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Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral

Curso de Psicologia
Disciplina de Desenvolvimento do Bebê
Antônia Fernanda Lima de Araújo
Matrícula: 485094

Análise do “Documentário Bebês” à luz das considerações de Lev Wygotsky acerca do


desenvolvimento humano no primeiro ano

Em seu texto intitulado “O primeiro ano”, Wygotsky defende a tese de base materialista
segundo a qual o desenvolvimento do bebê, mesmo em seus meses iniciais, não ocorre
apenas em nível biológico, isto é, desde a sua concepção na barriga da mãe, a criança já
se constitui como um ser essencialmente social em função de depender completamente
dos cuidados de terceiros para satisfazer suas necessidades vitais. Assim, o
desenvolvimento nessa teoria é concebido como um processo que abrange tanto a carga
biológica quanto os fatores sociais. O documentário “Bebês” retrata o desenrolar do
desenvolvimento no primeiro ano de quatro crianças de nacionalidades distintas: Bayar,
da Mongólia, Ponijão, da Namíbia, Hattie, dos Estados Unidos e Mari, do Japão. A
experiência começa com os bebês ainda no espaço intrauterino, mostrando os rituais
praticados por cada família para recebê-los. Nota-se que o ato do nascimento é
protagonizado pelas expressões de choro e de espanto das crianças, ilustrando, assim, a
colocação de wygotsky sobre este acontecimento se tratar de uma etapa crítica da vida,
na qual o desenvolvimento do bebê sofre uma ruptura que será responsável por um salto
dialético promotor de muitos avanços em seu curso.
Ao nascerem, os bebês são inseridos de imediato na vida social do seu adulto cuidador,
fato que propicia a eles a constituição de uma vida psíquica elementar formada a partir
da sua relação com os outros, na medida em que, por depender inteiramente da ajuda
externa para manter-se vivo, o bebê necessita estabelecer relações com os demais apesar
de suas limitações comunicativas, sua falta de domínio sobre o próprio corpo, sua
consciência confusa e seus sistemas biológicos inacabados. Na vida psíquica
rudimentar do recém-nascido, se misturam o sensitivo e o emocional, fazendo com que
o comportamento do bebê seja regido por estados emocionais que podem ser vistos por
meio das precoces expressões de agrado ou desagrado emitidas desde os seus primeiros
dias de vida. Dessa maneira, o bebê vivencia uma situação social de desenvolvimento
particular, na qual ele recorre ao adulto em razão de sua completa dependência dos
outros para sobreviver, colocando-se como um ser fundamentalmente social enquanto,
por outro lado, ainda carece de mínimas possibilidades de domínio da linguagem
humana. Para tanto, os bebês apresentam comportamentos peculiares próprios dessa
idade, como sono e vigília indissociados, estado constante de dormência, nenhuma
capacidade de locomoção. Enquanto crianças que acabaram de nascer, eles possuem um
interesse passivo diante do mundo, no quais predomina um modelo de conduta mais
centrada nas formas instintivas da atividade, como o reflexo de sucção da mama, a
preensão dos objetos próximos, o choro movido pela sua necessidade do adulto, o olhar
disperso sobre as coisas ao redor. Vale ressaltar que, nas primeiras fases do
desenvolvimento, o interesse maior da criança está no adulto em detrimento dos seres
inanimados, em função da sua extrema dependência do outro para sobreviver.
Entre o segundo e o terceiro meses, considerado o primeiro estágio do primeiro ano,
essa passividade se torna um interesse receptivo e os bebês passam a sentir a influência
dos estímulos ambientais com maior intensidade, ainda que seu comportamento também
seja predominantemente instintivo, demostrando interesse nos objetos que estão ao seu
alcance, nos movimentos do próprio corpo e nos dos outros, bem como nos sons em
geral. Para Vygotsky, o interesse bebê pelo mundo constitui uma forma de afeto distinta
dos sentimentos, consiste num afeto relativo a impulsos que mobilizam o bebê a
satisfazer suas necessidades vitais, voltando-se para as pessoas de quem é dependente e
através das quais sua sobrevivência se faz possível. É nesse período que manifestam
suas primeiras reações sociais de prazer ao sorrirem para os adultos ou para os
brinquedos que lhes chamam a atenção, balbuciam enquanto interagem com as pessoas
que os cercam, conseguem realizar uma mudança ativa na postura, são atraídos pelos
objetos experimentando-os através da boca e do tato, e já são capazes de coordenar
movimentos com dois órgãos conjuntamente. Hattie exemplifica esse momento quando
aparece agarrando os dedos da avó para levá-los à boca enquanto balbucia alguns sons
de satisfação, fazendo a articulação de dois órgãos coordenados ao mesmo tempo. Mari
e Hattie, nas creches que frequentam desde cedo, já mudam de postura de acordo com
suas necessidades, ficando de bruços para orientar-se em relação aos objetos e aos
rostos ali presentes, provavelmente à procura de algo que lhes seja familiar. Ponijão
aprende a articular a postura para poder desbravar o solo da aldeia em que vive, estando
sempre interessado em recolher com as mãos pequenos objetos e levá-los à boca. Todos
já apresentam expressões sociais mais elementares, como sorrir em resposta ao adulto
ou serem atraídos pelos objetos próximos a estes, uma vez que é através do adulto
cuidador que o bebê estabelece contato com o mundo concreto e experimenta-o.
Entre os cinco e seis meses, intervalo equivalente ao segundo estágio do primeiro ano,
