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HAVERIA UMA QUESTÃO PARTICULAR

DO PAI NA ADOLESCÊNCIA?*

Para dizer a verdade, não preparei para vocês um relatório


contendo uma confrontação dos pontos de vista sobre a adolescência,
pois sei que me dirijo principalmente a pessoas que estão
familiarizadas, ou até mesmo que são especialistas nestes problemas.
Além disso, não teria tido talvez a paciência necessária para reunir
os pontos de vista tradicionais. Assim, tentarei principalmente
propor-lhes o que seria o ponto de vista lacaniano ao abordar a
relação do adolescente com a função paterna e tentarei submetê-lo
ao exame, às reflexões e mesmo à prática de vocês.
Podemos qualificar a adolescência de “crise psíquica”, ou seja,
uma necessidade introduzida no funcionamento psíquico, pela
mudança de estatuto social. Quer dizer, trata-se do convite urgente,
obrigatório, necessário, feito em geral, de ter de ocupar um novo
papel, assumir novos encargos e, entre outros, de entrar em uma
comunidade que eu chamaria muito provisoriamente aquela dos
“responsáveis”; responsabilidade não apenas legal, mas
evidentemente psíquica, isto é, que diz respeito à capacidade de
assumir o novo papel imposto. Parece-me que para captar a
particularidade da crise que marca esse período, somos
*Este texto é a transcrição da gravação de uma exposição feita em 17 de janeiro de
1987, no âmbito de uma Jornada Científica da Adolescência, organizada pelo Pro-
fessor P. Gutton e a Unidade de Pesquisa sobre a Adolescência da Universidade de
Paris VII. Primeira publicação no Bulletin de l'Association Freudienne n. 22. Março de
1987. Texto não revisado pelo autor (N.R.).

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

inevitavelmente levados a precisar, nem que seja por um breve


instante, o modo como se constituiu o sujeito, como a infância se
instalou e, portanto, o que ele vai ter de deixar, e também a
expectativa, a promessa que vão ser decepcionadas.
Assim, devo lembrá-los de que o sujeito, a criança, constituiu-
se pela graça, se posso dizer assim, de um acidente truncado, a fantasia
original, aquela que surge entre os doze meses e os três anos, às
vezes mais tardiamente. Em todo caso, esta fantasia instaura nela o
que concerne muito bem a uma subjetividade, no sentido preciso,
no sentido topológico do termo. Portanto, eis que ela se tornou um
sujeito, pela graça desse acidente e ao mesmo tempo foi entregue a
um desejo sobre o qual sabemos que é sexual. Freud mostrou muito
bem como a especificação deste desejo é masculina para os dois
sexos, e, portanto, organizada pela castração.
Acidente truncado, evidentemente, refere-se a este paradoxo
ao qual é exposto o filhote humano, que parece distingui-lo
radicalmente do reino animal, já que nele a instauração do desejo
sexual, da subjetividade, do isolamento do parceiro, da escolha do
parceiro e de suas características, vai ser interrompida, proibida,
sustada, pelo que funciona para nós como educação. Dito de outro
modo, um silêncio vai ser imposto a esta primeira organização
fundamental. Exceto, evidentemente, quando é dada a palavra para
esse pequeno sujeito, por ordem, por convite, pois, de tempos em
tempos, ele é solicitado no que seria sua singularidade, sua
especificidade subjetiva e, diria eu, sua amabilidade. Isso se traduz
por sua capacidade de não se manifestar senão quando lhe é proposto,
quando é convidado.
O que nos permite passar à questão que nos interessa: chamar
a atenção para o fato de que, se a fantasia original nele se instaurou,
foi graças a uma castração simbólica, já que nada de real foi dele
amputado. A operação é, portanto, simbólica. Entretanto, esse
silêncio imposto a essa instauração vai ser vivido pela criança no
registro de uma categoria isolada por Lacan, a da privação; isto é,
esse objeto que, contudo, lhe foi reconhecido e destinado, quer dizer
sua pertença sexuada, esse objeto, a educação o priva dele: ela lho
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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

retira – em nome do que se refere ao bem estar, à necessidade, à


oportunidade, às regras do jogo – ela lho retira também no sentido
de uma operação que deve ser provisória, com esta promessa incluída,
desde o início, de que em um tempo necessário o dito objeto lhe
será restituído.
Esta circunstância gera habitualmente o que se chama de fase
de latência – que sabemos justamente não ser constante, talvez o
seja cada vez menos – mas que fará com que o real com o qual a
criança terá de lidar e que é representativo deste período consagrado
à educação, seja um real assexuado. O que é a condição do período
de latência se traduzirá por essas criações do imaginário, esses
devaneios que não ordenam mais a relação com o real senão na
categoria do romance de aventuras. Este gênero tão precioso do
romance de aventuras – do qual uma vez adulto pode-se conservar
a nostalgia ou até mesmo perpetuá-lo – só se sustenta nesta relação
com um real assim dessexualizado. Ele se apresentaria, portanto,
como um impossível que se oferece a nossa audácia, a nossa coragem,
a nossa firmeza, de um modo que não colocaria mais em jogo o
sexo, mas nossa inteligência, etc.
No fio do que tento instaurar, seria possível avançar que o
que se chama de educação se caracterizaria como a tentativa de domar
uma posição, uma situação histérica. Posto que uma posição subjetiva,
uma subjetividade foi instaurada, mas está proibida de ser exercida,
trata-se de domá-la, portanto. Uma educação bem sucedida viria
assim se confundir com o fato de poder domar uma situação histérica,
pois que se espera da criança que ela possa de certo modo nos dar
uma réplica perfeita. Espera-se que sua expressão se dispense de
originalidade, a menos que se faça apelo a esta posição subjetiva que
eu evocava há pouco, de responder sob convite. Mas comumente
pede-se a ela essencialmente, como em uma peça de teatro, para
assegurar réplicas perfeitas, que viriam perfeitamente coincidir com
a expressão e o convite que lhes são feitos pelo interlocutor, tanto
na família como na escola. Sabemos o quanto esta réplica perfeita é
rara entre aqueles que chamamos de adultos e parece-me que é o
que se espera da criança, que sua fala seja suficientemente graciosa,

