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VIDAS SECAS
Romonce
@Etrcpa-Arnérft:a
, Copa: estrldios P. E. A. NOTA INTRODUTORIA
O Heloís Ramos
Nenhuma porte desto publicaçito pode ser re- Graciliano Ramos é um dos grandes escritores brasilei-
produzida ou transmitida na presente formo por ros deste século. Nascido em Alagoas em 1892, morreu em
qualquer processo, electrónico, mecônico 1953 no Rio de Janeiro. Muito jovem, vai para Palmeira
ou fotográfico, incluindo fotocópia, xerocópia ou
gravaçdo, sem outorilaçiio prévia e escrita do dos Índios, onde conclui os estudos. Entra no jornalismo, e
editor. Exceptua-se noturalmente o transcriçiio dirige mais tarde a Secretaria de Instrução Pública em
de pquenos textos ou passogens paro opresen- Maceió, capital do estado de Alagoas. Ocupava este cargo
tação ou crítica do livro. Esta excepçiio não quando. em 1933, e detido por motivos.políticos, sendo
deve de modo nenhum ser interpretàào como
sendo efrensiva à tanscriçdo de textos em reco- encarcerado por vários meses numa prisão do Rio de
lhas antológicas ou similores donde resulte pre- Janeiro.
juízo para o interesse pela obra. Os transgres- Entretanto chegara às mãos do editor e poeta A. F.
sores são possíveis de procedimento judicial Schmidt uma nariativa de G. Ramos, em 1928, Íicando
aquele editor vivamente impressionado pelo tom simulta-
neamente emoclonado e humorístico da sua escrita. Alguns
anos mais tarde pretende publicar o primeiro romance de
Graciliano Ramós, Caetés (t933), dedicado aos indios da
tribo Caetés, obra de grande interesse quer pela espontânea
riqueza do humor, quer pelo rigor estilístico invulgar nas
leiras brasileiras de então. Em São Bernardo (1934), Ramos
descreve a vida de um homem falido, tendo como fundo as
regiões agrícolas do estado de Alagout. Ô obra seguinte,
Aigústia (1936), talvez a obra-prima de G. Ramos, apro-
A personag-em
-indivíduo do livro anterior.
funda a análise psicologica
central e um violento, corrupto e sordido,
vivendo num ambiente desapiedado e egoísta.
Em 1938, Graciliano Ramos publica outro romance,
Vidas.Secas, debruçando-se sobre a vida de uma família de
agricultores transferida para uma zona do Nordeste brasi-
leiro. onde é atingida por uma terrível seca. Seguem-se
Histórias de Alexandre (1944) e os contos de Insónia (1947).
Editor: Froncisco Lyon de Castro
Do autor existem ainda duas obras de mentorias: InJ'ância
Edição n.o 40 831/325s (1945) e Memórias do Cdrcere, precioso e comovente
documento humano, publicado postumamente em 1953.
Execuçilo técnica:
Grófica Europam, Lda.,
Mira-Sinto Mem Martins
-
INDTCE
Pág.
Mudanço l3
Fabiano 2t
Cadeia 29
Sinhá Vitória 39
O menino mais novo 47
O menino msis velho 53
Inverno 59
Festq 67
Baleio 79
Contas 87
O soldado amarelo 95
O mundo coberto de Penas 103
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A caatinga estendia-se. de um vermelho indeciso $_o§-t1?. corria oÍ'egancio. a língua Íbra da boca. E de
salpicado de nranchas brancas que eram ossadas. o quando em quando se detinha, esperando as pes-
voo ne-gro dos urubus tàzía cÍrculos altos em redor soas. que se retardavam.
de bichos moribundos.
- Anda. excomungado. com'o papagaio,'Coitado. morrera na areia do rio,
,i O. pirralho nâo se mexeu. e Fabiano desejou onde hàviâm descansado, à beira de uma poça: a
tt',, matá-lo. Tinha o coraçâo grosso. queria responsabili- fbme apertara de mais jos retirantesle por ali não &rry
t4 15
o'- **llu&r q 'e
Fln".
Num cotovelo do caminho avistou ünq canto de Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, aÍÍe'
sentiu
cerca, encheu-o a esPerança de achar c6mida, gaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um
desejo de cantar. A-.yg-Z qflig:lhe -[o.ucar medonhA,* minuto, localizou-os no morro próximo e saiu'
correndo.
Deixâiam a margem do rio, acompanharam a Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se: uma
cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. sombra passava por cima do monte. Tocou o braço
Fazía tempo que não viam soúbra. da mulher, apontou o céu, Íicaram os dois algum
Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram tempo aguentando a claridade do Sol. Enxugaram as
como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspi-
mais velho, passada a vertigem que o derrubara, rando, conservaram-se encolhidos, temendo que a
encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível,
uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.
olhos. distinguia vagamente um monte proliryo' Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra
algumas pedás, um õarro de boi. A cachorra Baleia de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, que-
foi enroscar-se junto dele. brada apenas pelas vermelhidões do poente.
Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O
Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os
curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e fugitivos a9arraÍam-se, somaram as suas desgraças e
também deserto, a cása do vaqueiro Í'echada, tudo os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto
anunciava abandono. Certamente o gado se tinara e do coração de Sinhá Vitoria, um abraço cansado
os moradores tinham Í'ugido.
aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à
Fabiano procurou em vão perceber um toque de
fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo
chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentou fbrçar
de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a
':(i
*t:l a porta. Encontrando resistência, Pene.trou num cer- esperança que os alentava.
-l
cadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera,
alcançou o terreiro do f'undo, viu um barreiro vazio, Iam-se amodorrando e foram despertados por
.",ri
ç\.; um bosque de catingueiras murchas, yql pe-de-turco Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantararn-
n:),
e o prolõngamento da cerca do curral. Trepou-se no se todos gritando. O menino mais velho esfregou as
pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitó-
I
16 L.B. l3r
- 2 ,7
"' ,, Sinhá Vitória remexeu no baú, os meninos foram Lembrou-se dos Íilhos. da mulher e da cachorra,
quebrar uma haste de alecrim para fazer um espeto. que estavam lá em cima, debaixo de um_juazeiro,
Baleia, o ouvido atento, o trasêiro em repouso e as cbm sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a
pernas da frente erguidas, vigiava, aguàrdando a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar
parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do a água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna
bicho e talvez o couro. sacüdia os xiquexiques e os mandacarus. Uma palpi-
Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, en- tação nova. Sentiu um arrepio na caatinga, uma
' caminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos ressurreição de garranchos e folhas secas.
r i animais um pouco de lama. Cavou a areia com as Chegou. Pôs a cuia no chão. escorou-a com
unhas, esperou que a âgua marejasse e, debruçando- pedras, matou a sede da família. Em seguida
-p qo chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as
cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. raízes.de macambira, soprou-as, inchando 49-b.9.9[g;
Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia çhas ôava§ag., Uma lábareda tremeu, elevou-se,
mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de tingiu-lhe g rosto"gueimad-o, A bar"ba "f"U-i-Y-a,.q§ glhg§.-
' cirros - e uma alegria doida enôhia o coração de azús. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no
-
Fabiano. espeto de alecrim.
-
,y ^ Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, Eram todos felizes. Sinhá Vitoria vestiria uma
t{" i' movia-se como uma coisa, t para bem dizer não se saia larga de ramagens. A cara m"qrph3 Ç"ç-§*t+-tÊ\
()#.,.r'diferençava muito da bolaiideira de Seú'Tomás.
,
FABIA NO
Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. O jeito que tinha erâ ticar. E ô patrão aceitara-o,
Chegara naquele estado, com a família morrendo de entregara-lhe as marcas de t'erro.
-- fome, comendo raízes. Caíra no Íim do pátio, de-, Agora Fabiano era vaqueiro. e linguenl o titefia--,
baixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa dalf,.'Aparecera como unl bicho. entocara-se como i
deserta. Ele, a mulher e os Íilhos tinham-se habi- úíi bicho., mas criara raízes. estava p.lantado. Oiliou*'
tuado à camarinha escura,'pareciam ratos-e a lem- os quipás. os mandacarus e os xiqueiiqúes. Era mais
brança dos sofrimentos passãdos esmorecerà. tbrte que tudo isso. era como as catingueiras e as ',,:'.,
Pisou com Íirmeza no chão gretado, puxou a faca baraúnas. Ele. Sinhá Vitoria. os dois tilhos e a 'r -i
de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aio cachorra Baleia estavam 4garlgd-os.à Lgrra:, .-'
um pedaço de fumo,, picou-o, fez um cigarro com Chape-chape. As alpercatas batiam no chão ra: q
palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar chado. Ô corpo do vaqueiro derreava-se. as pernay' d;:-
regalado. faziam dpis arcos. os braços , nroviam-se desenf ,,,.-' /.
----i /'t'
I - F4biano, você é um homem - exclamou em
i voz
gó;çuáot iPat..ia.\um ,rru.u.o. ll , , "1".
alta.
*..Cônieve-se, Entristeceu. Considerar-se plantado em terra
' notou que os meninos estavam perto, alheia!_ Engano. A sina dele era correr muudo. antlar
com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar so. E, para cima e para baixo. à toa. como'judeu-errante.
:, pe[sândo bem, -e"le não era homem: era apenas um Um. vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali
;'' ôabra ocupado em guardár coisas dos outroi. Vglr-n-e. de passagem. era hospede. Sint senhor. hospede que .
t , lh9, .queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os se demorava de mais. tontava amizade à casa. ao
i'9i ' ' cabelos ruivos; mas como vivia em terra atheíâ,' curral. ao chiqueiro das cabras. ao juazeiro que os
I
de ánimais alheios, descobria-se, encolhia-se tinha abrigado uma noite.
, "uidauu
na presença
-/\tL^--
dos brancos e julgava-se cabra. Deu estalos com os dedos. A cachorra Buleia, aos ,
r^
Olhou em torno, com --^^:^ receio de que, tlora os saltos. veio lamber-lhe as mãos grossas e cabeludas.
ii' ninos. alguém
meninos, alsuem tivesse percebido
oercebido .a a tiase impru-
l Fabiano recebeu a carícia. enterneceu-se:
- ,'l ,, dente. Corri§iu-a, murn-ruràndo: - Você e unl bicho. Baleicr.
l"f,'
:1
-- Você e um bicho, Fabiano.
t. , .
