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TESTES
b) em O Contrato Social, Rousseau aborda a origem da
01 (USC) – Por sua temática, O Uraguai, de Basílio da Autoridade;
Gama, pode ser considerado um poema:
c) a burguesia conhece, então, acentuado declínio em
a) épico; seu prestígio;
b) lírico; d) o adiantamento cientifico é uma das marcas desta
c) satírico; época histórica.
d) de escárnio;
06 (VUNESP)
e) de profecia.
“Quem vê girar a serpe da irmã no casto seio,
02 (UM - SP) – Sobre o poema O Uraguai, é correto Pasma, e de ira e temor ao mesmo tempo cheio
afirmar que: Resolve, espera, teme, vacila, gela e cora,
a) o herói do poema é Diogo Álvares, responsável pela Consulta o seu amor e o seu dever ignora.
primeira ação colonizadora na Bahia; Voa a farpada seta da mão, que não se engana;
b) o índio Cacambo, ao saber da morte de sua amada, Mas aí, que já não vives, ó mísera indiana!”
Lindoia, suicida-se;
c) escrito em plena vigência do Barroco, filiou-se à cor- Nestes versos de Silva Alvarenga, poeta árcade e ilus-
rente cultista; trado, faz-se alusão ao episódio de uma obra em que a
d) os jesuítas aparecem como vilões enganadores dos heroína morre. Assinale a alternativa correta em que se
índios; mencionam o nome da heroína (1), o título da obra (2) e
o nome do autor (3):
e) segue a estrutura épica camoniana, com versos de-
cassílabos e estrofes em oitava rima. a) Moema; (2) Caramuru; (3) Santa Rita Durão;
b) Marabá; (2) Marabá; (3) Gonçalves Dias;
03 (UFSM - RS) – poema épico O Uraguai, de Basílio c) Lindoia; (2) O Uraguai; (3) Basílio da Gama;
da Gama, é uma: d) Iracema; (2) Iracema; (3) José de Alencar;
a) composição que narra as lutas dos índios de Sete Po- e) Marília; (2) Marília de Dirceu; (3) Tomás A. Gonzaga.
vos das Missões, no Uruguai, contra o exército espanhol/
português, sediado lá para pôr em prática o Tratado de 07 (ITA) – Dadas as afirmações:
Madri;
b) das obras mais importantes do Arcadismo no Brasil, I) O Uruguai, poema épico que antecipa em várias dire-
pois foi a precursora das Obras Poéticas de Cláudio Ma- ções o Romantismo, é motivado por dois propósitos indis-
nuel da Costa; farçáveis: exaltação da política pombalina e antijesuitismo
c) exaltação à terra brasileira, que o poeta compara ao radical.
paraíso, o que pode ser comprovado nas descrições, II) O (a) autor(a) do poepoema épico Vila Rica, no qual exal-
principalmente do Ceará e da Bahia; ta os bandeirantes e narra a história da atual Ouro Preto,
d) crítica a Diogo Álvares Correia, misto de missionário e desde a sua fundação, cultivou a poesia bucólica, pastoril,
colono português, que comanda um dos maiores exter- na qual menciona a natureza como refúgio.
mínios de índios da história; III) Em Marília de Dirceu, Marília é quase sempre um vo-
e) exaltação à índia Lindoia, que morre após Diogo Álva- cativo; embora tenha a estrutura de um diálogo, a obra é
res decidir-se por Moema, que ajudava os espanhóis na um monólogo - só Gonzaga fala, raciocina; constantemen-
luta contra os índios. te cai em contradição quanto à sua postura de Spastor e
sua real idade de burguês.
04 (UFRS) – Assinale a afirmativa incorreta em rela- Está(ão) correta(s):
ção à obra O Uraguai, de Basílio da Gama. a) Apenas I;
a) O poema narra a expedição de Gomes Freire de Andra- b) Apenas II;
da, Governador do Rio de Janeiro, às missões jesuíticas c) Apenas I e II;
espanholas da banda oriental do rio Uruguai;
d) Apenas I e III;
b) O Uraguai segue os padrões estéticos dos poemas épi-
cos da tradição ocidental, como a Odisseia, a Eneida e Os e) Todas.
Lusíadas;
c) Basílio da Gama expressa uma visão europeia em rela- 08 Em seu poema épico, tenta conciliar a louvação do
ção aos indígenas, acentuando seu caráter bárbaro, inca- Marquês de Pombal e o heroísmo do índio. Afasta-se do
paz de sentimentos nobres e humanitários; modelo de Os Lusíadas e emprega como maravilhoso o
d) Nas figuras de Cacambo e Sepé Tiaraju está represen- fetichismo indígena. São heróis desse poema:
tado o povo autóctone que defende o solo natal; a) Cacambo, Lindóia, Moema;
e) Lindoia, única figura feminina do poema, morre de b) Diogo Álvares Correia, Paraguaçu, Moema;
amor após o desaparecimento de seu amado Cacambo.
c) Diogo Álvares Correia, Paraguaçu, Tanajura;
05 A respeito da época em que surgiu o Arcadismo: d) Cacambo, Lindoia, Gomes Freira de Andrade;
e) n.d.a.
a) os “enciclopedistas” construíram os alicerces filosófi-
cos da Revolução Francesa;
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. a 02. d 03. a 04. c 05. d 06. c 07. d 08. d 09. a 10. d
ROMANTISMO: POESIA
Atenção!