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

benevolente, charmosa, e venha de certo modo verificar nossa


capacidade de domar essa histeria.
A ruptura que se operaria no momento dessa crise psíquica
que é a adolescência, seria constituída pelo convite para ocupar agora
uma outra posição – o problema não sendo saber o que começou
essa crise, se razões de ordem biológica ou social. É-lhe demandado,
por uma ruptura em geral bastante súbita, ocupar uma posição que
viria ao mesmo tempo fazer ouvir sua singularidade, que ele devia
até então manter à parte, mas uma singularidade na medida em que
ele participaria da comunidade, na medida em que ele viria ao mesmo
tempo se dissolver, se perder, se confundir com a comunidade de
todas essas singularidades existentes e que são tomadas pelo dever
sexual, em particular pelo dever fálico. Talvez o que seja
especificamente demandado ao adolescente seja o que é esperado
também de cada um de nós: que sejamos capazes de testemunhar
nossa pequena diferença, mas na medida em que ela viria
simplesmente nos situar na comunidade daqueles que estão
encarregados de consumar, de realizar o gozo fálico.
Talvez não seja excessivo observar que, para responder a este
convite, o adolescente vai recorrer ao quê? Ele vai encontrar o vazio
de seu ser, nada que valide sua própria enunciação, a falta do
instrumento que viria de certo modo assegurar a autoridade de sua
fala. Sua solidão é completamente essencial e em particular sua solidão
em relação ao Outro; na terminologia lacaniana, o grande Outro
pelo qual ele se acha falado e que ele descobre em sua articulação
mesma. Seu sentimento de solidão se manifesta em relação a este
lugar, não sabendo o que este lugar espera ou quer dele, o que lhe dá
para articular. Portanto, nesse momento, pouco a pouco, ele descobre
sua própria enunciação, descobre a si mesmo como sujeito, descobre
até mesmo seus objetos sexuais e às vezes com certa surpresa, quando
estes objetos não correspondem perfeitamente àqueles que a
comunidade recomenda, a escolha heterossexual.
Parece-me, pois, que podemos caracterizar essa crise como o
encontro com o que se descobre naquele momento não ter sido
uma privação – isto é, a manutenção na promessa de que esse objeto
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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

fantasiado, imajado, esse objeto ideal seria entregue ou restituído a


termo e no tempo desejado –, mas realmente o encontro maciço,
eventualmente traumatizante, do que na realidade se instaurou com
a fantasia original, isto é, a castração.
Conhecemos a freqüência com que o adolescente se engajará
no tema de uma prematuração, pelo caráter traumático do convite
que lhe foi feito, que lhe teria sido feito num momento em que ele
não estava pronto, que não tinha feito o que devia para responder às
necessidades novas que lhe são impostas; e sabemos com que
freqüência a fantasia do traumatismo sexual, da violência sexual,
virá facilmente, em particular na menina, representar esta idéia de
que a proposta de entrar na comunidade teria sido feita de modo
abusivo, contra a vontade da criança, cedo demais, sob o modo
traumático, etc.
A diferença que temos igualmente que observar no que
concerne a esse deslocamento de lugar – pelo fato de que o projetor
se acha dirigido para um lugar diferente da organização psíquica – é
que, para a criança, o mundo se lhe apresenta como um palco
completamente equivalente ao lugar em que estamos, um palco
teatral, um palco em relação ao qual ela pode exercer um olhar que
sabemos o quanto é crítico, o quanto é refinado e sutil. Conhecemos
qual é a potência clínica propriamente dita do olhar da criança para
detalhar e perceber a qualidade dos personagens com os quais tem
que lidar, em particular em sua relação com o falo. Conhece-se a
intuição muito interessante e sua relação essencialmente lúdica com
isso, já que ela só faz parte disso para rir. Portanto, é antes na platéia
ou nos bastidores que ela está posicionada, enquanto que bem
evidentemente a crise da adolescência a leva desta vez ao palco e de
um modo que acaba quebrando, interrompendo a relação lúdica.
Talvez possamos ligar a esta particularidade o que gostaria de chamar
– não sei como vocês mesmos individualizariam isto – a seriedade
da adolescência, sua gravidade, o sentimento de que não se trata
mais de dar risadas.
Um outro ponto decisivo da resposta dada pela criança a esse
convite, a este descolamento de lugar, vai ser – por intermédio desta
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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

