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FACULDADES INTEGRADAS DE FERNANDÓPOLIS – FIFE

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE FERNANDÓPOLIS – FEF

O INÍCIO DA COMUNICAÇÃO, DA
REPRESENTAÇÃO E DA
LINGUAGEM

Professora Me. Maria Carolina Albuquerque Botaro


Psicologia
2020
• A comunicação e a representação são duas
capacidades intimamente relacionadas no ser
humano.

• O instrumento mais importante que as


pessoas empregam para se comunicar é a
linguagem, sistema de natureza simbólica
que, entre outras coisas, permite “representar”
a realidade (voltar a torná-la presente quando
não está).
Piaget e Vygotsky: duas referências
imprescindíveis

• De acordo com Chomsky a linguagem é um “órgão


mental” com uma determinação semibiológica e seu
aparecimento corresponde à maturação de
especificações inatas que constituem a essência da
espécie humana.

• Para o mesmo autor, o entendimento ou a cognição


não tem nenhum papel no aparecimento da
linguagem, controlada por mecanismos específicos de
natureza inata.
• Jean Piaget, diferentemente de Chomsky,
afirma a importância do cognitivo sobre o
desenvolvimento da comunicação e da
linguagem.

• Para ele, a linguagem, entendida como


representação, aparece, junto com outras
condutas, como tradução ou expressão da
função simbólica.
• A posição de Piaget teve uma grande
importância, já que significou abordar o estudo
da aquisição da linguagem a partir de seus
“pré-requisitos” cognitivos.

• Assim, desenvolveu-se uma grande pesquisa


para conhecer aquilo que era “anterior” ao
aparecimento da linguagem e que era
condição para sua emergência.
• Certamente, o anterior remetia ao
desenvolvimento cognitivo e às diferentes
construções que os bebês realizam ao longo
de seus dois primeiros anos de vida.

• No entanto, a busca do “anterior” à linguagem


não se limitou à tese piagetiana dos marcos
cognitivos, e um bom número de
pesquisadores se lançou na busca dos “pré-
requisitos” comunicativos.
• Nessa concepção de natureza extremamente
sociogenética, sustenta-se que, desde o início
de sua existência, os bebês se envolvem em
rotinas sociais com as pessoas que cuidam
deles, de modo que sua atividade não ocorre
no vazio, mas se produz em um contexto que
está socialmente organizado pela cultura e
pelas pessoas do ambiente.
• Essa proposta implica a existência de um
desenvolvimento comunicativo prévio ao
aparecimento da linguagem, desenvolvimento
que é específico e não depende do
desenvolvimento cognitivo, em que a
contribuição dos cuidados é tão importante
como a da própria criança.
• A tese, porém, não se limita a negar a
importância do cognitivo sobre o linguístico;
ela vai além e afirma a solidariedade em
ambos os desenvolvimentos.

• Desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento


linguístico, cada um com seus mecanismos
próprios e específicos, formam uma unidade,
de modo que um depende do outro e vice-
versa.
• Essas ideias, formuladas por Vygotsky (1934),
indicam que o individual (a representação) e o
coletivo (a comunicação) não podem ser
separados na explicação da ontogênese
(processo evolutivo a respeito das alterações
biológicas sofridas pelo indivíduo, desde o seu
nascimento, até seu desenvolvimento final).

• Esse é o ponto de vista que mais traz luz para


compreender o aparecimento e o
desenvolvimento de ambas as capacidades.
O início da comunicação e da consciência

• Sabemos que os recém-nascidos são seres


ativos, com um amplo repertório de condutas
que lhes permite estabelecer uma relação
primária com outros seres humanos, buscá-la,
iniciá-la e, ao mesmo tempo, regular o grau de
estimulação social.

• Sendo assim, os bebês não são “livros em


branco” sobre os quais se escreve e se molda
com base em contingências e repetições.
• A compreensão atual do desenvolvimento
consiste em conhecer como os adultos
coordenam e sincronizam suas condutas já
utilizadas pelo bebê, dando lugar a rotinas e
práticas interativas em que a comunicação
tem um papel-chave.
• Aos três meses, a vida social do bebê,
relacionada fundamentalmente com seu
cuidado (higiene, alimentação), implica uma
simbiose afetiva com seus cuidadores, da qual
surgem alguns significados rudimentares que
são utilizados para regulá-la, mas que, ao
mesmo tempo, estão na base do início da
consciência, ou seja, da subjetividade.
• O termo “intersubjetividade primária” é
utilizado para designar a acomodação que os
bebês fazem de seu controle subjetivo à
subjetividade dos outros, entendendo-se que
nessa subjetividade está o início da
consciência e da intencionalidade individual.

