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right © 2005 Renato Pinto Venncio & Henrique Carneiro ALAMEDA CASA EDITORIAL Fait: Joana Monteleone Haroldo Ceravolo Sresa Rodrigo Ricupero Copylek: babela Mot Revisto: Nelson Las Baboss Alexandra Colontni (Capa: Clara Boras Maia Projetogrfic ediagramagso: Claris Borascht Maria quine de produsio: Cassio Aurelive de Baeroz José Sere linagens da Capa: oj de pe. Jem Bape Dee. lo de Jae, 1823, (ina hice ads Jb Che Sul) «Henry Chabria. Rode ant, 1822, Fal ntracionas de Catalogo na Publis (CIP) (Cina so, SP, Brel Alc drops a iii do Br Renata Fi ‘Venn, Henrique Carne Sto, Pala Abed alo Horizont cen PUCMnan, 205 ihe ISBN 596025112 Alamos) ISBN 4586460479 (PUCMina) Felis ost 2 ‘Aan eno, Rena Pio Cao, He ome (cop 2.2908 pr catalog ssemsico cise score droga : Beal: Hiden 362290981 41, Diogu bebidas akoslieas Ball: Hila 362290981 20051 Tinka om etc digo reseroade& ALAMEDA CASA EDITORIAL ow Minis Ferrin Ales, 108 Peres. EMP 0800060 St Palo SP WL (i) $ez0450 wow alunaedintlovan br Apresentagio -ansformagées do significado da palavra “droga”: das especiarias coloniais a0 proibicionismo contemporéneo Henrique Cameiro Da etiqueta canibal: beber antes de comer Ronald Ramineli In vino veritas: vinho e aguardente no cotidiano dos sodomitas luso-brasileiros 8 época da Inquisicao Luiz Mote guardente de cana e outras aguardentes: por uma historia da produgio e do consumo de licores na América portuguesa Leila Mezan Algranti Os quilombos, a noite e a aguardente nas Minas coloniais Carlos Magno Guimardes © consumo de aguardente em Minas Gerais no final do século XVIII: uma visio entre 0s poderes metropolitano e colonial Virginia Valadares ALCOOL € OROOAS NA HISTORIA BO BRAS cionistas do comeco do século XX, a partir da Let Seca nos Estados Unidos, ¢ suas conseqigncias para o delineamento de uma politica in ternacional modelada por priticas de erradicagao e repressio. Essa agdo repressiva inclu diversas substincias no rol das ileyalidades, evimi- nalizando amplas camadas da populacio e aumentando a rentabilidade do comércio clandestino, que assume, no final do séeulo XX, a condi- «io de um dos principais ramos das atividades ileguis Por meio desse conjunto de textos ~ discutidos por ocasiio da realizagio, em junho de 2003, do Simpésio “Drogas e Alco! na Hist6- ria do Brasil”, com apoio da Fapemig, Neaspoc e Ufop ~ apresentase 0 duplo aspecto das priticas sociais decorrentes do constimo de élcool e dle drogas no passado brasileiro, que vio da cura ao crime, da alimenta fo a0 amor, da medicina a religifo, da farmacia ao folelore, da bio- politica a geopolitica. Sem ter a pretensio de esgotar o tema, a obra que o leitor tem em mios procura revelar a riqueza de fontes docu rmentais e de problematicas de pesquisa reerentes a um debate que central para o mundo contemporineo, conferindo a ele, através da historia, necessévia ¢ urgente profundidade. Transformagées do significado da palavra “droga”: das especiarias coloniais ao proibicionismo contemporaneo Henrique Cameiro Universidade de Si0 Paulo Algumas das principais riquezas buscadas no Oriente e na Améri 1 durante a época das grandes navegagdes dos séculos XVI ¢ XVI ram drogas. As especiarias das Indias orientais, como a pimenta, @ eanela e a noz moscada, assim como as das {ndias ocidentais, como 0 paurbrasil, 0 agticar ¢ 0 tabaco, foram todas denominadas drogas pe los homens do perfodo. E assim que 0 conhecido cronista das rique- zasbrasileiras, o jesuita André Joao Antonil, no inicio do século XVII, lesigna tais produtos em seu livro sobre a Cultura e opulncia do Brasil no suas drogase minas (1711). E assim também se expressa Affonso de Tiwinay a0 escrever que, nos dois primeiros séculos da cotonizacio, “weve 0 meio circulante brasileiro de ser constituido pela compra d weda portuguesa e espanhola, em troca das drogas da terra exporta las” (Taunay, 1953, p.71) ~ diferentemente do México e do Peru, onde ‘on metais preciosos cumpriram esse papel. ‘A palavra “droga” provavelmente deriva do termo holandeés droog,4 + 6% «que significava produtos secos e servia para designar, dos séculos XVI nwo XVIII, um conjunto de substincias naturais utilizadas, sobretudo, ‘uu alimentagio e na medicina, Mas 0 termo também foi usado na tin. ‘uraria ou como substincia que poderia ser consumida por mero pra tet Tal nogio continua presente no Dicciondrio da Lingua Portugueza Recopilada, de Antonio de Moraes Silva, de 1813, que define droga 12 A1cooL € p0048 NA msTOM DO BRAsit Jcomo: "Todo 0 género de especiaria aromitica; tincas, dleos, raizes lficiais de tineuraria, ¢ botica. Mercadorias ligeitas de la, ou seda” Foram as plantas exéticas, as especiarias tao prezadas, 0 estimulo para os périplos da navegagio, A existencia de diferentes drogas nas diversas regides da Terra foi a propria razio apresentada pelos ho- mens daquele tempo para impulsionar nascimento do comércio. Assi expansio do comércio holan: se expressava, por exemplo, Gaspar Barléu, um apologista da s: “Admirese nisto a sabedoria de Deus: quis que nascessem as drogas quentes nas regides torridas, ¢ as