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FUNDAMENTOS TEÓRICOS E
CLÍNICOS
• Por que recorrer à literatura e ao cinema para fazer esse debate clinico?
• Freud deu muito valor às artes e aos artistas.
Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente
antes de mim. O que eu descobri foi o método que
nos permite estudar o inconsciente – afirma Freud.
• E Lacan:
o artista precede o psicanalista na matéria que é a sua
(Outros Escritos, p. 200).
A proposta é debater sobre
o objeto fetiche na
perversão e a fantasia
VELUDO AZUL como traço de perversão
na neurose, a partir dos
personagens Frank e
Jeffrey do filme Veludo Azul.
André Gide
• E vamos tratar, também, do tema da perversão,
a partir do escritor francês, André Gide.
• Em sua criação literária, Gide descreve e
formaliza episódios de sua vida, de seu romance
familiar.
• Mostra o modo que utiliza para negar a
castração do Outro: O desmentido
(Verleugnung).
• Ilustrando de forma paradigmática o que é a
estrutura perversa para a psicanálise.
Retomando
• “O escândalo da novidade da psicanálise está em suprimir a
fronteira entre perversão e normalidade”. (Julian, 2003, p. 104
A psicanálise apud Guedes, slides aula 01)
subverte a noção de
alguns perversão como
patologia:
pontos das
aulas • “A disposição para as perversões não é algo raro ou excepcional”.
Retomando
alguns O que nos interessa como psicanalistas é pensar a
perversão como estratégia de gozo do sujeito, onde
pontos das o que está em jogo é negar a castração do Outro,
construindo a mulher ideal, não castrada.
aulas Um analista deve, portanto, desvelar a posição
anteriores... estrutural de um sujeito baseando-se não em
moralismos, mas naquilo que determina as escolhas
do sujeito em função da sua relação com o Outro.
(Ref.: Aulas Prof.: O que isto quer dizer?
Rosa Guedes)
Perversão - Resposta subjetiva, que
responde ao problema da angústia de
castração, gerada a partir da fase fálica.
Retomando
alguns O infans chega ao mundo já imerso no simbólico e é através
dos através dos cuidados, carícias e mesmo palavras, das
pontos ... pessoas que o cercam, que vai se constituindo.
anteriores...
Criando uma barreira entre a criança e a mãe, a
função simbólica do pai é de unir o desejo com a
lei, impossibilitando o gozo absoluto.
• Para que a função paterna opere, é necessário que
a mãe a introduza.
Retomando • Espera-se que ela reconheça a Lei paterna como
alguns mediadora de seu desejo.
• Se a mãe deixar uma interrogação sobre o seu
pontos das desejo pelo pai.
aulas • Se ela vacilar em indicar para o filho que algo lhe
falta e que o pai possui,
anteriores... • ou vacilar em indicar que o seu desejo está para
(Ref. Aulas Rosa Guedes)
além do filho, uma outra dinâmica, que não a
neurótica se constituirá.
• Recalque
(Verdrängung) Neurose.
• Desmentido
Inscrição do NP (Verleugnung) Perversão.
(Ref. Aulas Rosa • Foraclusão (Verwerfung)
Guedes – Aula 03) Psicose.
• Lacan vai localizar o surgimento das perversões no 1º.
Retomando Tempo do Édipo:
• A criança é o falo da mãe. A mãe é uma mãe fálica.
alguns pontos • A mãe é objeto de amor tanto para o menino quanto para a
das aulas menina.
• Relação imaginária.
anteriores... • A criança se identifica, especularmente, com aquilo que é o
objeto de desejo da mãe. Deseja ser tudo para ela, deseja
ser o complemento da sua falta: o falo.
(Ref.: Rosa Guedes – Aula • Desejo da mãe - ponto de interrogação enigmático que a
03) criança simboliza como capricho.
• Nesse primeiro momento, a instância paterna se introduz
de maneira velada no discurso da mãe.
• Forma-se uma tríade mãe – falo – criança.
Vimos que a maternidade torna-se uma das possíveis vicissitudes
da relação da mulher com a falta fálica e, neste sentido, a criança
vem ao mundo para fantasisticamente preencher esta falta da
mãe.
Tríade Mãe- Esta relação é abalada quando a criança reconhece que não é o
objeto único da mãe, mas que o objeto de desejo da mãe é o falo.
Falo-Criança
Ao perceber que a mãe também é privada deste objeto, temos um
momento crítico, angustiante, pois diante deste furo da imagem da
mãe a criança está sob a ameaça de se tornar cativa das
significações maternas.
A saída, que aponta para a neurose, se dá com a entrada da
função do pai nesta triangulação mãe / criança / falo, como quarto
elemento: o pai como possuidor do falo, aquele que possibilita que
a falta do falo assuma seu lugar na ordem simbólica.
TRÍADE IMAGINÁRIA MÃE-FALO-CRIANÇA
Falo
Tríade
Imaginária
Mãe Criança
?
