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Parte 1

Em primeiro lugar, teremos de explicar do que


se trata o assunto das camadas. Depois, mais
particularmente, definiremos o que é a 4ª
camada, para você ver se é possível sair dela,
e se é isso mesmo que você quer — algo que eu
desejo do fundo do meu coração.

As camadas da personalidade humana são um


conceito criado pelo filósofo brasileiro Olavo
de Carvalho, no fim da década de 1980. Há uma
apostila em PDF disponível na internet — “As
Doze Camadas da Personalidade Humana”.

Resolvi falar da 4ª camada porque é uma


camada decisiva. É a camada própria das cri-
anças, e, se você não a supera, fica preso na
vida infantil.
O que é a personalidade
humana?

Antes de tudo, é preciso saber que a personalidade é o


domínio absolutamente particular da sua pessoa. Sabe-
mos que existem, no ser humano, algumas coisas que
são comuns aos demais seres humanos. Por exemplo, a
forma do corpo, entre os seres humanos, é mais ou me-
nos comum. Se algo lhe acontece, atingindo também
uma coletividade — os grandes desastres, as grandes
alegrias, benefícios que são distribuídos a um grupo de
pessoas etc. —, isso também é algo comum.
Agora, o modo pelo qual você articula isso tudo na sua
história é uma ação da sua psique. Quando a psique
organiza isso na sua história, de modo absoluta-
mente pessoal, você vai formando o que chamamos
de personalidade.
É por isso que se costuma dizer que uma pessoa muito
diferenciada, que tem idéias próprias, que não se deixa
arrastar pela multidão, “tem muita personalidade”.
O que estamos querendo dizer com isso? Que reconhe-
cemos em tal indivíduo algo extremamente particular.
Ele não se deixa conduzir pela massa; ele tem, por assim
dizer, suas idéias próprias; ele “pensa com sua própria
cabeça” (embora eu ache essa expressão uma besteira,
mas é como vulgarmente se diz).
Portanto, há uma razão muito profunda nessa percep-
ção.

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A personalidade é a instância
propriamente particular da
sua pessoa: é aquilo que só
você tem, e ninguém mais.

E isso de mais pessoal você tem por meio da sua histó-


ria. Podemos falar que a substância do copo é o vidro,
que a substância da carteira é o couro. Mas, quando per-
gunto sobre a substância da vida humana, a resposta
tem de ser a história, a narrativa. É a história que esta-
mos contando. E quem conta essa história é o domínio
chamado psique.
A caneta é o instrumento que faz com que as idéias de
um autor se materializem no papel. A psique é como se
fosse a caneta: ela faz a interface entre o mundo e a his-
tória própria do indivíduo. Ao bordado específico da
nossa pessoa, a esse desenho, chamamos propria-
mente de personalidade. É como se fosse a impres-
são digital da nossa pessoa. Não há duas impressões di-
gitais iguais e não há duas personalidades iguais neste
mundo.

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A escalada das
motivações humanas

As pessoas têm motivações distintas, a depender da


etapa de desenvolvimento de cada um. Um bebê tem
certa motivação: existir, permanecer, ter uma unidade
corporal. Isso já lhe basta, já o inscreve na possibilidade
de viver uma vida humana. Mais tarde, a criança passa
a aprender uma série de coisas, e tudo o que ela quer é
aprender. Depois disso, entramos propriamente na 4ª
camada.
Podemos entender a 4ª camada como uma 4ª motiva-
ção. E, como há uma acepção moral nas motivações das
camadas, então a 4ª motivação é melhor do que a 3ª,
que é melhor do que a 2ª e assim por diante. Por sua vez,
a 5ª motivação é melhor do que a 4ª, a 6ª é melhor do
que a 5ª etc., até chegar à 12ª motivação.
O professor Olavo de Carvalho, criador dessa teoria,
sempre diz que o brasileiro está preso na 4ª camada. Ele
acerta na mosca.
Quando olhamos para as pessoas, vemos que uma
grande parte de suas motivações é obter um certo
tipo de reconhecimento dos seus atos, dos seus afe-
tos; é uma necessidade aguda de ser reconhecido.
Essa é uma das coisas que mais marcam a psicologia
coletiva do cidadão brasileiro. Há aqui uma exaspe-
ração afetiva monstruosa, como se vê em pouquís-
simos povos.
Nessas pessoas, tudo dói, tudo é uma ferida, uma chaga
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aberta. Nunca vimos um povo tão dolorido, no qual tudo
dói: um olhar feio dói, uma palavra dita de um modo
transversal dói etc. Eu já citei o exemplo de uma moça
que tinha estacionado o carro na calçada e perguntou
para outra moça, no caso minha paciente, se ela estava
atrapalhando; minha paciente respondeu que sim, que
estava atrapalhando; a primeira moça ficou completa-
mente ofendida, sentindo-se magoada, achando que
era uma afronta a outra ter respondido que ela estava
atrapalhando.

Mesmo que você lhes fale com


educação, muitas pessoas terão
dificuldade de entender que o
mundo não gira ao redor dos
seus afetos em formação, do seu
desejo interior profundo, quase
patológico, de receber validação
por meio do olhar do outro.

