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CURSO DE EXTENSÃO EM

Alfabetização e Produção de Materiais para


Estudantes com Deficiência Sensorial II
MÓDULO 3 | SEMANA 03

OS BENEFÍCIOS DE ALGUMAS
INTERVENÇÕES PRECOCES NA
ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA
COM DEFICIÊNCIA VISUAL
OS BENEFÍCIOS DE MÓDULO 3
SEMANA 02
ALGUMAS INTERVENÇÕES NA
ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA
COM DEFICIÊNCIA VISUAL
INTRODUÇÃO
Toda criança necessita de mediações qualificadas do núcleo
familiar, social, escolar, religioso ou outros para que seu po-
tencial se desenvolva. O organismo infantil pode estar pronto
a reagir, mas se não houver intervenções adequadas, impres-
cindíveis ao seu desenvolvimento, poderá permanecer em es-
tado de “latência”. Nesse sentido, como foi visto na aula 1 deste
módulo, a escola também precisa ser um ambiente educacio-
nal rico em experiências que promovam situações variadas de
aprendizagem, o que implica aceitar que as pessoas aprendem
por caminhos diversos e fomentar essa diversidade.

Historicamente, na educação de pessoas com deficiência visu-


al, utiliza-se o termo “estimulação precoce”, concebido como
o “conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos e
ambientais incentivadores que são destinados a proporcionar
à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências signi-
ficativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo
evolutivo” (BRASIL, 1995). A esse processo, em consonância com
a perspectiva histórico cultural que perpassa nossas discussões
nesta formação, faremos referência com o termo “mediação”.
Afinal, como você aprendeu nas aulas dos módulos anteriores,
“[...] o desenvolvimento humano passa, necessariamente, pelo
Outro; portanto, a história de cada uma das funções psíquicas
é uma história social” (PINO, 2018, p. 66).

Segundo Machado (1993), as sensações provenientes do meio


contam com uma série de receptores sensoriais, específicos para
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cada sensação. Sherrington, citado por Machado, classifica esses


receptores, do ponto de vista morfológico e funcional, em três
categorias: interoceptores (responsáveis pelas sensações visce-
rais, como fome e sede), proprioceptores (localizados em mús-
culos, tendões, ligamentos, articulações e labirinto, responsáveis
pela locomoção e postura corporal) e exteroceptores (responsá-
veis pelas sensações de calor, frio, tato, pressão mecânica su-
perficial, luz e som, entre outras). Depois do labirinto, a visão é
a principal fonte de informação para a orientação do corpo no
espaço, o sentido que “possibilita um registro imediato e simul-
tâneo das características do mundo externo no que se refere à
posição, distância, tamanho, cor e forma” (RODRIGUES, 2002, p. 7).
Assim, quando há privação visual, a criança precisa se sentir mo-
tivada aos mais variados movimentos, sendo exposta à execução
e à repetição, para que sejam assimilados e reproduzidos, consi-
derando que a relação da criança com o mundo se dará por meio
dos sentidos remanescentes e intactos (RODRIGUES, 2002). Você
poderá aprofundar o conhecimento desses sentidos na leitura do
texto “Estimulação precoce: a contribuição da psicomotricidade
na intervenção fisioterápica como prevenção de atrasos motores
na criança cega congênita nos dois primeiros anos de vida”

A mediação qualificada, nessa fase, tem cunho lúdico, pois a


criança precisa sentir prazer ao descobrir novas coisas, ao mes-
mo tempo em que esse lúdico prevê objetivos bem estabeleci-
dos pelos profissionais (Fig.1). Cabe ressaltar que a expectativa
quanto ao papel da escola na vida dessa criança é de que os
esforços empreendidos não se limitem a focar o seu desenvol-
vimento biológico, baseado em informações clínicas, mas que,
assim como no tratamento dado aos demais estudantes, haja o

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investimento de ordem cultural, científica e social. Em relação


a isso, Vigotski explica:

No desenvolvimento da criança estão representados (não repeti-


dos) dois tipos de desenvolvimento mental que encontramos de
maneira separada na filogênese: o desenvolvimento do comporta-
mento biológico e histórico, ou natural e cultural. Ambos os proces-
sos encontram na ontogênese seus análogos (não paralelos). Este
é o fato básico e central [...] [Na criança normal] ambos os planos
de desenvolvimento – o natural e o cultural – coincidem e se fun-
dem. Ambas as ordens de mudanças se interpenetram e formam
essencialmente uma ordem única de formação social-biológica da
personalidade da criança (VIGOTSKI, 1997, p. 19-20).

Assim, não se pode separar ou trabalhar isoladamente esses


planos de desenvolvimento, uma vez que coexistem de forma
interpenetrada, como defende o autor. No caso de ações lúdi-
cas propostas para as crianças cegas e com baixa visão, elas
precisam ser acompanhadas de explicações, sons ou cantigas,
contextualizadas com as situações comunicativas. Além disso,
é preciso ter em mente que o primeiro “brinquedo” da criança
é o próprio corpo, por isso é importante que ela sinta prazer
em descobri-lo, diferenciando-o do mundo que a cerca, para,
então, descobrir os outros seres e objetos.

