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Referência: Silva, M. R. da.

Desejo e culpa em Amor de Perdição, de Camilo


Castelo Branco. Letras De Hoje, Porto Alegre, v. 31 n. 1, p. 45-57, março 1996.
Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/15581.

➔ Lembrar que o contexto do Romantismo era de ruptura com os padrões


racionais, sóbrios e contidos do temperamento clássico, assim idealizando a
realidade para se distanciar do mundo real opressor que não realizava as
promessas de liberdade, igualdade e fraternidade que adornavam as
transformações baseadas nos princípios liberais
➔ Autor defende a ideia de uma denúncia velada (e até inconsciente) de uma
atmosfera política conturbada, de conflitos, por conta de um sentimento de
depatriamento e solidão experimentada por aquela geração, que, como dito
anteriormente, tinha essa tendência de escapismo por meio da literatura
(terra de sonhos, natureza, anseio de irresponsabilidade etc)
➔ Isso, pelo menos ao vermos o contexto histórico em que autor estava
inserido, se deve à indefinição política de Portugal posterior à Revolução
Francesa, pois os valores aristocráticos da época entravam em um
persistente conflito com os ideais liberais
➔ Por isso, em Amor de Perdição, Camilo aborda de forma muito sutil temas
como: a sociedade patriarcal, a corrupção aceita e defendida pelos
instrumentos de repressão dessa sociedade, e ilustra com a dramaticidade
romântica os conflitos de repressão social e cultural
➔ Para Silva, os protagonistas da história estão em busca de uma
essencialidade verdadeira, vista por eles apenas como uma realização
amorosa
➔ Em seguida, o autor entra no conceito de culpa proposto por Todorov: a culpa
como uma censura que coíbe os excessos. A culpa, para ele, é algo
intrínseco à sociedade, é a proibição dos desejos de seus integrantes
➔ Assim, os personagens Simão e Teresa representam esse desejo
desenfreado, um amor sem culpa - e são punidos por isso. Como um vício,
levou à morte, à “perdição”
➔ Nesse sentido, na obra, a Igreja tem um importante papel simbólico, ao
repreender os desejos e despertar a culpa, porém de forma extremamente
hipócrita. Na obra de Camilo, o clero não é um portador de virtudes máximas,
mas sim uma instituição contaminada também por inúmeros vícios, mas
ainda sim é colocada pela sociedade em posição de influência incontestável
na normatização da cultura (corrupção da sociedade refletida no clero)
➔ Os pais dos protagonistas, na leitura de Silva, são símbolos da estrutura
patriarcal e repressora, ao distribuírem punições, sem qualquer objetivo
senão a punição em si, e deliberarem sobre o destino de todos os integrantes
de suas famílias. Raramente, ou nunca, por afeição paternal, mas em nome
da família e de seus sobrenomes
➔ E, em contraponto, os protagonistas, ao receberem a oportunidade de um
abrandamento de sua punição ao admitirem seus “crimes” e se arrependerem
(como uma mostra da “grande benevolência” de seus pais, que ali
representam a sociedade da culpa mencionada anteriormente,
vangloriando-se de sua bondade), se recusam. Nas palavras de Silva, “Não
podem mostrar arrependimento, porque não encontram culpa nos seus atos.
Inadaptados ao padrão “funcional” dos papéis, não encontram vida em uma
sociedade que não valoriza o amor.”
➔ O autor também traz uma importante reflexão a respeito da morte de um dos
personagens, Baltazar, primo de Teresa que em um certo momento da trama
vira o “rival” amoroso de Simão (apesar de Teresa não ter sentimentos por
ele). De acordo com Silva, o protagonista não o mata por raiva, ou por não
sentir culpa de amar Teresa, mas sim porque Baltazar representa uma
sociedade que proíbe, que censura seu amor
➔ Em relação a Mariana, o autor defende que o motivo de sua não agressão
em relação àquela que representava um obstáculo para seu amor (Teresa), é
que ela, assim como o casal de protagonistas, era também vítima dessa
sociedade patriarcal, dessa opressão pela culpa em relação aos seus
desejos. Teresa, por não poder ter seu amor conforme decisões dos
patriarcas, e Mariana por não poder se relacionar com integrantes de classes
sociais diferentes (Simão). No fim, os três não queriam viver num mundo
assim, em que o amor que sentiam era estranho às ações e sentimentos
daquela sociedade, e fizeram de sua pena a condenação de toda uma cultura

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