O indianismo é inspirado no mito do bom selvagem
(Jean-Jacques Rousseau)
Vista do Rio de Janeiro, Hagedorn, M C. Maya
Domínio | Obras Literárias 5
Período Romantismo
• Nacionalismo;
Antônio Gonçalves Dias (1823-64) foi filho de um co-
merciante português e de uma índia mestiça ou cafusa. • Indianismo;
Bacharelou-se em Direito em Portugal, mas ficou conhe- • Traços autobiográficos;
cido pelo trabalho com as letras. Além de poeta, foi pro- • Religiosidade;
fessor e jornalista. Em 1859, chefiou um uma expedição • Nacionalismo saudosista: por muitas vezes, Gon-
científica de etnografia, em missão do governo, atraves- çalves Dias esteve no exterior. Lá, fez poemas líricos
sando o Ceará e o Amazonas. Em 1861 e 62, fez novas nos quais expressou a saudade da pátria, como, por
viagens pelo Norte, pelos rios Madeira e Negro. Na vida exemplo, a famosíssima Canção do Exílio;
sentimental, apesar do prestígio que tinha, não pode ca-
sar-se com o seu grande amor, Ana Amélia Ferreira do • Poesia amorosa marcada pela frustração e pela
Vale, porque a mãe da moça não aceitara o casamento melancolia: na lírica amorosa, o autor cria um Eu -
da filha com um mestiço. poético que exprime a tristeza de uma vida amorosa
infeliz;
• Vocabulário: além do português culto, o poeta tam-
NACIONALISTA bém usa palavras típicas e expressões da língua
tupi;
Maior nome da poesia nacio- • Preferência pelos versos rimados e metrificados;
nalista romântica brasileira, • Virtuosismo formal: seguro das técnicas de versifi-
Gonçalves Dias está mais li- cação, Gonçalves Dias é capaz de usar de diferentes
gado, porém, à poesia india- métricas e ritmos.
nista. Isso se deve ao fato de
ninguém ter conseguido criar
versos tão líricos, belos e mag- “O exame de sua poética revela um consciente
níficos quantos os que o poe- utilizador de seus recursos, tendo-se valido da
ta maranhense dedicou aos métrica, ritmo, imagens, linguagens, como um
costumes, crenças, tradições consumado artífice do verso. Praticou todos os
dos índios brasileiros, por ele metros, variando de tipo dentro do mesmo poe-
considerados como verdadei- ma, ou de obra em obra.”
ros representantes de nossa Afrânio Coutinho & J. Galante de Sousa
cultura nacional. A figura do
indígena ganha tons míticos e épicos dentro da poesia,
capazes de colocar à tona toda a sua harmonia com
a natureza, sua honra, virtude, coragem e sentimentos SOBRE ÚLTIMOS CANTOS
amorosos, mesmo que isso muitas vezes signifique uma
imagem idealizada e exacerbada de sua vida quotidiana. Publicado em 1851, Últimos Cantos é a terceira
É, apesar de todo esforço nacionalista, o resquício da coletânea de poemas publicada por Gonçalves Dias.
visão que os povos da Europa tinham do selvagem da O livro é dividido em três partes: Poesias Americanas,
América, aliada a uma tentativa de conciliação entre a Poesias Diversas e Hinos.
sua imagem e os ideais e honras do cavaleiro medieval
europeu, fartamente cantado no Romantismo.
SELEÇÃO DE POEMAS PARA LEITURA E ESTUDO
Mais do que uma vigorosa exaltação nacionalista, alguns
dos versos que Gonçalves Dias dedicou aos índios ser-
vem e muito para denunciar os três séculos de destrui- O gigante de pedra
ção que os colonizadores impuseram às suas culturas.
I
• É considerado um dos maiores poetas brasileiros Gigante orgulhoso, de fero semblante,
de todos os tempos; Num leito de pedra lá jaz a dormir!
• Revelou-se um poeta com domínio da forma e do Em duro granito repousa o gigante,
6 Domínio | Obras Literárias
Período Romantismo
Nas duras montanhas os membros gelados, O poema nos é apresentado em dez cantos, organizados
Talhados a golpes de ignoto buril, em forma de composição épico-dramática. Os narrado-
Descansa, ó gigante, que encerras os fados, res ( um “eu narrador” e o velho Timbira que a toda ação
Que os términos guardas do vasto Brasil. assistira) enfatizam, na história contada, sentimentos
que elevam a grandeza de caráter do índio: heroísmo,
TESTES
Nosso céu tem mais estrelas,
01 (UEL) – Gonçalves Dias se destaca no panorama
da primeira fase romântica pelas suas qualidades supe- Nossas várzeas têm mais flores.
riores de artista. Nele: Nossos bosques têm mais vida,
a) a pátria é retratada de maneira que se tenha um regis- Nossa vida mais amores.
tro fiel da sua fauna e flora, sem interferência da emoção
do poeta, como em “Canção do Exílio”; Em cismar, sozinho, à noite,
b) a persistência de traços do espírito clássico impede Mais prazer encontro eu lá.
o exagero do sentimentalismo, encontrado, por exemplo, Minha terra tem palmeiras,
em Casimiro de Abreu;
Onde canta o sabiá.
c) o indianismo é fiel à verdade da vida indígena, não apre-
sentando a distorção poética observada em outros es-
critores; Minha terra tem primores
d) protótipo do byroniano, convivem lado a lado o humor Que tais não encontro eu cá;
negro e o extremo idealismo; Em cismar — sozinho, à noite —
e) predomina a poesia lírica de recuperação da infância, Mais prazer encontro eu lá.
com acentuado tom saudosista, tão evidente em “Meus Minha terra tem palmeiras,
Oito Anos”.
Onde canta o sabiá.