• Em relação à essa intersubjetividade primária,


devemos destacar dois aspectos: as
características das práticas em que se
inscrevem as interações adulto-criança; e a
intencionalidade implícita nos primeiros
intercâmbios adulto-bebê.
As características das práticas interativas
bebê-adulto

• Desde o início da vida, adultos e bebês


participam conjuntamente em práticas em que
o mais surpreendente é a habilidade que
mostram os adultos para sintonizar suas
condutas com as do bebê em uma espécie de
“toma lá dá cá” que lembra o diálogo entre o
falante e o ouvinte.
• Em rotinas cotidianas de alimentação, de
limpeza, de expressão de emoções, o adulto
procura situações do tipo “agora é a minha
vez, agora é a sua”, em que cada participante
pega sua vez (“agora eu me mexo, agora
você”, etc.).

• Esse tipo de atividades possibilita que o bebê


reconheça a pertinência e a adequação de
suas condutas em relação às condutas dos
cuidadores.
• Na medida em que as interações se baseiam
na ação e na interação mútua, sem referência
a objetos ou situações externas, fala-se de
intersubjetividade primária.
• A impressão é que os adultos têm um plano de
atuação com suas crianças baseado na “leitura”
imediata da criança, na percepção da interação em
andamento e na experiência de interações prévias.

• O adulto costuma fixar o marco sequencial e seus


limites, ao mesmo tempo em que repete os
elementos básicos da sequência sempre da mesma
forma, de modo que, cada vez que está em estado
de alerta, o bebê encontra um ambiente estável e
previsível que lhe permite “negociar” procedimentos
comunicativos para acomodar sua conduta à do
adulto.
• Além disso, os adultos não só estabelecem
algumas situações rotineiras, relativamente
previsíveis pelos bebês e que são regidas por
regras semelhantes às empregadas no âmbito
do diálogo, como também tratam os recém-
nascidos como se já fossem seres humanos
com intenções, desejos e sentimentos
semelhantes aos seus.
• Assim, se o bebê emite um som qualquer, o
adulto responde com um “o que você está
dizendo, que tem fome?”, tratando como
intencional e cheia de conteúdo comunicativo
a conduta do bebê.

• Todas as condutas do bebê são interpretadas


segundo o contexto e são dotadas de
significado e de sentido para poder fazer
coisas com elas que vão além de sua simples
realização.
A intenção comunicativa: inata ou
construída?

• Quanto à intencionalidade, alguns autores


adotam uma posição construtivista e
proclamam que a intenção comunicativa
aparece ao longo do estágio sensório-motor,
quando o bebê é capaz de coordenar
sequências de condutas dirigidas a uma meta,
isto é, quando pode tomar consciência de um
objetivo e estabelecer um plano para atingi-lo.
• Nessa posição está subjacente a ideia de que o
desenvolvimento cognitivo guia as condutas
comunicativas das crianças de modo que é um pré-
requisito para seu aparecimento.

• Essa posição foi apoiada empiricamente ao se


demonstrar que, no final do primeiro ano de vida, a
criança era capaz de usar o adulto como um meio
de obter um objeto (pegar a mão do adulto e levá-lo
diante de uma torneira para obter água) e, ao
mesmo tempo, podia usar um objeto como meio
para atrair a atenção do adulto (pegar uma boneca
e girá-la diante do adulto para que este olhe e faça
comentários).
• As primeiras condutas foram classificadas
como proto-imperativas (“me dá água”) e as
segundas como protodeclarativas (“olha a
minha boneca”).
• Essas condutas apareciam juntamente com a
capacidade dos bebês de usar um objeto para
obter outro objeto (arrastar um travesseiro
para conseguir um brinquedo que está sobre
ele).

• Os três tipos de conduta respondiam à noção


de causalidade elaborada pelo bebê durante o
estágio sensório-motor.
• Invoca-se, então, a existência de um
mecanismo cognitivo, construído ao logo do
primeiro ano de vida, mediante o qual a
criança podia utilizar, de forma apropriada,
diferentes meios para conseguir um fim
desejado.