Vivia longe dos honrens. so se dava bem conl
Isto para ele era motivo de orgulho,
ulho. Sim senhor, animais. Os seus pes duros quebravam espinhos e
unr bicho,
bicho. capaz dificul
caoaz de vencer dificuldades. não sentiam a quentura da terra. Montado.
Chegara naquela situação medonha - e ali estava, conf'undia-se conl o cavalo. grudava-se a ele. E
forte, atê gordo, fumando o seu cigarro de palha. talava uma linguagem cantada. monossilábica e gu-_ -."
- Um bicho; Fabiano. tural. que o companheiro entendia. A pe. não se
Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde aguentáva bem. Pêndia para unt lado, pára o outro lÍ ,
cair morto, passara uns dias mastigando raiz de lado. . cambaio. torto e t'êio. As vezes utilizava nas
imbu e sementes de mucunã. Viera a trovoada. E, relações com as pessoas a mesma língua conl que se '--\.
"* com ela, o fazendeiro, que o expulsara, Fabiano dirigia aos brujos-exclamaçôes onomatopgias. Na L; ',r,'1"\
fizera-se desentendido e oferecera os seus prestimos, verdade talava pouco. Admirava as palavras compri-'
resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo atlito. das e dificeis da gente da cidade, tentava reproduzir
22
f aJ,u'-il,.d"-ri . lo*1tP"'r aÍ*"
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*.)tn '- 7[,-:,to §-,i t",,,, ^^. ,"'F ')'" ]''1 ''^
algumas. eÍR -vã9, mas sabia que elas eram inUlqiS e banco de macambira, mas era conveniente que os
lllyez perigosas, . meninos se acostumassem ao exelçícig -t4çih-bplgl ".
Uma das crianças aproximou-se, perguntou-lhe palmas, expandir-se em gritaria, seguindo os -movi;
qualquer coisa. Fabiano parou, tianziu a testa, espe- ã;e*; àô'ãriÀ"r. A cíchorra tornoü a voltar' áa
rou de boca aberta a repetiçâo da pergunta. Não língua pendurada' .arq.uejando' Fabiano tomou
percebendo o que o Íilho desejava, repreendeu-o. O ir.ít" db grupo, satisÍeito com a lição, p.ensando na
menrno estava ticando muito curioso, muito enxeri- ãú; que ía montar, uml égua que. não tóra t'errada
do. Se continuasse assim, metido conl o que não era nem levara sela. Haveria ãa cáatinga um barulho
da conta dele. como iria acabar? Repeliu-o, vexado: medonho.
- Esses capetas têm ideias... Asora queria entender-se com sinhá vitoria a
Não completou o pensamento. mas achou que ,.rp.íto da'educaçãg dos pequenos. Certamente ela
aquilo estava errado. Tentou recordar o seu tempo naó era culpada.- Entregúe aos arranjos da casa,
de inÍância. viu-se miúdo, enÍ'ezado, a camisinha regando os ciaveiros e aipanelas de losne, descendo
encardida e rota. acompanhando o pai no serviço do aíúebedouro com o pote vazio e regressando com o
'os t-rlhos solús no barreiro,
canlpo. interrogando-o debalde. Chamou os tilhos, áàt. cheio, deixava
talou de coisas imediatas. procurou interessá-los. Lnlameados como porcos. E eles estavam pergunta-
Bateu palmas: -ã Fabiano. dayg-Ee"-.Lçn] com a*'*
àor.r. insuportáveis.
- Ecô! Ecô! ;;àr;ã:Ti;, ioi'.itó de sáue'-!rintra? Nre-
A cachorra Baleia saiu correndo entre os alastra- tinha.
dos e quipás. tarejando a novilha raposa. Depois de Está aí. !
alguns minutos voltou desanimada, triste, o rabo Se \pp-r-çadeifilqralquer coisa, necessitaria apren-
murcho. Fabiano consolou-a. aÍagou-a. Queria ape- Aer ã nünca'ticaria satist'eito
-- mait,Érou-se
nas dar um ensinamento aos meninos. Era bom eles lên de Seu Tomás da bolandeira. Dos
saberem que deviam proceder assim. homens do sertão o mais arrasado era Sgu-fq$§*dÀ*
Alargou o passo. deixou a lama seca da beira do Úolandeira. Porquê? So se era porque lia dl II3J":;
rio. chegou à ladeira que levava ao pátio. Ia inquie- Ele. Fabiano. nruitas vezes dissera: «seu I omas,
to. uma sombra no olho azulado. Era como se na vossemecê não regula. Para q}ê tanto papel ?