Outro exemplo para esclarecer as motivações da 4ª ca-


mada é você dizer para a moça que trabalha na sua casa
que você não gosta de batata muito assada, e ela receber
isso de modo muito sensível e sentimental e começar a
achar que você não gosta mais dela, que vai demiti-la. É
a típica situação em que o ofendido responde com um
“sou muito gente para ser humilhado desse jeito”. Quem
nunca ouviu esse tipo de discurso alucinado? A pessoa
se fere porque você falou algo absolutamente objetivo.

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Um pedido desse, feito a uma pessoa na 4ª camada, vai
fazê-la pensar imediatamente: “Fulano não gosta de
mim. Isso é implicância; qual a diferença entre a batati-
nha mais ou menos assada? Isso é só porque eu sou...”.
Essa frase “É só porque eu sou…” Complete como qui-
ser: homem, mulher, pobre, etc., é própria de pessoa na
4ª camada. Então, se ela fica permeando a sua cabeça,
saiba: você ainda tem uma demanda absoluta pela va-
lidação das outras pessoas. Precisar que os afetos sejam
validados quando alguma coisa é cobrada é a receita
para que ninguém amadureça.
Quando alguém lhe faz um pedido objetivo – por exem-
plo: “Por gentileza, chegue mais cedo amanhã” –, é por-
que a pessoa precisa de fato que aquilo aconteça, e não
por outro motivo qualquer.
Uma pessoa adulta já deveria ter enraizada em si a ca-
pacidade de olhar a vida de modo bastante objetivo. E,
quando falo “objetivo”, não quero dizer “racional”. Vocês
não vão me ouvir falar “racional” quase nunca, porque
não acredito que a racionalidade esteja na dianteira da
conduta humana. Parece-me que há coisas muitíssimo
mais poderosas para nos instalar na vida humana; por
exemplo, a afetividade, a percepção sensível, o intelecto
são muito mais profundos do que a racionalidade.
Por isso, tome cuidado. Pense se você não está viven-
do com essa demanda absurda de validação externa. E
essa demanda vem justamente da afetividade mal
formada. Uma pessoa que ainda tem dúvidas se é
amada, ou se é capaz de amar, terá uma instabilida-
de na sua forma afetiva.

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Educação e autoridade:
Uma geração inteira na 4ª
camada:

O mais normal seria que a pessoa experimentasse, na


sua fase de desenvolvimento infantil, um certo tipo de
amor quase incondicional que vem da sua estrutura fa-
miliar, do seu pai e da sua mãe. Mesmo os órfãos podem
perceber, no seu ambiente, essa capacidade de amar.
Entretanto, há um detalhe na cultura nacional — que
não é um detalhe, absolutamente. Quando olhamos
para a relação de adultos com crianças, vemos pouquís-
simos deles com disposição verdadeira de sacrifício,
de amor, que transcenda a irritação momentânea dos
adultos. Ver uma sala de aula é um show de horrores. As
professoras, muito boazinhas, colocam-se na mesma
posição da criança, querem discutir de igual para igual.
Isso tem uma raiz histórica, sobretudo no nosso país. A
pedagogia de Paulo Freire, a Pedagogia do oprimido, co-
locou na cabeça de um monte de professores que eles
não estão ali para ensinar, mas para facilitar o aprendi-
zado. O professor não está ali como um mestre, e sim
como um problematizador de questões. É alguém que
vai ao mesmo tempo aprender e ensinar.
Isso, que parece algo muitíssimo humano e proveito-
so, é devastador. Toda relação humana pede hierar-
quia, posicionamento. Quando você sai do seu pa-
tamar de autoridade, você está defraudando aquele
que está se relacionando com você. Se você está ao
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lado de uma criança, seria devastador colocar-se na
mesma posição dela. Você está ali para ensinar, dar
suporte, sustentar a ignorância daquele ser e con-
duzi-lo das trevas à luz, da ignorância à sabedoria,
do medo à segurança.
Essas ideologias estão tão difundidas, que ninguém
mais as discute. Todo mundo acha que é bom o profes-
sor se colocar na mesma posição do aluno. Mas não há
nada mais criminoso do que isso em educação. Um pai
ou um professor que se rebaixa e se põe na mesma po-
sição do seu filho ou aluno, que tem menos idade, his-
tória e personalidade, faz duas coisas: em primeiro lu-
gar, enfraquece-se e infantiliza-se, e, em segundo, não
conduz o aluno/filho a lugar nenhum.
Qualquer um que esteja na posição de aprender precisa
se relacionar com um mestre que seja mais, que saiba
mais, que possa mais. Do contrário, o aluno ficará deso-
rientado e com medo.
Se o mestre é fraco, se não pode nada, o que você
acha que vai acontecer na cabeça da criança? O que
você acha que aconteceu na sua cabeça se você foi
educado assim? Desorientação e medo de tudo e
de todos! A criança ou o adolescente que foi subme-
tido a esse tipo de pedagogia intelectual e afetiva
torna-se rigorosamente desorientado, porque fal-
ta aquela figura a quem se pode pedir ajuda, falta o
elemento de estabilidade — afetiva, num primeiro
momento, e cognitiva, num segundo momento.
Por isso, desde o início, temos de quebrar a idéia mons-
truosa de que educação se faz colocando-se no mesmo
nível daquele que está aprendendo. Definitivamente

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isso não traz bons resultados. Os resultados pedagógi-
cos do nosso sistema de ensino não têm nada que ver
com falta de dinheiro. As pessoas têm mania de repe-
tir essa cantilena. Nunca se investiu tanto em educa-
ção quanto nos últimos anos. Embora os investimentos
sejam enormes, os resultados são pífios. O Brasil perde
miseravelmente, numa comparação com outros países,
na questão quantidade do PIB investido e resultado pe-
dagógico.