O brincar faz parte da infância e é frequentemente lembrado pe-


los adultos, compreendido como um período de grande apren-
dizado, interação, descontração, imaginação e descoberta, o que
pode influenciar atitudes e comportamentos ao longo da vida.
“Brincar não significa perda de tempo, como também não é uma
forma de preenchimento de tempo, mas uma maneira de se co-

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locar a criança de frente com o objeto, muito embora nem sem-


pre a brincadeira envolva um objeto” (BUENO, 2010, p. 21).

A infância, o jogo, o brinquedo e as brincadeiras estão inteira-


mente ligados, e desde muito cedo somos orientados a brincar
com jogos e objetos, seja para aprendermos ou simplesmente
nos distrairmos, mas essas palavras fazem parte e sentido do
universo infantil. De acordo com Vygotsky (1989, p. 130):

[...] a brincadeira cria para as crianças uma zona de desenvolvi-


mento proximal que não é a outra coisa senão a distância entre o
nível atual de desenvolvimento, determinado pela capacidade de
resolver independentemente um problema, e o nível de desenvol-
vimento potencial, determinado através da solução de um proble-
ma, sob a orientação de um adulto ou um companheiro mais capaz.

Jogo de encaixe de números

Os jogos estimulam a ima-


ginação, o pensamento, a
aprendizagem, a criativida-
de e as relações sociais. O
jogo de encaixe de núme-
ros, por exemplo, é indicado
para crianças que estão na
fase de pré-alfabetização.
Com o objetivo de associar os números às quantidades, in-
centiva o raciocínio lógico, a coordenação motora e a visão
residual, no caso de crianças com baixa visão. Para crianças
cegas, as peças de encaixe podem ser produzidas em Braille.

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É por meio das brincadeiras que as crianças fazem suas primei-


ras escolhas e aprofundam temas e assuntos vivenciados pelos
adultos, os quais, no decorrer do tempo, elas necessitam com-
preender. De acordo com Bueno (2010, p. 21), “[...] o brinque-
do possibilita o desenvolvimento total da criança, já que ela
se envolve afetivamente no seu convívio social. A brincadeira
faz parte do mundo da criança.” Em vista disso, é preciso que
os pais valorizem as atividades lúdicas como ponto de partida
para o desenvolvimento das crianças, e que elas sejam produ-
toras das ações, atuando de forma ativa na interação com o
meio, pois é a partir disso que surgem os primeiros esquemas
lúdicos ou imitativos.

No entanto, há que se fazer uma ressalva em relação à criança


com deficiência visual: se ela não vê os objetos ou os vê parcial-
mente, e não sabe brincar com eles, ela precisará ser ensinada
a fazê-lo, em especial, de forma lúdica, com alguém brincando
com ela. “A criança cega e a com baixa visão aprenderão a imitar
e a brincar se encontrarem pessoas disponíveis para interagir,
com movimentos co-ativos, para que compreendam tátil-cines-
tesicamente a ação pelo contato físico” (BRUNO, 1993, sp).

Vale mencionar que, após o nascimento, todos os sistemas or-


gânicos trabalham para adaptar-se aos fatores ambientais e os
distúrbios sensoriais afetam sobremaneira o desenvolvimento
motor da criança. Isso porque os sentidos assumem inegável
importância nas relações que a criança mantém com o mundo,
principalmente no início do desenvolvimento, quando se for-
ma o alicerce para as futuras aquisições. Eles servem de “porta
de entrada”, provocando as mais diversas reações na criança.
Assim, a cegueira e a baixa visão, quando presentes desde o

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nascimento, afetam o desenvolvimento da percepção espacial


e de distância, da identificação das qualidades dos objetos, das
habilidades motoras e do comportamento social.

Essa ausência da visão restringe significativamente a aquisição


das habilidades dos movimentos, ao impedir que as principais in-
formações sensoriais sejam captadas. Essa capacitação tem gran-
de importância para a promoção dos ajustes do tônus muscular
e do “feedback” relativo aos resultados dos próprios atos. Nesse
contexto, a criança cega ou com baixa visão tem dificuldade de
manter combinações autocorretivas de reforço mútuo e ajustes
posturais adequados às atividades motoras. E essa baixa ativida-
de motora, nos primeiros meses de vida, decorrente da ausência
de visão, torna as “imagens proprioceptivas” mais empobrecidas.

É fato que a percepção espacial na criança com deficiência vi-


sual não pode se concentrar na função dominante da visão, daí
a necessidade de se recorrer à função tátil-cinestésica. Faz-se
necessário o contato direto das crianças com os objetos para
que possam perceber as formas, tamanhos, texturas e outras
características (Fig. 2 e 3).