02
Não permita Deus que eu morra
Canção do exílio
Sem que eu volte para lá;
Minha terra tem palmeiras,
Sem que desfrute os primores
Onde canta o sabiá.
Que não encontro por cá;
As aves que aqui gorjeiam
Sem qu’inda aviste as palmeiras
Não gorjeiam como lá.
Onde canta o sabiá.
Ao aproximarmos o poema acima, de Gonçalves Dias, a) culto a valores heroicos como herança da era medie-
presente em Primeiros Cantos, da produção poética de val;
Últimos Cantos, podemos destacar como ponto comum: b) subjetivismo que se revela através da poesia em pri-
a) a crença de Gonçalves Dias no fato de que seus versos meira pessoa;
extinguiriam a miséria humana; c) gosto pelas metáforas;
b) o fato de Gonçalves Dias, poeta ultrarromântico, pos- d) escapismo que faz o romântico criar um mundo pró-
suir obra fortemente marcada pela imaginação fértil e prio e idealizado;
inteligência; e) gosto pelo mistério que se traduz num masoquismo.
c) a exaltação da terra brasileira, fortemente marcada
pela presença do índio, habitante primeiro de nossas ter- 05 (ITA - SP) – O texto reproduz alguns trechos do
ras;
poema Leito de folhas verdes, do escritor romântico Gon-
d) a forte religiosidade, marca central de sua produção çalves Dias, que consta do livro Últimos cantos (1851).
poética, que aqui se evidencia por um endeusamento das Nesse longo poema, o poeta dá voz a uma índia que di-
terras brasileiras; rige um apelo emocionado e sensual ao seu amado, o
e) o nacionalismo, ecoando ruídos de um Brasil recém- índio Jatir, e que permanece na expectativa da chegada
independente de Portugal e repleto de belezas naturais. do homem amado para um encontro sexual. Ao final, o
encontro erótico-amoroso acaba não se concretizando,
“Do tamarindo a flor jaz entreaberta, pois Jatir não chega ao local em que a índia o aguarda.
Já solta o bogari mais doce aroma; Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
Também meu coração, como estas flores, À voz do meu amor moves teus passos?
Melhor perfume ao pé da noite exala!” Da noite a viração, movendo as folhas,
(“Leito de folhas verdes”) Já nos cimos do bosque rumoreja.
[...]
“Ação tão nobre vos honra, Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Nem tão alta cortesia Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vi eu jamais praticada Vai seguindo após ti meu pensamento:
Entre os Tupis - e mas foram Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Senhores em gentileza.” [...]
(“I - Juca Pirama”) Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te
03 (PUCCAMP) – Os excertos dos poemas anterior-
chama!
mente indicados, dos ÚLTIMOS CANTOS, exemplificam
esta afirmação sobre a poesia de Gonçalves Dias: [...]
a) A contemplação da natureza leva à expressão de con-
vicções religiosas, assim como os valores cristãos sobre- Sobre esse poema é INCORRETO afirmar que:
põem-se sutilmente à rudeza da vida selvagem; a) Há no poema a presença explícita da natureza como
b) Não se distingue a donzela branca da amante indígena, cenário perfeito para a realização do ato amoroso, o que
tanto quanto não se opõe a bravura do índio à bravura de costuma ser uma marca da poesia romântica;
um cavaleiro medieval; b) A emoção do sujeito lírico feminino é notória pelo tom
c) O amor da índia espelha a força da própria natureza, com que a índia apela ao amado para que ele venha ao
mas código de conduta dos guerreiros indígenas reflete seu encontro; daí a presença dos pontos de exclamação
os valores dos fidalgos medievais; no poema;
d) A sublimação do amor implica a idealização da morte, c) A emoção do sujeito lírico feminino deriva do amor da
assim como o código de conduta dos guerreiros indíge- índia por Jatir, amor que é sentimental e erótico (amor
nas idealiza os valores dos fidalgos medievais; da alma e amor do corpo);
e) O amor da índia espelha a força da própria Natureza, d) O texto é uma versão romântica das cantigas de amigo
tanto quanto se apresentam com naturais e próprios os medievais, nas quais o trovador reproduzia a fala femi-
valores de conduta do guerreiro indígena. nina que manifestava o desejo de encontro com o seu
“amigo” (amado);
04 (UFF - RJ) e) Não se trata de um poema romântico típico, pois o
amor romântico é sempre pautado pelo sentimento pla-
I-Juca-Pirama tônico e pelo ideal do amor irrealizável no plano corpóreo.
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste? Marabá
Não descende o cobarde do forte; “Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Pois choraste, meu filho não és!” Acaso feitura
DIAS, G. “Últimos Cantos”. In: REBELO, M. Org. Antologia escolar brasileira. Rio
de Janeiro: MEC/Fename, 1967. p. 276. Não sou de Tupá?
Nos versos do poema acima, vê -se a indignação do ve- Se algum dentre os homens de mim não se esconde
lho índio Tupi, ao saber que o filho pedira aos inimigos Ai- — “Tu és”, me responde,
morés que lhe poupassem a vida. Neles, Gonçalves Dias
apresenta um dos traços mais caros ao Romantismo, “Tu és Marabá!”
que é o
Domínio | Obras Literárias 17
Período Romantismo
Meus olhos são garços, são cor das safiras,
06 (UNIRIO - RJ) – Após leitura, análise e interpreta-
Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; ção do poema Marabá, algumas afirmações como as se-
Imitam as nuvens de um céu anilado, guintes podem ser feitas, com exceção de uma. Indique-a.