O problema não está no


investimento em educação,
mas em saber qual a função do
mestre. Quando essa pergunta
não é feita e a resposta que se
tem é equivocada, cria-se uma
legião de pessoas imaturas. A
primeira função da educação
não é cognitiva, mas ajudar o
indivíduo a fortalecer a sua psique
e a construir uma personalidade
verdadeiramente madura e ativa.

Por isso, quando a educação não visa à construção


de uma personalidade madura, necessariamente
ela vai falhar miseravelmente. Esse é um dos moti-
vos pelos quais os brasileiros estão presos na 4ª ca-
mada.

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Parte 2

A motivação principal do sujeito que está na


4ª camada é dar o contorno dos seus afetos.

A motivação da camada anterior é aprender: a


criança quer aprender como funciona o mun-
do externo. Bem, você pode me dizer que já é
um adulto e também gosta de aprender, que
talvez a sua motivação central seja mesmo
aprender. Mas não é bem assim. Um adulto
que aprende, que está na faculdade ou fazendo
um curso, que está, por exemplo, aprendendo
técnicas de edição de vídeos, não tem como
motivação central exatamente o aprendiza-
do. Nesse caso, a motivação pode ser passar o
tempo, ou se envolver em um hobby, ou fazer
aumentar as chances de concorrência num
emprego. A motivação da 3ª camada é apren-
der por aprender. Uma criança de 3ª camada
aprende porque precisa se organizar no mun-
do.
Uma vez que o sujeito já aprendeu os contornos do mun-
do exterior e a lidar, mais ou menos, com a distância en-
tre ele e o mundo – a encaixar o triângulo no triângulo,
e não o triângulo no quadrado, como nos brinquedos
infantis –, ele começa a precisar dar os contornos da
sua afetividade. Passando a fase dos porquês, a criança
começa a fazer um cálculo de quanto “vale” seu mun-
do interior: ela começa a fazer um cálculo afetivo. Não
estou querendo dizer que tal cálculo seja matemático,
estou só me apropriando do termo.

Quando a pessoa entra na 4ª


camada, a motivação central é
saber se ela é amada ou não; é
saber o quanto ela pode receber
de afeto do mundo exterior e
estabilizar a sua afetividade.
Quando, brincando, falamos
para os outros que “você é um 4ª
camada!”, o que estamos querendo
dizer é que, para essa pessoa,
importa pouco se ela está ou não
sendo útil aos outros; o que ela está
procurando de fato nas relações
é saber qual o tamanho do seu
mundo interior. E ela faz isso por
meio da validação de outra pessoa.

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O exemplo clássico que eu dou é quando se pede a um
funcionário que ele entregue um relatório até às 15h,
e ele começa a pensar: “Será que o meu chefe está zan-
gado comigo? Será que vou ser mandado embora?”. É
assim que a questão vai repercutir nele. Ele não está
olhando para a utilidade do seu trabalho nem para a
demanda objetiva do chefe. Ele está olhando para seu
mundo interior. Está pensando: “Será que o meu chefe
gosta de mim? Será que sou uma pessoa bacana?”. Ele
sempre pensa em termos de cálculo, tentando fechar
seu mundo interior.
Esse tipo de pensamento pode se espalhar para vários
outros tipos de relação. Numa relação entre mãe e filho,
às vezes o filho pode dizer “não gosto mais de você”, e
em algumas mães isso bate de um jeito muito torto. Ob-
jetivamente, o que a mãe tem de perceber é: “Meu filho
deve estar com fome, ou irritado; deve estar precisan-
do de alguma coisa”. A mãe tem de olhar para essa fala
de um modo mais objetivo. A mãe é mais velha, a coisa
não era para bater nela de modo a desmontá-la. Na rela-
ção entre mãe e filho há um abismo. Há uma distância
intelectual, de formação afetiva (ela deveria ser muito
mais madura que o filho). No entanto, se a motivação
dela ainda é de 4ª camada, ela vai pensar: “Nossa, meu
filho não gosta de mim. Será que errei? O que será que
estou fazendo de mal?”. O que o filho disse vai repercu-
tir na mãe de modo a formar o afeto dela.
Um adulto de 4ª camada tem domínios afetivos mal
formados. É como se ele ainda precisasse receber
aquela cota de amor estabilizante. Como o sujeito
provavelmente não recebeu isso na infância, do seu
pai e da sua mãe, ele cresce com um buraco. Com

