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Condução e fim do tratamento analítico: A propósito do gozo feminino

Condução e fim do tratamento analítico:


A propósito do gozo feminino
Didier Castanet – Toulouse – França, Tradução: Zilda Machado

Resumo
Esse texto trata a questão do gozo feminino em sua relação com o final da análise. Partindo do
obstáculo freudiano constituído pelo rochedo da castração, tentaremos verificar como Lacan foi
além de Freud ao propor o gozo feminino. O que concerne, portanto, tanto ao homem como à
mulher, abrindo, ao fim da análise, ao héteros..

Palavras-Chave
Castração – Falo – Gozo feminino – S( A ) – Final de análise – Héteros.

O que resta não elaborado do conti- Não podemos falar de um “saber fa-
nente negro freudiano vai ser retomado e zer” com S( A ) ao final do tratamento, quer
elaborado por Lacan em termos de “gozo dizer, com esse lugar do gozo que Lacan
feminino” e é nesse quadro que ele elabo- nos diz que ele faz esmorecer o ser; saber
ra a noção do “não-todo”: “... é da elabo- fazer que consistiria em visar a inconsis-
ração do não-todo que se trata de romper tência do sistema, da falha no Outro, para
o caminho. É meu verdadeiro tema desse aí gozar.
ano, por trás desse Mais, Ainda, e é um Partirei do ponto do rochedo da cas-
dos sentidos do meu título. Talvez que as- tração de Freud para examinar como La-
sim eu chegue a fazer aparecer algo de novo can aí introduziu o gozo feminino. Visarei
sobre a sexualidade feminina”1. em seguida às elaborações de Lacan no
É no lugar do gozo feminino que La- Seminário XX, notadamente na introdu-
can vai colocar seu matema S( A ). Esse ção do conceito de “alíngua” e de suas con-
gozo feminino está em jogo no tratamen- seqüências sobre a definição do amor.
to, sobretudo no final, no sentido de que O gozo feminino, ou seja, S( A ), e a
ele permite mesurar que o simbólico não é questão do amor nos permitirão, primeiro,
tudo. Mas está em jogo também um mais- adentrar a questão do fim do tratamento
além, quer dizer, o que não se confunde e, depois, a abertura em direção ao héte-
nem com o gozo fálico ordinário, nem com ros.
o gozo do Outro. Neste artigo, começarei voltando à
fonte, quer dizer, a Freud, para situar de
início a questão do gozo em sua relação à
fantasia e situar o impasse freudiano. Em
seguida, abordarei a questão do gozo femi-
1
LACAN, J. O seminário, livro XX, mais, ainda, p 78/79. nino propriamente dito.
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Didier Castanet

Freud: o gozo em questão lar. Ao sujeito concerne uma única e fun-


damental fantasia.
Partirei, para abordar a questão do É então no momento da elaboração
impasse freudiano a propósito do fim da da segunda tópica que Freud atentou à
análise, tomando o texto de 1908: “As necessidade de elucidar o que é a fantasia.
Fantasias Histéricas e sua Relação com a Aquilo que constitui a proposição de base
Bissexualidade”. Nessa época, Freud não desse artigo é que o “agente da fantasia” (a
prosseguiu seus questionamentos sobre a se distinguir do autor da fantasia que é o
fantasia, pois suas preocupações estavam sujeito que a comunica) é sempre, e sem
essencialmente voltadas para a questão do nenhuma exceção, o pai. Freud vai extrair
levantamento do recalque e a dissolução nesse texto a questão do “amor ao pai”
dos sintomas. De fato, Freud foi muito ra- como constituinte do axioma fundamen-
pidamente confrontado à oposição entre tal da fantasia.
fantasia e sintoma quando se viu em face Em seu texto sobre o fim da análise,
da impossibilidade de reduzir o sintoma vinte anos mais tarde, o vemos retornar a
histérico unicamente à descoberta do esta questão do amor pelo pai como sendo
traumatismo psíquico recalcado. Podemos o obstáculo que o analisante, ao fim de sua
então dizer que o início da psicanálise está análise, não pode franquear. O amor ao pai
ali, naquele momento em que Freud se é recusado dos dois lados, por homens e
deu conta do fracasso da teoria globali- mulheres. O axioma da fantasia “eu sou
zante do sintoma. Ele se encontra, então, amado pelo pai” é, então, bem aquilo que
em face de um enigma: se essas funções constitui o rochedo da castração.
investidas de afetos – as fantasias – não Isso restará, portanto, uma “pedra no
são regularmente explicáveis por eventos caminho” para a teoria freudiana, pois a
acontecidos ao sujeito, de onde provêm fantasia é aquilo de que o sujeito não quer
e que sorte de real lhes concerne? Um se desprender. A psicanálise vai tropeçar
real, portanto, está em jogo na fantasia, na fantasia que mantém o desejo do sujei-
um real irredutível ao saber, que se deci- to em impasse. Mesmo o problema da rea-
fra através do sintoma. E o sintoma é en- ção terapêutica negativa não é resolvido
raizado em alguma coisa que transcende por essa gramática da fantasia.
a história individual. Para dar uma idéia, vou me referir a
Não é senão diante do fracasso dessa uma das versões que Freud dá da fantasia
visada (ao perceber que o levantamento “uma criança é espancada”, a versão mas-
do recalque não resolve o sintoma) e ao culina. Ela se apresenta sob a forma “sou
constatar aquilo que chamou “reação te- espancado pela minha mãe”, que é uma
rapêutica negativa” que Freud vai proble- versão da fantasia da qual o sujeito pode
matizar a noção de fantasia, em seu artigo ser consciente, se rememorar. Essa versão
de 1919 “Bate-se em uma criança”. Nesse recobre uma outra forma que, essa sim, não
artigo ele não se contenta mais em tornar é nem consciente nem recalcada, ela é a
consciente o texto das fantasias, mas em ser construída. Não é menor, porém, a sua
fazer a sua gramática. Na frase “uma crian- necessidade lógica como dedução: “eu sou
ça é espancada” ele procura qual é o sujei- amado por meu pai”. Trata-se, pois, de uma
to gramatical, qual é o objeto, qual é o lu- fantasia originária que por sua transforma-
gar daquele que admite essa fantasia. Aí ção – “amado” em “batido” e “pai” em
declina a frase que faz a história do sujeito, “mãe” – pode se tornar consciente.
construída de forma apurada, cujo efeito é Vinte anos mais tarde, em seu artigo
que Freud, a partir daí, não falará mais em de 1938, “Análise Terminável e Intermi-
“as” fantasias, mas “a” fantasia, no singu- nável”, Freud vem a reconhecer que a psi-
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canálise tropeça, para os dois sexos, em um se do desejo do sujeito, o qual consiste em