As cores imitam das vagas do mar!
a) O poema se inicia com uma pergunta de ordem religio-
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos: sa e termina com uma consideração de aspecto sensual;
— ‘Teus olhos são garços’, b) O poema é um profundo lamento construído com base
Responde anojado, ‘mas és Marabá: na estrutura dialética, apresentando-se argumentação e
contra argumentação;
‘Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
c) Ocorre interlocução registrada em discurso direto,
‘Uns olhos fulgentes, estrutura que enfatiza assim o desprezo preconceituoso
‘Bem pretos, retintos, não cor d’ anajá!’ dado à Marabá;
d) A ocorrência de figuras de linguagem e o emprego da
É alvo meu rosto da alvura dos lírios, primeira pessoa marcam, respectivamente, as funções
Da cor das areias batidas do mar; da linguagem poética e emotiva;
As aves mais brancas, as conchas mais puras e) Marabá é poema representante da primeira fase que
Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. cultua o aspecto físico da mulher.
Se ainda me escuta meus agros delírios: 07 (UFSM) – Considere os versos de “Canção do Ta-
— ‘ És alva de lírios’, moio”, de Gonçalves Dias.
Sorrindo responde, ‘mas és Marabá: “Um dia vivemos!
‘Quero antes um rosto de jambo corado, O homem que é forte
‘Um rosto crestado Não teme da morte;
‘Do sol do deserto, não flor de cajá.’ Só teme fugir;
No arco que entesa
Meu colo de leve se encurva engraçado, Tem certa uma presa,
Como hástea pendente do cáctus em flor; Quer seja tapuia,
Mimosa, indolente, resvalo no prado, Condor ou tapir.”
Como um soluçado suspiro de amor! Conforme os versos transcritos,
— ‘Eu amo a estatura flexível, ligeira, a) quem erra o alvo precisa fugir da caça;
Qual duma palmeira’, b) os índios estão em guerra contra os tapuias;
Então me respondem; ‘tu és Marabá: c) a covardia é o único sentimento a ser temido pelos
Quero antes o colo da ema orgulhosa, fortes;
Que pisa vaidosa, d) quem não tem boa pontaria é excluído do grupo de
Que as flóreas campinas governa, onde está.’ guerreiros;
e) o bom índio se conhece pela qualidade do seu arco.
Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
08 (UFPR) – Sobre o livro de poesia Últimos Cantos,
O oiro mais puro não tem seu fulgor;
de Gonçalves Dias, considere as seguintes afirmativas:
As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
1. A métrica em “I-Juca-Pirama” é variável e tem conexão
De os ver tão formosos como um beija-flor! com a progressão dos fatos narrados, o que permite di-
zer
Mas eles respondem : — Teus longos cabelos, que o ritmo se ajusta às reviravoltas da narrativa.
‘São loiros, são belos, 2. “Leito de folhas verdes” e “Marabá” tematizam a mis-
Mas são anelados; tu és Marabá; cigenação brasileira ao apresentarem dois casais inter-
Quero antes cabelos bem lisos, corridos, raciais.
Cabelos compridos, 3. A “Canção do Tamoyo” apresenta o relato de feitos
Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá.’ heroicos específicos desse povo para exaltar a coragem
humana.
E as doces palavras que eu tinha cá dentro 4. O poema “Hagaar no deserto” recria um episódio bíbli-
co e apresenta uma escrava escolhida por Deus para ser
A quem nas direi? mãe de Ismael, o patriarca do povo árabe.
O ramo d’acácia na fronte de um homem
Assinale a alternativa correta.
Jamais cingirei:
a) Somente as afirmativas 1 e 3 são verdadeiras;
Jamais um guerreiro da minha arazóia b) Somente as afirmativas 2 e 3 são verdadeiras;
Me desprenderá: c) Somente as afirmativas 1 e 4 são verdadeiras;
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha, d) Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras;
Que sou Marabá!” e) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.
(Gonçalves Dias)
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. b 02. e 03. c 04. a 05. e 06. e 07. c 08. c 09. d 10. b
PERÍODO: PRÉ-MODERNISMO
“A biografia de Lima Barreto explica o húmus
“Creio que se pode chamar Pré-modernista (no ideológico da sua obra: a origem humilde, a cor,
sentido forte de premonição dos temas vivos em a vida penosa de jornalista pobre e pobre ama-
22) tudo que, nas primeiras décadas do século nuense, aliadas à viva consciência da própria si-
XX, problematiza nossa realidade social e cultu- tuação social, motivaram aquele seu socialismo
ral.” maximalista, tão emotivo nas raízes quanto pene-
trante nas análises. ”
Alfredo Bosi
Alfredo Bosi
Considera-se “Pré-Modernismo” um período de transi- Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) nas-
ção entre os estilos literários do fim do séc. XIX, que ceu numa família pobre. Por meio da ajuda do padrinho
ainda serão muito influentes no início do século seguin- importante, consegue concluir os estudos ginasiais. Es-
te, e o Modernismo, cujo início se dá em 1922, com a forçado e inteligente, chegou ao nível superior, iniciando
Semana de Arte Moderna. o curso de engenharia, que não chegou a concluir por
Por ser entendido como um período de transição, o Pré- ter que trabalhar para sustentar a família após o enlou-
-Modernismo não é uma escola literária propriamente quecimento do pai.
dita, pois não forma um estilo definido. Trata-se de um Sem a proteção do padrinho, e, principalmente, sofren-
momento em que se observa a convivência de estilos do discriminações por ser pobre e mulato, teve que tra-
mais tradicionais (ligados ao séc. XIX) com as primeiras balhar em cargos modestos, longe do reconhecimento
manifestações modernistas que começam a surgir no profissional que sua capacidade merecia. Perturbado,
Brasil, especialmente na década de 1910. sofreu crises de depressão e de alcoolismo, que o leva-
Dessa maneira, os autores que produziram especial- ram ao internamento por duas vezes.
