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SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO EM PSICANÁLISE


Silvana Farinha

Falar da constituição do Sujeito em Psicanálise implica falar na estruturação do


psiquismo, do Aparelho Simbólico, sem o qual o humano não se constitui como tal. Como se
dá essa constituição com seus impasses e desdobramentos é o que se pretenderá abordar nesse
escrito.
Pegando o Axioma - O SUJEITO SE CONSTITUI NA SUA RELAÇÃO AO OUTRO
- e tentando desdobrá-lo, nos diversos avatares pelos quais essa relação passa, pode-se
conseguir, não sem lacunas, estabelecer um entendimento do que seja o Sujeito em
Psicanálise, o Sujeito do Inconsciente.
O humano à diferença dos animais, não nasce com um aparato necessário - leia-se
instintos puros - a sua sobrevivência, nem como indivíduo, nem como espécie. Assim, ele não
tem um saber prévio para lidar com as necessidades mais prementes da vida; não tem como
responder aos impulsos da carne, cujo aumento provoca um desconforto insuportável e
impossível de aplacar com os recursos que ele tem (notadamente a descarga motora). É
imperioso que algo ou alguém lhe tire desse impasse mortífero, alguém que saiba como fazer,
que tenha uma ação específica que provoque a diminuição das impulsões de seu corpo. Ou
seja, é preciso que esse impulso enganche algo que está para além do corpo afim de poder
completar seu circuito.. Esse algo pode ser, por exemplo, uma palavra - FOME acompanhada
da Ação Específica advinda dessa conjugação. Quem cumpre esse papel de Agenciar
respostas específicas com o fim de fazer diminuir o impulso desagradável, desempenha uma
função - a Função da Mãe.
Ora, então o protótipo da constituição do sujeito é a relação da criança com a mãe!
Não, não é bem assim. Na verdade, a primeira relação do ser humano é com a Falta, com
aquilo que lhe falta-de-ser, quer dizer, ele não é todo; há uma carência orgânica primordial
(ausência de resposta instintiva) e também urna carência simbólica (não tem ciência do que
lhe ocorre), o que não lhe permite responder com precisão ao aumento de suas impulsões. A
"criança" não tem condições, nesse tempo, de "saber" o que é ela e o que é o Outro; assim, a
relação primordial do ser é com suas faltas.
Acontece que, ao agenciar uma resposta específica que faz com que, por um tempo, o
impulso diminua de intensidade, a Mãe acaba proporcionando à criança urna Experiência de
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Seio bom e mal
Satisfação, cuja repetição acarretará uma apreensão na base de uma periodicidade + -,
estabelecendo assim urna combinatória mínima e absolutamente necessária para que se
constitua urna certa ordenação simbólica, até então inexistente, mas fundamental para que o
humano possa dar conta de seu próprio corpo. É então esse simbólico que faz urna rachadura
no real do corpo, o que permite dizer que, desde o início, o humano está afetado, alienado a
uma ordem simbólica indispensável a sua existência, um Outro da linguagem, não só um
semelhante.
Esse modo de "apreensão do mundo" entra em colapso quando a periodicidade é
quebrada, pela falta da mãe, enquanto agenciadora, falta inevitável, por mais atenta que ela
seja. Esse colapso abalará irremediavelmente esse mundo simbólico, alterando o modo de
apreensão do sujeito, provocando uma Divisão, ai sim, entre o Eu e o Não Eu, ou seja, que há
algo funcionando além de mim, um Outro e que, além do mais, tem algo que me falta. Aqui
pode-se dizer que a mãe se constitui, quando ela não responde só à pulsação temporal +,-.
Nesse segundo tempo de constituição, há então a entrada dos objetos, sendo que estes
estão do lado desse "além de mim", que passa a ser assim um Outro Absoluto, portador de
todos os objetos que faltam ao sujeito, e que podem ou não serem dados a ele, pois que ficam
à mercê do capricho desse Outro.
Os objetos adquirem, por conseguinte, o valor de serem os representantes dos Dons
desse Outro, quer dizer do Amor desse Outro, deixando de ser apenas objetos de necessidade.
O Outro me dá porque me ama; para ganhar tenho que me fazer amável, merecedor. Os
objetos então se transformam em Significantes, em representantes do amor do Outro.
Ao apelar aos objetos o sujeito Demanda, na verdade, amor. Ocorre que, por mais
satisfatórios, abundantes e prazerosos que sejam esses objetos, eles não resolvem a questão da
falta, pois os impulsos são inclementes, não há possibilidade de não se apresentarem. E os
objetos se representam o amor presentificam sua ausência, eu tenho o objeto, mas não tenho o
Amor.
Por sua vez a questão do Outro absoluto não passa de um engodo, uma ilusão própria
dos avatares da constituição do sujeito. Pois se esse Outro, encarnado na mãe fala, faz
demanda, ou seja, está também inserida no mundo simbólico, portanto, também afetada pela
falta. Falta essa que pode ser mitigada com a eleição de um filho, cuja presença real
representa ou simboliza um objeto imaginário privilegiado - o FALO - e que é, na verdade o
elo de ligação, de articulação entre a criança e a mãe. Um filho, para a mulher, pode adquirir
a função de dar um suporte para a imagem do falo, convertendo-se assim num representante
desse objeto.
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A consideração do falo imaginário como elemento constituinte da relação criança-mãe


