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Segregação, violência e errância1

Heloisa Caldas

Em seu texto sobre “Racismo e extimidade”, Jacques-Alain Miller faz duas


considerações que servem de orientação para este texto. Na primeira, afirma que “a
segregação é justamente o que está em questão sob o nome um pouco batido de
racismo”; na segunda, admite “a validade do termo sexismo, que está construído
sobre o termo ‘racismo’”, acrescentando que “homem e mulher são duas raças” não
no sentido físico mas como efeitos de discurso.
A partir dessas duas considerações, podemos destacar que a diferença, base de
toda e qualquer segregação, encontra suas raízes na diferença sexual com seus efeitos
de instauração de um campo de gozo que divide cada sujeito. Levando também em
conta que a diferença sexual, pensada e desenvolvida por Lacan como sexuação,
distingue duas modalidades de gozo. Ela não coincide com os nomes ‘homem’ e
‘mulher’ que funcionam há séculos como semblantes da tradição social para encaixar,
à força, nos sujeitos uma adesão a dada modalidade de gozo em detrimento da outra.
Ajustar-se a esses nomes dá testemunho da violência da linguagem sobre os corpos
falantes: dizer que ‘homem não chora’ e ‘mulher deve ser bela, recatada e do lar’ não
são elogios, mas mordaças.
De toda forma, estes e tantos outros atributos consolidam identidade adotadas
pela instância do eu cuja pretensão de sintetizar a divisão do sujeito quanto ao gozo
promove uma segregação original calando o sexo no que se atesta na raiz etimológica
do termo: secção, corte, partilha. Assumir uma identidade social é, portanto, velar a
divisão entre dois modos de gozo que cada ser falante enfrenta ao dar conta do que
acontece em seu próprio corpo, resultado de uma diferença necessária e fundamental
para a constituição do corpo próprio, pelo sulco de uma via que, uma vez adotada
como protocolo de gozo, coloniza uma parte como gozo fálico, manejável pelo
significante, mas deixa outra parte opaca, alheia e indecidível. Evitar que este Outro
gozo se intrometa na lógica fálica exige a força constante de sustentar a diferença no
que ela preserva o campo de um saber, em especial, diante de qualquer alteridade que
aponte modos estranhos de gozo e por isso ameace o primado do gozo fálico. Assim


1
Publicado em Errâncias, adolescências e outras estações. Caldas, H. (org.). Belo-Horizonte: editor da
EBP, 2016.
as modalidades de gozo derivadas da sexuação não se reduzem à esfera do corpo
próprio, mas se transmitem para o corpo social numa política que implica o desejo e o
gozo. Como Miller nos explica, dos modos de gozo que divide cada um em dois, algo
se institui e pode ser tomado por um grupo como seu modo compartilhado de gozo.
Outra parte resta inassimilável à identificação.
Esse resto inassimilável tem diversas funções. Dentre elas, podemos destacar
sua presença no regime da demanda ou no do desejo. Na demanda, a diferença é
pouco tolerada. As três paixões que Lacan trabalha em seu primeiro ensino2, como
paixões do ser, ou do Outro, em função de que o ser advém do Outro como
linguagem. São elas a paixão do amor, do ódio e da ignorância que se associa as duas
primeiras. As três visam um mesmo objetivo: elidir a diferença. O amor busca
dissolve-la pela fusão de dois em um; o ódio a toma como erro e busca apagá-la; e o
recalque a toma como um engano quanto a diferença. Cada uma delas diz respeito a
um mecanismo psíquico freudiano: amor é condensação; ódio é negação e no engano
temos o recalque.3
As formas de segregação, no que recusam a diferença, são atravessadas pelas
paixões e pelo gozo no que este conjuga o dualismo pulsional de Freud.4 E, nessa
direção, a segregação se imbrica com a violência: tanto a violência original que traça
a diferença sexual e marca o advento do sujeito a partir do gozo do qual seu corpo foi
objeto, como a violência que disso reaparecerá como revolta contra qualquer outro
gozo diverso daquele originalmente instituído.
Vemos que para cada sujeito encontramos um drama homólogo ao do Estado
de direito criado a partir de uma violência e sustentado também pela violência que o
defende daquelas alheias ao seu domínio, ameaçadoras, portanto. Tanto para o sujeito
singular como para as massas, a violência parece derivar da diferença e se garantir por
uma política de segregação.
No entanto, se no âmbito das paixões a demanda do mesmo predomina, no
âmbito do desejo a diferença ganha valor. O desejo é essencialmente caracterizado