mente nessa época (1901-1922) apresentam estilos Após ingressar no serviço público, com o cargo de es-
diferentes. Uns, como Euclides da Cunha, possuem uma crevente, passou a colabrorar em jornais e escrever
escrita mais próxima da linguagem tradicional; outros, seus primeiros textos literários. Lima Barreto foi um
como Lima Barreto e Monteiro Lobato, defendem uma “excluído” e é nessa condição observou criticamente a
literatura em que prevaleça a linguagem mais próxima sociedade urbana do início do séc. XX.
da coloquialidade, ou seja, com um vocabulário mais
afinado com as propostas que serão levantadas pelos
autores modernistas. O ESTILO DE LIMA BARRETO
Há um fator que pode ser um ponto comum na maioria
dos autores pré-modernistas: a visão crítica da realida- “Como ficcionista, Lima Barreto especializou-se
de nacional. Eles, em maioria, traçarão um painel de de- na pintura dos humildes, a gente do povo, a clas-
núncia social, especialmente sobre as condições precá- se dos funcionários espezinhados, os mestiços,
rias do interior do Brasil. os suburbanos, e sempre o faz com ternura e
• A retratação de um Brasil afastado dos grandes um senso de fraternidade que o situam entre os
centros: pobre, doente e ignorado; maiores ficcionistas de veia popular e social.”
• A busca de uma nova interpretação social do atraso Afrânio Coutinho & J. Galante de Sousa
e da miséria do interior do Brasil.
A escrita de Lima Barreto corre em direção contrária
CLARA DOS ANJOS - LIMA BARRETO ao estilo vigente na época, chamado pejorativamente de
SOBRE LIMA BARRETO
academicismo. No início do século XX, mais que a pro-
fundidade de conteúdo, importante mesmo era aparen-
tar ser culto, e muitos escritores e oradores faziam isso
por meio de uma linguagem rebuscada.
Lima Barreto foi um crítico contundente dessa forma
de escrita e, assim, adotou em sua escrita um estilo
próximo da coloquialidade, influenciada pelo jornalismo,
o que faz de seus romances uma espécie de crônica da
vida social da época.
Além da escrita despojada, sem rebuscamentos, esse
autor também empregou à sua narrativa a ironia, fazen-
do da sátira uma forma de construir a crítica da socie-
dade em que viveu.
Com o tempo, tomou algumas luzes e atirou-se Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta
a tratar de papéis de casamento e organizou anos, branco, sardento, insignificante, de rosto
uma biblioteca particular de manuais jurídicos, e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como
de índices de legislação, etc., etc. Vestia-se sem- consumado “modinhoso”, além de o ser também
pre de fraque, botinas de verniz ou gaspeadas, por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis,
e não dispensava a pasta indicadora de homens não tinha as melenas do virtuose do violão, nem
de leis, Quando foi moda ser de rolo, ele a usou outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se se-
assim; quando veio a moda de ser em saco, como riamente, segundo as modas da Rua do Ouvidor;
a trazem agora os advogados, ele comprou uma mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos,
luxuosa de marroquim com fechos de prata. as suas roupas chamavam a atenção dos outros,
que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoa-
díssimo “Brandão”, das margens da Central, que
Nesse ambiente de cultura de aparência, escritores de lhe talhava as roupas. A única pelintragem, ade-
verdade não têm destaque, nem conseguem viver da quada ao seu mister, que apresentava, consistia
arte da escrita. O caso de Leonardo Flores é um exem- em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido
plo: poeta autêntico, com livros pulicados, mas foi o que no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao
menos ganhou dinheiro com seus versos. meio - a famosa “pastinha”. Não usava topete,
nem bigode. O calçado era conforme a moda,
mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um
Aparecia, também, em certas ocasiões, o Leo- elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as
nardo Flores, poeta, um verdadeiro poeta, que damas com o seu irresistível violão.
tivera o seu momento de celebridade no Brasil
inteiro e cuja influência havia sido grande na gera-
ção de poetas que se lhe seguiram. Naquela épo- Como se pode perceber, Cassi não possui nada de espe-
ca, porém, devido ao álcool e desgostos íntimos, cial, nem fisicamente, nem quanto ao talento artístico.
nos quais predominava a loucura irremediável de Ele é personagem que representa um tipo de malandro
um irmão, não era mais que uma triste ruína de como tantos outros espalhados pelos subúrbios.
homem, amnésico, semi-imbecilizado, a ponto de
não poder seguir o fio da mais simples conversa.
Havia publicado cerca de dez volumes, dez suces- Cassi é o tipo mais completo de vagabundo do-
sos, com os quais todos ganharam dinheiro, me- méstico que se pode imaginar. É um tipo de bra-
nos ele, tanto assim que, muito pobremente, ele, sileiro.
mulher e filhos agora viviam com o produto de
uma mesquinha aposentadoria sua, do governo Sem ocupação séria, vadiava como músico medíocre.
federal. Com a fama de músico, seduzia moças pobres e negras
e as abandonava após elas engravidarem.