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isso, quase tudo o que ele recebe entra nele procu-
rando um lugar para tapar um buraco no seu peito.
Alguém poderia me dizer: “Mas, Italo, não é assim mes-
mo que a coisa funciona? Se um filho meu fala que não
gosta de mim, você quer que eu pense o quê?”. Eu quero
que você se ponha no lugar de pai. O normal para um
adulto não é receber essa informação do filho e procu-
rar um lugar no peito para tapar um buraco. Deveria
entrar no sujeito como um sintoma. Se um paciente vir
a falar que não gosta de mim, isso não vai entrar em
mim e me fazer desesperar. O que vou pensar é que tal-
vez seja necessário mudar a dose da medicação, ou que
ele precise de uma maior presença minha etc. Temos
de ir para um lugar objetivo. É isso que esperamos da
vida adulta. A vida adulta pede certa objetividade.
Se, sendo adultos, caminhamos sempre num mundo
subjetivo – ou seja, quando as informações externas en-
tram e tapam buracos no peito –, tenha certeza, ainda
estamos na 4ª camada.
E por que isso acontece? Por que ficamos aprisionados
nesse lugar?

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Apontar os defeitos,
negar as ferramentas:
caminhando na
insegurança

Podemos ficar aprisionados aí por vários motivos. O


mais comum é não ter recebido, quando éramos
pequenos, o influxo de um amor incondicional. Não
estou crucificando nenhum pai e nenhuma mãe. Pro-
vavelmente seus pais fizeram tudo o que estava ao al-
cance para realizar o melhor. Não adianta agora colocar
o dedo na cara deles. Isso vai simplesmente aumentar
ainda mais o buraco. É por isso que eu sempre digo que
devemos honrar pai e mãe. Cada vez que os rejeitamos,
aprofundamos o buraco. Mas, provavelmente, temos
esse buraco porque não experimentamos um amor in-
condicional.
E o que é o amor incondicional? É aquele amor que
te dá suporte, que te sustenta. Muitas vezes fomos
mimados, nossos pais tentaram nos dar de tudo.
Muitas vezes também nós, como pais, tentamos fa-
zer isso. Mas o amor incondicional não é esse. Ele é
um amor de suporte, ou seja, você está na vida do
outro para sustentá-lo. Você está na vida do seu fi-
lho, do seu marido, da sua esposa, do seu irmão,
para sustentá-lo. Sustentá-lo com o quê? Com o seu
olhar sempre atento, com palavras boas e, sobretu-
do, com elementos materiais. Nem só de boas pala-
vras o afeto é formado. Na maior parte das vezes o

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afeto é formado quando o outro caminha e você o
ajuda.
Por exemplo, quando um filho seu tem um projeto, e
você, com muita racionalidade, diz “Isso não vai dar
certo”, o que você fez? Jogou uma comunicação de que
ele é um incapaz, de que você não está ali para lhe dar
suporte. O que temos de fazer para fechar esse contor-
no afetivo no coração de quem está ao nosso redor é
sustentá-los, dando-lhes as ferramentas para que pos-
sam, de fato, alcançar seus projetos, cumprir suas ex-
pectativas. É assim que se faz.
Ao contrário, é comum ver uma criança ser vexada pe-
los pais na frente de outras pessoas. Eles apontam os
defeitos da criança, mostrando que são os primeiros a
conhecerem os erros dela. Em geral, os pais fazem isso
para não passar vergonha diante da comunidade dos
adultos. Isso é terrível, porque mata a possibilidade de
se fechar um contorno no peito da criança. Nunca de-
vemos expor um defeito de um filho nosso diante da
comunidade, da família etc.
Fechamos o contorno afetivo, para que o sujeito não fi-
que aprisionado na 4ª camada, sustentando-o, dando-
-lhe suporte, sendo, sobretudo, uma autoridade, sem
pensar que a autoridade seja algo impositivo. Não se
deve confundir autoridade com autoritarismo. O au-
toritarismo é fazer tudo antes do filho. “Vai fazer por-
que eu quero”, e, se ele não fizer, você vai e faz antes.
“Não precisa entender, não; só vai lá e faz porque estou
mandando.” Isso é autoritarismo. A autoridade é um fe-
nômeno completamente diferente desse. Autoridade
significa criar um ambiente no qual a criança possa se
mover com tranqüilidade. A criança fica tranqüila por-
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que sabe que você garante as ações dela. Ela tem um
ambiente seguro para agir. Isso vale para funcionário,
marido, time, tudo.
A autoridade que temos de buscar, para criar um
ambiente afetivo próprio para que o outro não fi-
que preso na 4ª camada, consiste sobretudo em
criar um ambiente de segurança. Nesse ambiente,
a criança não é exposta sistematicamente nas suas
falhas. Isso não significa que você não possa nun-
ca apontar um erro dela. Para fazer isso, você deve
chamá-la para perto e, com todo o carinho, expor os
motivos pelos quais você acredita que ela esteja er-
rada, dando-lhe – e aqui vai o mais importante – os
elementos de melhora. Isso é autoridade. Esse é o
princípio da liderança.
Isso não quer dizer que você deva ir lá e fazer no lugar
da pessoa. Quando você faz por ela, você lhe corta a ca-
pacidade de ação.

O que você precisa fazer é dar para


o outro as ferramentas de melhora.