intransponível, que ele nomeia “a recusa colocar uma mulher na posição de objeto
da feminilidade”. Em seu texto de 1919 a. Mas Freud não pôde propor a saída a
“Bate-se em uma criança”, em seguida a esse impasse. Sem dúvida, ele parou aí,
Adler, essa posição masculina de recusa à como propôs Lacan no Seminário XI, fren-
feminilidade Freud a nomeia “protesto vi- te ao problema do Nome-do-pai. Ele não
ril”. Ela consiste na recusa, por vezes viru- quis ir além, o que equivale a colocar o pai
lenta, da posição de passividade diante de ao abrigo da castração. Releiam as páginas
outro homem: nada a dever a um homem, iniciais do Seminário XI.
nem mesmo no final do tratamento analí- Esse impasse pode também ser lido
tico. com a ajuda da tábua das fórmulas da se-
Essa posição concerne então à fanta- xuação apresentadas por Lacan no Semi-
sia “eu sou amado pelo meu pai”, sob o nário XX2. Não podemos dizer que Freud
modo do “sobretudo não” do protesto. Mas ficou na parte esquerda da tábua, hesitan-
Freud acrescenta que esse protesto não se do a franquear o limite que abre sobre a
faz senão diante de homens. Ele se acom- parte da direita? Nesse espaço, o da esquer-
panha por esses sujeitos muitas vezes de da, o pai é mantido em posição de exce-
uma atitude “masoquista para com a mu- ção quanto à castração ($x.Fx ), e o su-
lher, eles lhe são claramente assujeitados”, jeito não pode ter acesso a uma mulher se-
nos diz Freud. Nesse estado de sujeição di- não pela lei fálica (F) que a coloca em su-
ante de mulheres colocadas em posição de porte do Nome-do-pai. Ao fazer isso, ele
dominação, podemos reconhecer uma desconhece que seu desejo não encontra
modalidade da fantasia “sou espancado sua causa senão na parte direita do esque-
pela minha mãe”. ma (a), aquela justamente onde o pai es-
Há ali um impasse para o desejo, visto capa à castração ($x.Fx).
que o sujeito organiza sua vida de maneira
a ser conduzido pela fantasia ao assujeita-
mento às mulheres. Ora, é acerca disso que O pai $x.Fx $x.Fx
O gozo
ele não quer ceder ao fim da análise, diz O homem "x.Fx "x.Fx A mulher
(A)
Freud, pois é isso que modula para ele o S
Je J(a)
intransponível que é a recusa da feminili- Sàa

dade. Esse intransponível Freud compara a


La

a um fato biológico, quer dizer, a alguma J S

coisa de incontornável. F

Parece-me que é sobre esse ponto que


Freud deixou a questão. A partir do pro-
testo viril, podemos arriscar a formular a Lacan e o gozo feminino
questão da fantasia para Freud da seguinte O gozo feminino aparece como uma
maneira: o protesto viril deixa intocada a sorte de miragem que desaparece desde que
fantasia “sou espancado por minha mãe”, se tente uma aproximação pelo significan-
e atrás desta a outra: “sou amado por meu te, e ajuda a declinar ficções não para dizê-
pai”. O corolário disso é que assim se pre- lo, mas para cerni-lo como impossível a
serva o amor pelo pai, colocando-o ao dizer. Se não há significante do sexo femi-
abrigo da castração, levando o sujeito a nino como tal, todo significante está de
tomar uma mulher como sintoma, ou como
Nome-do-pai.
Isso é, me parece, o que Freud perce-
beu, e mesmo o que ele deduziu do impas- 2
LACAN, J. O seminário,livro XX: mais, ainda, p. 105.