2
Lacan, sem. 1.
3
Marcus André etc…
4
idem.
como desejo de outra coisa, do inesperado, do que escapa ao mesmo, foge às
exigências imperativas.
A adolescência é, em relação a essa questão, um tempo crítico em que o jovem
deixa a esfera infantil de uma sexualidade sonhada para experimentá-la em ato no
laço social. Depara-se então com muitas manifestações de alteridade: o outro corpo
que as mutações da puberdade lhe impõe; o Outro da cultura mais ampla que a
familiar, campo no qual ele precisa conquistar autorização para sua vida adulta; o
encontro sexual com o corpo de outra pessoa. Todas essas alteridades são altamente
mobilizadoras da vivida no próprio corpo, desde a infância, pela entrada forçada na
linguagem, cuja violência segregativa promoveu o paradoxo que podemos resumir por
‘o que se odeia no próximo faz parte de si mesmo’.
Nada é simples, portanto, para o jovem com relação a diferença sexual a partir
da qual começará a performance de sua vida sexual, desejante e/ou apaixonada. Como
Jacques-Alain Miller destaca, não se trata de navegar pelos artifícios significantes,
como se faz atualmente nas redes, preservando os corpos do calor das conversas, mas
de suportar semblantes cujo avesso é o real do corpo, o gozo em si. Avesso tomado
aqui no sentido que se aplica ao tecido, impossível de separar um lado do outro.5
Prosseguindo na tentativa de distinguir as função da diferença como causa de
desejo da diferença rechaçada pela segregação, gostaria de comentar algo do que
aprendi com o escritor sul-africano, J. M. Coetzee6, sobre a história do apartheid.
Familiarizado com seu país, sem perder o devido estranhamento que faz dele
um grande escritor, Coetzee trata, em quase todos os seus livros, de diferentes formas
de segregação. Em Infância, recentemente lançado e considerado como ficção
autobiográfica, ele testemunha como a questão do preconceito lhe foi despertada
desde muito cedo. Não por acaso ela é tão presente em sua obra. Em Vida e época de
Michael K, um jovem negro e pobre, nascido com o lábio leporino – primeira e
perturbadora marca de estranheza –, perambula pelas estradas a carregar, em um
carrinho de mão, sua velha mãe que decidiu voltar a sua cidade natal para morrer lá.
Michael está a serviço apenas desse desejo materno. Só isso guia sua errância pela
hostil terra sul-africana na qual ele se esmera em se apagar para evitar a violência a
que gente como ele era submetida. Em Desonra, o autor com enorme habilidade

5
Texto sobre adolescência.
6
Cotzee, J. M. (2008) Diário de um ano ruim. São Paulo: Cia das Letras, pp.118-121.
apresenta a torção que significou a passagem do direito à propriedade quando
colonizador legislava para quando os negros recuperaram autoridade política. Ainda
que causando o desgosto de seu pai, uma jovem mulher branca se cala quanto ao
estupro que sofreu atacada por vizinhos e que lhe engravida. Complica-se um pouco
as coisas porque ela tinha uma relação homossexual, mas sua parceria a abandona. O
homossexualismo é muito pouco tolerado em muitos países africanos. A personagem
questiona então se deve dar luz àquela criança e busca dar aos fatos versões que lhe
permitam continuar a viver ali, legitimar seu direito à sua propriedade, em meio a
outros proprietários negros, atravessados pelo ódio a retaliar após séculos de
colonização hostil. Cheio de paradoxos e conflitos nos quais até o ‘politicamente
correto’ das políticas que protegem as minorias é posto em xeque, o romance ensina
muito sobre segregação, mas também sobre invenções que permitem uma tolerância.
Mesmo quando a questão da raça não é tão evidente, Coetzee aponta à errância e o fio
de desejo que pode guia-la por caminhos inusitados como em Homem lento no qual a
vida do sujeito com seu corpo precisa recomeçar, praticamente do zero, após um
acidente quando, dirigindo uma bicicleta, foi atropelado por um carro e teve uma
perna amputada.
O fragmento da obra de Coetzee que escolhi para comentar mais aqui, por
conta do tema da adolescência, é um pequeno histórico sobre o reide7, prática de
jovens que muito estranhamento causava no branco colonizador e que, visando sua
extinção, deu origem, na África do Sul, à política do apartheid. Parece que
encontramos na história do reide, a constituição humana do desejo e como ela pode
ser transformada em segregação devido a resposta violenta que o Estado colonizador
deu à questão.
O autor nos explica que, na África do Sul dos primeiros tempos coloniais,
como o corpus de legislação era ainda incipiente, o reide era uma prática que nem
poderia ser considerada crime ou desrespeito à lei. Estava mais ao lado do esporte do
que da guerra. Tratava-se de uma atividade cultural semelhante às batalhas
sublimadas das cidades medievais da Europa, nas quais os jovens de uma cidade


