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Franci o d O liveir

BRASIL: UMA BIOGRAFIA


NÃO AUTORIZADA

Apresentação
Fabio Mascaro Querido e Ruy Braga

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JE IT IN H O E JEITÃO

No rb ert Elias se destaca entre os


modernos clássicos das ciências
por não recusar a investigaçã sociais
o sobre o caráter das sociedad
ele faz, br ilh an tem en te, em seu es. É o que
derradeiro livro, Os alemães, pu
em 19 89 , um an o an tes de mo blicado
rrer, já nonagenário. Ali ele se
diretamente e se m rodeios, o pergunta ,
qu e fez co m que a Alemanha
coração das grandes tragédias estivesse no
modernas: a Primeira, a Segund
Mundial e o Ho loc au sto . a Guerra
Elias tin ha co nd içõ es subjetiv
as para tanto: viveu um a expe
dolorosa co mo so lda do na Pr riência
imeira Gu err a Mundial; judeu
exilar da Al em an ha du ra nt e o , teve de se
nazismo; sua mãe foi trucidada
witz. Ti nh a tam bé m credenc em Ausch-
iais intelectuais para tentar ex
a nação qu e sin tet izo u a Er a da plicar como
s Luzes, pátria de Kant, Hegel
desenvolveu a in dú str ia do ex e Goethe,
termínio: es tud ou medicina e
doutorou-se em filosofia e foi psicanálise,
professor de sociologia na Ing
Para ele, o de se nv olv im en to laterra.
tar dio do capitalismo na Alem
ausência de um a revolução bu anha, ª
rg ue sa no país, a unificação na
tacão mi lit ar de Bi sm arc k, o cional sob 0
cu lto à organização, do qual O
militarismo
e' O emblem a mais · os ten siv
· o - tud o ·
isso cn·ou um caráter alemão. Esse
caráter dis tin gu e a so cie da de
ge rm ân ica de todas as outras,
até mesmo

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L'S fr,r,c-im >dr Olivci~J
Bra, il: uma biogi.f, •
-
i.i n~o ~U tori,..ld) J39