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alguma maneira em demasia diante da fal- que a criação não é outra coisa senão a
ta que seria a dizer. produção de um significante novo no lu-
O gozo feminino não nos esconde o gar do significante que falta, e assim ela, a
que ele comporta de inaudito, de impen- criação, pode ser considerada como uma
sável, seja a promessa inatingível de uma tentativa de resposta à inexistência do
nova relação ao saber, tal como ela se de- Outro, à inexistência de A Mulher, à ine-
cifra ou se encontra no inconsciente. Esse xistência da relação sexual.
saber, porém, mesmo com toda a literatura Mas me parece que essas criações são
sobre o gozo feminino que abunda em falhas no sentido de que o significante
nossos dias, não pode nada nos dizer sobre novo que elas colocam em jogo não re-
a verdade desse gozo. presenta A mulher, enquanto mulher, mas
Relembrem: “insignificante”, “inexis- pedaços de verdade do real de seu gozo,
tente”, “não-toda” são os significantes que que o sujeito do significante porta por amor
tentam dizer A Mulher, que buscam cer- ao saber, em um conjunto masculino onde
nir a questão da feminilidade na obra la- o sujeito é submetido às leis da função fáli-
caniana. Lacan extrai de sua leitura de ca.
Freud a fórmula que conhecemos: “A mu- E assim há troca, há laço social, ou dito
lher não existe”, fórmula que é solidária de outra maneira, há discurso em um con-
de uma outra tão provocante quanto essa: junto regulado pela função fálica, de onde
“não há relação sexual”. Entretanto, essa A Mulher resta excluída, em um infinito
mulher tem um gozo próprio, dela, ela que sem limite. Essa troca, podemos escrevê-
não existe, ela que não sabe nada de seu la: do significante em oposição ao gozo. E
gozo, ela que não pode falar nada disso. a referência a isso é o mais-de-gozar de
O gozo feminino representa, na obra Lacan, construído sobre o modelo da mais-
de Lacan, o obstáculo absoluto, é lá onde valia de Marx, que indica que isso com o
se detém a lógica do significante, lá onde que nós temos efetivamente a ver não é
vem se colocar o S( A ), o significante da com o gozo, mas com o que fica desse gozo,
falta. O significante Outro, esse significante seus resíduos, passados ao crivo do signifi-
da falta no Outro, tenta articular a parte cante.
propriamente feminina do gozo para-além O que podemos acrescentar é que esse
da contribuição da função fálica, da lógica mais-de-gozar não é sexuado, ele é muito
do significante e do gozo fálico. distante do gozo sexual, do gozo do Outro
É esse significante S( A ) que tem sexo, do gozo de A Mulher. De onde se
relação com A mulher não como o falo, o depreende a inexistência da relação sexu-
significante que representa o sujeito, mas al: o Outro sexo resta inatingível pelo sig-
como o Outro significante, o significante nificante e sua lógica.
Outro. Ele é o significante para quem to- Podemos então dizer que Lacan com
dos os outros significantes representam o o S( A ), quer dizer, o significante da falta
sujeito, segundo a fórmula “um significan- do Outro, ou seja, o significante do femi-
te representa um sujeito para um outro sig- nino, indica que o inconsciente (estrutu-
nificante”. E lá, nesse lugar do S( A ), o su- rado como uma linguagem) tem um limi-
jeito do significante vem buscar sua falta a te, ele não diz tudo. Partindo do S( A ), ou
dizer, é ali que ele encontra seu impossível seja, a inexistência do significante que
de existir e ali ele imagina, ele coloca suas poderia dizer o sexo da mulher, o proble-
criações, elaborando uma resposta frente ma da psicanálise torna-se, então, aquele
ao impossível do real, frente ao Outro real. do não-saber ou, melhor ainda, do saber
Que significa que ele põe ali suas cria- que sabe que não pode nada saber desse
ções, o que são essas criações? Parece-me gozo Outro, do gozo do Outro sexo. No
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Seminário XX, Lacan diz que algumas gozar. Em postigos abertos, não aparece do
mulheres, ou alguns místicos, experimen- sujeito senão o S1. É necessário em psica-
tam esse gozo, mas que eles não sabem nálise se endereçar à bela.
nada dele, e não podem nada falar. O fato Gostaria agora de falar algumas pala-
mesmo desse gozo Outro se situar fora da vras a propósito da função de resistência
linguagem o torna impossível a ser dito pelo da transferência. Existe uma resistência que
significante, pois, afinal, esse também é fora tem relação com a fantasia, quer dizer, com
do sexo. Portanto, isso o expõe a perma- o semblante de ser e de gozo, pelo mais-
necer no registro da suposição, no registro de-gozar que o sujeito se faz para enqua-
da crença. Esse gozo não podemos, por- drar sua realidade, reduzindo o Outro ao
tanto, senão supô-lo, senão crer nele. objeto a, mais-de-gozar.
O sujeito resta então em sua realida-
S( A ) e Héteros de, mas uma realidade determinada pela
fantasia. Existe uma resistência a produzir
Para abordar esta questão do S( A ) e essa fantasia, a fazer dela um saber, que
do Héteros partirei da referência de Lacan Freud bem notou em seu texto “Análise
no Seminário XI, no capítulo “A presença Terminável e Interminável”. Pois, produ-
do analista”, na parte que se refere à “bela zi-la como saber, é perdê-la como gozo e
atrás dos postigos”. Os postigos são aque- como determinação. Ora, essa fantasia ser-
les do amor de transferência, que tem como ve ao sujeito, serve-lhe de defesa, de mu-
conseqüência, alternativamente, abertura ralha contra a castração. Esse saber da fan-
e fechamento do inconsciente. Mas o in- tasia pode ser produzido, para cada sujei-
consciente, comenta Lacan, não está de- to, tomado um a um, e pode parar de não
