pautadas na
sincronia têm um significado muito importante para a criança autista, uma vez
que este fator só existe pela via da comunicação social e denota a presença de
reciprocidade. A comunicação social recíproca em pessoas com autismo
apresenta peculiaridades. Neste caso específico, constatamos a existência de
sincronia e, consequentemente, a existência de comunicação entre Eric e seus
parceiros.
Na Escola Classe, as tarefas escolares demarcam a diferença de ritmo
de desenvolvimento de Eric em relação a seus colegas, e limitam, na maioria
das vezes, suas interações, porque ele necessita de um apoio individualizado
da professora para avançar com a aprendizagem de atividades de leitura e
escrita. A disposição das cadeiras na sala de aula o deixa sempre próximo da
professora e o uso do material didático é individual. Tal ação justifica o
predomínio do tipo de participação individual.
Por sua vez, na Escola Parque, o aluno se iguala aos colegas ao fazer
as tarefas pedagógicas, pois nela há a tendência de se coletivizarem as
atividades e, ao mesmo tempo, solicitar maior iniciativa da criança. É possível
que a falta de um conteúdo formal como a aprendizagem da leitura e da escrita
garanta maior liberdade do professor na realização das atividades. Afinal, não
há avaliações igualmente formais. De todo modo, são conteúdos igualmente
complexos que demandam e auxiliam a estruturar funções psicológicas
responsáveis pelas demais aprendizagens escolares. As tarefas são
geralmente feitas em grupo, o uso do material é coletivo e a proximidade física
favorece as interações paralelas, base para a imitação e, posteriormente, para
a internalização de operações, ações e motivos da atividade.
Os comportamentos emitidos pelos parceiros das interações
protagonizadas pelo aluno com autismo e a direção do sentido definem os tipos
de relações existentes em cada uma das escolas pesquisadas. Na Escola-
Classe, as interações são geralmente regidas por ordens direcionadas a Eric
pelos seus parceiros. Essas ordens, no entanto, ocupam um lugar de guia nas
interações e são reveladoras da percepção que o “outro” tem das dificuldades
da criança com autismo. A obediência às ordens denota a existência de uma
113

cumplicidade entre seus participantes. O poder exercido pelos parceiros,


carregado de afeto, deixa a conotação de opressão e passa a ser um aspecto
que envolve a motivação, fator visível nos elogios direcionados a Eric nas
interações.
Na Escola Parque, a ordem deu lugar à sugestão, à solicitação e à
imitação. Neste sentido, percebemos a presença da complementaridade nas
interações. Esta se refere aos comportamentos que, apesar de diferentes, se
completam. São, portanto, as diferenças que possibilitam a complementaridade
(HINDE, 1997) e tais comportamentos deram maior autonomia às ações de
Eric.
Cada um destes contextos proporcionou diversos motivos à atividade
escolar e estes deram sentidos diferentes à ação. Os motivos geraram
objetivos, que foram transformados através da ação da criança com autismo
para alcançar resultados. As transformações dos objetivos em ações práticas
somente foram possibiltadas porque houve interação com o outro, seja de
forma individual, em grupo ou paralela. Assim, comportamentos se
transformam e promovem o desenvolvimento do aluno com autismo.
Enquanto a Escola Parque apresenta-se como uma grande promotora
de atividades que geram diferentes oportunidades de desenvolvimento, a
Escola Classe enfoca a atividade numa perspectiva mais acadêmica,
focalizando uma maior relação didática entre Eric e sua professora, na busca
de estimular seu desenvolvimento acadêmico. A Escola Parque promove
atividades que favorecem a ação no coletivo e que se diferenciam de acordo
com cada disciplina estudada, em ambientes variados como os das aulas de
Artes Visuais e Música. Logo, é o currículo que diferencia a forma de
promoção das atividades nesses contextos escolares. A inclusão de Eric numa
escola comum é, sem sombra de dúvidas, fundamental para esta promoção. A
convivência nos dois tipos de ambiente escolar criou oportunidades para o
encontro do que há de singular e universal em cada aluno e em cada contexto.
Serviu de veículo de rompimento com o estabelecimento de rotinas, possibilitou
uma variedade de atividades e contribuiu significativamente para seu
desenvolvimento.
Acreditamos que este estudo possa subsidiar reflexões sobre as
interações de alunos com autismo em contextos escolares distintos, uma vez
114