instância que se chama de Supereu, que emerge neste momento com


a violência, a virulência que conhecemos –, a substituição deste real
dessexualizado e organizado pelo período de latência, pelo
surgimento que salta diante de seu nariz, compromete-a e toma-a
por inteiro, o surgimento do objeto que tinha originalmente
organizado a fantasia e gerado a castração e que fora esquecido no
período de latência: o surgimento do objeto fálico.
De um só golpe, o real se acha inteiramente investido pela
referência ao dito objeto; e conhece-se a freqüência, neste período,
de uma reação que pode ser de nojo, de um nojo propriamente
histérico em relação a tudo o que poderá se apresentar para o
adolescente como sendo da ordem do interesse privado, do gozo.
Trata-se da tentativa muito precoce de resolver a relação com este
objeto tão invasivo, tão imperativo, tão pregnante, pela sublimação.
Proponho-lhes ainda isto, a vocês que estão diretamente em
contato com adolescentes e que têm, portanto, sobre isto os frutos
de sua prática, de sua experiência imediata sem dúvida mais rica que
a minha a este respeito. Em todo caso, na relação com este objeto
que lhe salta na cara, se ouso dizer assim, conhecemos a clivagem
freqüente que vai se operar nele. Temos, por um lado, a aceitação de
participar do jogo social – isto é, de subir ao palco, mas a título de
uma realização do ideal, de uma sublimação, de uma perfeição; isto
é, a título de uma representação que justamente teria evitado a
castração, ou, em todo caso, teria encontrado um meio de poupá-lo.
Por outro lado, temos a manutenção dessa exterioridade
completamente crítica que já estava no olhar da criança, que julga de
modo impiedoso e assassino tudo o que se agita sobre o dito palco
marcado por essa insuficiência radical, por esse defeito maior que
funda e organiza nossas comunidades sociais, nossas comunidades
atuais, que é a castração.
Certamente, é o momento em que seu olhar sobre seus pais
se encontra modificado. Enquanto eles podiam, eventualmente, no
período de latência, funcionar como modelos ideais, bruscamente
ele os descobre em sua encarnação, ele os descobre de carne e osso,
em sua sexualidade – e não faço aqui senão reencontrar e retomar o
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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

que a fantasia original tinha concernido como circunstância de


instauração – ele os descobre também em seus limites. Conhece-se
a freqüência, nesse momento, do ressurgimento do romance familiar,
dessa idéia de que ele não seria dessa família, que viria de algum
outro lugar, etc.
E o pai? Chegamos finalmente a ele. Devido a esta promessa
ligada à privação, o pai de quem era esperada, com a realização da
adolescência, a entrega do objeto, este pai aparece então como ele
mesmo não o tendo, isto é, como sendo incapaz de dá-lo ao seu
produto, ao seu filho: ele parece ou impotente ou castrado.
Concebe-se a crise identificatória capaz de se reanimar então,
como recusa de organizar sua própria imagem, quer seja masculina
ou feminina, em uma relação com aquele que teria assim enganado
e mentido e que se revelaria em todo caso incapaz, no momento
desejado, de cumprir o que era suposto, o que teria funcionado como
uma promessa.
No neurótico – evoco sucintamente “Dora” ou “A jovem
homossexual” –, encontrar-se-á mantida a idéia de que o pai teria
realmente esse objeto, mas que o teria de certo modo dado a um ou
uma outra e que assim seu próprio produto se encontraria dele
privado.
É sem dúvida o momento em que se produz esta idealização
dos pais da geração precedente e em particular, naturalmente, do pai
da geração precedente, na medida em que ele mesmo pode se
apresentar ou valer como ideal, supondo-se que o funcionamento
dele é agora assexuado e que sua referência mais importante não se
faria mais para com o falo. Este avô, portanto, seria engajado em
uma economia que não seria mais a da castração, mas muito mais
uma economia do amor, da oblatividade e do dom.
Seja como for, a adolescência poderia se caracterizar como
esse momento em que o sujeito chega a recusar o sintoma, isto é,
aquilo que ele descobre então como o sintoma organizador do jogo
social de nossa comunidade; este sintoma mais importante que é a
castração e que faz com que, a partir daí tudo para nós se ache

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

normalizado, mas normalizado de modo torto; e a partir de então


esta torção mesma constitui nossa normalidade. Podemos conceber
que o adolescente constitua para si uma outra normalidade, que
denuncia de certo modo a doença da qual estamos afetados, com a
preocupação de não ser infectado ele mesmo por ela.
Para dar seu alcance e o que me parece sua especificação à
questão da relação com o pai tal qual ela pode, nesse momento, se
produzir, eu diria que vemos sua ilustração clínica nessa recusa de
participar da comunidade assim “infectada”, essa comunidade que
não vale senão por se autorizar a partir de sua relação com um pai,
mas que para o adolescente trai esse pai ideal. Ele se propõe, por sua
vez, a constituir essa geração nova que demonstraria ser possível
uma relação com o pai ideal –, esse pai ideal não castrado, o famoso
pai de Totem e Tabu que tinha todas as mulheres. Geração que não
seria marcada por esse paradoxo de só poder reconhecer como filho,
como criança, se fosse marcada por uma distinção essencial com
esse pai. Enquanto nós só poderíamos marcar nossa filiação sendo
castrados, introduzindo esse defeito essencial e só podendo estar,
para com o pai, em uma relação de insuficiência e de defecção
completamente essencial.
A tarefa do adolescente se organizará em torno da
preocupação de reparar, de introduzir esse mundo novo que enfim
não teria a covardia das gerações precedentes e seria capaz de estar
em uma relação de identidade, de similaridade, uma relação em
espelho, uma relação enfim feliz com o pai ideal. Conhecemos a
freqüência destas criações de neogrupos, de neocomunidades, de
bandos onde se pode cultivar uma identidade, uma similaridade
perfeitas, graças a traços de tipo específico que particularizam cada
um dos pertencentes deste bando, traços de vestimenta, físicos ou
de linguagem; bandos nos quais cada um seria irmão do outro, que
realizariam enfim esta sociedade que asseguraria entre os participantes
uma igualdade perfeita.
Permito-me chamar a atenção de vocês para o que, aos meus
olhos, constitui um dos pontos vivos desta questão da relação com
o pai: esta possibilidade de constituir grupos organizados por uma
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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