Lacan, inclusive, faz referencia a essa carência do pai na
história do sujeito: Os autores notam, com muita frequência, a
ausência às vezes repetida do pai na historia do sujeito, a
carência, como se diz, do pai como presença: Ele sai em
viagem, vai à guerra, etc. (Lacan, 1956-57, p. 163)
A perversão de Gide
VAMOS AO CASO
André Paul Guillaume Gide (1869-1951) nasceu e morreu em Paris aos 82
anos de idade. Devotou toda a sua vida à literatura.
1908 – Fundou com mais três colegas (Gaston Gallimard, Jean Schlumberger,
Henri Gheon) a Editora Gallimard e a Revista Nouvelle Revue Française.
Além das obras publicadas, ele escreveu uma série de notas, papéis íntimos, os quais endereçou a Jean Delay, um
psiquiatra e amigo, que publica a biografia de Gide, após sua morte.
A porta estreita e Se o grão não morre são dois romances autobiográficos nos quais ele descreve e formaliza
episódios de sua vida, de seu romance familiar.
Gide era homossexual assumido. Falava abertamente em favor dos direitos dos homossexuais.
Corydon - Livro destinado a combater os preconceitos homofóbicos da sociedade de seu tempo. Foi publicado separadamente entre 1911 e 1920. O livro
completo apenas teve a sua primeira edição em francês em 1924.
• Lacan especifica a matéria que Gide oferece a Delay para posterior
publicação de sua biografia:
“Notas pessoais de Gide para suas memórias, editadas sob o titulo de Se o grão
não morre; trechos inéditos do Diário; caderno de leituras, mantido dos 20 aos 24
anos e significativamente designado como seu subjetivo, a imensa correspondência
com sua mãe até a morte dela, quando Gide tinha 26 anos; e uma soma de cartas
inéditas cuja compilação por seu círculo de relações fez aumentar-lhe o porte de
edifício, proporcionalmente ao quadrado de sua massa aliada às cartas publicadas.”
(Lacan, 1958, p. 753)
Gide nasceu rico. Burguês da boa sociedade
protestante. Somente mais tarde é que foi se
interessar, ainda assim de longe, pelas lutas
sociais de seu tempo.
SUA • Criança solitária, educada na mais estrita moral protestante. Um pai doce e uma
mãe tirânica.
• Desespero que evoca o Schaudern, palavra que Gide tomou de Schopenhauer, que
em alemão significa “sobressalto, calafrio na espinha do ser ou situação catastrófica”,
onde, segundo Lacan, há claramente emergência de angústia (LACAN, 1958/1998, p.
762).
• Primeira manifestação do Schaudern -
provocada pelo anúncio da morte de um primo
pequeno. Ele ouve a conversa dos pais, começa a
chorar, entra em desespero e diz à sua mãe:
O tio Charles Gide, irmão do seu pai, a quem ele anunciara sua iniciação sexual,
censurou o sobrinho a respeito de sua primeira tentativa heterossexual – que
deveria por muito tempo permanecer a única – com Meryem.
Tanto pudor ofendido o fez retornar à sua inclinação sexual pelos meninos.
O desejo
O reconhecimento de sua sexualidade secreta iria libertar um homem e um
escritor:
Pela primeira vez eu vivia, saído do vale das sombras da morte, que eu nascia
para a verdadeira vida (ibidem, p. 136)
As cartas de amor
• Esse “casamento branco” com Madeleine só é perturbado quando ela
descobre que, aos 50 anos, Gide se apaixonara por Marc Allégrete, um
rapaz encantador de dezoito anos de idade, filho do pastor Allégret.
• Marc foi o único que levou Gide a experimentar a interseção entre amor e
desejo. Sua ligação com Marc deveria durar mais de vinte anos.
• Madeleine ferida ao tomar conhecimento dessa traição amorosa do
marido, queimou todas as cartas que, desde a adolescência, ele lhe havia
escrito.
Eu tinha – diz ela – que fazer alguma coisa.
As cartas de amor
Madeleine é a única do
amor, mas em seus • Ele costumava sonhar com “uma mulher que, caído o véu,
deixava visível apenas um buraco negro” (Lacan, 1958c, p.
pesadelos ele enfrenta o 761).
horror da castração.
Em “De uma questão • “conceber como a criança, em sua relação com a mãe,
preliminar a todo tratamento relação constituída na análise, não por sua dependência
possível da psicose” vital, mas pela dependência de seu amor, isto é, pelo
(1957a), Lacan propõe que seu desejo de desejo, identifica-se com o objeto
todo problema das imaginário desse desejo, na medida em que a própria
perversões consiste em mãe o simboliza no falo”. (LACAN, 1957a, p. 561)
Lacan interroga:
O que foi para esse menino sua mãe?
• No Seminário 5 (1957-1958), Lacan vai precisar que na
mãe de Gide o falo não tem o lugar que deveria ter para
assegurar o funcionamento da metáfora paterna.