Nesse caso, o narrador compõe em Clara uma caracte- Naturalmente, um dos pricipais fatores que mantinham
rização oposta à de Cassi. Este é um mimado sem prin- malandros como ele praticando tais atos é a impunida-
cípios; aquela, uma moça humilde e bem-criada. Porém, de. Isso garantia a Cassi a liberdade para contunuar fa-
é importante, para o estudo do romance, notar que o zendo vítimas entre as moças pobres. Mas, não havia
narrador faz crítica a essas duas formas radicalmente alguma lei, alguma proteção estatal para essa vítimas?
opostas de educação: se a de Cassi fez dele um ma-
landro irresponsável, a maneira como Clara fora criada Embora a Lei da época prevesse “contra a segurança
deixou-a ingênua demais. Por ficar demais “presa” em da honra e honestidade das famílias e do ultraje público
casa, ela não conheceu as artimanhas de pessoas mal- ao pudor” (Código Penal de 1890), é claro que meninas
-intencionadas espalhadas pelo mundo. como Clara, negra e pobre, não tinham condições de
fazer valer seus direitos. Cabiam a elas enfrentar sozi-
nhas as consquências físicas (a gravidez) e, principal-
A mulher de Joaquim dos Anjos tinha a supersti- mente, a condenação moral: o conhecido preconceito
ção dos processos mecânicos, daí o seu proce- contra as mães solteiras. Algumas buscavam o aborto
der monástico em relação à Clara. Enganava-se como solução; outras nem tinham recursos para isso.
com a eficiência dela; porque, reclusa, sem con- Para a maioria dessas suburbanas, o máximo que po-
vivência, sem relações, a filha não podia adquirir diam fazer era um escândalo, que poderia servir ape-
uma pequena experiência da vida e notícia das nas como desabafo, mas nada que realmente punisse
abjeções de que está cheia, como também a sua o malandro. Esse foi o caso de primeira moça abusada
pequenina alma de mulher, por demais comprimi- por Cassi.
da, havia de se extravasar em sonhos, em sonhos
de amor, de um amor extra-real, com estranhas
reações físicas e psíquicas. – Você sabe onde tá teu fio? Tá na detenção, fi-
que você sabendo. Se meteu com ladrão, é pivete.
Eis aí o que ocê feiz, seu marvado, homi mardi-
Assim, Clara acaba se tornando ingênua demais, sem çoado. Pior do que ocê só aquela galinha da an-
capacidade de desconfiar, de se proteger. Logo, ela é a gola da sua mãe, seu sem vergonha.
presa perfeita para um aproveitador como Cassi.
Clara fez algo parecido ao ir à casa dos pais de Cassi,
A filha do carteiro, sem ser leviana, era, entretan- acompanhada da mãe e de Margarida. Porém, ao invés
to, de um poder reduzido de pensar, que não lhe de receber um amparo da família do malfeitor, espe-
permitia meditar um instante sobre o seu desti- rança que ainda alimentara, recebeu, na verdade, ainda
no, observar os fatos e tirar ilações e conclusões. mais humilhações da parte de Salustiana.
Mesmo conhecendo a fama de malandro de Cassi, ela Ao ouvir a pergunta de Dona Salustiana, [Clara]
se apaixona por esse músico branco, que a ilude com não se pôde conter e respondeu como fora de si:
promessas e falsas demonstrações de carinho.
— Que se case comigo.
Dona Salustiana ficou lívida; a intervenção da mu-
[...] tinha às vezes vontade de dizer ao seu padri- latinha a exasperou. Olhou-a cheia de malvadez e
nho: ‘padrinho, esse Cassi deve ser muito rico, indignação, demorando o olhar propositadamen-
porque compra a polícia, a justiça, para não ser te. Por fim, expectorou:
preso. Olhe: se ele fosse condenado pela metade — Que é que você diz, sua negra?
dos crimes que o senhor lhe atribui, estaria já na
cadeia por mais de trinta anos’.
TESTES
rado. A mãe veio a descobrir-lhe a falta, que se denuncia-
01 (FUVEST) va pelo estado do seu ventre. Correu ao Senhor Manuel,
que não estava.
A obra de Lima Barreto:
Falou a Dona Salustiana e esta, empertigando-se toda,
a) Reflete a sociedade rural do século XIX, podendo ser disse secamente:
considerada precursora do romance regionalista moder- — Minha senhora, eu não posso fazer nada. Meu filho é
no; maior.
b) Tem cunho social, embora esteja presa aos cânones — Mas, se a senhora o aconselhasse como mãe que é, e
estéticos e ideológicos românticos, e influenciou forte- de filhas, talvez obtivesse alguma coisa. Tenha piedade de
mente os romancistas da primeira geração modernista; mim e da minha, minha senhora.
c) É considerada pré-modernista, uma vez que reflete a E pôs-se a chorar e a soluçar.
vida urbana paulista antes da década de 1920;
Dona Salustiana respondeu amuada, sem demonstrar o
d) Gira em torno da influência do imigrante estrangeiro mínimo enternecimento por aquela dor inqualificável:
na formação da nacionalidade brasileira, refletindo uma
grande consciência crítica dessa problemática; — Não posso fazer nada, no caso, minha senhora. Já lhe
disse. A senhora recorra à justiça, à polícia, se quiser. É
e) É pré-modernista, refletindo forte sentimento nacional o único remédio.
e grande consciência crítica de problemas brasileiros.