igualdade e uma similaridade perfeitas de seus membros, dos quais


sabemos quanto elas constituem, aliás, um dos ideais, um dos
devaneios tão presentes em cada um e também em nossa história,
tanto geral quanto política. Esta possibilidade implica uma operação
que consiste justamente na foraclusão do Nome-do-Pai, quero dizer,
no fato de se desembaraçar do significante cuja incidência simbólica
é fazer valer a castração para aqueles que dela testemunham aos seus
descendentes. Isto realiza de certo modo este paradoxo que nos faz,
este paradoxo vivo que assumimos, levando a foracluir esse
significante do Nome-do-Pai, de tal modo que o grupo se constitui
em uma relação imaginária com o pai ideal, em uma relação em
espelho. Assim, no espelho recíproco constituído pela comunidade
dos olhares, instaura-se a imagem de um pai ideal em relação ao qual
cada um seria perfeitamente idêntico. Mas, devido a esta foraclusão,
produz-se esta operação que Lacan tinha ressaltado a propósito da
psicose, isto é, que a partir de então o pai se acha no real. Se, no
momento da infância vimos que este real era dessexualizado, no
momento da crise da adolescência ele está investido pelo objeto
fálico. Podemos dizer que neste tipo de operação, este objeto fálico
se acha substituído pelo que me permitirei chamar de representação
que vem fazer coincidir da melhor forma este objeto com a presença
do pai no real, isto é, o bordão. Portanto, eu assinalaria certa
propensão, certa fascinação pela oportunidade de provocar, o que
seria agora investir o real, algo que, ao mesmo tempo, acabaria por
tornar esses bandos, esses grupos, propensos à paradelinqüência,
quando não à delinqüência; em todo caso algo que se acharia
inevitavelmente induzido.
Isto nos leva à constatação seguinte: se, nesses grupos
constituídos de modo assim homogêneo, a alteridade faz falta, está
excluída, o que se acha no exterior do grupo não é mais da ordem da
alteridade, mas da ordem da estranheza e, portanto, do inimigo. Esses
grupos se constituem então sobre o fato de que eles são limitados
por zonas que, devido à diferença que manifestam no registro do
imaginário com o ideal, só podem valer na categoria da ameaça ou
como inimigos.

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

Seria fácil falar um pouco da adolescência prolongada e


salientar que, muito freqüentemente, o tipo de dispositivo evocado
pode se manter por uma vida inteira. Poderia também salientar o
quanto somos, em nossa relação com o Nome-do-Pai, tomados cada
vez mais por operações mentais que visam a foraclusão. O fato de
nos desembaraçarmos do que causa nosso sintoma, no movimento
mais legítimo de nos curarmos dele, mostra-nos como esta foraclusão
que nos solicita, nos leva, em nosso funcionamento mental, a
recusarmos, cada vez mais, tudo o que é do registro da alteridade, a
testemunhar uma falta crescente de tolerância. Talvez no que se refere
ao adolescente, este registro da diferença seja experimentado por
nós mesmos na categoria da ameaça, do inimigo. Temos a tendência,
a partir daí, de nos fecharmos e nos entrincheirarmos em
comunidades que se especificariam pelo fato de ter uma identidade,
uma similaridade protegidas.
O que proponho aqui à atenção de vocês, para suas
observações e para a discussão, concerne nossa posição de analistas
em relação ao adolescente. Falo da posição de analista e não
estritamente da posição do terapeuta. Parece-me, com efeito, que
essa clivagem da qual falava há pouco, tão freqüente nele, entre a
participação social possível apenas no registro de uma realização
ideal, como ideal; e, por outro lado, essa exterioridade mantida pelo
olhar ferozmente crítico, explica talvez o paradoxo ao qual nos
chocamos no registro da transferência com ele. Assim, podemos
encontrar nele, ao mesmo tempo, movimentos que seríamos talvez
convidados a caracterizar como análogos aos movimentos quase
místicos, de transferência maciça e, da mesma forma e na mesma
época, o que eu chamarei de um agnosticismo absoluto. Designo
este sentimento na medida em que o adolescente teria sido
mergulhado em uma crise, confrontado com paradoxos tão
impossíveis de realizar quanto aqueles da existência. Estes paradoxos
concernem nossa relação com o ideal ou nossa relação com o objeto,
pois estamos engajados de parte e de outra em uma busca, em uma
caça que não poderia se realizar ou ser bem sucedida senão numa
colusão mortal. O adolescente se organiza neste agnosticismo
perfeito, com esta idéia de que não há realmente ninguém em quem
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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

confiar, ninguém de quem ele pudesse pensar que poderia guiá-lo


em direção ao gozo, ninguém de quem ele pudesse esperar respeitar
o saber ou a quem ele teria de reconhecer um saber, na medida em
que este saber ao qual tinha se conformado criança o guiou e
conduziu na direção de tais impasses. Portanto, aquele que fez isso
merece que ele não se deixe mais apanhar. O adolescente se apresenta
em uma posição de descrédito feroz perante tudo o que lhe é
proposto como saber. Isto não deixa de ter conseqüência sobre o
que tenta prosseguir no registro da introdução, mas isto o coloca
diante do terapeuta, e bem mais ainda do analista, em uma posição
de recusa, de reticência de princípio. Pelo movimento no qual ele
está engajado, seria antes ele a se propor a esta busca, a ser capaz de
constituir esse saber, de inventar esse saber ao invés daquele
organizado pelo pai, com os paradoxos dos quais eu falava há pouco.
É por isso que me questiono e questiono vocês: a relação
terapêutica com o adolescente não implicaria uma dimensão
privilegiada, da ordem do imaginário, dimensão pela qual ele mesmo
tenta escapar, que marca a dita relação com certa dificuldade
particular, específica, e que justamente faria a diferença tanto em
relação às terapias da criança quanto às terapias do adulto? Se a
propósito desta observação eu não estou divagando, trata-se
efetivamente, na relação do terapeuta com o adolescente, de uma
dimensão privilegiada, na qual teria de se exercer o que denominamos
terapêutica. Deixo aqui reticências, pois vemos bem como, para o
adolescente, esta terapêutica é o que gostaria justamente de lhe
transmitir a infecção comum. Pergunto então se esta particularidade
não é o que marca, com estes jovens, a terapia de um modo que
talvez mereça ser avaliado enquanto tal, com suas conseqüências
particulares.
Eis, portanto, o que de meu lado, a partir de uma prática
analítica limitada com os adolescentes e a partir dos conceitos aos
quais posso fazer referência o que eu podia lhes trazer sobre esta
questão.