O desejo da mãe não parece ser simbolizado pelo falo. Gide foi
uma criança amada e não uma criança desejada.
O que se
poderia O que domina aparentemente a história infantil de Gide é a
pensar sobre mortificação.
o Édipo de
Há aí uma falha do desejo da mulher, na mãe de Gide.
Gide?
• Lacan comenta:
O menino Gide, entre a morte e o erotismo masturbatório, só tem do amor a fala
que protege e a que interdita: a morte levou com seu pai aquela que humaniza o
desejo. Por isso é que o desejo fica para ele, confinado no clandestino. (LACAN,
1958c, p. 764).
• Há em Gide uma falha que se transmitiu no nível da função fálica. Gide se identifica
com a morte.
A mãe está sempre lá como “o invólucro de seu amor”,
isto aponta para o fato de que o amor devora o desejo,
O que se não deixa lugar para a falta que é a via mesma do sujeito
para o desejo.
poderia
pensar
A posição de Gide é então de ser, identificado a seu ser
sobre o de morte.
Édipo de
Gide? De forma geral, pode se dizer que para um sujeito o traço
do objeto amável está sempre em relação com o valor da
significação do falo. Para Gide, ao contrário, é necessário
que o objeto amável tenha a significação da morte.
• Como vimos, há de um lado, a cumplicidade
libidinal da mãe; de outro, a complacência
silenciosa do pai.
• O pai de Gide não é um pai ausente.
• Como afirma Miller (2015, p. 21-22)
O que ocorre nas A questão clínica a colocar não é a de saber o
que está presente ou o que está ausente, o
perversões em que é venerado ou o que é maldito - um pai
detestado faz seu trabalho muito bem - mas de
geral? saber onde no casal se situa a autoridade. A
veneração do pai absolutamente não substitui
uma autoridade que não tem necessidade de
ser venerada. Ora, parece que no casal Gide,
qualquer que seja a presença do pai, por mais
terno que ele seja, e constituindo objeto de
uma nostalgia, ela nada tem a ver com o que
se trata de maneira operatória.
No momento em que seu pai morre Gide diz que
ele está preso ao amor de sua mãe. Sua mãe é
toda para ele. Ora, o princípio fálico do desejo
comporta precisamente que a mãe é não-toda
O que se fálica para a criança.
poderia
pensar A singular perversão de Gide vem ilustrar a
seguinte cisão: de um lado, para esse sujeito, A
sobre o Mulher existe, de outro, ele sonha que isso não é
verdade.
Édipo de
Gide?
Verifica-se isso, primeiramente, através da posição
de Gide na relação com a sua mãe; e em seguida,
na sua relação com Madeleine, no amor infinito e
imóvel que ele lhe dedica.
Desde a infância Gide opunha as
mulheres virtuosas às prostitutas. Sua
mãe ficava do lado das virtuosas,
O que se enquanto a sua tia das levianas.
poderia
pensar Que acesso à mulher sua mãe lhe
sobre o permitiu? Ela lhe permitiu acesso a uma
única mulher, a do amor, Madeleine.
Édipo de
Gide?
Vimos que Gide teve aventuras com
Meryen, e mais tarde, com a mãe de sua
filha, mas o uma só mulher está no
registro do amor.
Madeleine - Por um lado, se parecia com a mãe de Gide em sua cor,
sua ausência de graça, por outro, ela tinha traços de sua própria mãe.
O que se
poderia Mathilde - Vem autorizar, humanizar o desejo.
pensar sobre
o Édipo de
Lacan observa que em Gide: Encontramos a palavra que interdita e a
Gide? que protege, mas falta a palavra que humaniza o desejo, a que enlaça o
amor e o desejo. (LACAN, 1958c, p. 764).
(Mandil, R. )
É o que ocorre com a correspondência entre Gide
e Madeleine, ela revela a dimensão fálica da
satisfação sexual.
• Para Gide, é impensável relacionar-se com
Madeleine sem as cartas a ela endereçadas.
• Gide dá a correspondência um estatuto corporal,
como algo que completa o corpo de sua mulher.
• A íntima relação entre as cartas endereçadas a
Madeleine e o lugar ocupado pela esposa na vida
de Gide vem à tona com esse verdadeiro trabalho
As Cartas Fetiche de luto desenvolvido por Gide após tomar
conhecimento da destruição da correspondência.
de Gide
• A dor desmesurada desencadeada em Gide,
(Mandil, R.) segundo Lacan, indica que o que foi consumido pelo
fogo não tinha apenas valor estético:
Isso quer dizer que não visamos aqui à perda sofrida
na correspondência de Gide pela humanidade, ou
pelas humanidades, mas à troca fatídica pela qual a
carta/lettre assume o próprio lugar de onde o desejo
se retirou. (Lacan, p. 773)
FETICHE (Freud, 1927)
Substituto por deslocamento do pênis que “falta” no corpo feminino.
Substitui o pênis que o menininho acreditou que a mulher [mãe] tivesse crença que ele
não deseja abandonar.