• No âmbito da comunicação, o uso de um


adulto como agente de uma ação determinada
e o uso de um objeto para exigir a atenção do
adulto eram considerados indícios claros da
existência de intenção comunicativa.
• Sendo assim, estamos agora diante de uma
situação de “intersubjetividade
secundária”, em que a comunicação entre o
bebê e o adulto não gira em torno da relação
entre ambos, mas em torno de objetos e
situações externas.
• Já outros autores pensavam que a
intencionalidade era muito anterior.

• Jerome S. Bruner (1973) afirma que, desde o


nascimento, o bebê é capaz de realizar as
diferentes condutas subjacentes a um ato
intencionalmente comunicativo, mas é incapaz
de sequenciá-la adequadamente em relação a
um objetivo.
• Nessa perspectiva, acredita-se que o bebê
tem desde muito cedo preferência por um tipo
de estímulo e mostra condutas apropriadas
para sua consecução, de modo que, quando
observa os efeitos de sua conduta sobre tais
estímulos ou objetivos, sua conduta se torna
intencional.
• Bruner não se arrisca caracterizar a
intencionalidade como inata, mas aposta que
o decisivo no estabelecimento da intenção
comunicativa é, definitivamente, o fato de que
os adultos tratam todas as condutas infantis
como se já fossem intencionais, de modo que,
em pouco tempo, o bebê começa a usá-las de
acordo com o uso no contexto humano, social
e cultural em que se desenvolve.
Jerome S. Bruner: os formatos de atenção e
ação conjunta

• No início da vida, o interesse infantil está


quase que exclusivamente centrado na
interação eu-você do tipo intersubjetividade
primária, mas logo se interessa também pelos
objetos.
• Assim, por volta dos seis meses, o foco de
atenção da díade adulto-criança diversifica-se
enormemente, e, além da própria díade, o
mundo exterior (o dos objetos) exige um
grande interesse e se incorpora à relação com
os demais em interações eu-você-objeto do
tipo intersubjetividade secundária: nessa
idade, o bebê é capaz de seguir o olhar da
mãe (olhar para onde ela olha) e de utilizar o
olhar como um índice díctico (“aquilo”, “isso”)
para mostrar que compartilha um tema.
• É o momento em que o adulto e o bebê se
envolvem conjuntamente em uma série de
brincadeiras que adotam a forma de rotinas,
cujas variações são previsíveis por parte dos
bebês.

• Bruner estudou esse período e utilizou o


termo de formato para descrever as
características desse tipo de interação social.
• Inicialmente, Bruner aborda o estudo das
situações, ou formatos, para compreender seu
papel no processo de aquisição da linguagem
e, no final, no progresso das habilidades
comunicativas.

• Nesses formatos ou “microcosmos” da cultura,


as relações sociais estão em consonância
com os usos da linguagem no discurso.
• Além disso, os formatos servem para construir
conjuntamente um “fundo de conhecimento”
entre o adulto e a criança, que permite a esta
operar em uma cultura determinada.
Intersubjetividade e suporte

• As ideias que estão submetidas à noção de


formato se referem à intersubjetividade e ao
suporte.

• Bruner acredita que um adulto e um bebê podem


se envolver conjuntamente em uma atividade, ou
seja, fazer algo juntos, porque entre ambos existe
intersubjetividade, ou seja, ambos são capazes
de reconhecer suas próprias subjetividades e,
portanto, “ler” mutuamente suas intenções.
• Se isso não fosse dessa maneira, seria
impossível que ambos participassem em
situações rotineiras, pautadas e sequenciadas
em que cada um faz o que lhe cabe em
relação ao outro para que a interação se
mantenha.
Ex.: Em uma situação de “dar-e-pegar” (um passar uma
bola ao outro), basta simplesmente que um dos dois
estenda a mão para o objeto que está com o outro, ao
mesmo tempo em que olha para que se inicie o jogo de
passá-la mutuamente. A intenção de “querer brincar de
passar um objeto” não se pode ver, não é translúcida,
faz parte da subjetividade de cada um dos participantes.
No entanto, basta simplesmente um gesto,
acompanhado do olhar e de uma vocalização (um
“velha” ou “me dá” do adulto) para que o bebê
reconheça a intenção, e vice-versa. Além disso, dadas
as características dessas situações (repetitivas,
sequenciadas, etc.), ambos sabem “tudo” o que
acontecerá posteriormente e, portanto, “como devem
agir” para que a situação progrida e não seja
interrompida.
• Isso nos leva ao nosso segundo ponto de
discussão: o suporte.