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

DISCUSSÃO

P. Fedida:
Agradeço a Charles Melman por esta exposição que abre
precisamente perguntas que interessam diretamente aqueles que têm
aqui uma importante prática terapêutica com os adolescentes. A
exposição de Charles Melman comporta esta referência aos conceitos
mais particularmente lacanianos e, de minha parte, tive o sentimento
de que todo este percurso que ele nos fez seguir, faz destes conceitos
um modo de questionamento interno do que se pode chamar “crise”
e do que se pode chamar “adolescência”. Bem evidentemente, a
pesquisa de uma questão específica do pai na adolescência acha-se,
com efeito, interpelada pela restituição ou pela reavaliação do que se
pode chamar de foraclusão do Nome-do-Pai. Resta saber – e é uma
pergunta que eu seria tentado a fazer a Charles Melman – em que
medida a adolescência se acha aqui novamente interrogada a partir
da psicose? Isto é, não o adolescente psicótico, mas a adolescência,
na medida em que, de modo fecundo, é portadora das potencialidades
da psicose? Mas eu gostaria de passar a palavra para Jean-Jacques
Rassial que vai fazer perguntas clínicas a Charles Melman.
J.J.Rassial:
O senhor falou da delinqüência e da organização dos bandos
de jovens, dos grupos de jovens engajados do lado do que seria uma
tentativa de bando fraterno, na qual a alteridade faria falta. Pode-se
observar que nesses bandos, assim como para os outros adolescentes
não engajados nesses grupos associais, a passagem ao ato incestuoso
entre irmão e irmã vem, de certo modo, bastante paradoxal às vezes,
para alguns dos casos que encontrei, muito mais para introduzi-los
em certa normalidade social. Do mesmo modo que estas
interrogações, até mesmo estas passagens ao ato freqüentemente
transitórias, pelo menos quando são transitórias, do lado da
homossexualidade. Mas vê-se efetivamente esta tentativa de fazer
incidir a diferença não mais sobre a diferença sexual, mas sobre a
diferença de gerações. Sendo assim, é uma leitura do mito de Édipo

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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

muito interessante, já que Édipo se caracteriza do mesmo modo por


não saber que mata seu pai e seduz sua mãe; mas que mata um velho
e seduz uma mulher mais velha do que ele. Há efetivamente essa
tendência que se pode perfeitamente identificar com essa similaridade.
É verdade também que encontramos diante desses bandos de
adolescentes uma figura que é aquela do inimigo, mas, sendo assim,
será que esses bandos, nesse registro, são realmente para-sociais,
são realmente diferentes do que faz o laço social em sua generalidade,
na medida em que, apesar de tudo, esta definição do grupo a partir
de uma exterioridade radical que é aquela do inimigo, do estrangeiro
sendo designado do lado do inimigo, é realmente o que vem fundar
o que Freud identificava como a instituição-chave, que é o exército.
Vemos perfeitamente como é possível conceber que reste realmente,
pelo menos para alguns, um tempo de iniciação, de entrada na
sociedade tal qual ela é, que é o tempo do serviço militar onde se
aprende a se tornar um homem. Portanto, estou bastante de acordo
com esta oposição.
Mas há uma posição que me parece muito interessante
também, que é a posição do chefe de bando. Acredito que ela é
característica, desde que um grupo de jovens funcione além de certo
tempo, de certo encontro e venha se constituir como grupo social:
existe esta posição que é a do chefe do bando. Poderíamos ficar
tentados a ver aí uma figura de irmão entre irmãos vindo representar
algo, até mesmo representar uma figura de inimigo paradoxalmente.
Não quero me alongar nesta questão que é a do impasse de uma
posição particular para o adolescente, dissociável daquela do pai, no
caso, e que é aquela do mestre. O mestre é aquele que não tem medo
da morte, que viria sustentar um outro discurso, que enfrentaria
efetivamente aquele do pai, sendo ao mesmo tempo seu
prolongamento. Quanto a esses bandos que são engajados,
aparentemente, em uma igualdade radical, também os vemos
efetivamente, com muita facilidade, se organizarem em torno de um
mestre perverso. Vemos muito, deste lado, como, contrariamente ao
que seria a oposição da juventude à sociedade... Sabe-se muito bem
que não se toma o poder senão se apoiando nos jovens...