. p El"·ls não são apenas circunstâncias históric


d1s europeias. ara t. , . I , . as que milícias, romance de Manuel Antôn' d AJ .
·
ex ilicam o surguncn
. to de Adolf Hitler. sso e uma meia verdad
. . e. As Janeiro em meados do século XIX. Ai d
'º e me,dª que se passa no Rio d
1 • que engendraram a besttahdade fascista talv _ e_• n a que se apro . d . e
ideias monom:rn1acas • . , . , - ez nao do jeitinho, ra.itou ao ensaio, a meu v xime ec1didamenrc
er, um pouco d .
.
tt\"essem aco lili•J a sem a existenc1a previa do carater alemao, nos ter111os q ue correspondesse à ginga do maland . e irreverência para
rocanoca Cand"d .
defi ni•dos por Norbert Elias. l . d 0 brasileiro pobre que aborda as figuras l· 1 0
respeita tamo
. • tas sociais costumam recuar ante ta ttpo e análise • ,-..
O s c1enns 1e111 , . P I popu ares com um . .
q uase misuca. ara e e, nossa sociedade é r· b a reverencia
receio de ser julgados preconceituosos. E, talvez, de se ver excluídos da ,. ' ao o scenamenre d . al
qualquer crmca as classes dominadas não d esigu que
interlocução com a ciência social alemã, uma das mais brilhantes fontes .
um - d os ncos. passa e preconceito - mais
do ensamento filosófico-social em todos os tempos.
Outros autores, como Roberto DaMatta - d"
P por um caminho "norbemano
É . " que preten do mvesttgar
· · O caráter ' . , .. . ' vao tretarnenre à proble-
mauca do carater nacional. Foi o que ele fe-z em C .
brasileiro. Penso que o peculiar modo nacional de livrar-se de problemas, arnavars, malandros e
heróis. Não é pela vertente de DaMatta contudo que d h
ou de falsificá-los, constitui o famoso jeitinho brasileiro. . . ' , precen o c egar lá.
Busco desenvolver uma investida mais nitidamente m ·al·
Os clássicos do pensamento social brasileiro têm dificuldade em lidar aren ISta, mesmo
sabendo que o abandono da investigação antropológica · .
com a questão do caráter nacional, que amalgama o subjetivo e o objeti- possa tmp 1tear
empobrecimento da análise.
vo. Salvo, evidentemente, Gilberto Freyre. Mas o autor de Casa-grande Eis a tese: o jeitinho é um atributo das classes dominantes brasileiras
&senz.aúz mascarou sua investigação com a nostalgia de um tempo que transmitido às classes dominadas.
nunca existiu e com o enaltecimento da suposta - e ilusória - capacidade Segundo Marx e Engels, em A ideologia alemã*, as ideias e os hábitos
da metrópole lusitana de se adaptar aos trópicos coloniais. das classes dominantes se transformam em hegemonia e caráter nacional.
Por isso, ele enxergou no Nordeste açucareiro a primeira região im- No Brasil, a classe dominante burlou de maneira permanente e recorrente
portante na formação do Brasil - que o historiador Evaldo Cabral de as leis em vigor, sacadas a fórceps de outros quadros históricos. O drible
Mello definiu como "açucarocrata", uma dominação "doce". O sociólogo constante nas soluções formais propicia a arrancada rumo à informali-
deApipucos construiu uma hipótese que serve de justificativa ideológica dade generalizada. E se transforma, ao longo da perpétua formação e
para a sociedade decorrente da escravidão. Sua interpretação é, ela própria, deformação nacionais, em predicado dos dominados.
uma das vertentes do jeitinho brasileiro. Essa situação, que é social, configura-se no malandro, especialista no
Sérgio Buarque de Holanda enfrentou melhor a questão. Seu "homem logro e na trapaça. O malandro, com sua modernidade truncada, foi pri-
cordial" - para quem as relações pessoais e de afeto (para o bem ou para 0 meiro o carioca. E esse carioca era geralmente pobre, mas não miserável.
mal) se sobrepõem à impessoalidade da lei e à norma social - é a própria Como não poderia deixar de ser, era mulato: esgueirava-se por entre as
encarnação do jeitinho brasileiro. classes e os estratos mais abastados, no típico - e falso - congraçamento
Caio Prado Jr. não ofereceu nenhuma contribuição ao assunto. de classes herdado do escravismo. d
Embora seu marJCismo e
. . .
• • . fi . • · da
rosse cnauvo e original, ele cou pns10neiro
. h "b " d .
T m a assa quem ommava a ap 1 r"da·o para fugir ou escapar as
obJet1v1dade - mantr - , - dO . . . h a maneira de ganhar a
d . . ª que •mpe 1u gerações de marxistas, aqui e aIh ures,
· d" soluçoes formais. Bossa e a expressao Jeltln o,
e mvestigar
. o caráter das naçoes.
-
Antonio Candido no I' . "D" I'
· d ' sso c as st co moderno, tratou do tema em ia e- • . . . Nélio Schncider e Rubens Enderle, São
ttca a malandrage " d 1 Ed. bras.: trad. Luciano Cavmr Martorano,
m 'po eroso ensaio sobre Memórias de um sargento ae Paulo, Boitempo, 2007. (N. E.)

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. o li,-cir:1
1~o Fr.anCL~(\\ \.1('
Brasil: uma bi , .
oP•n• n, o • utoriuda 14 l
s ditames da norma, de conviver sem se
. se submeter ao • , . r rec0 _
vida sem · e d . lei A moderna musica popular brasileira n . entre as centenas de dialetos do país. A le b I
1 1"do como rora a . , asc1da m rança usa m . f, fi
n 1cc • m toda a razão foi chamada de bossa nova El e restrita a Goa e Macau. ais Ortc cou
Rio de Janeiro, co _ . . , La . · a roi
no . .. h. d escapar das convençoes musicais a Vicente Celesf
umJeJtm o e , . . al" E b' ino,
. . fui d rande canto lmco lt ,ano. tam em um jeitinh d
copia . sa o g b d . f. o e Voltemos ao caso carioca, lembrado a prop · · d I
incorporar as m alandragens do sam a - e ongem a ncana e escrava _ . .
da bossa nova. F01 Juscelmo Kubirschek ourro
omo a ma andragem e
I d
ao universo das elites. . , ' exemp ar o homem
cordial, quem Jogou a pa de cal nas pretensões modernas d Ri d
Janeiro: retirou-lhe a centralidade de capital e não b t d
O