Agora você começa a perceber que não foi bem assim


que você foi criado. Fomos criados com muito amor,
mas as pessoas que estavam no comando – professores,
diretores, pai e mãe – davam bronca na frente de todo
mundo, apontavam os defeitos sem saber como resol-
vê-los, não davam as ferramentas de melhora para que
as tarefas fossem executadas corretamente. Às vezes os

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pais só falam “Tem de arrumar a cama!”, sem saber que
a criança não tem idéia por onde deve começar. Arru-
mar uma cama, para uma criança, está entre as tarefas
difíceis. É necessário um método para colocar as coisas
em ordem, e uma criança de 6 ou 7 anos não tem a ca-
pacidade cognitiva para imaginar que a primeira coisa
a fazer é tirar o travesseiro de cima da cama, depois es-
ticar o lençol etc. São muitas ações em seqüência, e só
a ordem dada sem instrução não faz a criança conse-
guir executá-las. O que vai acontecer é que ela não vai
se sentir amparada, e um buraco vai se abrir no contor-
no afetivo dela, e ela vai ficar o resto da vida buscando
validação de terceiros. É isso que faz com que a pessoa
fique presa na 4ª camada.
E o que fazemos para sair daí?

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As rotas de saída da 4ª
camada

Para sair da 4ª camada, existe o jeito terapêutico e exis-


te o pulo do gato.
Vamos falar primeiro do modo terapêutico. Há um con-
ceito, usado sobretudo na psicanálise, chamado transfe-
rência. Muita gente acha que a transferência se dá quan-
do o paciente gosta do psicanalista. Nesse caso, o pessoal
fala que “o paciente fez uma boa transferência comigo,
esse paciente gosta de mim e do processo terapêutico”.
Mas esse não é o conceito de transferência. O concei-
to próprio de transferência acontece quando o pacien-
te coloca o terapeuta no lugar de pai e mãe. Quando o
paciente faz isso, dizemos: “Ele fez uma transferência
comigo”. Para explicar os mecanismos da 4ª camada, é
importante conhecer claramente tal conceito.
Quando o paciente coloca o terapeuta no lugar dos pais,
estamos com a faca e o queijo na mão para fechar o tal
do contorno afetivo – que é o que está faltando para ele.
É por isso que o professor Olavo de Carvalho diz que o
adulto preso na 4ª camada precisa de ajuda especializa-
da, justamente para que esse fenômeno possa ser com-
pletado.
É disso, precisamente, que o paciente de um psicana-
lista precisa. Ele tem um buraco afetivo aberto. Muitas
vezes é só disso que o paciente está precisando, mes-
mo que ele não saiba. Se você acha que não é disso que
você está precisando, das duas, uma: ou você não en-

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xergou que tem um problema afetivo, ou está em outra
fase mesmo. Neste último caso, o certo é seguir outra li-
nha de terapia, não a psicanálise. O que alguns terapeu-
tas estão procurando é que a transferência aconteça,
ou seja: colocar-se no lugar dos pais do paciente, para
que a possibilidade de fechamento do contorno afetivo
surja. Claro que, para isso, o terapeuta precisa ter uma
personalidade formada e oferecer os recursos do amor
benévolo. Se o terapeuta também está na 4ª camada, a
coisa não fecha. A principal ferramenta da terapia é a
personalidade do terapeuta.
Você pode pensar: “Então, ferrou. Você me disse que eu
ia sair da 4ª camada em um dia, mas agora me diz que
eu tenho de encontrar um terapeuta, que ele tem de ter
uma personalidade formada, que essa personalidade
formada tem de estar além da 4ª camada, e que ele te-
nha ainda de me amar benevolamente?! Tô frito.”
Calma, eu estou explicando tudo isso para que você en-
tenda o que terá de procurar no exercício que vou pas-
sar daqui a pouco, e que, se bem feito, vai tirar você da
4ª camada.
Então, retomando: o que o sujeito preso na 4ª camada
procura? Ele procura a estabilidade dos seus afetos. Ele
precisa de uma segurança no seu contorno afetivo. Ele
não pode mais ter aquele tipo de carência “ninguém
me ama, ninguém me amou”. Uma pessoa assim vai vi-
ver relacionamentos amorosos desastrosos, porque vai
buscar no outro o lugar de pai e de mãe, e isso não vai
funcionar. Os namorados e namoradas têm outras mo-
tivações e expectativas, que não são de pai e mãe. Se os
dois estiverem na 4ª camada, a coisa fica ainda pior: am-
bos estarão buscando fechar o contorno afetivo. É claro
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que vai haver frustração nessa relação, porque essa não
é a função natural de namorado e namorada. Os dois
podem estar procurando fechar esse contorno afetivo,
essa segurança de que “alguém me ama benevolamen-
te, alguém me amou benevolamente, e eu tenho essa
confiança no peito, já recebi esse impacto no mundo.”
É isso que o sujeito de 4ª camada está buscando o tem-
po todo; ele está buscando essa pancada dentro dele: al-
guém me ama benevolamente.
E aqui já podemos falar de um outro diagnóstico. Não
quero falar mal do Brasil, também sou brasileiro, mas o
nosso país tem um traço, no caráter do povo, descrito já
por Machado de Assis há muitos anos:

O povo brasileiro tenta ser bom,


simpático, mas há um elemento
de mesquinharia profundamente
arraigado em todos.