A mãe de Nair acalmou-se um pouco e observou:
02 (UFLA - MG, adaptada) – O enredo da obra Clara — Era o que eu queria evitar. Será uma vergonha para
dos Anjos, de Lima Barreto, retoma uma das constantes mim e para a senhora e família.
da ficção que predomina entre o período da implantação — Nós nada temos com o que Cassi faz. Se fosse nossa
do naturalismo e do modernismo, que é a questão: filha…
a) da desilusão amorosa, reafirmando a triste realidade Não acabou a indireta injuriosa; levantou-se e estendeu a
daqueles que não “enxergavam” a diferença de classes; mão à desolada mãe, como que a despedindo.
b) da solidão, retratando-a por meio de romances confli- A viúva saiu cabisbaixa; e, dali, foi à audiência do delegado
tuosos e reprimidos; distrital e expôs tudo. O delegado disse-lhe:
c) da especulação metafísica a respeito da natureza do — Apesar de estar ainda não há seis meses neste dis-
homem; trito, sei bem quem é esse patife de Cassi. O meu maior
d) da injustiça contra os oprimidos, revelando o jogo de desejo era embrulhá-lo num bom e sólido processo; mas
mentira e poder a que as pessoas estão sujeitas; não posso, no seu caso. A senhora não é miserável, pos-
sui as suas pensões de montepio e meio soldo; e eu só
e) do preconceito racial e social, vivenciado pelos negros posso tomar a iniciativa do processo quando a vítima é
e mestiços. filha de pais miseráveis, sem recursos.
— Mas, não há remédio, doutor?
03 Leia o trecho abaixo e, sobre ele, assinale a alterna-
— Só a senhora constituindo advogado.
tiva correta:
— Ah! Meu Deus! Onde vou buscar dinheiro para isso?
Enfim, a pequena Nair, inexperiente, em plena crise de Minha filha, desgraçada, meu Deus!
confusos sentimentos, sem ninguém que lhe pudesse
orientar, acreditou nas lábias de Cassi e deu o passo er- (Lima Barreto, Clara dos Anjos, cap. II.)
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. e 02. e 03. b 04. c 05. d 06. a 07. e 08. e 09. e 10. a
João Cabral de Melo Neto pertence à 3ª fase modernis- tes pelo caminho, decepciona-se com o sonho da cidade
ta, também conhecida como “Geração de 45”. A partir grande, do mar.
de rupturas principalmente estéticas com a primeira e a Decide-se por saltar fora da ponte e da vida atirando-se
segunda fases modernistas, é conhecida também como no rio Capibaribe. Enquanto se prepara para morrer e
“Fase Pós-Moderna”. conversa com seu José, uma mulher anuncia que o fi-
Trata-se de uma geração preocupada, no caso de Guima- lho deste saltou dentro da vida, ou seja: nasceu. Severino
rães Rosa e João Cabral, com a palavra e a forma, além assiste ao auto de Natal (encenação comemorativa do
da temática do moderno regionalismo. nascimento).
É o segundo movimento, o da vida. O autor não coloca
MORTE E VIDA SEVERINA - JOÃO CABRAL DE MELO a euforia da ressurreição da vida dos autos tradicionais;
NETO ao contrário, o otimismo que aí ocorre é de confiança no
homem, em sua capacidade de resolver os problemas
SOBRE JOÃO CABRAL DE MELO NETO
sociais.
Por fim, seu José, mestre carpina, tenta convencer Seve-
Nascido em Recife, em 1920, João rino a não se atirar no rio, para fora da vida.
Cabral de Melo Neto era proveniente
de tradicionais famílias pernambuca-
nas e paraibanas. Viveu a infância em RESUMO E ANÁLISE
meio aos engenhos de seus avós. Es-
tudou em Recife, no Colégio dos Ir- Morte e Vida Severina, Auto de Natal Pernambucano,
mãos Maristas. Exerceu funções de um sujeito coletivo e passivo a gente sem nome que
consulares em Barcelona, Sevilha, baixou com o rio até o Recife. Patronímico dos mais fre-
Marselha, Madri, Genebra, Berna, quentes no Nordeste, o nome do personagem desse
Honduras e Portugal. Auto, Severino, passa de substantivo próprio a comum.
São severinos todos os retirantes que a seca escorraça
Uma das características fundamen- do sertão e que o latifúndio escorraça da terra. A palavra
tais de sua poesia é a linguagem concisa, seca e princi- perde, então, seu caráter de substantivo, e o ser que ela
palmente a criação de imagens visuais. designa a sua substância: “severino” adjetivo qualifica a
João Cabral salienta-se por seu constante combate ao existência negada. Essa mudança de categoria gramati-
sentimentalismo e à poesia irracional. Parte para uma cal, que corresponde a uma mudança de categoria na
análise do significado da poesia, tentando fazer com que existência social.
ele saia da posição em que sempre se mantém. é o enge- Pode-se, consequentemente, voltar ao nome em sua
nheiro da poesia e da linguagem. Sonha com a realização substantividade, mas já como gênero abstrato a severini-
do verso nítido e preciso. dade de uma situação humana de carência, que designa
Concisão e precisão são, na verdade, os traços domi- igualmente todo aquele que dela participa. Um e muitos,
nantes da poesia de João Cabral. Sua obra, entretanto, o personagem do Auto, que se chama Severino e que,
segue dois caminhos que ele próprio classifica como as como o rio, vem do sertão para desaguar nos mangues
duas águas. De um lado, os poemas concisos, a busca do Recife, abrange todos os outros incontáveis severinos.
da perfeição de vocabulário, a poesia metalinguística.
De outro, a poesia de participação. São os versos que
realizam uma análise social, retratam as condições do O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
homem nordestino. Sem nenhuma concessão ao senti- — O meu nome é Severino,
mentalismo, retrata e analisa todo o sofrimento da vida não tenho outro de pia.
subumana do homem de sua terra.
(...)
