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Sem negar que a criança possa descobrir sozinha as funções de objetos soltos,
ao cumprir por sua própria conta tarefas que exigem o emprego de instrumentos,
consideramos não ser essa, no entanto, a forma fundamental. A forma
fundamental é a de atuarem em conjunto crianças e adultos a fim de,
paulatinamente, estes transmitirem àquelas os modos planejados pela sociedade
para usar os objetos. Nesse trabalho conjunto, os adultos organizam em
conformidade com um modelo as ações da criança, e em seguida estimulam e
controlam a evolução de sua formação e execução. (ELKONIN, 1998, p. 217).
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Em suma, vemos nos pressupostos da psicologia histórico-cultural uma concepção de
desenvolvimento que toma como unidade de análise não o indivíduo/criança, mas a relação criança-
adulto.
Para Venger (1976), Mújina (1979) e Elkonin (1998; 1987), essa relação criança-adulto, desde
os primeiros meses de vida, adquire um caráter de atividade compartilhada e instruída entre a criança
e o adulto, atividade essa que desafia o psiquismo infantil e, assim, mobiliza processos psíquicos
ainda não consolidados, mas que já despontam como possibilidade iminente de desenvolvimento.
Essa atividade compartilhada e instruída influi sobremaneira no desenvolvimento das funções
psíquicas, haja vista que esse desenvolvimento "aparece em cena duas vezes, em dois planos:
primeiro no plano social e depois no plano psicológico, ao princípio entre os homens como categoria
intrapsíquica e logo no interior da criança como categoria intrapsíquica" (VYGOTSKI, 1995, p.
150, tradução nossa).
Logo, a figura do par mais desenvolvido é central na teoria histórico-cultural, e seu papel é criar
possibilidades de desenvolvimento para a criança, posto que o desenvolvimento não transcorre
natural ou espontaneamente, como efeito da maturação orgânica ou pelo mero acúmulo de
experiências de interação com o entorno, mas apenas à medida que a criança tem a possibilidade de
apropriar-se ativamente das objetivações da cultura, conquistando, nesse processo, neoformações
psíquicas que transformam sua relação com o mundo, engendrando novas capacidades e novas
necessidades.
Partindo desse entendimento, não é possível compactuar com a perspectiva de nada ensinar às
crianças e centralizar o processo pedagógico naquilo que podem aprender sozinhas e no que
demonstram e se interessam por si mesmas, conforme preconiza Edwards (1999). Tal
posicionamento consiste, segundo nossa compreensão a respeito das forças motrizes que guiam e
produzem o desenvolvimento infantil, em uma atitude de omissão pedagógica. Como já foi
explicitado, os interesses e as curiosidades que movem as ações das crianças dependem da qualidade
da relação criança-mundo, mediada pela atividade compartilhada e instruída com e pelo par mais
desenvolvido, que potencializa a atuação da criança frente aos objetos e fenômenos que se
apresentam a serem conhecidos e apropriados. Isso significa que os interesses não emanam de uma
força interior, inata, mas se produzem originalmente nas relações sociais externas e vão sendo
internalizados, passando a direcionar as escolhas, seus motivos, enfim, o interesse de agir nessa
realidade. Portanto, quanto maior for a riqueza de experiências, de vivências, proporcionadas pela
escola, maior será o leque de possibilidades de interesses das crianças acerca dos objetos de
aprendizagem. Isso significa que esses interesses emergem do encanto das crianças pelos fenômenos
e objetos da realidade e podem ser transformados em motivos de aprendizagem, mostra Ottoni
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(2016). Em seu estudo, a pesquisadora observou que o conteúdo (curricular) "animais ovíparos e
mamíferos", ao ser ensinado por meio de diferentes estratégias e com intervenção qualificada do
professor, aguçou novos interesses e levantou hipóteses e questionamentos sobre o fenômeno
conhecido e apropriado pelas crianças.
Assim, é necessário que o professor de educação infantil delimite finalidades e parâmetros que
organizem, regulem e dirijam a atividade infantil, para que essa atividade seja desenvolvente, isto
é, para que efetivamente provoque a formação de novas capacidades no psiquismo infantil e,
consequentemente, novas possibilidades de ação no mundo. Mas isso não significa que as
finalidades devam ser estabelecidas para a criança, e sim com a criança, como processo
compartilhado no plano interpsíquico que cria as condições necessárias para que ela venha a
dominar os meios para a autorregulação da conduta, construindo sua autonomia e atuando na
formação intrapsíquica.