Todos nós temos um olhar meio mesquinho, meio in-


vejoso para o mundo. Você olha para o mundo e nunca
acredita direito, nunca consegue se entregar comple-
tamente, está sempre procurando coisinhas, minúcias
para jogar na cara de alguém. Esse é um traço constitu-
tivo do brasileiro.
Outro dia, uma amiga me contou que, ao voltar ao tra-
balho depois de um afastamento médico, sentiu um
clima geral de infantilidade sem fim. As pessoas afetam
infantilidade. É só oferecer um pedaço de bolo para um,

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que algum outro já vai falar algo do tipo: “Você nem lem-
brou de mim”. Claro que é em tom de brincadeira, mas
esse tipo de brincadeira não cabe a um adulto. “Você
está dando bolo só para ela, por que não trouxe um pe-
daço para mim? Você não gosta mais de mim”, é um
tipo comum de frase em ambiente de trabalho.
Isto revela que a pessoa tem um desejo de ser amada e
de receber algo. Se caminhamos sempre com essa mo-
tivação no peito, estaremos condenados a uma afeti-
vidade de tipo infantil. Não é nem de adolescente. Nos
ambientes de trabalho isso acontece com muita freqü-
ência. Todo mundo tem uma mesquinharia, uma inve-
jazinha, às vezes verdadeira, às vezes afetada. Na verda-
de não importa se é afetada ou não, o que importa é que
isso está lá dentro. Enquanto não conseguirmos nos li-
vrar desse tipo de traço, estaremos fritos; estaremos ali-
mentando um buraco afetivo que nunca se fecha.

Quando vivemos num país onde


são raros os exemplos verdadeiros
de bondade, de pessoas que
desejem de fato servir aos demais,
que colocam o interesse do
outro na frente do seu próprio
interesse, o que aparece é uma
sensação de que nunca vamos
receber o amor benévolo.

Se estamos num ambiente de trabalho, no qual passa-


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mos até 8 horas do dia, e não encontramos pessoas as-
sim, só vamos ser alimentados pela percepção de deso-
rientação: cada um só presta atenção em si, ninguém
está pronto para servir.
Temos de falar claramente: existem pessoas superio-
res e pessoas inferiores no nível de maturidade. Exis-
tem pessoas que se preocupam primeiro em servir, em
cumprir o seu dever, em amar, em entregar, e existem
aquelas, ao contrário, que se preocupam primeiro com
seus interesses – são os egoístas. A pessoa de 4ª camada
é um egoísta.

23
Parte 3

Quando você pega um cafezinho para o seu


chefe ou para o seu subordinado, o que você
quer receber em troca? Nem tudo na vida é
uma troca, às vezes é só entrega mesmo. Quan-
do você cumpre sua função de pai com seu
filho, ou seja, você o sustenta, compra roupa
para ele, matricula-o num colégio bom, conta
as histórias da família, ensina-o a fazer uma
oração, o que você quer em troca? Essa é a sua
função, não existe troca nisso. Essa é uma via
de mão única. Se depois ele vier a falar que
não gosta mais de você, é outro problema, que
tem a ver com alguma coisa que está acon-
tecendo com ele, não com você. Espero que
você não fale isso, mas pode lhe ocorrer este
pensamento: “Eu fiz tanto por ele, dei tudo
para ele, dinheiro, afeto, e agora ele vem falar
isso.” Calma lá. Você tinha de ter dado tudo
isso para ele mesmo, essa era sua função. O
que você esperava em troca? É isso que temos
de ter na cabeça.
Se estivermos num ambiente laboral onde há sempre
outra intenção, por boa que seja, há uma coisa muito
errada com essa pequena comunidade. E se estivermos
num país em que um carimbo num documento requer
algo em troca, a coisa não vai bem. Assim é para o mé-
dico que fez uma cirurgia bem-sucedida; se o paciente
trouxer um presente, que bom para o paciente, sinal de
que é uma pessoa educada, generosa e grata; o médico
tinha de fazer o procedimento independentemente do
retorno. O retorno é cumprir bem a função. Se estiver-
mos presos ao mecanismo de receber algo em troca, po-
demos ter certeza de que estamos na 4ª camada. E, por
outro lado, se vivemos num ambiente onde não apare-
ce um único sujeito que consiga de fato ser generoso
sem esperar nada em troca, então estamos condenados
a ficar na 4ª camada. Aí, como falou o professor Olavo,
você vai precisar entrar em um processo terapêutico,
ou fazer o que vou falar daqui a pouco.