trás dos postigos, ele está fora, o que anula se escrever.
a idéia do inconsciente como um reserva- Mas existe uma outra resistência, que
tório de lembranças. Lacan continua fa- tem a estrutura do inconsciente. É que o
lando que é o inconsciente, pela boca do Outro não pode se escrever. O Outro en-
analista, que faz apelo à abertura dos pos- quanto Outro sexo restará sempre Outro.
tigos. O analista com sua presença suporta Tudo o que pôde se escrever foi onde o
o artifício do sujeito suposto saber, com seu sujeito havia reduzido o Outro ao objeto a
desejo sustenta a causa do inconsciente e em sua fantasia. Ele resta alguma coisa que
com seu ato faz apelo à bela, aquela que não pode se escrever, é portanto o Outro
está atrás dos postigos. Mas, quem é essa como tal, o Outro sexo, que resta ao final
bela? das contas, um Um a menos. É com esse
Sabemos com Freud que o belo é o saber que a psicanálise tem de lidar. Ele é
índice do sujeito em sua manifestação efê- de outra natureza que o saber científico.
mera. Nessa referência de Lacan no Semi- Ora, o amor de transferência é uma outra
nário XI o belo é posto no feminino, quer maneira de se endereçar ao parceiro, pois
dizer, é a bela. Não se trata do sujeito iden- esse amor cava a falta. A falta, quer dizer,
tificado ao falo (a beleza que se mostra) ou o Um a menos, é por que o amor é funda-
ao significante mestre, pois esse sujeito mentalmente o que se desperta no ende-
Freud o mostrou no Édipo. Esse sujeito é reço ao Outro, ao ponto onde não se pode
masculino. Aqui se trata de um sujeito fe- escrever, ao ponto onde ele não é tudo.
minino: a bela atrás dos postigos tem rela- Se endereçar à bela atrás dos postigos tem
ção com a mulher enquanto ela não pode sempre efeito de amor.
se escrever. Os postigos fechados no amor Tudo isso me reenvia ao que Lacan
de transferência podem ter relação com escreve no resumo de seu seminário sobre
uma mulher enquanto objeto a, mais de o Ato. É ali que ele introduz a expressão
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“saber sem sujeito”, que podemos identifi- ensino essa definição. Ela conduz a sepa-
car ao que se chama o inconsciente real. rar S2, quer dizer, o significante segundo,
Quer dizer, o laço do inconsciente com o aquele que capitonea a cadeia significan-
gozo, do inconsciente com alíngua, ou o te, quer dizer, o saber do qual o sujeito é
que ele nos diz nos capítulos sobre a escri- separado. Esse saber real separado do su-
tura no Seminário XX. Nesse resumo ele jeito ( ) é isso que conduz a referência à
vai também colocar a questão do acesso a alíngua.
esse saber, mas também a pergunta da in- Esse saber é irremediavelmente “insue”
cidência desse saber. É aqui que ele coloca (“não sabido” e “em si”). É necessário en-
a tarefa do analista, quer dizer, a interpre- contrar a esse saber um lugar onde pode-
tação não consiste em escutar o que se diz, mos restituir os efeitos constatados dentro
mas em ler. Lacan emprega uma expressão da experiência analítica.
muito precisa em francês, ele nos diz que o Lacan introduz alíngua em dois pon-
saber se “s’avere” (se verifica, se “veri-fica”). tos: a morada da linguagem, definida como
Isso significa que ao fazer passar o saber à o que se decifra; e alíngua como o que afe-
verdade, esse saber se lê por passar para o ta em primeiro o gozo.
lado do sujeito. E fazer passar esse saber A alíngua suplanta então o lugar do
para o lado do sujeito é a revelação ao su- Outro, o lugar da linguagem como cadeia
jeito de uma verdade sempre insuficiente, articulada. A partir disso, o conceito de
pois será sempre meio-dita. A referência a inconsciente está separado em dois: o in-
isso se encontra no posfácio do Seminário consciente linguagem enquanto o que se
XI. decifra3; o inconsciente que não é lingua-
Para prosseguir sobre a questão do gem, alíngua, o que se especifica por afetar
S( A ), do final da análise, é necessário pre- o gozo. Esses efeitos ultrapassam tudo o que
cisar alguns pontos que Lacan aborda no podemos saber e dizer. É esse o verdadeiro
Seminário XX, seminário chave, funda- inconsciente, irredutível.
mental para elaborar rigorosamente sobre Alíngua originária é a do Outro – da
esse assunto. mãe –, esse Outro que fala à criança. Na
Com a nova definição do amor nesse Conferência de Genebra sobre o Sintoma
seminário, quer dizer, o amor como rela- é introduzido o termo de “moterialidade”,
ção de sujeito a sujeito, de reconhecimen- para nos dizer “a materialidade específica
to de dois sujeitos, de dois falasseres, uma do inconsciente como alíngua”. Cada um
virada se opera. tem sua alíngua, cada um é banhado den-
Essa definição está em completa opo- tro de sua alíngua de origem. Alíngua é
sição com o que se falava até então de amor, um depósito singular. Isso tem uma impli-
que ele era cego, ilusório e mentiroso, que cação com a clínica, com a prática. É que
ignorava tudo do parceiro, que era um para cada um as palavras do dicionário não
amor covarde, pois ignorava o saber do real. têm o mesmo peso. E isso é um problema
Então agora, após o Seminário XX, o amor muito importante para a interpretação.
não é cego, é um amor que reconhece. Cada sujeito tem sua alíngua própria e dela
Parece-me absolutamente essencial ele sabe muito pouco.
examinar o que funda essa virada. Parece- Então, para resumir a propósito da di-
me que essa mudança de definição encon- ferença das duas definições de inconscien-
tra seu fundamento na nova definição de te: O inconsciente linguagem: S1 S2
inconsciente, a saber, “que o inconsciente (esse corresponde ao inconsciente-dese-
é um saber sem sujeito”.
Eu sublinho aí que Lacan não mudará
a partir daí, e conservará até o final de seu 3
LACAN, J. O seminário, livro XX: mais, ainda, p. 127.

