Você está na página 1de 3

A homossexualidade no feminino e o enigma da mulher

Em "As fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade" (1908), Freud


estabelece relações entre a possível natureza dos sintomas histéricos e o fator sexual.
Ele afirma que diversos sintomas possuem "duas fantasias sexuais, uma de caráter
feminino e outra de caráter masculino. Assim, uma dessas fantasias origina-se de um
impulso homossexual" (Freud, 1908/1969e, p.168). Por isso, os sintomas histéricos
revelariam, de um lado uma fantasia sexual inconsciente masculina, e por outro, uma
feminina. Para ele neste texto, o caráter bissexual dos sintomas das histéricas se
confirma a existência de uma disposição bissexual própria inconsciente e inata.
Freud, entendendo que a noção de bissexualidade seria fundamental para
compreender as manifestações da vida sexual do homem e da mulher, propõe conceitos
que depois serão revogados por ele mesmo. Os principais estão relacionados ao fato de
que a libido seja masculina, isto é, 'ativa', ainda que se estabeleça para si fins 'passivos',
e que o feminino está localizado em uma posição passiva, concluindo que a vida sexual
se estabelece em "uma mescla de seus caracteres sexuais biológicos com os traços
biológicos do sexo oposto e uma conjugação de atividade e passividade" (Freud,
1905/1969d, p.207). A partir de uma complexa tentativa de definir 'masculino' e
'feminino', Freud também se vale de características culturais nas suas formulações sobre
a sexualidade, que remetem aos significantes passivo para o feminino e ativo ao que é
masculino.
Em seu texto “A feminilidade”, Freud desfaz essa equivalência entre feminino
ao que é passivo e masculino ao que é ativo, pois afirma que “há mulheres que podem
desenvolver uma grande atividade em diferentes direções e há homens que só podem
viver num certo grau de submissão passiva”. Após revogar seus próprios escritos, Freud
retoma ao complexo de Édipo e de castração para explicar o que chamou de enigma da
mulher. Ao constatar que também para a menina o primeiro objeto de amor é a mãe,
Freud se detém a entender o que faz a menina se desligar da mãe e se voltar para o pai.
O que determina essa passagem é o complexo de castração, no qual a menina faz de sua
mãe responsável por sua falta de pênis “inveja do pênis”, ou como Lacan afirma como
“nostalgia da falta-a-ter” (evoca pra mim algo relacionado à repetição – algo nostálgico
é algo que se repete e se sente um certo gozo nessa posição).
Nas três soluções freudianas para a inveja do pênis estão:
 renúncia (a escolha da neurose) diante da descoberta da ausência
de pênis na mãe, a menina abre mão da sexualidade fálica (seu amor, na verdade
era dirigido à mãe fálica), deixa-a cair como objeto de amor e nutre certo ódio
pela mãe;
 complexo de masculinidade: a menina se recusa em reconhecer a
castração da mãe e se identifica com a mãe fálica ou com o pai;
 Feminilidade: onde o desejo do pênis é substituído pelo desejo do
filho. Aqui a mulher-mulher, segundo Freud, distingue-se pelo fato.
Equivalência mãe-mulher. As formulações de Lacan objetam ao contrário, já que
ele diz que “é a ausência do pênis que faz dela o falo”. Para que ela seja um
objeto causa de desejo, ela precisa ter o falo. O que equivale a dizer que ela tem
de estar marcada pela castração de alguma forma. (falta-a-ter --- falta-a-ser).

Tornou-se lugar comum aproximar a homossexualidade ao narcisismo. Freud


afirma que os homossexuais não escolhem seu objeto amoroso pelo modelo materno,
mas de acordo com seu próprios eu, ou seja, como se os homossexuais buscassem a si
mesmo como objeto de amor. Eles procuram a si mesmo como objeto de amor, porque a
escolha narcísica de objeto homossexual é sempre mediatizada por sua própria imagem.
Sendo assim, seguindo o raciocínio de que na perversão sexual há o
reconhecimento e a recusa da castração materna, ou seja, há uma fixação na mãe fálica,
é pode-se considerar que a escolha narcísica de objeto é uma escolha, como objeto
amoroso, de alguém que representa a mãe fálica.

Freud listou, a partir da sua paciente Sidonie, “A Psicogênese de um caso de


homossexualismo numa mulher” 1920, sob a luz do Édipo e das identificações pelo
menos três determinantes de uma escolha homossexual de objeto-mulher na vida adulta:

 a reprodução da relação mãe-bebê;


 a regressão ao complexo de masculinidade da menina, isto é, o despertar
da fantasia inconsciente de ter ou vir a ter um pênis;
 a renúncia ao amor dos homens em benefício de uma mãe ainda jovem e
atraente. (relação com a paciente).

Lacan declara que as homossexuais, no feminino, participam do gozo fálico, mas


ficam cegas diante do gozo feminino. Ele prossegue dizendo que elas se movem à
vontade no discurso do amor que faz suplência à relação que inexiste, pois, se existisse,
seria a escrita no inconsciente de dois sexos. Consequentemente, a possibilidade da
relação homem-mulher. Quanto a essa mulher, na medida em que não é toda fadada ao
gozo fálico nem toda causada pelo objeto da fantasia, encontra acesso ao gozo outro
através de diversos parceiros: além do homem na relação sexual, por intermédio de
outra mulher.

Há um deslocamento ao que Freud chamou de enigma da mulher para o que


Lacan chama de enigma do gozo feminino: a mulher se encontra no gozo fálico, mas
não apenas.

Você também pode gostar