articula os três registros constitutivos do aparelho psíquico: o Real, o Simbólico e o
Imaginário.
Sobre este último vale destacar o fato de que a imagem dá uma idéia de completude,
de velamento da falta, recurso que vai possibilitar um passo à frente na constituição do eu
(ego) e na constituição do sujeito.
Quando o humano reconhece sua imagem como tal - o Estágio do Espelho - a sua
relação ao Outro se complexifica. A criança é capaz de animar a imagem: brincar com as
mãos, fazer gestos, experimentar ludicamente a imagem que se mexe ao comando dela. É aí
que se vai estabelecer a Identificação no seu sentido pleno e que vai, por sua vez transformar
o sujeito. Por um lado vai instaurar-se a Instância do Eu, irremediavelmente vinculada do
lado da imagem e, por outro lado, irá determinar as marcas inconscientes, do lado do sujeito.
Se antes havia fragmentação corporal, agora a imagem possibilita uma forma de totalidade,
antecipatória da maturação biológica.
Essa identificação proporcionará à criança uma saída para a sua incompletude (júbilo
frente à imagem); mas também ratificará a divisão subjetiva, uma vez que a imagem não
coincide com o vivido, quer dizer, não há na reflexão da imagem a falta que a criança
experimenta (o que falta nela não aparece na imagem), assim como o que ela tem (o comando
que anima a imagem), falta lá onde a imagem se forma.
Isso é de fundamental importância, pois irá se refletir na experiência que a criança tem
acerca do que é o Outro; vai relativizar o Outro como absoluto, afetando-o também com a
falta. Essa brecha vai permitir ao sujeito sair da condição de ficar à espera da completude que
lhe pode advir do Outro, uma vez que esse passa também a não ter algo que o complete, que
tampe o "buraco". Além do Outro há a Falta. A constatação da falta no Outro vai permitir ao
sujeito responder a isso da seguinte maneira: irá tentar preencher a falta do Outro com sua
própria falta - se ao Outro falta, posso ser eu aquilo que ele quer, eu posso preencher o que
falta ao Outro - na posição de objeto.
Aqui pode acontecer uma situação delicada, se o Outro Não Desejar Além da criança,
quer dizer aceitar plenamente esse esquema, o que condenaria o sujeito a desaparecer como
tal no campo do Outro.
Essa dialética amorosa chega a seu limite quando, mais uma vez, intervém algo do real
do corpo, a saber, a excitação genital. A excitação genital masturbatória não provoca
desprazer, muito ao contrário. É prazerosa e disso não dá para abrir mão. O pênis e o clitóris
enquanto objetos reais não são muito dignos de serem trocados com o Outro, pois são muito
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pequenos, não interessam ao Outro.


Pois bem, para sair desse novo dilema é necessária a introdução de um quarto
elemento nessa relação ternária criança-falo-mãe. Esse quarto elemento faz uma intervenção
que reorganiza todas as posições. É a intervenção do PAI, como aquele que vai dar a essa mãe
aquilo que ela deseja Além da criança, ou seja, aquilo que a criança não pode suprir, já que é
apenas um substituto do que falta à mulher. O falo aqui já não é mais imaginário, mas sim
simbólico representando o lugar da falta.
É a entrada desse elemento que desmorona a relação anterior, pois muda a posição que
essa criança ocupa no mundo, tendo por conseqüência um reordenamento dessa posição (se
não sou isso que a mãe deseja, quem sou eu afinal?), reordenação que permitirá um novo
modo de entrada do sujeito na articulação simbólica, pela via da Dialética do Desejo.
Essa dialética se baseia na premissa de que o HUMANO NÃO É COMPLETO, e,
justamente porque a completude é impossível, porque há uma falta fundamental constitutiva,
que é causa de sua existência, assim como também é a possibilidade que ele tem de ser um
sujeito faltante, portanto um sujeito desejante.

BIBLIOGRAFIA

LACAN, J. O Seminário, livro IV, A Relação de Objeto, caps. X e XI, Rio, Zahar, 1.995.

____ .Seminário, livro XI, Os Quatro Conceitos, capo XVI, Rio, Zahar, 1.988.

THÁ, F. A Alienação, in Letras da Coisa, nº 7, Curitiba, 1.986.

_____ O Furo no Corpo, in Letras da Coisa n° 7, Curitiba, 1.986.

WISNIEWSKI, L. I. O Sujeito - O Outro, in Letras da Coisa, Curitiba, 1.986.

____ A Separação, in Letras da Coisa nº 7, Curitiba, 1.986.

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