Logo, o protagonismo não está na criança ou no professor: o que está em cena é a relação
educativa. Nesse sentido, resgatamos também a atividade do professor "compreendido como alguém
que transmite à criança os resultados do desenvolvimento histórico, explicita os traços da atividade
humana objetivada e cristalizada nos objetos da cultura e organiza a atividade da criança"
(PASQUALINI, 2006, p. 193), e não meramente alguém que assiste, acompanha e estimula o
desenvolvimento infantil. Contrapomo-nos, assim, à descaracterização, difundida pela Pedagogia
da Infância, do professor como alguém que ensina, tendo sua interferência na sala de aula reduzida
a mera participação, como aponta Arce (2004).
Entendemos que esse professor, para estar em atividade, precisa colocar-se como sujeito da
atividade de ensino, estabelecendo uma relação consciente com os motivos e finalidades dessa
atividade, dominando seus meios e vislumbrando resultados almejados. Isso significa ter clareza do
significado de sua função e compromisso social e assumir subjetivamente a necessidade social
objetiva de promover a humanização e o desenvolvimento cultural das crianças, produzindo
aprendizagens que elevem a capacidade psíquica delas. Para tanto, ele deve valer-se do
planejamento como instrumento organizador e orientador das ações de ensino.
Surge, então, outro questionamento: posicionar o holofote sobre a relação educativa e demarcar
o papel ativo do professor significa que todo o tempo que a criança passa na escola precisa ser/estar
dirigido? Com base nos princípios teóricos expostos, é possível compreender que ações não
dirigidas e opcionais também têm grande importância na escola de educação infantil. Organizar o
tempo e o espaço da educação infantil de modo que a criança possa fazer escolhas e fixar-se em
ações compartilhadas com seus pares evidentemente também movimenta aprendizagens!
O que se convencionou chamar de "tempo livre" mostra-se fundamental não meramente como
intervalo entre ações dirigidas, mas também como possibilidade de experimentar situações sem
direcionamento externo que exigem da criança o exercício de tomada de decisão, processo que tem
papel importante para a formação da autonomia e independência. Além de produzir
desenvolvimento, consideramos que momentos não dirigidos e opcionais são válidos e necessários
como fruição, até mesmo como descanso, contribuindo para o bem-estar infantil na escola. É preciso
cuidado, entretanto, em qualificar tais situações como exercício de liberdade da criança, alçando-as
ao status de prioridade.
A concepção de liberdade como ausência de restrições diretas e direcionamentos externos
imediatos fixa-se na aparência do fenômeno, pois desconsidera que os direcionamentos internos
individuais da conduta humana são constituídos a partir dos processos interpsíquicos, permeados
por conteúdos ideológicos. A supressão do direcionamento externo imediato não anula os efeitos do
direcionamento internalizado e, portanto, mediado, razão pela qual a noção de liberdade, do ponto
de vista histórico-cultural e histórico-crítico, passa necessariamente pelo processo de
desenvolvimento de consciência dos condicionantes da existência e, em última instância, pela
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transformação objetiva desses condicionantes. Com isso, queremos trazer elementos para
problematizar a noção de "atividade livre" da criança como eixo da prática pedagógica e demarcar
a atividade dirigida por um par mais desenvolvido como condição de construção da liberdade.
Não sendo a única forma de atividade a compor o trabalho pedagógico das escolas de Educação
Infantil, a presença da atividade dirigida pelo professor é prioritária e decisiva para possibilitar a
ampliação do conhecimento de mundo da criança e seu acesso ao patrimônio histórico-cultural como
fonte de seu desenvolvimento. A criança não pode manifestar interesse por algo que não conhece!
É tarefa da escola libertar o aluno da estreiteza da experiência singular imediata, criando as
condições de realização, para cada criança, da possibilidade derradeiramente humana de enriquecer
sua subjetividade em formação por meio da incorporação da atividade de gerações e gerações
precedentes, ou seja, da História humana. É pela reprodução, em cada indivíduo, da universalidade
da cultura humana que se garante a formação de capacidades produtivas e criadoras.
Com isso, esperamos evidenciar que a defesa do ensino e do currículo na educação infantil em
nada sustenta a supressão da potência criativa da criança, ao contrário, pretende justamente formar
a atividade criadora que não existe a priori e vem sendo erroneamente concebida como condição ou
propriedade natural da infância, como bem analisa Saccomani (2016).