o ou na a no 1ugar.
e °
Incapaz de resolver os problemas locais que i· á se aprese
Aburla das classes dominantes brasileiras às normas seria atávica? Meu . . .. ' ntavam em grau
superlauvo, deu um Jemnho e transferiu a capital para Bras,·1·
horror à burguesia (esse, sim, quase totalmente atávico) - cujo retrato 1a, nos ermos
do Planalto Central.
acabado foi a açucarocracia pernambucana, perdulária e arrogante_ ten-
Espanra-se quem anda hoje pelas ruas da cidade que amigamente
deria a confirmar que o jeitinho é um caso de mau-caratismo, um dado
ostentava sua modernidade: o Rio de Janeiro ficou a cara do Brasil. A
subjetivo. Mas prefiro a trilha aberta por Norbert Elias: a burla é uma
despeito do oba-oba em torno do renascimento carioca, basta observar
forma de adorar o capitalismo como solução incompleta na periferia do
a área ao redor do palácio do Carece, antiga residência dos presidentes
sistema. Incompleta porque o capitalismo trouxe para cá a revolução das
da República. O bairro à vista exibe mediocridade urbana, pobreza os-
forças produtivas, mas não as soluções formais da civilidade. As classes tensiva e tráfico de crack.
dominantes, então, têm de "se virar", dão um jeitinho para garantir a A fantasia da mulher carioca, linda e elegante (e que de fato disputava
coesão de um sistema uoncho e, comme ilfout, a exploração. o topo da beleza com mulheres de outras nacionalidades, com a vantagem
Sem querer atribuir tudo a nossos colonizadores, a semente do jeitinho da miscigenação), deu lugar à imagem de mulheres - e homens - que
já vicejava na irresolução que Portugal deu às questões de administração andam com sandálias surradas e se vestem pobremente. Como não per-
e governo da jovem - e enorme- colônia. Não dispondo nem de homens ceber aí sinais de uma modernidade truncada?
nem de recursos capazes da façanha de fazer a minúscula cobra engolir No caso de Juscelino e das classes dominantes, a mudança da capital
o enorme elefante, Portugal opta pela solução capenga das capitanias foi um "jeitão" de deslocar um problema: criar uma nova fronteira para
hereditárias. Na mesma época, tendo criado um novo caminho para o a expansão capitalista, catapultada pela indústria da construção civil. O
Oriente com Vasco da Gama, d. Manuel, o Venturoso, emprega até o fim jeitinho foi fazer isso por meio de candangos, trabalhadores informais,
os modestos recursos portugueses na conquista da Índia e só consegue depois abandonados à própria sorte, "sem lenço, sem documento", como
estabelecer relações comerciais em pontos isolados do sul do continente. cantaria Caetano Veloso, ele próprio, conforme a análise de Roberto
, No Brasil, as capitanias são entregues a fidalgos, alguns com recursos Sc hwarz, cultor do jeitinho uansrorma
e do em "verdade tropi·ca1" · OBrasil
mfimose
. · ·
10
ª '.11ª 1 ·
na quase sem nenhum capital. O resultado da co oniza- é assim, defende Caetano, a esquerda é que não o entende.
çao pelo meto~o das capitanias foi pífio, à exceção de duas ou três delas.
O fracasso na lnd· · d u
a meca das espe · · ·

e o mesmo porte, senão maior: Lisboa se torno
• d" cafi'e rIderava. a expansãoB eco-
N cianas onenrais, mas Portugal nunca ocupou a ln 1ª· Na segunda metade do sécu1o XIX, 0 .
em sequer conseguiu 1' ·vo .
nomica. Não só no vale do Paraíba, em ao au 0

p 1 ou mesmo no ras11:
que ª mgua portuguesa tivesse peso expressi

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B,",il UIJU biogr,f,
IJ rúo >uto riucJ.
• 14.l