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

Charles Melman:
Vou começar por esta questão essencial, a do impasse da
posição do mestre, isto é, aquele que, para seguir a definição hegeliana
que se revela clinicamente muito válida, neste caso, não tem medo
da morte. É exato que o adolescente denuncia justamente seu pai,
seu pai real como o frouxo, aquele que preferiu a vida, suas
complicações e suas mediocridades ao risco de morrer, mas que se
realizar, para ele, implica enfrentar o mestre absoluto. Sabemos como
ele pode se colocar em perigo de modo completamente real; pela
realização de proezas e de tentativas que demonstram que justamente
não é isso que vai detê-lo; proezas que põem em causa sua vida de
modo muito diverso, pois que ele pode ir da proeza física à absorção
de substâncias que demonstre que ele decidiu ir até o fim, até a
perfeição de um gozo em relação ao qual a morte não constitui de
modo algum um limite, ela não lhe causa medo. Revemos, portanto,
no isolamento desta relação com o mestre absoluto e na tentativa de
enfrentá-lo algo que ele ilustra perfeitamente sob nossos olhos.
Fiquei também sensível ao fato, Jean-Jacques, de que no início
você tenha partido da questão do bando, o que demonstra justamente
como nós mesmos teríamos, espontaneamente, a tendência a pensar
no adolescente como fazendo parte dessa comunidade imaginária,
mesmo talvez quando ela não é efetiva. Mas conhecemos também a
freqüência, na falta do bando, da oportunidade do companheiro ou
da companheira com quem se articula justamente uma relação dual
que aspira à perfeição, à similaridade, à identidade. Enfim, o amigo
do peito, portanto, o mini bando, poderíamos dizer. Assim, não fico
surpreso que você tenha retomado a questão por este lado.
Pelo problema da consumação, da passagem ao ato sexual,
você introduziu uma questão muito interessante, ao fazer observar
este outro paradoxo de que a realização incestuosa ou a passagem
ao ato homossexual estariam em condições, ao contrário, de marcar
a reintegração na comunidade. Eu gostaria de aprovar o que você
evocou aí; parece-me efetivamente ter encontrado esse gênero de
evolução; mas na medida em que a passagem ao ato sexual reintroduz
o paradoxo... Quero dizer que se houve consumação sexual, mesmo
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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

que incestuosa, entre irmão e irmã, ou consumação homossexual, o


impasse sexual constitutivo – que se tratava de evitar por todo este
empreendimento – se acha, contudo, naquele momento, de novo
validado. Ele ressurge. O incesto irmão-irmã, assim como a passagem
ao ato homossexual, não deixam de ser modos de pôr um termo à
castração que rege a organização, a possibilidade da realização sexual.
Talvez possamos ver nestas passagens ao ato, a colocação de um
termo nesta tentativa ideal da qual eu falava, termo colocado na
medida em que ele mesmo seria defeituoso, marcando o fim de um
processo e permitindo a reintegração em uma comunidade, já que,
finalmente, o que se passa na comunidade não é essencialmente
diferente do que agenciou e agencia a dita realização sexual.
Você também me interrogou de um modo muito judicioso,
sobre a questão do laço social e sua relação com o inimigo, me
perguntando se nossas próprias comunidades não são constituídas
de modo idêntico. É evidente que há sempre a tentativa, em particular
política, de constituir uma comunidade, de assegurar sua fundação,
não sobre algum traço positivo, mas pela repulsa por um inimigo
externo; é uma das operações mais freqüentes. Mas resta o fato de
que em nossas comunidades – por nossas, quero dizer aquelas em
que justamente a organização política não necessitou ou não apelou
para este tipo de processo – nessas nossas organizações políticas, é
claro que a alteridade, o respeito pela alteridade em todos os domínios,
esta aceitação está na base de nossa organização.
O exército que você evoca não é senão uma parcela delegada
de nossa organização social, uma parcela com cargos e deveres
específicos. Talvez pudéssemos dizer que o que entrava, por exemplo,
a inteligência, o funcionamento mental dos que estão presos em
grupos assim especificados, é justamente esse tipo de condição que,
de minha parte não discuto, não questiono de modo algum. Mas
talvez seja o que impõe certa limitação mental a conceber a alteridade
sob a forma do inimigo batendo à sua porta. Por outro lado, é bem
evidente que o respeito pela alteridade, pela dimensão do Outro,
tanto o pequeno quanto o grande na escritura lacaniana, é essencial
em nossas comunidades – que chamarei de um termo amplo e que é

235
TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

exato – “democráticas”. Portanto, temos que marcar esta separação,


pois são de naturezas diferentes as comunidades constituídas pela
igualdade fraterna e justamente o que se poderia chamar, para opor
a elas, de comunidades democráticas.
Lacan, em um de seus seminários, poucos anos antes do fim,
dissera algo de modo premonitório. Acontecia-lhe de tempos em
tempos de ter uma pequenina tendência profética: “o que os espera,
são as comunidades fraternas, isto é, fundadas no racismo; e o
racismo, é o que agora vocês vão ver. Vocês ainda não avaliaram
toda a dimensão disto”.
Creio que na operação que aqui evoco, isto se situa
perfeitamente: como a tentativa de foracluir o Nome-do-Pai
desemboca na constituição de comunidades perfeitamente
homogêneas, nas quais tudo o que não convém, tudo o que se
apresenta no registro da diferença, se encontra automaticamente
rejeitado.
Na questão do chefe do bando, o problema me parece o
seguinte: o que distingue o chefe do bando daquele que ocuparia a
função paterna, é que o chefe do bando e o pai não estão na mesma
posição. É efetivamente um problema de topologia, eles não estão
na mesma posição. O chefe do bando está na mesma comunidade,
ele está no mesmo palco daqueles que ele comanda, que ele dirige,
ele está no mesmo plano que eles. E somente uma dimensão que é
da ordem do respeito, isto é, da distância geométrica, é capaz de
marcar a diferença. A gente se aproxima dela com maior ou menor
respeito ou a gente fica a certa distância.
A propósito do pai podemos apreender o interesse do que
Lacan tentava incansavelmente ensinar a propósito da topologia,
em que a topologia teria para nós algum interesse. Fiquei surpreso,
outro dia, ao ler o artigo de um economista renomado que se chama
Beaud e que fazia um balanço dos trabalhos recentes em matéria de
economia financeira e mercantil, etc.... não psíquica! Ele dizia que
estava talvez na hora de romper com os métodos habituais de cálculo
e de introduzir a topologia no campo da economia mercantil, para