• Se pegarmos novamente o exemplo de “dar-e-


pegar” e estudarmos sua origem e evolução,
observamos que em torno de seis meses,
quando o bebê começa a se interessar pelos
objetos, os adultos iniciam um ritual que
consiste em “ensinar” ao bebê que pode ser
um receptor de objetos.
• Concretamente, mostram-lhe um objeto, o
agitam diante dele, e o estendem, ao mesmo
tempo em que fazem produções como
“pegue-o”, “é seu” e outras semelhantes, que
normalmente acabam com o adulto colocando
o objeto na mão do bebê.

• Essa situação se repete inúmeras vezes, de


forma que, dois ou três meses depois, basta
que o adulto estenda o objeto ao bebê para
que este estenda o braço e pegue-o.
• É o momento em que o adulto faz com que
seu partenaire saiba que também pode ser um
agente da ação, e, portanto, seus esforços se
dirigem para conseguir que, uma vez que o
bebê tenha o objeto em sua mão, o passe a
ele.

• As produções mudam e se transformam em


“me dá”, “passe-me”, “é meu” e semelhantes,
além de estender a mão aberta e olhar
diretamente para o bebê.
• Inicialmente, a situação costuma terminar com
o adulto pegando o objeto da mão do bebê.

• Esse ritual, repetido inúmeras vezes, termina


próximo dos 12 meses, quando aparece o
“dar-e-pegar” no sentido estrito, de modo que
ambos brincam de passar um objeto de um
para o outro.
• Nesse momento, o adulto já pode retirar o
“andaime” que havia montado para dar
suporte à aprendizagem do bebê: ele já não
precisa pegar a bola da mão do bebê, nem
sequer precisa pedi-la verbalmente.

• Interiorizada a situação pelo bebê graças a


todos os apoios iniciais do adulto, tais apoios
já não são necessários; terminada a
construção, o andaime é retirado.
• Isso significa que, em um período de seis
meses, o adulto e o bebê se envolvem
conjuntamente em uma profunda negociação
de procedimentos para realizar juntos uma
atividade – nesse caso, o “dar-e-pegar”.
• Intersubjetividade e suporte são duas faces da
mesma moeda.

• Graças a ambas as noções e ao veículo que


as concretiza, o formato, o bebê aprende a se
comportar de forma situada, que é,
definitivamente, a característica mais
importante do comportamento cultural.
• Bruner estende a noção de formato para além
das brincadeiras e fala da hora de comer, de ir
para a cama, das situações de boas-vindas ou
de despedida, etc.

• Esses formatos oferecem facilmente à mãe e


à criança oportunidades para tornar explícito o
que têm em suas “mentes”.
• Em um sentido de futuro, também oferecem à
mãe um veículo para tornar explícito aquilo
que a cultura pede.

• Mais tarde, definitivamente, o que as pessoas


acabam fazendo em um escritório do correio é
se comportar e pensar no escritório do correio.

• O escritório do correio também é um formato.


• O autor considera que, além das capacidades
iniciais do bebê no momento do nascimento, o
que se constrói, graças à maneira como o
adulto dá suporte aos comportamentos no
âmbito da interação social, é uma
aprendizagem sobre como se comportar de
forma adaptada em um contexto situado
culturalmente.
O fundo de conhecimento cultural

• Bruner propõe que, por meio de formatos, o


bebê constrói também uma interpretação da
comunidade cultural à qual pertence,
compartilhada com as pessoas adultas,
graças ao estabelecimento de um “fundo de
conhecimento” comum que o habilita para se
adaptar e se comportar socialmente.
• O bebê se constrói como pessoa graças ao
fato de os adultos o tratarem como tal desde o
início de sua vida.

• Isso significa que o adulto, os demais e a


sociedade se envolvem com o bebê em um
processo de negociação ativa para que
construa um mundo compartilhado com a
comunidade.
• Sendo assim, o formato não serve só para ser
incorporado à linguagem (algo muito
importante e decisivo para a adaptação
cultural), mas também para “institucionalizar”
uma visão compartilhada do mundo.
• Por exemplo, um dos formatos mais
estudados é o que se conhece como “leitura
de livros”.

