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AMOR DE PERDIÇÃO

A obra como crónica da mudança social


Como o próprio título indica, o enredo de Amor de Perdição centra-se numa
história amorosa que tem um final trágico. No entanto, o fascínio pela novela de
Camilo Castelo Branco excede largamente o motivo da relação passional entre Simão
Botelho e Teresa Albuquerque e os sentimentos fortes que Mariana nutre pelo
protagonista. Um dos interesses da narrativa está na forma como representa os
valores e os comportamentos sociais dos grupos da época da ação da novela. Nela
constatamos os malefícios de uma sociedade injusta e repressiva que se espelha e
perpetua na família. O autoritarismo paterno, os casamentos de conveniência, o
estatuto social vs. amor, a situação de inferioridade da mulher, são alguns dos aspetos
fundamentais da sátira e da crítica de costumes em que se vai concretizando a crónica
da mudança social na obra.

Domingos Botelho e Tadeu de Albuquerque são os patriarcas de duas famílias


que se odeiam. Os valores retrógrados que defendem são os mesmos: a honra, o bom
nome e a dignidade. E são tão importantes que um e outro os colocam acima da
liberdade e da felicidade dos seus filhos, opondo-se ferozmente ao seu amor desde o
primeiro momento.

Simão e Teresa, no entanto, deixam-se conduzir por uma nova ordem de


valores segundo a qual a liberdade, e em especial a “liberdade do coração” é tudo. A
sua atitude é, por isso, de desafio permanente até ao fim contra uma sociedade
opressora da liberdade da mulher e dos sentimentos. Também a opção do
protagonista pelo degredo em detrimento da prisão é um grito de liberdade. Assim,
Simão e Teresa representam a mudança social, assumem uma forma diferente de
estar no mundo, na medida em que não aceitam submeter-se a nenhum tipo de
ordem, seja ela proveniente da autoridade paterna, do convento ou da Justiça.

A rebeldia de Simão dirige-se à sociedade, porque esta, por intermédio de


instituições como a Família (pais), a Igreja (as freiras), a Justiça (o meirinho-geral, o juiz
de fora, o corregedor, o desembargador), o impede de viver o seu amor. Simão, ao
afirmar-se como herói romântico, personifica os novos ideais de liberdade, justiça e
cidadania associados à Revolução Francesa.
Também Teresa assume uma atitude de desafio à autoridade paterna (recusa
casar com Baltasar, recusa ser freira, recusa esquecer Simão). A sua passagem pelo
convento de Viseu permite-lhe constatar que este é um lugar de vício, hipocrisia e
mentira.
Vemos, assim, como Simão e Teresa lutam contra o mundo, um “mundo
antigo” governado por homens que só sabem atuar sob o signo da violência e das
influências.

Temos, portanto, dois sistemas de valores, ideias e entendimentos do mundo


em confronto: de um lado, as noções de honra, de privilégio das classes sociais
dominantes, de autoridade familiar e de (falsa) virtude cristã, associados aos valores
do Antigo Regime (Absolutismo) mais preocupados com os aspectos materiais do que
com a dimensão humana; e, de outro lado, os valores da liberdade, igualdade, justiça
social, que o Liberalismo e o Romantismo vêm reivindicar.

Os temas nucleares de Amor de Perdição acabam por tratar a mudança de


valores e de comportamentos sociais que a novela representa e o embate entre a
mentalidade retrógrada de uma época que termina (o Antigo Regime) e os ideais do
Liberalismo (a que o Romantismo está associado) que estão a despontar. Estas
questões estão no cerne da crítica social que a novela empreende.

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