236
O PAI NA ADOLESCÊNCIA

tentar progredir um pouquinho. Como vocês sabem nada é mais


inexato do que aquilo que se chama uma ciência e é realmente o que
embaraça as pessoas muito competentes que dela se ocupam: elas
são incapazes da mínima previsão. O que é algo importante, é o que
temos o direito de esperar de uma ciência. Achava divertido que
naquele campo se evocassem formas, modelos, formas de
cientificidade que são matemáticas sem por isso serem
obrigatoriamente de ordem numérica.
Portanto, o que distingue o Nome-do-Pai, é que ele ocupa
uma posição diferente daquela de sua filiação. Ele não está na mesma
posição. E para lhes dar uma outra ilustração clínica, sabemos o
quanto a dificuldade do obsessivo é que, por haver realizado esse
tour de force que faz com que o pai se encontre no mesmo campo que
ele, o Nome-do-Pai, este pai morto, por se achar no mesmo campo,
não lhe resta outro recurso senão tecer sem cessar, velar sem cessar
para restabelecer a distância que lhe permitiria não se colar a ele, o
que demonstraria, contudo, que salvaguardou sua existência.
Encontramos a ilustração desse modo de tormento aí.
O chefe de bando se apresenta essencialmente como um irmão
mais velho, como em certas famílias, aliás, e as famílias comandadas
por um irmão mais velho não têm de modo algum as mesmas
conseqüências que as famílias comandadas por um pai.
Talvez ainda uma pequenina observação: o que é que se passa
para o adolescente cujo pai não é concebível para ele senão no registro
do Ideal, isto é quando que o pai está efetivamente morto, situação
que nós conhecemos: o adolescente cujo pai morreu. Sabemos que
justamente esta falta de encarnação, esta falta de um pai real, esta
falta desse medroso, desse frouxo, desse homem caseiro, deste
covarde, que está lá em casa; esta falta tem certo número de
conseqüências imediatamente identificáveis, pois que a báscula
apresenta o risco de se fazer muito facilmente do lado do Ideal. E
tampouco deixa de ter conseqüência.
Enfim, para não me alongar, o que Fedida evocava no início,
a questão da psicose. Não acho que possamos dizer, entretanto, que

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

o adolescente depende desta categoria pela razão seguinte: é que se


trata de uma “tentativa de...” no adolescente, de uma tentativa de
foraclusão, uma tentativa de fazer como se, uma tentativa feita a
partir da castração devidamente experimentada como estando aí o
perigo instalado e presente, portanto, devidamente simbolizado; mas
enquanto que ele buscaria uma via na “tentativa de...” operar esta
foraclusão. Portanto, embora o termo seja utilizável e os efeitos
possam parecer “como” de tipo psicótico, a comparação não pode,
parece-me, ser direta.
XX:
O último ponto que foi exposto sobre a tentativa de foraclusão
do Nome-do-Pai me evocou o que o senhor Melman pôde já dizer
a propósito da histeria... Poderia nos dizer algumas palavras sobre
uma aproximação entre histeria e adolescência?
Charles Melman:
Sim e agradeço-lhe por esta pergunta. É verdade que a posição
do adolescente parece muito próxima daquela do histérico. Teríamos
vontade – talvez já tenha sido feito – de aproximá-la de algo que
seria uma crise histérica; já que se trata de privilegiar uma subjetividade
que enquanto tal só poderia se fazer valer como não castrada. É
realmente deste modo que o histérico intervém em nosso mundo.
Quero dizer que o que seria articulado de seu lugar, dela ou dele,
teria justamente essa força, esse caráter de imposição de valor como
não castrado e ao mesmo tempo esse fato de só aceitar aparecer no
palco do mundo a título do ideal. O que pode ser também como o
sabemos, uma condição da presença do histérico em nosso mundo.
Relata-se de modo muito imajado tanto sobre o cerimonial quanto
sobre a maquiagem, enfim, estes momentos de tensão que
conhecemos bem, entre por um lado, esta apresentação que seria
íntima, privada e depois esta espécie de preparação necessitada pela
produção no palco. Eu acharia efetivamente muito feliz que a
adolescência fosse comparada à histeria, tanto mais que se trata
realmente, nos dois casos, de uma positivação muito maciça do objeto
de referência que eu evocava há pouco, do objeto fálico. Para o

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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

histérico, o que provoca esta reivindicação, esta confrontação, esta


presença, esta presentificação demasiado viva e demasiado
permanente do dito objeto, até mesmo a dificuldade de pensar a
dimensão Outra, o que não depende dela, é também o que vemos
no caso da adolescência. Se tivéssemos que tentar evocar uma
estrutura que poderíamos comparar com a crise da adolescência,
acho que esta que você evoca seria a mais apropriada.
XX:
O senhor pincelou um retrato magnífico de uma adolescência
histérica, mas não reconheci os adolescentes psicóticos com os quais
trabalho, porque a posição deles em relação ao objeto fálico e sua
integração eventual nos grupos, muito problemática, não é de modo
algum a mesma. Poderia dizer algumas palavras sobre a questão do
pai para um adolescente psicótico?
Charles Melman:
Quero ainda lhes dizer o quanto estas questões são preciosas,
pois faço irrupção no trabalho de vocês, em seu ponto de organização
e de conclusão, mas sem conhecê-lo...
Sobre esta questão da posição do terapeuta na adolescência,
parece-me que na medida em que a relação com o saber é tão
frequentemente questionada pelo adolescente, ou ele recusa ou ele
desconfia do saber em geral. Além disso, o que gostaríamos, é
realmente de lhe inculcar nosso saber, isto é, aquele que é organizado
por nossos sintomas: a castração. Esta relação com o saber coloca o
adolescente, na transferência, em uma posição completamente
particular, pois ele desconfia. Será que ele vai aceitar acreditar que o
terapeuta, por sua vez, sabe? É evidente que o terapeuta com o qual
ele tem que lidar, ele o examina cuidadosamente, sob todos os
ângulos, para tentar avaliá-lo, para tentar saber como ele se vira por
seu lado, quais são eventualmente seus ideais, seus modos de se
arranjar com a existência. Mas, em todo caso, ele está em uma posição
de dúvida, o que eu chamava agora há pouco de agnosticismo. Parece-
me que é muitas vezes em uma posição de agnóstico que ele aborda
uma relação fundada na transferência. Portanto, há aí uma dificuldade