Ninguém te deve nada

Um exercício bom, para você ir se acostumando a se


livrar da motivação de 4ª camada, é não esperar nada
em troca. Isso não é para criar em você um olhar cíni-
co ou pessimista diante do mundo. Quando alguém
não espera nada em troca mas fala isso com rancor
na boca, obviamente a pessoa ainda está esperan-
do algo em troca. O “não esperar nada em troca”,
o “sirva e não encha o saco”, é para ser dito com a
alegria de quem entendeu as motivações de um ho-

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mem maduro. Não é para falar isso com tristeza, e sim
com alegria. Quando você fala “...mas também não es-
pero mais nada do meu filho”, na verdade, o que você
está falando? Que não acredita que ele possa ser uma
pessoa boa. E é óbvio que você espera dele, caso contrá-
rio estaria só o servindo, sem sequer parar para pensar
que havia um problema.
Uma forma, então, de fechar o contorno afetivo é fazer
a transferência numa terapia. Ela deve ser feita a um te-
rapeuta capaz de entregar esse resultado. Outra forma
é cruzar com alguém na vida que saiba amar generosa-
mente sem esperar nada em troca. Mas isso não é uma
coisa que se possa dizer. Você pode encontrar alguém
que fala que é bom, generoso etc., mas essa não é uma
questão de falar. A transformação só vai ocorrer se ele
for assim de fato. Se essa pessoa de fato for uma perso-
nalidade madura e conseguir entregar um amor servi-
çal que não espera nada em troca, aí quem sabe você
consiga sair da 4ª camada. Então não dá para apostar
nisso. O problema é que no Brasil não temos pessoas
assim disponíveis abundantemente. Esse é o país da
mesquinharia. Aqui não conseguimos declarar que o
outro é melhor que nós. Se não declaramos isso, esta-
mos fritos! Estamos acostumados a ouvir o tempo todo
que não há ninguém melhor nem pior, que as pessoas
são apenas diferentes. Mas a coisa não é assim. Há tan-
to pessoas moralmente superiores quanto inferiores a
nós. O mundo é hierárquico. Infelizmente estamos num
país que foi desmontado pela ideologia do igualitaris-
mo. Isso é uma bobagem. Claro que há pessoas mais
bonitas e mais inteligentes do que outras. Todo mundo
sabe disso por experiência. Não adianta querer falar o
contrário.
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A motivação da 4ª camada não é ruim, ela deseja fechar
um contorno afetivo, que vem por meio da estabilida-
de. O sujeito de 4ª camada tem um desejo de estabilida-
de que nunca consegue ser preenchido. Por isso ele fica
toda hora tentando enfiar afeto dentro dele. Ele fica a
toda hora tentando saber se o outro gosta dele ou não.
Isso significa que ele está querendo saber se pode ou
não ser estabilizado; se ele pode ou não ter uma per-
cepção do amor benévolo, transcendente e perene, que
dá os motivos da segurança. Essa motivação deveria ter
sido completada na infância. Não foi para a maior parte
de nós, então teremos de fazer isso na vida adulta.

Como já falei várias vezes,


o fechamento do contorno
afetivo pode ser feito por meio
do encontro com alguém, e da
exposição maciça e abertura a
esse alguém, que de fato sabe
amar benévola e gratuitamente.
Ou pode ser feito por meio de
um exercício de contemplação.
Mas não pode durar muito:
ele é feito num relance, não
pela exposição contínua.

E como é esse exercício?

27
A estabilidade que você
tanto deseja já existe: o
exercício que você deve
fazer

O sujeito de 4ª camada procura estabilidade, um domí-


nio afetivo estável. É isso que ele precisa que se com-
plete dentro dele. Esse sujeito tem certo pavor diante
do mundo. Ele acha que as pessoas não o amam, que
os amores não duram. Ele está sempre tentando fechar
esse círculo.
Mas há uma coisa fora de nós chamada mundo. O mun-
do não foi criado por nós, pelo nosso pensamento. Isso
fica provado com a simples imaginação de que, se você
morrer agora e parar de pensar, o mundo continua exis-
tindo. Você já recebeu a notícia de muitas pessoas que
morreram, mas o mundo continua aí. O mundo não de-
pende do nosso pensamento para existir. O nosso pen-
samento não é o fundamento do mundo externo.
A realidade é muito curiosa. Imagine que você está la-
vando louça, abriu a torneira, pegou a esponja, o pra-
to sujo, e começou a esfregá-lo; terminado o processo,
perceba que a água usada e o prato lavado continuam
sendo eles, que a bica da pia continua no lugar dela. O
que estou falando é de uma coisa chamada estabilidade.
É o princípio de identidade. As coisas são o que são. As
coisas são e permanecem.
Ora, o desejo do sujeito de 4ª camada é um desejo

28
de permanência. Quando temos verdadeiramente a
experiência de que as coisas são e permanecem, so-
mos invadidos por uma estabilidade que nos trans-
cende. Não somos o fundamento da existência, não
foi por meio da nossa vontade que o mundo foi cria-
do. Antes de o seu pai conhecer a sua mãe, o mundo já
estava dado. Aquela pedra escondida no topo da mon-
tanha estava lá e vai continuar lá, independentemente
da sua vontade.

Quando conseguimos contemplar


a permanência do mundo, somos
invadidos por uma percepção – não
uma sensação – de que as coisas
são; e quando somos invadidos
por essa percepção, o círculo se
fecha, e o desejo da 4ª camada
é preenchido, finalmente.