7
Incursão rápida executada em território inimigo por uma tropa. Michaellis. Dicionário de português
online. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=reide. Acessado em: 09/06/2016.
tentavam tomar à força algo valioso pertencente aos de outra cidade. Um exercício
que Coetzee atribui à origem dos jogos de bola.
A antropologia traz muitos exemplos nos quais a violência se apresenta na
passagem pela adolescência seja pela escolha dos próprio jovens, seja nos rituais de
iniciação a que são submetidos pela cultura. No primeiro caso, os jovens se revoltam
de forma violenta contra a violência que a cultura exerce sobre eles, buscando se
separar dela. No segundo caso, os rituais de iniciação de muitos povos que marcam a
transição da vida infantil para a adulta envolvem manifestações violentas de controle
da impetuosidade do jovem que poderiam abalar a ordem social8. Os rituais teriam
assim a função de submeter o jovem às autoridades forçando-o a buscar legitimar
seus desejos segundo as possibilidades dadas pela cultura, em especial porque nela o
jovem terá que se deparar com a dissimetria das relações, sejam elas de poder ou
sexuais, aspectos que, aliás, se confundem bastante, justificando equivalência entre
sexismo e racismo não só no que lhes causa, como em suas consequências nefastas
que se manifestam na distribuição desigual de direitos, poder e liberdade. Como
ressalta Laurent, na perspectiva de Lacan, sejam quais forem os objetos do racismo,
uma vez que estes podem mudar, “sempre jaz, numa comunidade humana, a rejeição
de um gozo inassimilável, domínio de uma barbárie possível”9.
O reide parecia expressar a revolta desejante dos jovens, desde os tempos
tribais, que persistia diante do colonizador. Na busca de seus desejos, os rapazes em
bando investiam nas áreas onde predominavam os brancos. Para eles o reide era um
negócio, uma ocupação, uma recreação ou esporte: ver o que conseguiam pegar e
levar, de preferência sem luta, esquivando-se dos defensores profissionais da
propriedade, como a polícia. Para conter os reides, durante muito tempo e sem grande
sucesso, tentou-se legislar julgando-os como crime, perseguindo e punindo quem
deles participava. Dois aspectos chamam atenção como ilusões articuladas: a de que o
gozo era algo a furtar do Outro. E isso se justificaria pela outra ilusão: a de que o
Outro lhe furta um gozo. Ou seja, maneiras de expressar no reide a extimidade que a
diferença estabelece no campo do gozo pela sexuação ao se traçar o limite que
circunscreve e restringe o gozo. O tratamento de limite usado por Lacan tem o rigor
matemático desta noção. No entanto, na prática com os falantes o limite do gozo