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

inerente à situação: o terapeuta pode ser levado a forçar algo que


demonstraria ao adolescente de que sim, ele, o terapeuta, sabe. Em
outras palavras, seria a tentativa de atrai-lo se posso me expressar
assim, e pelo fato de que ele, o terapeuta, saberia que há um saber.
De qualquer modo, como desenvolvi, a relação imaginária é
prevalente no adolescente. Ele pode se ligar ao terapeuta no registro
da relação dual, da relação em espelho, isto é, encará-lo como um
companheiro, como aquele cuja imagem vai lhe servir para sustentar
a si mesmo. Eventualmente ele fará do dito terapeuta seu amigo do
peito, esse famoso companheiro que ele pode ter no exterior ou que
pode lhe fazer falta.
Segundo os casos com os quais pude lidar, me parece que era
este duplo eixo: ao mesmo tempo este eixo imaginário e este outro
constituído pela transferência, que não é somente imaginário; que,
portanto, marcava a especificidade da relação terapêutica. Teríamos
de avaliar suficientemente este caráter de duplicidade, para tentar
utilizá-lo. Como seria isto? Trata-se de não engajá-lo – em todo caso,
é assim que eu o experimento –, no que seria uma alienação dual,
isto é, se propor como um bom companheiro, se propor como um
modelo, propor-se como o irmão mais velho de um bando virtual.
Por outro lado – a dificuldade está justamente aí –, tratamos de
atrai-lo pelo fato de termos um saber, ali onde ele acreditava que
ninguém sabia nada, que o mundo era constituído de ignorantes e
de imbecis, acontece de nós sabermos das coisas. Portanto, teríamos
de tentar seduzi-lo, para empregar a palavra exata, em uma relação
transferencial. É bem evidente que a iniciativa é o inverso de uma
iniciativa propriamente analítica, pois a iniciativa analítica seria antes
de levar, de conduzir, de tentar conduzir alguém que fala a partir de
uma situação transferencial a uma conclusão que lhe permita
reelaborar esta relação com o saber. Enquanto que com o adolescente,
ao contrário, haveria de início a necessidade de produzir esta situação
transferencial, em outras palavras, de seduzi-lo, para em seguida levá-
lo a esse ponto em que ele teria de considerar que para o saber e em
particular o saber sobre o sexo, o saber sobre a vida ou o que quer
que seja, ele terá que se virar por si mesmo e não seguir algum mestre

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O PAI NA ADOLESCÊNCIA

ou guru, ou aquele que se oferece como sendo aquele que saberia o


que é o Bem e como chegar a ele. Portanto, a dificuldade específica
me parece ligada ao fato de que teríamos, ao mesmo tempo, que
introduzi-lo, tentá-lo, para fazê-lo entrar em uma relação
transferencial; e em seguida tentar conduzi-lo a esse ponto em que
ele teria efetivamente de aceitar sua solidão, isto é, não mais vivê-la
como um sintoma, mas como sendo da ordem do que é nossa
contingência e nossa existência. Há, portanto, um percurso que não
é o mesmo que aquele com a criança, nem aquele que se pode ter
minimamente com um adulto e que pede também alguma reflexão.
Agora sobre a questão da psicose. Tracei efetivamente um
quadro da adolescência histérica, mas o problema é, com a questão
que você colocou a propósito dos adolescentes psicóticos, que a
categoria da adolescência, se quiser distingui-la enquanto tal será
que constituiria uma entidade diferente do que seria evidentemente
uma classe de idade? Uma entidade que especificaria efetivamente
uma organização psíquica particular? O fato de que haja uma crise
específica nos permite efetivamente pensá-lo. Permite-nos igualmente
o fato de que temos manifestações sintomáticas, das quais dizemos:
"isso é coisa da adolescência", que sabemos que com o tempo,
simplesmente, sem dúvida tem boas razões para se arranjar.
Mas é evidente que nesta classe de idade podemos encontrar
patologias completamente diferentes. Há adolescentes obsessivos,
há adolescentes psicóticos, há adolescentes perversos... Toda a
patologia é capaz de estrear no momento dessa crise.
Portanto, seria difícil, falando da adolescência, de tratar ao
mesmo tempo todos os grupos, todas as especificações patológicas
capazes de marcar esta faixa etária.
No que concerne aos adolescentes psicóticos com que você
trabalha, se posso me permitir uma observação, gostaria de dizer –
mas apreciaria que eventualmente você desmentisse se não é sua
experiência – que os adolescentes psicóticos são muito próximos,
por sua vez, dos adultos psicóticos, pelo fato de que justamente esta
foraclusão do pai é algo instaurado no adolescente psicótico. Será

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TEXTOS DA SEGUNDA EDIÇÃO

que poderíamos individualizar nele uma crise que o distinguiria dos


psicóticos adultos? Quanto a sua posição em relação ao pai – e eis aí
um problema terapêutico –, é a posição geral do psicótico para com
o pai, é o que Lacan marcava muito bem: oferecemos ao adolescente
psicótico uma imagem paterna – e sabe-se o quanto se é tentado a
isto – e nesse caso contribuímos para sua psicose, pois que o
problema da psicose é de encontrar o Pai, o Pai com P maiúsculo,
no real. E o fato de que nós sejamos tentados a desempenhar este
papel para ele assegura uma espécie de coalescência entre a psicose
e a realidade. Creio que há aí um ponto que merece efetivamente,
sobretudo neste caso, uma reflexão.

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