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jo). E o inconsciente-alíngua: são os S1 to do real às outras duas dimensões é uma


conectados ao gozo. Alíngua não tem cor- outra via possível, que não a estrutura da
respondente porque ela não é linguagem. linguagem, para inspecionar o impossível
Alíngua conecta todo pensamento ao de saber em seu enodamento às outras duas
gozo. O S1 em alíngua pode ser uma frase, dimensões.
um pensamento, ou todo o discurso. Agora vou abordar a última parte do
É exatamente sobre esse ponto que que quero expor, fazendo um laço com o
Lacan conecta sua nova definição do que acabo de dizer sobre o amor, para ter-
amor, quer dizer, no nível do reconheci- minar sobre o héteros. Essa última parte
mento de dois inconscientes-alíngua. O concerne ao advir do amor ao final da aná-
amor seria, então, a detecção do sujeito em lise. Esse advir se relaciona com as duas
sua relação ao real. Mais provavelmente, declinações do final da análise: 1. Aquela
trata-se do reconhecimento de dois sabe- da travessia da fantasia e o que Lacan nos
res inconscientes que se reconhecem de diz nas últimas páginas do Seminário XI,
maneira enigmática. notadamente nessa frase: “o desejo do ana-
Nesse momento, no ensino de Lacan, lista é o desejo de obter a diferença absoluta...
encontra-se o final do modelo matemáti- somente aí surge a significação de um amor
co e da estrutura como referência. Por quê? sem limite, pois ele está fora do limite da lei,
Porque essa passagem à topologia permite onde somente ele pode viver”. Algumas pa-
situar o lugar do gozo. Com efeito, alíngua lavras sobre a travessia da fantasia. Que é
não é uma estrutura, ela é feita de coales- isso? É a travessia dos envelopes imaginá-
cência. Os efeitos de alíngua desafiam todo rios e significantes do núcleo pulsional,
cálculo, toda programação. enquanto mais-de-gozar. Quer dizer, é uma
Assim, podemos acrescentar que alín- travessia das defesas até o ponto do gozo.
gua, como mais fundamental que a lingua- Podemos também dizer que é a travessia
gem, é solidária à nova definição do amor. das identificações na pulsão. É o itinerário
Essa nova definição, como reconhecimen- que vai do semblante em direção ao real.
to, quer dizer um laço de amor que reco- Para Lacan a travessia da fantasia significa
nhece o Outro, que reconhece a maneira a travessia do semblante, para cernir o
com a qual o Outro é afetado por seu sa- mais-de-gozar pulsional em jogo na estra-
ber “insue” de alíngua. O amor, longe de tégia do sujeito, dentro de sua vida, mas
estar cego, seria a detecção não da inter- também dentro da transferência. A traves-
subjetividade, mas de uma intersecção de sia da fantasia não significa a supressão da
dois falasseres. Poderíamos dizer isso de fantasia. Quando Lacan avança essa tese,
outra maneira: o amor seria uma sensibili- vemos que isso toca no laço do sujeito ao
dade que registra uma afinidade entre dois Outro em relação ao semblante, mas que
inconscientes que restam “insue” incomen- isso torna mais puro, mais emergente o laço
suravelmente. do sujeito ao gozo pulsional. 2. Aquela da
Então, aqui poderíamos perguntar: e identificação ao sintoma. (voltarei a esse
a fantasia? A implicação da fantasia deter- ponto).
mina, ao invés disso, escolhas de objetos Que se torna o amor ao final da análi-
típicos – não a singularidade do objeto. E se? Ele é recusado, suprimido, rebaixado?
alíngua não obedece nem ao ideal, nem à Podemos também nos perguntar o que quer
fantasia. o analista com o amor. Lacan se pergun-
Mas há uma pergunta fundamental: tou também – o que quer o analista? Ele
podemos relacionar alíngua ao que con- responde a isso nas últimas páginas do Se-
duziu Lacan a recorrer ao nó borromea- minário XI, onde ele diz que o analista quer
no? Parece-me que sim, pois o enodamen- obter a diferença absoluta. Não é um de-
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sejo puro, mas um desejo determinado, um rença absoluta, é o sacrifício. Parece-me