os bebês apresentam uma forma de afeto mais ativa, chamada de interesse ativo, a partir
do qual eles despertam sua atenção para o mundo objetivo e se empenham em conhecê-
lo. As experiências de vida dos bebês permitem que eles aprendam habilidades simples
que vão sendo sobrepostas aos reflexos incondicionados dos meses anteriores, como o
ato de agarrar, engatinhar, sentar, se inclinar para baixo. Eles começam a manifestar a
capacidade de manejar as próprias emoções, seja gritando, sorrindo ou chorando
conforme a conveniência de suas sensações e necessidades, também realizam
movimentos defensivos, procuram os objetos que desejam, fazem experimentos com as
coisas presentes em seu campo de ação, e interagem socialmente com outras crianças se
valendo de uma comunicação sem palavras, como é típico da criança pequena. Nessa
fase, o bebê sofre um salto de desenvolvimento com o ganho progressivo da habilidade
de imitação, a partir da qual ele vai apreendendo e reproduzindo os sons emitidos pelos
adultos, representando um momento crucial para a aquisição da linguagem. Bayar, por
ter um irmão de idade próxima cuja personalidade é altamente incisiva, desenvolve
rápido a capacidade de responder aos estímulos ambientais com reações substanciais de
insatisfação, como quando o irmão tenta forçá-lo a comer um pão e ele, para afastá-lo,
chora até que a mãe intervenha livrando-o da insistência do mesmo. Logo após a atitude
da mãe, Bayar cessa o choro e examina o entorno com a consciência de que a expressão
dessa emoção é um recurso de autodefesa. Em outro momento, ele está a receber batidas
do irmão e chora alto para atrair a intervenção da mãe, se calando sempre que o
incômodo parece parar. Ponijão agora é capaz de se inclinar para beber a água de um
afluente, já imita sons vocalizados pelos adultos e dirige um olhar cuidadoso ao chão
quando quer capturar coisas que lhe interessam. Hattie e Mari balbuciam e gritam
constantemente para os adultos na tentativa de estabelecer a comunicação e transparecer
seus estados emocionais diante das situações. Todos engatinham e fazem desse
incremento locomotivo um canal de acesso livre aos ambientes nos quais cada um pode
perseguir os objetos que mais lhe atraiam o interesse.
No terceiro estágio, compreendido como o segundo semestre do primeiro ano, ocorre o
amadurecimento do córtex cerebral do bebê, cujo comportamento até então operava
apenas com os centros subcorticais do sistema nervoso central. Esse ganho
neurocognitivo acarreta o processo de intelectualização dos movimentos da criança,
proporcionando ações de manipulação dos objetos e o uso instrumental das ferramentas.
Trata-se da racionalização progressiva dos atos do bebê, que agora estarão voltados para
atingir um fim, isto é, o seu comportamento passa a ser direcionado ao objetivo
específico que ele deseja alcançar. No filme, é possível ver a Mari se irritar por tentar
juntar as peças de um jogo sem que elas desmontem, mas como não obtêm êxito, ela cai
no choro. Bayar aparece em outra cena tentando agarrar um rolo de papel puxando-o
pelas folhas, até que o rolo se aproxima e ele, contente, o segura. Esses são exemplos de
como as crianças dessa idade tornam-se aptas a usarem os recursos de que dispõe para
criar meios de realização do que desejam.
Por volta do décimo mês, eles já estão pronunciando suas primeiras palavras,
principalmente direcionando-as aos adultos, seja repetindo o que eles falam ou
simplesmente tentando expressar seus próprios pensamentos em relação às coisas.
Muito provavelmente já conseguem chamar as pessoas mais próximas pelo nome. Outro
aspecto importante é a capacidade de compreensão que os bebês dessa idade já têm
acerca da linguagem humana, quando, em dado momento, Bayar está brincando
contente com um balde d’água junto de seu irmão e sua mãe chega para ralhar com ele
sobre o desperdício de água que estava sendo causado, e então ele escuta e obedece
prontamente sem resistir à autoridade da mãe.
Com um ano de idade, os bebês estão imersos na crise do primeiro ano: se colocam de
pé, mas andam sem muita coordenação motora e falam poucas palavras, ainda que
necessitem profundamente se fazer entender pelos adultos. Há nessa fase o conflito
entre a emergente vontade da criança de regular o próprio comportamento e a
autoridade dos pais que impõe a elas suas decisões, o que favorece o surgimento da
birra como um recurso útil à criança para fazer valer suas vontades sobre as dos seus
pais. Esse tipo de atitude que pode ser vista quando Hattie se recusa a sentar com a mãe
para ler o livro escolhido por ela porque prefere outro, ou quando Ponijão não aceita
continuar caminhando com sua mãe por estar mais a fim de tomar leite do que de
obedecê-la.
Para concluir, o primeiro ano do desenvolvimento do bebê é determinado pela aquisição
de uma nova formação principal denominada protonós, a qual é definida como uma
experiência de comunhão da vida psíquica entre a mãe e a criança. Isso significa que até
alcançar idade suficiente para constituir uma consciência de si e formar uma
personalidade própria, a criança vivencia uma vida psíquica compartilhada com a mãe,
entendendo-se apenas como um ser integrado ao outro e existindo somente a partir dele.
Esse fenômeno ocorre devido a completa dependência biológica e psicológica do bebê
para com a mãe e, assim como as demais neoformações, esta condição será superada no
curso do desenvolvimento.

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