-chegar. Seu Tomás se estrepa'
sua vida houvesse aparecido um buraco. Necessitava Quando a «lesgraça
falar com a mulher. atàstar aquela perturbação, iluuirint,o uor"ouitot.» F.is viera a seca' e o pobre
encher os cestos, dar pedaços de mandacaru ao dã velho. tão bom e tão lido, perdera tudo' andava
gado. Felizmente a noyilha estava curada com reza. por aí, mole. Talvez já tivesse dado o couro às varas'
Se morresse. não seria por culpa dele. que pessoa como ét. nâo - p9:di.a 3gue3t?r Verão
- Ecô! Ecô! puxado. " :: 'l
.i ,- Baleia voou de novo entre as macanrbiras, inutil- Certanrenteaquelalsabedoriainspirlvarespel.tg.l
\1,\,.", ímente-. As crianças divertirant-se, anintaranl-se, e o -cavalo antarelo.
a,rundo §.u Tomás da Eolàndeiia pd§§aüà'
1, 1r1' ce.go. pe
espírito de Fabiano se destoldou. Aquilo é que sisurJo. corcunda, montado nunl
estava certo. Baleia não podia achar a novilha nunt uqui. pe acolá' - Fabiano e outros semelhantes
descobriam-se. E seu Tomás respondia tocando na eles ganhariam o mundo, :9P rumo, nem teria meio
beira do chapgu de palha, virava-se para um lado e de cõnduzir os cacarecos. Viviam de trouxa arruma-
para outro, abrindo muito as pernàs calçadas em da, dormiriam bem debaixo de um pau'
botas pretas, com remendos vermelhos.
Olhou a caatinga amarela, que o .Poente averme-
Em horas d.e maluque_ira Fabiano desejava imitá-
-lo: dizia palavras difíceis, truncandó _m(o, e lhava. Se a seca c-hegasse, não Íicaria planta verde.
- convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se per- Arrepiou-se. Chegariã, -naturalmente. Sempre tinha
sido ãssim, desde-qu. ele se entendera. E antes de se
feitamente que um sujeito como ele não'tintra iras-
entender. antes de naSCer, SUCedera O mesmo - anOS
cido para falar certo.
bons misturados com anos ruins. A desgraça estava
, S.u Tomás da bolandeira falava bem, estragava
-para Nem valia a Penaa
em caminho, talvez andasse perto.
or
) mandar: em
olhos cima de jornais e livros, mas não sabia trabalhar. Ele marchando casa, trepando
i,, pedia. Esquisitice um homem remediado
' ser cortês. A1é o povo censurava aquelas maneiras. ladeira, espalhando seixos com as alpercatas - ela se
avizinhand'o a galope, com vontade de matá-lo'
I
'i- J3más da bolandeira é que devia ter lido issa. Fabiano tinha ido à feira da cidade comprar
L. llrlo daquele. perigo,. os meninos poderiam Íalai,, mantimentos. Precisava sal, farinha, feijão e rapadu-
perguntar, encher-se de caprichor. 'Agora
-.-) obrigação de comportar-se tinÀãni ras. Sinhá Vitoria pedira alem disso uma garraÍa de
como gente da raia deres. querosene e unl corte de chita vermelha. Mas o
Alcançou o pátio, enxergou a casa baixa . .r"r- querosene de Seu Inácio estava misturado com âgua,
Íà, de telhas prretas, deixoí atrás oi -u, e a chita da amostra era cara de mais.
lrur.i.or,
pedras onde sé jogavam cobras mortas, o carro de Fabiano percorreu as lojas, escolhendo o .pano,
boi. As arperca[ai dos pequenos batiam no chão regateando úm tostão em côvado, receoso de ser
branco e liso. A cacho rri aàu,a troiáva arquejanao, en-ganado. Andava irresoluto, um.a longa descon-
a boca aberta. fiaáça dava-lhe gestos oblíquos. A tarde.puxou o'
. Aquela hora sinhá vitoria devia estar na cozi-
nha' acocorada junto à trempe, a saia .te ,aniaá;;,
dinheiro, meio tehtado, e logo se arrePendeu, certo
de que todos os caixeiros fu-rtavam- no Preço e na
entalada entre as coxas, prepàrando a
lanta. Fabíano medida: amarrou as notas na ponta do lenço, meteu-
sentiu vonrade de comei. Depois da riomiJ", iarãriá' -as na algibeira, dirigiu-se à bodega de Seu Inácio,
com sinhá vitoria a respéito da educaçao 'ã;; onde guardara os picuás.
meninos -\ ,,
Aí- certiÍicou-se novamente de que o querosene
estava baptizado e decidiu beber uma pinga, pois
sentia calor. Seu Inácio trouxe a gatrafa de aguar-
dente. Fabiano virou o copo de um trago, cuspiu,
limpou os beiços à manga, contraiu o rosto. Ia jurar
que a cachaça tinha águ?. Por que seria qug Seu.
thacio botava âgua em tudo? Perguntou mentalmen-
te. Animou-se e interrogou o bodegueiro.
- Por que é que vosiemecê bota águ1em
E
tudo?
Seu tnacio hngiu não ouvir. F4biano Íbi
sentar-se na calçada, resolvido ârcollv€rsar) O voca-
bulário dele era pequeno, mas em horás de coúuní-
ll
28 I
t,
I
cabilidade enriquecia-se com argumas expressôes de casa. Que desculpa iria apresentar a Sinhá Vitoria?