• Esse formato consiste em que,


conjuntamente, adulto e criança prestem
atenção em um grupo de imagens que, em
nossa cultura, costuma ser comercializada em
forma de livro com grandes ilustrações
coloridas nas quais aparecem cenas de nossa
vida cotidiana ou uma coleção de objetos
como animais, brinquedos, pessoas, etc.
• A “leitura de livros” é um formato que consiste
em um vocativo de atenção (“Ei, olhe, olhe...!”)
para atrair a atenção do partenaire para uma
imagem ou desenho e, após a olhada, uma
pergunta do tipo “o que” (“o que é isto?”),
seguido de uma vocalização da criança
(desde um “mmm”, até um “tato” ou até um
mais acabado “gato”, conforme a idade) e um
feedback do tipo: “Muito bem; sim, sim, é um
gato” ou algo semelhante.
• Uma vez que a criança é capaz de rotular
corretamente após uma pergunta do tipo “o
que é isto?”, o adulto diversifica suas
perguntas e passa a fazer perguntas como “o
que faz?”, “onde está?”, “o que tem?”, etc.

• Isto é, uma vez compartilhado o foco de


atenção e estabelecido o fundo de
conhecimento, o adulto o amplia na forma de
comentários para introduzir características ou
propriedades e compartilhar outros contextos.
• As ideias de Bruner sobre os formatos
mostram como os adultos agem em relação
às capacidades infantis e as entendem, de
modo que possibilitam que as crianças se
incorporem à comunidade cultural à qual
pertencem e se adaptem a ela.
• O estudo dos modos de interação adulto-
criança traz mais luz para compreender como,
pouco a pouco, o bebê se constrói como um
ser intencional e, ao mesmo tempo, constrói o
outro também como intencional, do que
invocar mecanismos inatos que permitem em
um momento do desenvolvimento “ler” a
mente dos demais.
O aparecimento da linguagem

• Comunicação e representação se consolidam


na linguagem.

• Bruner (1983) e Tomasello (1995, 1996)


consideram que o aparecimento da linguagem
representa um marco no desenvolvimento da
comunicação e da representação.
• Piaget entende o aparecimento da linguagem
como a expressão da função simbólica.

• Para ele, a linguagem é representação, da


mesma forma que outras condutas (imitação
diferida, jogo simbólico, imagem e desenho), e
aparece, junto com as outras, no final do
estágio sensório-motor.
• Ainda para Piaget, o aparecimento da
linguagem tem pouco a ver com a
comunicação, refletindo exclusivamente o
desenvolvimento cognitivo da criança, por
mais que seu aparecimento melhore
notavelmente as capacidades cognitivas e
comunicativas do bebê.
• Os dados empíricos disponíveis não apoiam
esse ponto de vista, pois, muito antes que a
hipotética função simbólica apareça, as
crianças realizam usos linguísticos que,
evidentemente, não funcionam como
símbolos.

• Uma posição que explique o aparecimento da


linguagem em uma linha de continuidade com
o desenvolvimento comunicativo parece mais
plausível do que a hipótese cognitiva.
• O adulto e a criança se envolvem
conjuntamente em atividades desde o início
da vida e, nessas atividades, ambos se
comprometem em uma negociação profunda e
ativa de procedimentos que permitem levar a
interação para um bom caminho.

• O que negociam é como mostrar suas


intenções, como saber até que ponto são
reconhecidas pelo outro, etc.
• Inicialmente, o bebê emprega o repertório de
condutas com o qual chega a este mundo (choro,
sorriso, olhar), mas pouco a pouco vai
incorporando gestos mais arbitrários e, portanto,
mais culturais, como a sinalização.

• Isso é possível porque o adulto apresenta


situações pautadas, segmentadas, sequenciadas,
etc., que se repetem várias vezes, de modo que o
bebê tem centenas de oportunidades para
observar tanto as consequências de seus atos
como as dos demais e sempre em relação com o
mesmo pano de fundo.
• O aparecimento da sinalização é um bom
exemplo.

• Perto dos seis meses, o bebê se interessa


pelos objetos e, entre outras coisas, pretende
pegá-los.

• Para isso, utiliza o “gesto de alcançar”, que


consiste em, estando sentado, esticar-se na
direção do objeto, com o olhar fixo nele, os
dois braços estendidos e as mãos abertas.
• Se não alcança o objeto e o adulto considera
que pode tê-lo, a sequência continua com o
adulto aproximando o objeto do bebê.