. :tis imi>orr:tnte do comércio mundial S. e . O


s filhos dos negros, por sua vr:z. ' ap ren d'rarn
fé r.l a mt·rc;1dona m. - . o ro1 ·..-.a , docemente. . . quem estaria se rnprc: por
o ca e · · .. 0 pelo petróleo, nos anos 1940. Mas o iníci d clu•
dcsbanc:ido de-ss:i pos1ça o a
- • e, l • sobre: 0 lombo dos escravos.
cxpans:io do c;u, se e cu _e .
· · . . . . _ d• chsse dominante, no caso os care1eultores a P
QuJl to1o 1e1 cao ·• · - . • ar • Getulio Vargas, o estancieiro gaúcho que lid
. d fi d -c...,"ismo, em 1888? Em vez de mcorporar ex-escravos, . . . ºnh erou a Revo! . d
ur O m o cs ,d - . _ a tentou fiorm al izar o iem o para acabar co ... uçao e 1930
. e. ndo-lhes meios de cultivar a terra e se incorporar . rn o Jeiuo. Vale .i :_ b •
cid:id:u11a. 1ornece ao d
civilizar a c1asse ommante para que O prol .ad . _ uucr: uscou
lar imporraram a mão de obra europeia, transformand . d etan o extst1SSe e .
tr.l balh o rcgu . o legislação trabalh1sta avança a, mas a eJCn'.Jn,;;
São Paulo na maior cidade italiana do mundo. Malandramente, cheios de r---ocapr·ta1·1Stasegu·· dnou urna
cendo às regras e, junto com os empregos formalizad lU esobede-
bossa, contornaram os problemas do fim do escravismo e se desrespon- . e. os pela nova ll'<>Í<la ·
a avalanche do trabalh o mrormal engolfava todas as relações :'":' çao,
sabilizaram pelos ex-escravos, de novo, como cantaria Caetano, pessoas
A informalidade é a forma, o jeitinho de subsf - la soaais.
~sem lenço, sem documento". . , . • . . mm as re çóes racionais
Surria O trabalho informal-quer dizer, sem formas. O jeitão da classe e obngaconas pela mum1dade, . . - como já demonsu ou S'ergio . Buarque de
::, Holanda. Mas essa subsmmçao, assim que se aprese nu o pnmeiro . . ron-
dominante obrigou os dominados a se virarem pelo jeitinho do traba-
lho ambulante, dos camelôs que vendem churrasquinho de gato como
flíto, mostra sua ,outra. face:. a informalidade se converc • mais.
e no ngor
almoço, das empregadas domésticas a bombar de Minas e do Nordeste severo, no apelo a arbttranedade e, não raro, em exibições de crueldade.
para as novas casas burguesas dos jardins Europa, América, Paulistano. E O senhor de engenho que se deitava com sua mucama era O mesmo que
a castigava no uonco quando alguma falta, suposta ou verdadeira, lhe
cambém para os aparramentos das elegantes - e já medíocres - madames
de Copacabana, de Ipanema e do Leblon, propiciando o vexame bem ofendia a propriedade.
Diga-se logo, para não nos autocaricarurarmos com nosso eterno
brasileiro de criados negros, vestidos a rigor, servindo suco de maracujá
"complexo de vira-lata" (como disse Nelson Rodrigues), que Thomas
a dnnoiselks que se abanavam como se estivessem nos salões parisienses.
Jefferson, o grande paladino da liberdade, também estuprava suas escra-
Lá em cima, no Pernambuco açucarocrata, Gilberto Freyre podia criar,
vas. A diferença, essencial para distinguir o jeitinho de ourras práticas
então, nossa versão de ... E o vento l.evou. Casa-grande & senuzla é a mais
de dominação, é que Jefferson deu seu nome a sua descendência negra,
formidável denúnáa do esrupro como formador da nacionalidade, mas
coisa que nenhum de nossos senhores de engenho chegou a fazer.
visto de um ângulo nostálgico. Ainda não era o tempo das madames e
Em Pernambuco mesmo, as fábricas de Paulista, que chegaramª ser
dnnoise!ks, mas o dos sinhôs, das sinhás e sinhazinhas.
0 maior complexo industrial têxtil da América Latina, eram propriedade
O mais clássico dos clássicos do pensamento social brasileiro -Antonio b· um sueco
dos Lundgren. E o membro da fàrnuia que cocava a fá nca era
Candido, nossa referência moral e intelecrual, considera Casa-grande & . d • · Ele dei.xou uma prole
que se d e1tou com trezentas e suas operanas. me Lund(Tren. No
snwúa O livro mais importante das áências sociais brasileiras - é também
enorme, mas não há notícia de pobres com sobreno :,
um_ pastiche. Sob determinado aspecto, é quase um deboche do jeitão , . d egros escravos nomes
maximo, na falta de sobrenome, avam-se aos n d S
de ITTesoluç:ão do problema da mão de obra e de seu rebaixamento às - d b ornes como os ancos
relacó · das" - aquelas em que o filho do senhor transforma 0 de santos católicos. Daí a proliferaçao e 50 ren
·. es "ªdoCJca
negrinho, companheiro de travessuras, em cavalo vivo. Eis aí a lembran- e de toda a corte católica dos altares. . mo mulato,
do de ;\ssl.S, e1e mes
An tes de Sérgio Buarque, ac. .. M h ª nho fez com que Dom Casmurro
ça mais
. festei·ada da mranc1a
· e.• • d os senhores. Pais e mães da casa-gran de
ensmavam aos filhos 0 Jem · · ºnh o d oce de ensmar
. . - ensinan
· d°· portanto conhecedor do truque do ie1t1 '
e se diverur