desejo orientado em direção de uma coisa que é toda a lógica das últimas páginas do
precisa. O desejo da diferença absoluta é Seminário XI. Quer dizer, um amor sem
um desejo muito especial, que rompe com limite, um amor não limitado pelo objeto
o desejo como desejo do Outro, porque é é o sacrifício ilimitado. Quer dizer, o ani-
um desejo que visa à separação e que se quilamento da particularidade do sujeito.
empenha quando ele está eficiente na aná- Parece-me também que um amor sem
lise a desassujeitar o sujeito em sua relação limite significa que não queremos saber, que
ao Outro, e a fazer aparecer o que no ana- não queremos a resposta, que preferimos o
lisante não é do Outro. A confusão dos mistério do amor a uma resposta elucidada
desejos e dos gozos – isso é a não-diferen- sobre nosso ser, sobre o que somos dentro
ça. O desejo da diferença absoluta é o que do desejo, enquanto desejantes. Assim,
anima o analista. Lacan usou também da podemos dizer que a diferença absoluta sig-
expressão “desejo advertido”, expressão nifica um amor limitado para que ele seja
que a meu ver vai no mesmo sentido. viável. O único amor sem limite que La-
A segunda parte da frase “o desejo can evoca é aquele dos místicos.
do analista é o desejo de obter ...”, a que me Podemos estabelecer a série seguinte:
referi acima, é ao mesmo tempo ambígua e desejo esclarecido (o desejo advertido) –
pode se prestar a equívocos e também a diferença absoluta – e amor limitado. Uma
um contra-senso completo. Essa parte da reserva: não há que confundir, ou melhor
frase é: “... somente aí surge a significação de dizendo, que estabelecer laços muito rápi-
um amor sem limite”. Que significa um amor dos – quero dizer aqui que o desejo adver-
sem limite? Isso não significa que surge tido, esclarecido, não engendra automati-
um amor sem limite: a significação de um camente o desejo da diferença absoluta.
amor sem limite não significa que esse amor Que significa isso? Isso para mim significa
apareça, no sentido da exaltação amoro- a passagem do desejo esclarecido ao dese-
sa. Nas últimas páginas do Seminário XI jo do analista, como o desejo da diferença
Lacan nos mostra que um amor sem limite absoluta. Isso quer dizer ainda que o sujei-
não é o sacrifício sem limite. Não é sub- to tira as conseqüências de sua própria ex-
meter seu desejo ao desejo de um deus obs- periência analítica. Ou seja, ele tira as con-
curo que reclama o sacrifício. Não é tam- seqüências do que percebeu de sua análise
bém a solução cínica de se abster inteira- para que ele se faça a causa, que ele se ofe-
mente do Outro, apesar da queda do Ou- rece para que outros aí tenham acesso. Fa-
tro. Isso não é mais se fazer ser por seus zer-se a causa é se dedicar a, se colocar a
amores – o que tornaria a dar ao sujeito serviço de. Fazer-se a causa do agalma do
uma consistência imaginária. O que nos desejo é uma causa muito especial. Lacan
reenviaria às identificações. precisa em relação a esta expressão que “se
Parece-me que a chave de compreen- fazer a causa de” é também consentir em
são dessa fórmula se encontra no “somente moderar suas esperanças.
aí” do início da frase. Esse “somente aí” é o Então, para resumir sobre a “diferença
lugar da diferença absoluta, quer dizer, a absoluta”, podemos dizer que ela se encon-
particularidade do Um a Um, outra ma- tra no gozo, na travessia da fantasia, no
neira de designar o desejo do sujeito. O prosseguimento indefinido e intransigen-
“aí” da diferença absoluta é ainda a ma- te do desejo, mas também na transcendên-
neira como cada um percebe sua própria cia do amor enquanto lugar privilegiado
maneira de preencher o círculo de seu de- da exaltação narcísica através do encon-
sejo. E o “aí somente” revela que a signifi- tro com a alma-gêmea. Essa diferença ab-
cação de um amor sem limite, fora da dife- soluta pousa, se não em uma nova arte de
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Condução e fim do tratamento analítico: A propósito do gozo feminino