§eu Tomás da Solandeira. pobrã ae seu toúás. um"- Forjava uma explicação diÍicil. Perdera o embrulho
homem tão direito sumir-se como cambembe, andar da fazenda, pagaÍa na botica uma garrafada para
por este mundo de trouxa nas costas. seu Tomás era Sinhá Rita louceira. Atrapalhava-se: tinha imagi-
pessoa de consideração e votava. euem diria? nação fraca e não sabia mentir. Nas invenções com
Ír N.:r. ponto um soldado amarelo aproximou_se e
,bateu
. que pretendia justiÍicar-se a Íigura de Sinhá Rita
t
i"'.j familiarmente no ombro de Fabiano: aparecia sempre, e isto o desgostava. Arrumaria uma
a - Como é, camarada? Vamos jogar um trinta_ história sem ela, diria que haviam Íurtado o cobre
t:.
-e-um lá dentro? da chita. Pois não era? Os parceiros o tinham pelado
Fabiano atentou na farda com respeito e gague_ no trinta-e-um. Mas não devia mencionar o jogo.
joy, procurando as palavras de Sóu Tomás da Contaria simplesmente que o lenço das notas Íicara
bolandeira: no bolso do gibão e levara sumiço. Falaria assim:
«Comprei os mantimentos. Botei o gibão e os al-
contanto, etc. É conforme. forjes na bodega de Seu Inácio. Encontrei um sol-
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que dado amarelo.» Não, não encontrara ninguém.
era autoridade e mandava. Fabiano sempre havia Atrapalhava-se de novo. Sentia desejo de referir-se
obedecido. Tinha muque e substância, rnu'r pe-qsaya_ ao soldado, um conhecido velho, amigo de infância.
pouco, desejava pouco e obedecia. - A mulher se incharia com a notícia. Talvez não se
Atravessaram a bodega, o corredor, desemboca- inchasse. Era atilada, notaria a pabulagem. Pois
ram numa sala onde vários tipos jogavam cartas em estava acabado. O dinheiro fugira do bolso do gibão,
cima de uma esteira. na venda de Seu Inácio. Natural.
- Desafasta - ordenou o polícia. - Aqui tem Repetia que era natural quando alguém lhe deu
gente. um empurrão, atirou-o contra o jatobá. A feira se
Os jogadores apertaram-se, os dois homens desmanchava; escurecia; o homem da iluminação,
sentaram-se, o soldado amarelo pegou o baralho. trepando numa escada, acendia os lampiões. A es-
Mas com tanta infelicidade que em pouco tempo se trela papa-ceia branqueou por cima da torre da
enrascou. Fabiano encalacroú-se também. sintrh vi- igreja; o Doutor Juiz de Direito Íbi brilhar na porta
tória ia danar-se, e com razão. da farmácia; o cobrador da Prefeitura passou co-
- Bem Íbito. xeando, com talões de recibos debaixo do braço; a
Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo. carroça do lixo rolou na praça recolhendo cascas de
;. Plperu aÍ, paisano - gritou o amarelo. frutas; Seu Vigário saiu de casa e abriu o guarda-
Fabiano, as orelhas aidendo, não se virou. Foi -chuva por causa do sereno; Sinhá Rita louceira
pedir a seu Inácio os troços que ele havia guardado, retirou-se.
vestiu o gibão, passou as correias dos ulTo.g.t no Fabiano estremeceu. Chegaria à fazenda noite
ombro, ganhou a rua. fechada. Entretido com o diabo do jogo, tonto de
Debaixo do jatobá do quadro taramelou com aguardente, deixara. o tempo correr. E não levava o
sinhá Rita louceira, sem se atrever a voltar para querosene, ia-se alumiar durante a semana com
30
31
pedaços de tache,r.o. Aplynrou-se. disposto a viajar.
outr. empurrào deseqüilibrou-o. voltôu-se e viu ali chave tilinÍou na Í'echadura. e Fabiano ergueu-se
pelo o. soldado amarelo. que o desaÍiava. a cara atordoado. cantbaleou. sentou-se num canto,
ent'errui
ent-errujada. rosnan_dg;
-
uma ruga na te§ta. Mexeu-se para sacu- Hum! Hum!
dir O Changu
peu de
dg couro nâs ventas rln
nas vênÍ:rs â.,rasc,\r í-,--.
do ag.eisor.
uma pancada ce.rta do chapeu de courol aquele tico
Com Porque tinham t'eito aquilo? Era o que. não podia
de .-9ente ia ao barro. orhôu as coisas e as pessoas saber. Pessoa de bons co§tumes. sint senhor, nunca
em roda e moderou. a indignaçào. Na caatingá ele às Íbra preso. De repente unl t'uzuê senJ. motivo'
vezes cantava de galo. nlas na rua encolhia_se. Achaüa-se tão perturbado que nem acreditava na-
quela desgraça. Tinhanr-lhe ôaido todos em cinta, de
- Vossemecê niio te,r direito de provocar os que
supetão. õonio uns condenados. Assim unl homem
estào quietos.
não podia resistir.
- DesaÍasta - bradou o polícia.