8
Clastres…
9
Laurent
ganha tintas ficcionais que explicam para cada sujeito sua frustração com o gozo fora
de medida. Dentre essas fantasias é comum a de que a perda do gozo se deve ao
Outro que o detém; consequentemente, cabendo recuperar o gozo perdido, é preciso
toma-lo do Outro. Disso advém o aspecto de estrangeiro na terra do Outro inerente à
condição do sujeito pelo que é do Outro que ele próprio se extrai.
O adolescente transportando sua estranheza do espaço familiar para o mundo,
atesta agudamente esse caráter de imigrante. Para qualquer sujeito o país natal é
estrangeiro e qualquer identificação uma adoção precária. O apartheid, propriamente
dito, nasceu com a surgimento das cidades modernas e seu excesso resultou em
segregação, como resposta violenta ao que no outro diz de si mesmo. Assim há no
apartheid o engano inerente ao recalque e o ódio da negação uma vez que foram eles,
a rigor, os expropriadores da terra no continente africano; os estrangeiros sob a capa
benevolente da colonização. Recusar os reides dos jovens negros, acusa-los de
ladrões, implicou em recusar sua própria mensagem, invertida do campo do Outro,
apagando pela paixão do ódio o estranho gozo de arrebatar. O exemplo deixa mais
uma vez claro o caráter êxtimo da violência tanto no ato de sua instauração como nas
modalidades de sua defesa.
Com a constituição de espaços urbanos, aos moldes da cultura dominadora,
foram necessárias legislações mais eficientes para zelar contra a ameaça aos cidadãos
e seus bens no espaço urbano. Assim, em 1948, votou-se uma medida legal de caráter
preventivo: separar e estabelecer fronteiras policiadas entre áreas de negros e brancos.
O critério simbólico que definia o reide foi ampliado e enrijecido: passou-se a
considerar como reide toda e qualquer simples ultrapassagem, não autorizada, dessas
fronteiras. Com isso tentava-se prevenir a ameaça de um suposto reide no espaço em
que os brancos viviam. Ao lado dessa separação entre negros e brancos, tentaram
também discriminar os negros entre si, determinando suas moradias em ruas
diferentes de sua área, segundo a língua e a tribo originária. Discriminação que até
então os negros não haviam elegido, pelo menos nessa forma geográfica. Já lhes
bastavam outros inúmeros critérios diferenciais, como as línguas, vestuários,
costumes, etc., que não lhes impediam de conviver e transitar pelos mesmos espaços.
A ideia de separar o espaço físico veio do colonizador.
Encontramos os vestígios dessa discriminação no bairro de Soweto restrito aos
negros, nos arredores de Johanesburgo. Em Windhoek – capital da Namíbia, país que
esteve, desde o final da segunda guerra até 1990, submetido ao governo sul-africano
e, portanto, também ao regime de apartheid – ainda se vê na frente de várias casas, no
bairro negro da Catutura, letras indicando onde deviam morar negros das tribos
Ovambos ou Hereros, entre outras da região. Letras definida pelos colonizadores
brancos numa tentativa exagerada de legislar sobre as diferenças entre os negros,
como se eles próprios não pudessem, com suas culturas, dar conta disso.
O que se pode aprender dessa lição de Coetzee, à luz da psicanálise, é que o
reide nascia do desejo por algo valioso que pertence ao campo do Outro. Ora é
preciso algo do simbólico, senão o desejo sequer existiria, uma vez que a diferença é
sua origem. Qualquer diversidade serve para sustentar a suposição de algum bem no
Outro; sonhar que dele também se possa gozar; ousar alegremente que, com
habilidade e destreza, se tente furtar do Outro o gozo que se acredita que ele detenha.
Mas o mesmo não acontece quando a rede simbólica torna-se uma muralha
compacta. Se, antes que haja perigo efetivo, já se levanta uma parede obsessiva de
interdições, impede-se qualquer forma e imagem – humana, bem entendido – que faça
contorno à competição e à agressividade. Não se tolera o que resta da operação que
discrimina um gozo opaco em favor de um gozo protocolar. Esse resto que Lacan
aponta como o objeto a e que, em situações de intolerância máxima, não encontra
nenhum semblante cultural que lhe permita ocupar algum espaço a não ser o de lixo.
Ao contrário do que se espera, a dita ‘prevenção’ da qual o apartheid é um
exemplo clássico de como na modernidade se produz mais violência. Em vez de
minimizar a retaliação, a torna ainda mais acirrada. Foi preciso uma resistência
pacificadora excepcional como a promovida por Mandela, semelhante a de Gandhi na