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Br;isil: urna b·
iogr,fi, nio >utoriud.t 14 S
. é . é hoje) 0 retrato mais notável da classe domina
se tornasse (e ar d - b 1 ,, nte bra A matriz desses gestos encontra-se 'd
• .. e bela viola; por entro, pao o oremo , como d' - . N 1 ev1 entemente 1
sile1ra: Por rora, . se ti. no escravag1sta. e e, o corpo dos negros . no ongo período
. ho é liberal por fora e escravista por dentro M h era propriedade 0 d'
opular. Bennn . , . ac ado e usado. O surpreendente é esses gestos ' P ia ser tocado
P ... ho literário para legar um form1davel enigma a e esses costum
usou um Je1tm , . . . , o qua) 'á ao longo de cem anos de vigência de u ·ra1· es terem persistido
. ram milhares de paginas: Capim tram mesmo ou foi vít" J . m cap1 ismo pie
se ded1ca . . trna de O escravismo e a escravidão não expli . . no.
. peraça·o de classe? Maria Capitolma, a Capitu, era mais b ,, d . e al"d d carn inteiramente "I
uma Vltu . " po re duração a mrorm i a e generalizada ne d h 'b· a onga
·ido liberal Bentinho. E, com seus olhos de ressaca" . m os a nos que a ac
ar O E d
que seu m ' , pro- Panham.. s sta os Umdos . -
tiveram um sise . om-
ema escravtsta que che ou
vavelmente tinha sangue negro. a organizar fazendas de cnaçao de negros A ru g
Nascido inicialmente das contradições entre uma ordem liberal formal , _ . · prura com o escravismo
custou a naçao . .norte-americana
. _ . uma guerra civil que deixou . marcas ate,
e uma realidade escravista, o jeitinho se transformou em código geral hoje. Mas o JeJtmho nao foi o expediente que usararn para superar os
de sociabilidade. problemas colocados pelo capitalismo que avançava.
Aqui, o jeitinho das classes dominantes se impôs na abolição da es-
cravatura. Primeiro veio a Lei do Ventre Livre: garotos e garotas negros
Recordo um caso pessoal, passado há muito tempo. Eu trabalhava eram libertados em meio à escravidão. Mas, como inexistia a perspectiva
com Celso Furtado (rigorosamente antijeitinho), que recebia um diretor de terem terra, emprego ou salário, a libertação não lhes servia para
do Banco lnteramericano de Desenvolvimento - por sinal, conterrâneo quase nada.
seu. Este, vendo-me por perco e julgando que eu não era parte da con- Depois veio a Lei dos Sexagenários. Aos sessenta anos, os negros que
versa, pediu-me água. Pediu a primeira, a segunda e a terceira vez. Fui ainda estivessem vivos eram libertados. Ora, já se sabia que a média de
obrigado a dizer-lhe que não confundisse gentileza com servilismo e que, vida de escravos não alcançava os quarenta anos. Como mostrou Luiz
da próxima vcr., ele mesmo se servisse. Não ocorria àquele senhor que Felipe de Alencastro em O trato dm viventes, depois de décadas de labuta
alguém que não fosse de sua grei pudesse tomar parte de uma conversa no eito, o consumo do trabalho pelo capital não era uma metáfora: o
com altos representantes da banca interamericana. negro era um molambo de gente, e não um homem livre, mesmo quando
A origem do jeitinho, assim como a da cordialidade teorizada por libertado pela Lei dos Sexagenários.
Sérgio Buarque, explica-se pela incompletude das relações mercantis
O que parecia cautela e previsão era, na verdade, o je~cinho (e 0
J•e1•tao
- ) em movimento.
. Gra dual mente, ate' a chamada Lei Aurea ' a es-
capitali st as. Parece sempre que as pessoas estão "sobrando". Elas são 'd• . . . pulaça·o trabalhadora que o
como resquícios de relações não mercantis não cabem no universo da crav1 ao persistiu. Isso cnou uma superpo . . .
. . Com a indusmahzaçao,
sistema produtivo não tinha como mcorporar. .
, e: E as
civilidad ' pessoas que sobram pode ser
' pedida
. qualquer c01sa,
· P ·' ravou Tendo que copiar
que e obngaça'0 do domma • do servir
. ao dominante.
. tão sonhada pelos modernos, o pro bl ema se ag · , .
. , ue tende sempre a economia
uma industrialização de mamz exogena, q ·aJmenre
d Qualq~er reunião brasileira está cheia de batidinhas nas costas na hora . . cresceram exponenc1 .
0 do trabalho, os excedentes pop acwnaisul
cumprimento ' imp on do de sai'da uma mumidade
. . ..L
. . . • · tória e
que e, mnma
mttm1ua1ória. Um d . · J ácio
Lula d s·l os cumprimentos mais característicos de Luiz 11 capira-
a 1va, por exem J , b b · a dos . fi al se tornou escrucural no
inre 1 P o, e ater com o dorso da mão na arng Assim, o chamado trabalho m orm al, . áo as normas craba-
r ocutores. Mesmo d Lula • • 1 a de s anos, n
ao se ap •
roximar de ual
em encontros formais o primeiro gesto e
, !ismo brasileiro. E ele que regu ª ª cax
q quer pessoa é tocar-lhe a barriga.