E insultou Fabiano. poique ere tinha deixado - Bem. bem.
bodega sent se clespedir. ' a Passou as mâos nas costas e no peito. sentiu-se
moído. os olhos azula«los brilharanl conlo olhos de
- Lorota - gaguejou o matuto. - Eu tenho culpa gato. Tinham-no realmente surrado e prendido. Mas
de vossenrecê esbagáçar os seus possuítros no
'rontJou logo'f ãra un, caso tão esquisito que instantes depois ba-
. Engasgou-se. A áutoridade pu, aü ,*
instante. desejosa de puxar questào. Nào achanrJo lançava a cabeça, duvidando, apesar das ma-
pretexto. avizinhou-se e planiou o salto da reiúna chucaduras.
em cima da alpercata do vaqueiro. Ora. o soldado amarelo... Sim. havia unl anlare-
lo. criatura desgraçada que ele. Fabiano. desnlan-
- Isso não se faz. moço - protestou lrabia- charia com um tabet'e. Nâo tinha desmanchado por
no. - Estou quieto. Veja que árole e quente e pe de
gente. causa dos homens que nlandavam. Cuspiu. com
o outro continuou a pisar conr Íbrça. Fabia,o desprezo:
--
impacientou-se e xingou Satado. motino. escarro de gente.
a mãe dele. ni o amarelo Por mor de uma peste daquela. maltratava-se um
apitou. e enl poucoí minutos o destacanrento cra
cidade rodeava o jatobá. oai de Íamília. Pensou na mulher. nos tilhos e na
iachorrinha. Engatinhando. procurou os altorges.
-Toca prà Íiente- berrou o cabo. que haviam caíd-o no châo. certiticou-se de qye .9s
Fabiano marchou desorientado. entrou na ca-
deia- ouviu sem compreender uma acusaçâo nre- obi..tor comprados na t'eira estavam todos ali. Podia
donha e não se deÍ'endêu. terl-se perdidô alguma coisa na contusão. Lembrou-
- Está certo - disse o cabo. - Faça lom bo. -se de'uma fazenda vista na última das lojas que
paisano. visitara. Bonita. encorpada. larga. vermelha e conl
Fabiano caiu de joerhos. repetidamente u,ra râ- ramagens. exactamente o que Sinhá Vitoria deseja-
mina de Íacào bateu:lhe no peito. outra nas costas. va. E"ncolhendo unt tostão em côvado. por sovinice"
Em seguida abriram uma po.ia. dera,r-lhe unl sata- acabava o dia daquele jeito.-deviaTornou a n'lexer nos
nâo que o arrenlessou paia as trevas rJo cárcere. A alÍbrges. sinhá viioria estar desassossegatla
com a demora dele. A casa no escuro. os rllenlnos
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L.B. 33t 3 33
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v l.ü{ ,,, I *+:
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enr redor do fogo, a cachorra Baleia vigiando. Com Seu Tomás da bolandeira contaria aquela historia.
certeza havianr tbchado a porta da Íientõ.
Ele, Fabiano, um bruto, não contava nada. So que-
Estirou as pernas, encostou as carnes doídas ao
muro. Se lhe tivessem dado tempo, ele teria expli-
ria voltar para junto de Sinhá Vitoria, deitar-se na
cama de varas. Por que vinham bulir com um
cado tudo direitinho. Mas pegadô de surpresa, em-
homem que so queria descansar? Deviam bulir com
batucara. Quem não ticaria ãzuretado cbnr seme-
outrosr"--
lhante'desproposito? Não queria capacitar-se de que .*An!
a nralvadez tivesse sido para ele. Havia engano, Estava tudo errado.
provavelmente o amarelo o conÍ'undira com outro.
Nâo era senão isso. -An! l
E. f*i, mais que tbrcejasse, não se convencia de éstavam todos morrendo de fbme, a cadelinha tinha
que o soldado amarelo tbsse governo. Governo, trazido para eles um preá. Ia envelhecendo, coitada.
coisa distante e pert'eita. não podia errar. O soldado Sinhá Vitoria, inquiéta, com certeza tbra muitas
anrarelo estava ali perto. além da grade, era tiaco e vezes escutar na porta da Íiente. O galo batia as
ruim" jogava na esteira conl os matutos e provocava- asas, os bichos bodejavam no chiqueiro' os choca-
-os depois. O Governo não devia consentir tão lhos das vacas tiniam.
vgrande safadeza.
Afinal para q,ue Se não Íbsse isso...'An! Em que estava pensando?
serviam os soldados amarelos? Meteu os olhos pela grade da rua. Chi! Que pretu-
Deu um.pontape na parede, gritou enf'urecido. Para nre! O lampião- da ésquina se apagara, provavel-
que servianr os soldados amarelos? Os outros presos nrente o homem da e§cada so botara nele meio
remexeram-se. o carcereiro chegou à gracle, e Fa-
q uarteirão de querosene.
bian«l acalmou-se: ' Pobre de Sinna Vitoria, cheia de cuidados, Í1â
- Bem. benr. Não há nada não. escuridão. Os meninos sentados perto do lunte, a
Havia muitas coisas. Ele não podia explicá-las, panela chiando na trempe de pedras, Baleia atenta,'
nlas havia. Fossem perguntar a Seu Tomás da bo- o candeeiro de Íblha pendurado na ponta de uma
landeira. que lia livros e sabia onde tinha as ventas. vara que saía da parede.