Índia, e por que não, a de Lacan no paredão da IPA, para que o poder absoluto do
simbólico que sustentava os grupos dominadores se movesse de forma criativa. Mas
até hoje a violência do apartheid tem seus efeitos na África meridional.
Atualmente a questão deixa de ser a do colonizador europeu em outras terras a
conquistar e passa a ser como fazer para que os colonizados fiquem na sua terra e não
recorram as vantagens europeias alcançadas, em parte, por séculos de exploração das
antigas colônias. A violência portanto não arrefece. Muda-se a geografia de seu
traçado mas a qualidade topológica de extimidade se mantém garantindo uma
segregação plural, fragmentada em inúmeros grupos, nem por isso menos nociva.
Cada vez se cria mais leis que tentam impedi-la e se enrijecem os ideais de
prevenção, classificação, controle. As cifras quantitativas recheiam as estatísticas sem
que se saiba como tratar a qualidade do que acontece. O discurso pesa, o simbólico
fracassa e morre o desejo. A diferença deixa de portar a promessa do novo, para se
tornar perigosa, muitos sujeitos se aferram às paixões que pretendem destruí-la.
E o sexismo ressurge com renovada força e intensidade. Como o ser falante
não tem respostas ao enigma do sexo e época exige saber imediato, pertencer a uma
categoria de identidade sexual torna-se cada vez mais crucial, um dos imperativos do
tempo em que é preciso ser logo bem-sucedido. No entanto já alcançamos
manifestações de seu oposto e alguns começam a recusar qualquer identificação
sexual.
Trata-se de uma errância que podemos traçar em um breve histórico.
Tradicionalmente os significantes homem e mulher serviam para acolher a divisão em
dois modos de gozo e promoviam o sexismo. Havia muito pouco lugar para a
errância. Depois as concepções de gênero se desenvolveram quando se começou
verificar que entre a anatomia e a sustentação de uma posição sexual muitos aspectos
culturais intervinham. O gênero, nascido a princípio sob o domínio da diferença
anatômica, acabou se libertando da anatomia e construindo diferenças produzidas por
um jogo de forças quase que contrário à herança biológica. Entendido cada vez mais
como uma construção discursiva, encontramos atualmente, na base dos movimentos
de transgêneros, ou melhor, transexuais, o domínio das semblantizações idealizadas
que se valem das intervenções cirúrgicas ou químicas sobre o corpo e a força do
discurso que as justifiquem. As teorias queer, por sua vez, destacam a singularidade
absoluta dos arranjos de cada um com o sexo buscando acolher na forma de um leque
infinito tudo o que a rede significante alcançar produzir de nomes para o sexo.
Diante da explosão de tantas possibilidades significantes para a identificação
sexual os sujeitos contemporâneos, em especial os adolescentes, erram em meio a
elas, mas não suportam a solidão da diferença solitária. Eles querem encontrar
semelhantes, eles buscam parcerias para o mesmo. Não é de estranhar que um grande
número de adolescentes cheguem, então, a recusar tudo o que a cultura oferece para
lhes definir quanto à identidade sexual sem deixar, no entanto, de procurar irmãos na
mesma sintonia. Acabam agrupando-se e se nomeando através da negação como
‘assexuais’ declarando inclusive que querem amar, embora recusem o desejo sexual.
Ou seja, o sexismo chegou ao ponto de segregar o sexo propriamente dito.
O que podem nos ensinar essas posições tão radicalmente opostas? Por um
lado a adoção fanática de uma identidade sexual, por outro a recusa de qualquer
diferença sexual e, inclusive, de sua prática.
Talvez uma resposta seja a lição de Lacan sobre a errância: a confiança
totalitária no significante equivale à lei de ferro e empurra à segregação; mas seu
contrário, a total desconfiança também pode ser problemática, pois o ceticismo não
propicia o desejo. Lacan nos ensina que a diferença no corpo promove um real que
não se pode dizer, mas que pode orientar. Segundo ele, ‘os não tolos erram’. Ou seja,
perder totalmente a confiança na diferença estabelecida pela tolice significante cujo
avesso é o real do gozo implica em perder o rumo do desejo e a dimensão do gozo.
Alguma confiança, por mais tola que seja, ainda é a melhor forma de acolher o real do
sexo. Ela precisa, no entanto, ser estabelecida em caráter de divisão e suportada pelo
sujeito em seu caráter de extimidade para que haja tolerância não só com relação a sua
própria tolice mas também para com a dos outros.

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