amar, pelo menos numa nova concepção lisante, graças à interpretação do analista
do amor que vai além das miragens da que faz corte na tagarelice transferencial,
identificação, do altruísmo, além das in- uma interpretação suportada pelo desejo
junções do “fazer o bem sem olhar a quem” particular de obter a diferença absoluta,
ou do “amarás teu próximo como a ti mes- alcançaria a prescindir da esperança da
mo”, além dos imperativos categóricos kan- complementaridade sexual alojada no co-
tianos e sadianos, da reciprocidade, da ração da fantasia. Ele alcançaria também
oblatividade ou da generosidade. a franquear aí o limite abaixo do qual ele
Um amor sem limite é o amor que, de se engana. E o engano do amor não é sem
entrada, renuncia a seu objeto compreen- relação com o recuo do sujeito frente à fal-
dendo, como o faz a análise, que o objeto ta que o determina. Quer dizer, com o que
é aquele que coloca limites ao amor. seu desejo é feito.
Um amor para continuar a gozar, tal é No Seminário XX Lacan transforma
a máxima do neurótico. No entanto, o esse mau encontro em mal-entendido e ele
neurótico compreende que o amor em si é faz disso o fundamento do laço do sujeito
incompatível com a realização do ser, de à linguagem e da relação sexual que não
onde a fórmula “não há relação sexual”. existe. Um amor digno seria um amor não
Não há relação sexual porque o amor não orientado pela demanda do Outro, ou pela
é um sentimento que encontra sua raiz demanda ao Outro, que são as duas moda-
dentro do simbólico, como o mostram os lidades da demanda de amor (silenciosa ou
poetas. É isso que o sujeito descobre quan- gritante) sempre mal-entendida, mas um
do alíngua se faz presente dentro da lin- amor orientado ao contrário, por um de-
guagem sob a forma do que não pode ser sejo de saber orientado pela causa do que
traduzido. É isso o amor. o analisante tem a saber. “O saber tem a
O novo amor do qual fala Lacan se mais importante relação com o amor”, nos
encontra em um para além da realização diz Lacan no Seminário XX.
narcísica. Esse “para além” é o produto da Ao início do meu trabalho eu dizia que
“desrealização” do objeto a: o objeto a como esse novo amor é também o corolário do
complemento imaginário do sujeito vai se final da análise pela identificação ao sin-
tornar simplesmente objeto causa dos de- toma, quando ela se produz. Lembremos
sejos do sujeito. que a identificação final ao sintoma é a tese
É na passagem do objeto a, enquanto de 1976, que se encontra na primeira ses-
metonímia do gozo, ao objeto enquanto são do Seminário 24 “L’insu que sait...”.
causa do real que se situa o novo amor. O Essa identificação, quando se produz,
amor desrealiza o sujeito para realizar um é uma identificação a uma fixação de gozo
real. Se há uma novidade no amor depois modificada em relação ao sintoma de en-
da queda das identificações, podemos en- trada na análise. Quando falamos de um
tão dizer que é um amor sem esperança de final de análise por identificação ao sinto-
retorno. Quer dizer, que o anseio de ser ma, isso não significa um fim por resigna-
amado troca de lugar com um “eu amo”. ção. Quando Lacan fala de um fim por
Em relação ao que Lacan diz na Nota identificação ao sintoma, ele não designa
Italiana, onde ele nos fala de “um amor um fim de impotência do sujeito, mas, an-
mais digno do que a profusão do palavró- tes, um final compatível com um impossí-
rio que ele constitui até hoje”, isso seria vel, quer dizer, com o impossível da rela-
ainda um amor que não demanda nada, ção sexual.
que não demanda o amor do pai. Pode- Não perdemos de vista que em 1975 o
mos também dizer que esse amor seria cor- sintoma é o que faz suplência à relação se-
relato a uma mudança de discurso. O ana- xual. Quer dizer que por não poder escre-
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Didier Castanet