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ü'n/,u' it )tr
t')
'n ErÍim,
Estava tão cansado, tão machucado, que ia quase I contanto... Seu Tomás daria informações'
adormecendo no meio daquela desgraça. Havia ali Fo§§em perguntar a ele. Homem bom, Seu Tomás
um bêbedo tresvariando em voz alta e alguns ho- da bolanbeiia, homem aprendido. Cada qual como
mens agachados em redor de um Íbgo que enchia o Deus o fez. Ele, Fabiano, eÍa aquilo mesmo, um
cárcere de fumaça. Discutiam e queixavam-se da bruto.
lenha molhada. O que desejava... An!. Esquecia-se. Agora se
Fabiano cochilava, a cabeça pesada inclinava-se recordav a da viágem que tinha feito pelo sertão, a
para o peit<l e levantava-se. Devia ter comprado o cair de fome. Aí pernas dos meninos eram finas
querosene de Seu Inácio. A mulher e os meninos como bilros, Sinhá Vitoria tropicava debaixo do baú'
aguentando f'unraça nos olhos. de trens. Na beira do rio haviam comido o paPa' t€
Acordou sobressaltado. Pois não estava mistu- vgaio, que não sâbia falar. Necessidade. i
rando as pessoas. desatinando? Talvez fbsse etbito da Fabiano também .não sabia falar" As vezes lar-
cachaça. Não era: tinha bebido um copo, tanto gava nomes arrevesados,. por embromação' Via per-
assim. quatro dedos. Se lhe dessem tempo, contaria Íeitamente que tudo era bêsteira. Não Pggil arrumar
,l
' sem sen!i{o,. conversava à riã.""-Mã§]rou-se"rcôm*lr-, Bateu na cabeça, apertou-a. Que fazlary aqueles
comparaçâo, deu marradas na parede. .Era bruto" sujeitos acocorados eú torno do fogo? Que dizia
sim senhor, nunca havia apréndido, Inâ-o aq'uele bêbedo que se esgoelava coúo um doido,
"eíál sêb_ia..- gdttundo fôle.go â. toa? pentiu vontade de gritar, de
-explicar-se.j Estava preso por i§so? Como Então
b mête-§e unt homem na cadeia porque ele n-ão sabe anunciar muito alto gue eles não prestavam para
{elar.."d.irei.tq? Que mal t'azia a brutalidade- dele? nada. ouviu uma voz- Íina. Alguern no xadrez das
,q
I
J Vivia trabalhando como unt escravo. Desentupia o mulheres chorava e arrenegava as pulgas. Rapariga
bebedouro. consertava as cercas, curava os- ani- da vida, certamente, de polta aberta. Essa tambem
'- mais - aproveitava um casco de t'azenda sem valor. não prestava para nada. Fablrno queria b,.*1{ para
x9. Tudo em ordenr, podiam ver. Tinha culpa de ser a cid'ade inteiia, aÍirmar ao Doutor Juiz de Direito,
i.5
e bruto? Quem tinha culpa? uo delegado, a seu vigário e aos cobradores da
' Se nâo fosse aquilo... Nem sabia, () tio da ideia Prefeituia que ali dentro nin-guem . prestava Para
§ cresceu. engrossou - e partiu-se... Diticil pensar. , nada. Ele, ós homens acocorados, o bêbedo, a mu-
Vivia tão agarrado aos bichos... NuÀca virà uma lher das pulgas, tudo era uma lástima, so servia pa\g
aguentar'facão.iEra g.gue 9l9.qrqfi3 dfz,e-f' '
''.---
escola. Por isso não conseguia deÍ'ender-se, botar as
'{ coisas nos seus lugares. O demonio daquela historia E havia tanibém aquele fogo-corredor- que la e
', ,€ntrava-lhe na cabeça e saía. Era para unl cristão vinha no espírito dele. Sim, hav-ia aquilo. Como era?
'endoidecer.
Se lhe tiíessem dado eniino, encontraria Precisava d'"rcansur. Estava com a testa doendo,
(;,, nreio de entendê-la. ImpossÍvel, só sabia lidar com provavelmente em cgn:equência de uma pancada de
bichos. ôabo de facão. E doía-lhé a cabeça toda, parecia-lhe
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-" I t{ }'-.., ..^, ;
40 4t
'papagaio. Viajara com ela' na gaiola
üma cusparada, que passou por cima da janela e Íbi Pobre do
cair no terreiro. Preparou-se para cusPir novamente. qutbalançavr.à õi-" do 5aú de folha. Gaguejava:
Por uma extravagante associação, relacionou esse <itnt.u louro.» Era o que sabia dizer. Fora isso,
Baleia'
acto com a lem6rança da cama. Se o cuspo al- aboiava arremedando Fàbiano e latia como a
cançasse o terreiro, a cama seria comprada antes do õãiiãOó. Sinhá Vitoria nem queria lembrar-se daqui-
fim do ano. Encheu a boca de saliva, inclinou-se-e lo. Esquecera a vida antiga, era como se tlvesse
não conseguiu o que esperava. Fez várias tentativas, ;;t.#ããpàir que che garí à fazenda.a.viagem A referência
- e rea-
inutilmente. O resultado foi secar a garganta. uoi ,uputoi abriia-lhe úma ferida
Ergueu-se desapontada. Besteira, aquilo não valia. our...i". As alpercatas dela tinham sido gastas nas
-Aproximou-se morta de fome, carregava. o
do canto onde o pote se erguia bedras. Cansadà, meio
numa forquilha de três pontas, bebeu um caneco de ãih;;"d novo, o bau e a gaiola do papagaio'
água. Agua salobra. Fabiano era ruim.