frias nas regides frigidas, sem diivida para que, trocandose os produtos necessérios aos homens, se aproximassem os powos, obrigados pela sningua comum a tornareme amigos” (Barleu, 1974, p.8) ‘As “drogas quentes” das Indias orienta, “temperadoras dos fries", eram, entre outras, “a pimenta, o macis, a noz moscada, a canela, o cravo, 0 birax, 0 benjoim, o almisca, 0 estoraque, 0 sindalo, a co- chonilha, o indigo, o bezoar,o sangue de drago,a goma-guta, 0 incenso, a mitra, as cubebas, o ruibarbo, © actica, o salitre, a gomadaca, o gengi- bore” (ibidem, p.8). O Brasil, escreve Diogo Lopes de Santiago, “ademas las drogas ordinarias, como o agicar, 0 algodtio, 6 ta-baco, o gengibre e coutras, produ ‘gomas e rates’ apropriadas & tincuraria e & medicina” (apud Mello, 1997, p.273-77). A cidade de Olinda, prevé o padre Simao «le Vasconcelos, “crescera... conhecida, aplaudida, buscada de todas as, partes do mundo por suas rcas drogas” © fato das mais caras e preciosas mercadorias da época moderna terem origem oriental motivou os esforgos portugueses para se con- tornar o sul da Africa, superando as linhas venezianas ¢ arabes do transporte cerrestre, Essa origem também se revestiu de uma série sle significados simbolicos, que atribuiam as regides mais generosa- mente banhadas pelo sol a capacidade de gerarem as substincias catlihas que a teoria humoral hipocrético-galénica identificava como Apis para reequilibrar os perturbados organismos nérdicos, Assola a “TransroRMngOes DO IOMIRCADO DA PALAWRA“oROGAT 13; «los pelos timidos invernos e carecendo dos produtos que, além de salpicarem o insipido da vida com fortes sabores e aromas, serviam como opulentas terapias para os males frios, os portugueses se lan tas e os cartazes com fetiches consumistas explorados por me séenicas publicitaias insidiosas e de propaganda sistematica como a sande compulsio hodiesna, o vieio maximo do consumo, a deper- Ugncia das mercadorias como objctos que ceeravisam as pessoas ‘Na pocn contemporinea, a imagem passol a ser 0 sustentéculo principal de tim capitalismo pésmoderno, baseado em uma “econo inin simhailica”, em que a fetichizagéo geral da cultura anunciada pelo fildnotiw da escola de Frankfurt tornouse geral ¢ completa com a ine aliatrlallangao co enteetenimento e do lazer,a padronizagio da alimenr pooetatinas: enfowe & partir cn Linen, TRARSFORMAQOES DO SIONIICADO IA ALARA "DROGA™ 23 tagio e a importincia erescente da propaganda (a “era do marketing”), ‘o nome da marca tornando-se mais significative do que o proprio pro- duto (Fontenelle, 2002), As psicoterapias tendem a enfocar a questio da droga a partir d prisma exclusivo de sua clinica, ou seja, de gente que busca auxilio, de quadros toxicémanos de dependéncia mérbida ou patolégica de um habito, muitas vezes sem perceber que tal diagnéstico abrange um si tema cultural, o da légica do capitalismo tardio, marcado pela irra cionalidade sistemica do mercado ¢ pela sua representagio fetichizadal como ideal de consumo compulsivo de mercadorias. Usos nanocivos das drogas como técnicas vitais ou tecnologias corporais poucas veze so consideradas como tipicos. A recorréncia histérica dos diversos usos de drogas como um curso diante da depressio, um remédio para a angtstia, um consold para a dor de existit, um veiculo extitico, um lubrificante social of ‘uma via dionisiaca de vazio do instinto, da paixio e da festa liica ressalta um outro aspecto epistemolégico fundamental: a importin cia da experiéncia da consciéncia alterada quimicamente para a con! tituigdo da psicologia como ciéncia no século XIX, sobretudo no auxil do questionamento da relagdo entre a consciéncia de si e a consciés cia do mundo, ou seja, na formacio de uma expe in ede uma te ria da subjetividade, em cuja origem encontramse todos os dilem: da crise do sueito, cuja consciéncia de si foi denunciada como ilusic ‘A relacio da nosio da autonomia critica do sujeito com o direito a experigncias de alteragio voluntiria da consciéncia por meio de psc firmacos é 0 tema de fundo que perpassa todo o debate sobre cons mo de drogas, regulamentagées, proibicionismo, dependéncia ete. Os dois polos extremos de todo consumo humano sio os mesmos que foram designados de bulimia e anorexia em relaglo & alimenta ‘slo, mas que sio, antes de tudo, modelos de estruturas de compor ; Cope cits ‘etteure o-enceeee Ge wotarag> 6 Bras. ToS 4 Micoor s pnocas NA ISTO, “Transronnacoes 00 SiNFICADO 4 maLAvR “ORCA! CARNEIRO, Henrique S. Amores esonhos da flora. Afrodisiacos alucinoge- So Paulo: Xama, 2002 nos na botinica e na farmacia. S Files, merinhas ¢ wiacas, as dogas no mundo moderne, Sto Paulo: A questo que permanece subjacente ¢ qual 0 padrao de julge ento € a quem cabe julgar os limites eas fronteiras subjetivas de cla um, As fronteiras das autonomias, das liberdades e dos direitos CCHAST, Frangois. Hiaitecontemponne dee medicament, Pars: La Découverte, 1995. DAGOGNET, Francois. La saison et ls vemédes. Paris: PUR, 1984, ee raaicee EDWARDS, Griffith; LADER, Maleolm, (Col) A natwresa da dependéncia de droga. 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