que relata a importância da inclusão dessas crianças e da mediação do “outro


social” como promotor de desenvolvimento. O modo de mediação semiótica (a
ação do professor) e a estrutura dos contextos educativos: - uma escola que
acompanha o currículo comum e outra que trabalha com as disciplinas de Artes
e Educação Física Escolar, com as aulas ocorrendo em ambientes específicos
para cada disciplina e com professores distintos - colocam o aluno com autismo
frente a constantes mudanças. A possibilidade do movimento na educação
deste aluno constitui um ponto importante nas contribuições que este trabalho
pode oferecer a educadores.
Contudo, este estudo está longe de pretender esgotar questões que
envolvem a interação social da criança com autismo. É por se tratar de um
estudo de caso que restringimos nossas conclusões aos limites da
investigação. Não se recomendaria, portanto, o uso de seus resultados como
generalizações. O conceito de “espectro do autismo” explica as variações de
nível de intensidade nas características de pessoas com autismo. Contudo,
acreditamos que essas variações podem interferir sobremaneira em resultados
de estudos com pessoas diferentes. A validade desse estudo é restrita ao caso
de Eric, um sujeito com esse espectro; entretanto, traz consigo pistas de
possibilidades de interações de pessoas com autismo em contextos diferentes,
ainda que levando em conta suas peculiaridades.
Retomamos então, o conceito de internalização sociogenética que, de
acordo com Vigotsky (2001), é a base para o desenvolvimento humano. A
experiência da inclusão de Eric em uma sala de aula regular envolve ele
próprio e também seus colegas, que experimentam a oportunidade de conviver
com um colega diferente e, numa relação dialética, interferem e sofrem
interferência em seus desenvolvimentos. Neste sentido, diante da escassez de
estudos que envolvem o autismo e interação social, esperamos ter contribuído
para discussões acerca deste tema, incentivando novos cientistas a se
desafiarem e desenvolverem mais estudos nesta área.
Esta investigação suscitou um conjunto de indagações sobre a
educação de crianças com autismo; dentre elas destacamos a inclusão do
aluno em classe regular de ensino: teria Eric o mesmo desenvolvimento social
se estivesse em uma sala de aula especial?
115

Outro aspecto que nos chamou a atenção: as diversas situações em que os


colegas envolveram Eric em uma estrutura de interação e convivência
protegida. Essa proteção denota que seus colegas o percebem como
diferente? Que peculiaridades fazem com que os colegas o percebam desta
forma?
116

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ANEXO A - PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO

Senhor (a) Diretor (a)

O Laboratório de Desenvolvimento Humano e Saúde Mental da


Universidade Católica de Brasília desenvolve um Projeto de Pesquisa
intitulado: Perturbações do Espectro do Autismo – Perfil do Alunado e
Intervenção na Rede Pública do Distrito Federal apoiado pela CNPq e FAPDF,
e um dos objetivos que o norteia é investigar o contexto social de
aprendizagem no qual a criança com autismo está inserida.

A pesquisa será feita em duas Escolas da Rede Pública do Distrito


Federal: uma escola classe e uma escola parque, onde será observada a
mesma criança com autismo e suas interações sociais. Serão entrevistados,
também, seus professores. Não haverá participação do aluno diretamente.
Apenas serão registrados e analisados momentos em que um aluno com
autismo interage com seus colegas e professores, em sala de aula e
adjacências. Esses momentos serão registrados em vídeo e todo o material
coletado será utilizado somente na pesquisa com fins científicos. A identidade
do aluno, do professor e da escola será preservada.

Só participarão da pesquisa os alunos cujos pais autorizarem, assim


como será pedida a autorização aos professores, tendo em vista que a
participação é voluntária. Não há previsão de remuneração aos participantes.
Os resultados da pesquisa serão apresentados nos locais de sua realização e
de coleta de dados.
Neste sentido, solicitamos autorização para realizarmos a pesquisa.