• Mas para isso tratou o “gesto de alcançar”


como se fosse intencional: o adulto pressupõe
que o bebê quer o objeto e que tal gesto é um
sinal, dizendo coisas como, “claro, vou dá-lo a
você”, ao mesmo tempo em que o mostra e
em seguida, pega-o e o entrega.
• Passam-se poucos meses, e o bebê estiliza
seu “gesto de alcançar”: mantém as costas
retas, um braço ele mantém estendido,
enquanto o outro fica mais retraído, e, além
disso, aparece uma mudança definitiva em
relação à situação anterior: agora, o bebê
alterna seu olhar entre o objeto e o adulto; seu
gesto se tornou intencional.
• A questão não é mais tentar alcançar
diretamente o objeto, mas comunicar ao
adulto que o quer ter.

• Poucos meses depois, próximo dos 11-12


meses, o “gesto de alcançar” desaparece e é
substituído pela sinalização, usada também
como uma forma de solicitação.
• Evidentemente, a sinalização é um
procedimento mais cultural do que o “gesto de
alcançar” e, portanto, permite novas
possibilidades ao bebê, de modo que, poucos
dias depois de seu primeiro aparecimento, o
bebê aponta para um ponto distante do
quarto, o adulto pega o objeto e passa-o para
ele.
• Existem algumas ocasiões em que o bebê
pega o objeto que queria e outras em que o
bebê despreza o objeto, porque o que queria
não era pegá-lo, mas chamar a atenção do
adulto sobre tal objeto por alguma razão.

• Sendo assim, se o “gesto de alcançar”


somente permitia “quero X”, a sinalização,
procedimento mais cultural e evoluído, permite
tanto “quero X” como “olhe X”.
• O que o bebê aprende sobre a linguagem
nessas situações são as “condições de
felicidade” que tornam possíveis que suas
solicitações, suas indicações, seus sinais e
suas perguntas sejam compreendidas e
atendidas pelos demais.

• Aprende as condições para “fazer coisas” com


a linguagem.
• Essa aprendizagem é anterior ao
aparecimento da linguagem propriamente dita
e se cumpre mediante gestos, vocalizações,
olhares, mas é imprescindível para o
aparecimento da linguagem.
• Uma criança que tem sede pode fazer uma
solicitação a partir de pegar a mão do adulto,
levá-lo à cozinha e apontar para a torneira ao
mesmo tempo em que vocaliza.

• É provável que o adulto entenda que está


sedenta e lhe dê um copo de água.
• A palavra “água” aparecerá também como
uma solicitação e expressa o mesmo “fundo
de conhecimento” que os gestos anteriores;
só que agora a criança compreende que tal
procedimento (a palavra) é mais eficaz e mais
econômico do que executar uma longa
sequência de gestos e de ações.
• As primeiras palavras aparecem como um
processo de “substituição funcional” em que
os procedimentos arcaicos são substituídos
por procedimentos mais culturais, cuja eficácia
e economia se é capaz de reconhecer.

• Mas junto com esse processo de “substituição


funcional” em que estão envolvidas as
capacidades cognitivo-sociais, deve-se
invocar também outra capacidade do bebê: as
capacidades fonológicas que os bebês
desenvolvem ao longo de seu primeiro ano de
vida.
• Entre a realização de um gesto e seu
equivalente fonológico para cumprir a mesma
função, existe uma diferença qualitativa muito
importante.

• De fato, de uma perspectiva evolutiva, as


coisas parecem ser relativamente fáceis para
os bebês, que, desde muito cedo, combinam
gestos e vocalizações, de modo que, junto ao
desenvolvimento comunicativo existe um
desenvolvimento fonológico que leva o bebê a
realizar produções vocálicas semelhantes às
produzidas pelos adultos.
• Do mesmo modo que em relação à percepção
da fala aparecem habilidades notáveis, os
bebês também têm capacidades para produzir
sons.

• Assim, no início, choram e gritam; a partir dos


três meses, começam os gorjeios, que são
sons guturais; aos seis meses, produzem os
primeiros balbucios que são combinações de
sons vocálicos e consonânticos que se
repetem de forma melódica e entonativa.
• Posteriormente, próximo aos nove meses,
aparecem as primeiras formas foneticamente
estáveis ou “protopalavras”, que são
empregadas em combinação com gestos
tanto no âmbito da atenção como da ação
conjunta.

• Finalmente, em torno de 12 meses, aparecem


as primeiras palavras no sentido estrito.
Referência

COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. e cols.


Desenvolvimento psicológico e educação.
Psicologia evolutiva. vol. 1. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
OBRIGADA PELA ATENÇÃO!!

carolina.psico@hotmail.com

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