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A produção de materiais inclusivos para estudantes com


deficiência visual

Ao produzir desenhos para pessoas cegas ou com baixa vi-


são, é preciso atentar para o relevo, a textura do preenchi-
mento, o contraste de cores, o contorno, as letras em Braille
e em tinta, o tamanho da imagem e da fonte. Muitas dessas
características são definidas em diálogo com o usuário do
material, a partir das suas necessidades pedagógicas.

Os materiais acima, elaborados por uma professora, têm o


objetivo de trabalhar as relações projetivas (direita, esquer-
da, em cima, embaixo, dentro, fora, em pé, deitado) com o
estudante. Ela fez uso de alto-relevo, texturas, contrastes
de cores, letras em Braille e em tinta para tornar o material
inclusivo a crianças com deficiência visual. Atualmente, há
impressoras modernas que também imprimem em relevo.

O sentido tátil-cinestésico, isoladamente, impõe limitações


para as crianças cegas e com baixa visão. Por exemplo, a per-
cepção da forma limita-se aos objetos que podem ser agarra-
dos com as mãos. Os objetos maiores são percebidos analiti-
camente pela exploração de suas várias partes, e finalmente,
pela integração ou síntese de percepções isoladas. Por outro
lado, objetos inatingíveis, como a lua e as estrelas, não po-
dem ser explorados por essas crianças pelo tato. Elas depen-
dem fundamentalmente de explicações e descrições do que
se passa ao redor. Basicamente, é a audição que garante à
criança cega e com baixa visão a noção de distância, localiza-
ção e direção dos objetos, porém esse sentido não pode for-

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necer nenhuma ideia concreta desses elementos, tampouco


suas qualidades e disposições.

O livro sensorial desenvolve


as habilidades motoras, sen-
soriais e atividades da vida
diária na construção da au-
tonomia da pessoa com de-
ficiência.

Figura 4: Material inclusivo


produzido por professora do
Ensino Fundamental.

Assim, a reação ao estímulo auditivo não é compensadora por


si só, e em muitos casos, age como fator de desorganização,
quando há excesso de ruído.

O sentido tátil-cinestésico adquire fundamental importância


quando se integra ao sentido auditivo, nas primeiras etapas do
desenvolvimento, devendo ser trabalhado. As informações ob-
tidas, a partir dessa integração, dão à criança cega e com baixa
visão maior possibilidade de acesso ao mundo que a rodeia.
Por exemplo, o som do chocalho, ouvido pela criança cega e
com baixa visão nos primeiros meses, se perde no vácuo, sen-
do necessário que ela o pegue e sacuda para poder, ela mesma,
produzir o som. É preciso que se dê à criança cega e com baixa
visão a oportunidade de concretizar, sempre que possível, o
que é ouvido. A associação das informações táteis-cinestési-
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cas e auditivas enriquece suas experiências, tornando-as mais


significativas. Do mesmo modo, a audição, o olfato e o paladar,
como sentidos isolados, fornecem pouco significado à criança
cega e com baixa visão. Devem vir associados a situações con-
cretas para que possam ser mais bem percebidos por ela.

Visto que as interações com o meio ambiente e entre os seg-


mentos corporais afetam o desenvolvimento, a mediação pre-
coce qualificada tem o objetivo de ensinar e incentivar postu-
ras e movimentos que favoreçam a aquisição sensório-moto-
ra, potencializando o desenvolvimento neuropsicomotor, como
pode ser observado no vídeo “Estimulação visual”, do Projeto
Redes de Inclusão.

No contexto dos atendimentos individuais com crianças de zero


a cinco anos, é de fundamental importância a intervenção para
prevenir os atrasos motores na criança cega e com baixa visão.
No próximo texto esclarecemos melhor qual é o objetivo do
estudo da psicomotricidade e a relação do homem com o seu
corpo em movimento e com o mundo interno e externo.

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REFERÊNCIAS
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Laramara, 1993.

BUENO, Elizangela. Jogos e brincadeiras na educação infantil: ensinando de


forma lúdica. 42 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedago-
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volvimento da lateralidade e estímulo de sentidos. Disponível em: https://
docplayer.com.br/9168800-O-uso-de-jogos-e-brincadeiras-no-desenvolvi-
mento-da-lateralidade-e-estimulo-de-sentidos.html Acesso em: 4 ago. 2020.

MACHADO, Angelo. Neuroanatomia funcional. 2. ed. São Paulo: Livraria Athe-


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PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da constituição cultural da


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psicomotricidade na intervenção fisioterápica como prevenção de atrasos
motores na criança cega congênita nos dois primeiros anos de vida. Revista
Benjamin Constant. n. 21 Abril/2002. P. 1-29. Disponível em: http://www.ibc.
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

VIGOTSKI, L. S. Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade. Campinas, v. 21, n.

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71, 2000. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302000000200002


Acesso em: 12 ago. 2020.

______. The history of the development of higher mental functions. In: RIE-
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York: Plenum Press, 1997. v. 4.

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