A sua estimada colaboração, certamente, contribuirá não só para o


aprimoramento do ensino-aprendizagem escolar, como também para o
desenvolvimento das pesquisas em Psicologia com aplicação na área da
educação especial.

Cordialmente,

Universidade Católica de Brasília


Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPGP
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Orientadora: Profª.Drª.Tânia Maria de Freitas Rossi
Mestranda: Lúcia de Carvalho Brandão (3427-4296)
123

ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


CARTA CONVITE

Senhores Pais e/ou responsáveis,

Sou aluna do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de


Brasília, e participo do Projeto de Pesquisa intitulado: Perturbações do
Espectro do Autismo – Perfil do Alunado e Intervenção na Rede Pública do
Distrito Federal, onde desenvolverei um subprojeto com foco nas interações
sociais do aluno com autismo, sob orientação da professora Dra. Tânia Maria
de Freitas Rossi.
O professor de seu (a) filho(a) aceitou participar desse estudo por
entender que se trata de uma oportunidade que poderá contribuir com a
discussão pedagógica no atendimento ao aluno com o transtorno autista.
Nesse sentido, solicitamos a autorização para que a criança sob sua
responsabilidade possa participar das atividades que serão desenvolvidas na
escola. Não haverá participação do aluno diretamente. Apenas serão
registrados e analisados momentos em que a criança interage com seus
colegas e professores, em sala de aula e adjacências. Esses momentos serão
registrados em vídeo e todo o material coletado será utilizado somente na
pesquisa, com fins científicos. A identidade do aluno, do professor e da escola
será preservada.
A permissão para participação da criança nesta pesquisa é voluntária e
poderá haver desistência a qualquer momento, não havendo previsão de
remuneração. Ao final do trabalho, um encontro na escola está planejado para
a exposição dos resultados da pesquisa.
A sua estimada colaboração, certamente, contribuirá não só para o
aprimoramento do ensino-aprendizagem escolar, como também para o
desenvolvimento das pesquisas em Psicologia com aplicação na área da
educação especial.

Universidade Católica de Brasília


Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPGP
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Orientadora: Profª. Drª.Tânia Maria de Freitas Rossi
Mestranda: Lúcia de Carvalho Brandão (3427-4296)

Aluno(a):
____________________________________________________________

Assinatura dos Pais ou responsáveis:


_____________________________________

Data:_________________
124

ANEXO C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Senhores Professores,

Sou aluna do Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de


Brasília, e desenvolvo um estudo intitulado “A interação social do aluno com
autismo em diferentes contextos escolares” que integra um projeto de pesquisa
maior denominado: Perturbações do Espectro do Autismo – Perfil do Alunado e
Intervenção na Rede Pública do Distrito Federal, sob orientação da professora
Dra. Tânia Maria de Freitas Rossi, onde desenvolverei pesquisa com foco nas
interações sociais do aluno com autismo.
Esta pesquisa poderá fornecer às instituições de ensino subsídios para
o planejamento de atividades com vistas à promoção de condições favoráveis
ao pleno desenvolvimento do aluno com autismo.
Constam do estudo gravações em vídeo das situações cotidianas e
rotineiras da sala de aula, envolvendo a criança com autismo, com foco na
interação social dessa criança com seus pares, e, ainda, entrevistas (gravadas
em áudio) com aparelho de MP3, com os professores, no intuito de conhecer
um pouco sobre o desenvolvimento do aluno estudado. Nesse sentido, venho
lhe convidar a participar da investigação.
Esclareço que a participação lhe é voluntária. Você poderá deixar de
participar a qualquer momento que desejar e isso não lhe acarretará qualquer
prejuízo. Asseguro-lhe que sua identificação não será divulgada em hipótese
alguma e que os dados obtidos serão mantidos em total sigilo.
Agradeço antecipadamente sua atenção e colaboração.

Respeitosamente,
Lúcia de Carvalho Brandão
Nome:____________________________________________________

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