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, J Oliveira
146 Francisco e

A partir daí, todas as burlas são per . .


d d por V:argas. fll1t d.
lhistas fun a as ntas que candidatos a vagas de ernp 1 a., e
Uma das pergu rego rn .
estimulad as. . O u sem carteira?". O funcionário com ª1'
, "C0 m carteira , • <:artci
ouvem e: Previdência. Se o salano for urn pou . ra
d contos para a qu1nh
resulta em es I to de Renda. A resposta do candidato 0
melhor, até para o mpo_s ao em.
, , bv1· a. sem carteira.
Prego e o ·
balhador ou a era
balh d t ·'
a ora que em consc1encia de s
Quando o era , "M ~
direitos recusa o empreg 0 sem carteira, as vezes escuta: alandro , na_
0

quer trabalhar"• . 'd d . . . h


Em qualquer se Cor, em qualquer
. at1v1 a e, o Je1t1n . _impõe. O
o se
. d e terno 1·caliano de gnfe, o apresentador
execuuvo . telev1sao e a acr·11
. , da
de um musical não são assalariados. São pessoas Jund1cas, PJs, unicamen-
te para que empresas paguem L1.enos i~~ostos. Advogados, d_entistas e
prestadores de serviços oferecem seus presttmos com ou sem recibo, e esse
último é mais barato. Bancários, telefonistas, vendedores e outras tantas
categorias viram suas profissões periclitarem: eles são agora atendentes
de cal/ centers, terceirizados por grandes empresas.
O jeitinho é a regra não escrita, sem existência legal, mas seguida ao
pé da letra nas relações micro e macrossociais. Está tão estabelecido e é
tão natural que estranhá-lo (hoje menos do que ontem, reconheça-se)
pode ser entendido como pedantismo, arrogância ou ignorância: "Nego
metido a besta'', essa é a sentença. A não resolução da questão do trabalho,
seu estatuto social, é, no fundo, a matriz do jeitinho. Simpático, ele é
uma das maiores marcas do moderno atraso brasileiro.

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