- Iche! - Mal-agradecido.
Isto lhe sugeriu duas imagens quase simultâneas, ô Olhou oi pés novamente' Pobre do louro' Na
que se confundiram e neutralizaram: panelas e be- beira do rio rnatara-o por necessidade, paÍa sustento
bedouros. Encostou o Íura-bolos à testa,, indecisa. da família. Naquele momento ele estáva zang.ado''
Em que estava pensando? Olhou o chão, concentra- frt";; ; cachor^rinha as pupilas serias e caminhava
aos .tombos, como os matutos em dias de festa.
Para
da, procurando recordar-se, viu os pes chatos, largos,
F"úano fora despe.rrar-lhe aqu.ela recordação?
os dedos separados. De repente as duas ideias volta- .- -ct.gou
ãíe
ram: o bebedouro secava, a panela não tinha sido à porta, 'olhou as rolhas amarelas .das
temperada. catinguliiãs. Süspirou. Deus não havia de permitir
Foi levantar o testo, recebeu na cara vermelha outra- desgraça. Agitou a cabeça e procurou ocu-
uma baforada de vapor. Não e que ia deixando a oacões para entrãter-se. Tomou a- cuia grande'
comida esturrar? Pôs água nela e remexeu-a com a ãnôa*inhou-t. ao barreiro, encheu de água o caco
quenga preta de coco. Em seguida provou o caldo. áãt g"firhas, endireitou o poleiro' Em seguida foi ao
Insosso, nem parecia boia de cristão. Chegou-se ao ouinialzinho Íegar os cravelros e as panelas de losna.
jirau onde se guardavam cumbucos e mantas de É--ú;1o-u ãs Íilfos para dentro de Casa, que tinham
carne, abriu a mochila de sal, tirou um punhado, barro até nas meniâas-dos-olhos. Repreendeu-os:
Sujos como"'
jogou-o
- - Agora na panela. - Safadinhos! Porcos!
pensava no bebedouro, onde havia um Deteve-se. Ia a dizer que eles estavam suJos
líquido escuro que bicho enjeitava. So tinha medo como papdgaios. -, - ^ -
Os'oêqüenos fugiram, foram enrolar-se na estelra
tr1,,
".i, da seca.
Au r"f ui p'or baixo ão carito, e Sinhá Vitoria voltou
t\,
Olhou de novo os pes espalmados. EÍ'ectivamente
t_ I não se acostumava a calçar sapatos, mas o remoque ü; iúit da tremPe, reacendeu o cachimbo' A
*]\ empoeirado sacu-
,s; i
de Fabiano molestara-a. Pes de papagaio. Isso mes- ãã*rá óhiava; um vento morno e do
I
ãil-;ti;É araúg- e as cortinas de pucumã
mo, sem dúvida, matuto anda assim. Para que tazer os dentes
§ 'rl
vergonha à gente? Arreliava-se com a comParaÇão. t."ta=;ffiu, coçava-se com e
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cabeça?
I' Ievariam a roupa-, a espingarda, o baú de folha e
Séntou-se na janela baixa da cozinha, desgostosa.
troços miúdos. Mas iam vivendo na graça de Deus,
Venderia as galirihas e a marrã, deixaria de comprar
o patrão conÍiava neles - e eram quase felizes. Só querosene. tnritit consultar_-Fabiano, qu.e sempre se
faltava uma cama. Era o que aperreava Sinhá Vitó-
entusrasmava, arrumava projectos. Esfriava logo-.e
ria. Como já não se estazava em serviços pesados,
ela franzia a testa, espantàda certa de que o marido
gastava um pedaço da noite parafusando. E o cos-
se satisfazia--c-o--m a idêia de possuir uma cama. Sinhá
tume de encafuar-se ao escurecer não estava certo, Vitoriá ae§éíavà)uma cama'real, de couro e sucupi-
que ninguêm e galinha. ra, igual à dê Seu Tomás da bolandeira'
Nesse ponto as ideias de Sinhá Vitoria seguiram
outro caminho, que pouco depois foi desembocar no
primeiro. Não era que a raposa tinha passado no
rabo a galinha pedrês? Logo a pedrês, a mais gorda.
Decidiu armar um mundéu perto do poleiro.
Encolerizou-se. A raposa pagaria'a galinha pedrês.
- Ladrona.
Pouco a pouco a zanga se transferiu. Os roncos
de Fabiano bram insupoitáveis. Não havia homem
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