O exercício é de contemplação. Você precisa ir para


uma janela ou para um campo e olhar o céu, o mar, a
copa exuberante de uma árvore, uma pedra. Tanto faz.
Você deve ficar olhando para uma dessas coisas porque
é através do olho que elas entram. Você vai ficar olhan-
do para esse elemento natural até ser obrigado a decla-
rar: essa coisa é. “Este céu é. Ele existe, ele está aí, ele
tem uma permanência.” Ao declarar isso, você entrou
na cadeia do ser: você tem uma percepção da estabili-
dade. Você pode ser invadido por uma sensação, mas

29
pode não ter sensação alguma, só uma percepção. As
duas coisas podem acontecer. Porém você precisa ser
obrigado a declarar: esta pedra é. Quando esse é sai da
sua boa com a força de que não dá para ser de outro
jeito, imediatamente você cria uma estabilidade e
sai da 4ª camada.
Em 1 segundo você sai da 4ª camada, porque nota que o
mundo exterior tem uma estabilidade; então as coisas
são estáveis. Você começa a sentir o desejo de confron-
tar a estabilidade do mundo exterior. E o que é isso? A
motivação da 5ª camada. Essa é a motivação do adoles-
cente. Quem completou a 4ª camada começa a sentir a
motivação de briga: “Eu quero agora testar minha força
no mundo. Quero ver se o mundo tem mesmo consis-
tência. Quero ver se eu tenho mesmo estabilidade”. E
você vai para o mundo exterior. Pela primeira vez o seu
olhar é de fato atraído para o mundo exterior.
A transição da 4ª para a 5ª camada é muito importan-
te. É a primeira transição extrínseca: você sai do domí-
nio interior, egocêntrico, e vai para o mundo exterior. A
sua motivação, então, é testar o mundo. Não tem mais a
ver com a formação do mundo interior. Tem a ver com
você, porque ainda é você se testando no mundo, mas
isso já é superior. Você aprendeu que as coisas têm con-
sistência. Você está instalado nessa consistência, então
começa a testá-la.
Dá para entender por que, durante o amadurecimento
afetivo, o adolescente precisa romper com os pais? Não
é bem romper, mas ele já não está “chupando” seu afe-
to. Pelo contrário, agora ele está se confrontando com
os pais. O movimento da 5ª camada é de saída. Isso é
tudo para um adulto preso na 4ª camada. Na 4ª cama-
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da, a pessoa precisa da experiência da consistência.
Ela precisa fazer a experiência do ser. Ela precisa
ser obrigada a declarar: “Esta pedra é”, “Este tron-
co de árvore é”, “Este céu é”. Quando você declara
esse é verdadeiramente, que vem por meio de uma
contemplação, não dá para ser de outro jeito, você
fecha a demanda da 4ª camada e passa a olhar para
o mundo. No ambiente de trabalho, você não será mais
o foco da sua própria atenção, porque você descobriu a
maravilha de que o mundo lá fora existe, que o mundo
lá fora é. Entendendo a consistência do mundo, você
passa a confrontá-lo. Você passa a ganhar dinheiro, a
discutir com alguém etc. Essas coisas são superiores às
motivações da 4ª camada. No fim desse processo, você
deve buscar a motivação de servir, sem pensar mais no
seu próprio afeto. Este não é o abandono de quem não
gosta de si mesmo.

Esta é a motivação de quem tem


seu mundo afetivo estabilizado.

Ao fazer esse exercício, você remonta à necessidade in-


fantil do desejo de permanência, que o pai e a mãe de-
veriam ter entregado. A criança já tem de entrar nos 9
ou 10 anos com isso fechado. Ela já deveria ter a percep-
ção da permanência, da bondade benévola. O mundo
é por um ato de bondade, e quando você declara esse
é, adquire a permanência que não foi conquistada na
infância.
Algumas pessoas podem pensar que essa é uma expe-

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riência de Deus, mas é muito anterior a isso. Não sou
tão ambicioso. O que estou falando não tem a ver com
Deus, mas com a estrutura do mundo. Tudo bem que o
mundo foi criado por Deus. Só não podemos confundir.
É importante fazer essa experiência do ser até para po-
der ter uma religião consistente. Muitas pessoas aban-
donam a religião por isso. Realmente, se não referimos
Deus a essa permanência, a verdade é que não vai so-
brar Deus nenhum. Vai ficar uma profunda dúvida no
coração de todo mundo. Essa experiência sustenta qual-
quer tentativa de religião e de oração. Se você não tem a
noção da permanência, está conversando com quem?
A saída da 4ª camada é fundamental. Sem isso não te-
mos força, não temos consistência; só temos frustração
e sede de afeto, que vão acabar estragando nossas rela-
ções humanas.
É assim que se sai da 4ª camada, não em 1 dia, mas em
1 instante. Você precisa se comprometer a fazer esse
exercício. O resultado positivo não virá com apenas um
lance do seu pensamento. Você vai precisar ficar na
frente de uma pedra, ou de uma árvore, sem vergonha,
sem querer se mostrar para ninguém; vai ser só você e
a existência, você e o ser, você e a permanência das coi-
sas, você e a identidade das coisas. Quando você nota
que as coisas têm uma identidade que permanece e que
o obriga a declarar “isto é”, você finalmente fecha a de-
manda da 4ª camada.

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