ver a relação de um gozo homem com um análise? Para Lacan, a condição do térmi-
gozo que seria feminino, de não poder es- no é S( A ) e o objeto a como real e é essa a
crever esse casal que traduz a relação se- condição do processo do tratamento. E,
xual, escrevemos o casal do sujeito e do precisão importante, se o tratamento visa
objeto ou do sintoma. ao enigma do gozo feminino, ou seja, o
A identificação ao sintoma implica que Outro gozo, no Seminário XX é S( A ).
o sujeito parou de questionar, de contes- Mas no Seminário XXIII, J( A ) (o gozo do
tar, de justificar seu gozo, e que, então, ele Outro barrado) não é S( A ).
aceita de reconhecer seu ser dentro desse Abrir-se ao héteros seria tirar o foco
sintoma. O sintoma do final da análise é o do objeto a e passar a falar sobre o héteros,
sintoma reduzido do gozo. como diz Lacan no Seminário XX na li-
É essa extração do ser de gozo, do que ção Letra de uma Carta de Almor. Seria se
o sujeito é como sintoma, que ordena para confrontar com o fato de que de A mu-
ele a possibilidade de um novo amor. lher nada se pode dizer, seria isso o héte-
Se para um homem uma mulher é o ros, ou seja, o buraco da estrutura.
Outro, ou seja, seu sintoma respondendo Toda a clínica da relação amorosa nos
ao buraco dentro do saber do sexo, e se mostra como as coisas se jogam a partir do
como Lacan nos diz, o Outro é o Outro falo entre os dois parceiros, como se arran-
sexo, então se torna crucial que ele não se jam ou não os três termos homem, mulher
coloque nesse lugar do sintoma, mas que, e falo. E como nos lembra Lacan, se pode
ao contrário, em se apoiando no “não há ter entre os sexos uma relação um pouco
Outro do Outro”, ele lembre a essa mu- temperada, não é senão por intermédio do
lher que o gozo Outro está fechado para falo, como falta.
ele e que ele tem que saber fazer com a Sabemos que fazer demais o homem,
privação. Ver o Seminário IV. quer dizer, se identificar ao falo como con-
Mas, se essa mulher quer fazer encar- sistente, ou para uma mulher, encarnar
nar a ele o complemento que remediaria o demais A mulher, faz estragos.
não- todo fálico, se ela quer fazer dele seu Um laço social que se estabelece não
Outro, então é sobre um “dizer que não” sobre a fantasia, mas além da identificação
que ele tem que se orientar. Um homem e do amor do pai sobre o jogo com o sem-
pode impedir a tentação para uma mulher blante e com a falta, isso coloca as coisas
de se tornar um homem, de se perder em em outro lugar. Ao lugar do falo dentro de
um “fazer o homem”. sua verdadeira função. Isso seria um laço
social que leva em conta além da castra-
Para concluir e à guisa de abertura: em ção, à privação naquilo que ela é privação
direção ao héteros real de um objeto simbólico, real enquan-
Para retornar ao S( A ), ao gozo femi- to ela representa um buraco dentro do ser.
nino e ao héteros, sintetizarei as coisas as- Um laço social para além do ideal, que
sim: 1. S( A ) é o significante da falta no se orienta do não-todo, que faz perder a
Outro, ele é fora do sentido, mas ele faz consistência do Outro do amor, e que cul-
parte do registro do significante. Podemos tiva essa falta por estrutura. j
acrescentar que S( A ) é um significante ao
limite do Real, impronunciável. 2. O Ou-
tro gozo: ele escapa ao significante.
Colocarei agora uma questão: qual está
em jogo no tratamento para um sujeito,
do lado todo ou do lado não-todo? E, so-
bretudo, qual é a condição do término da
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Condução e fim do tratamento analítico: A propósito do gozo feminino

CONDUCTING AND FINALIZING SOBRE O AUTOR


ANALYTICAL TREATMENT:
CONSIDERING FEMININE
ENJOYMENT Didier Castanet
Doutor em psicologia. Psicanalista. Membro da
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo
Abstract Lacaniano (EPFCL). A. M. E. Encarregado de
The author deals with the question of femini- Curso na Universidade de Toulouse – Le Mirail.
ne joy/pleasure (jouissance) and its relation Co-diretor e Editor da Revista de Psicanálise
to the end of analysis. Stemming from the “L’En-je lacanien”.
Freudian obstacle formed by the rock of cas-
Endereço para correspondência:
tration, he attempts to verify the theoretical 13 Rue Sainte Ursule, 31 000 Toulouse. França
advances made by Lacan upon proposing the Fone:00(XX)33561528063
feminine joy/pleasure. This concerns, howe- castad@club-internet.fr
ver, both man and woman, opening up, at the
end of analysis, to the héteros (Greek – the
other of two, other, different).

Keywords
Castration – Phallus – Feminine joy/pleasure
– S( A ) – End of analysis – Héteros

Bibliografia
FREUD, S. (1908) As fantasias histéricas e sua rela-
ção com a bissexualidade. ESB, v.IX. Rio de Janeiro:
Imago, 1976.
FREUD, S. (1919) Bate-se em uma criança . ESB,
v.XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, S. (1937) Análise terminável e interminá-
vel. ESB, v.XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LACAN, J. (1975) Conferência em Genebra sobre o
sintoma. Opção Lacaniana. São Paulo: Eólia, 1998.
LACAN, J. (1964) O seminário, livro 11: os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1985.
LACAN, J. (1972-73) O seminário, livro 20: mais,
ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
LACAN, J. (1975-1976) O seminário: livro 23: o sin-
toma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
LACAN, J. (1976- 77) O seminário, livro 24, l’insu que
sait de l’une- bévue s’aile à mourre. Inédito.

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