A OBRA
Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Ca- Somos muitos Severinos
bral, é um auto de Natal do Folclore pernambucano e, iguais em tudo na vida:
também, da tradição ibérica. Sua linha narrativa segue na mesma cabeça grande
dois movimentos que aparecem no título: morte e vida.
No primeiro, temos, o trajeto de Severino, o retirante que que a custo é que se equilibra,
vem do Sertão para o Litoral, em face da opressão econô- no mesmo ventre crescido
mico-social, seguindo a trilha do Rio Capibaribe. sobre as mesmas pernas finas,
Quando atinge o Recife, depois de encontrar muitas mor- e iguais também porque o sangue
Domínio | Obras Literárias 29
Período: 3ª Fase Modernista
que usamos tem pouca tinta. — Até que não foi morrida,
E se somos Severinos irmão das almas,
iguais em tudo na vida, esta foi morte matada,
morremos de morte igual, numa emboscada.
mesma morte severina: (...)
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,de emboscada antes dos vin- E o que havia ele feito,
te, irmãos das almas,
de fome um pouco por dia e o que havia ele feito
(...) contra a tal pássara?
— Ter uns hectares de terra,
Mas, para que me conheçam irmão das almas,
melhor Vossas Senhorias de pedra e areia lavada
e melhor possam seguir que cultivava.
a história de minha vida, (...)
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra. O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE
SEU GUIA, O RIO CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO
O texto tem marcante ambivalência de estrutura: nar-
rativo, quanto ao encadeamento e ao caráter episódico
das cenas que o compõem, e dramático, quanto ao ca- — Antes de sair de casa
ráter geral da ação que se desenrola através dessas aprendi a ladainha
cenas. Cabe ao personagem a iniciativa de começar o
relato de sua história, cujo desenvolvimento, apresen- das vilas que vou passar
tado em quadros sucessivos, precedidos de entrechos na minha longa descida.
narrativos que descrevem antecipadamente um aconte- (...)
cimento ou situação, produzem-se sob diversas formas:
monólogos, diálogos, lamentos e elogios.
sei que há simples arruados,
É fácil perceber a composição mista do drama, que se
perfaz em dois movimentos simétricos, nos limites da sei que há vilas pequeninas,
oposição entre Morte e Vida compreendida pelo próprio todas formando um rosário
título do Auto: o da viagem de Severino até o Recife, pe- cujas contas fossem vilas,
sado e sombrio, que corresponde à morte; o do auto (...)
natalino, leve e alegre, que corresponde à vida.
ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUN- Pensei que seguindo o rio
TO NUMA REDE, AOS GRITOS DE: “Ó IRMÃOS DAS AL- eu jamais me perderia:
MAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI
NÃO!” ele é o caminho mais certo,
de todos o melhor guia.
— A quem estais carregando, Mas como segui-lo agora
irmãos das almas, que interrompeu a descida?
embrulhado nessa rede? Vejo que o Capibaribe,
dizei que eu saiba. como os rios lá de cima,
— A um defunto de nada, é tão pobre que nem sempre
irmão das almas, pode cumprir sua sina
que há muitas horas viaja e no verão também corta,
à sua morada. com pernas que não caminham.
— E sabeis quem era ele, (...)
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTAN-
DO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM
ou se chamava? HOMEM, DO LADO DE FORA, VAI PARODIANDO AS PA-
— Severino Lavrador, LAVRAS DOS CANTADORES
irmão das almas,
(...) — Finado Severino,
quando passares em Jordão
E foi morrida essa morte, e os demônios te atalharem
irmãos das almas, perguntando o que é que levas...
essa foi morte morrida — Dize que levas cera,
ou foi matada? capuz e cordão
IMPORTANTE!
A análise do poema em questão precisa começar, necessariamente, pelo título. Ao escolher a ordem
“Morte e Vida”, o autor nos apresenta a ideia de que a Vida acaba por negar a Morte, prevalecendo
ao final. É fulcral, também, perceber “Severina” simultaneamente como substantivo e adjetivo, nesse
último caso, qualificando a morte e a vida do sertanejo.
Além disso, embora seja dono de uma poesia técnica, concisa, enxuta, racional e anti-lírica, neste
poema João Cabral demonstra certo sentimentalismo ao deslindar uma enorme crítica social aos
problemas do povo nordestino, dando continuidade à tradição dos prosadores da fase anterior do
Modernismo (a Geração de 30), como Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Jorge Amado. A po-
breza, a penúria, a seca, as doenças, as emboscadas e a questão fundiária estão entre os principais
assuntos debatidos pela obra.
Formalmente, o poema recupera o cunho medieval ao nos apresentar o auto, subgênero de cunho
medieval e que, por definição, exibe uma proposta pedagógica ou lição de moral. A fuga de Severino
do Sertão rumo ao Litoral, é exposta em 18 partes - das quais 12 tratam da morte e 6, da vida - com
versos escritos em redondilhas maiores, ou seja, com 7 sílabas poéticas.
Por fim, vale ressaltar que se encontram, em Morte e Vida Severina, o gênero épico, que narra a
trajetória do herói retirante, e também a encenação do gênero drama.
TESTES
mo nordestino que predominou na década de 30, do qual
01 (UFPR) – Leia o poema de João Cabral de Melo também são exemplos obras como “Vidas Secas”, de
Neto reproduzido abaixo. Graciliano Ramos, e “O Quinze”, de Rachel de Queiroz;
Cemitério Pernambucano 08) No poema acima, a morte das pessoas enterradas
num cemitério pobre se parece muito com a vida que
(São Lourenço da Mata) elas haviam levado (“Foi feito para os mortos/ que afoga
É cemitério marinho o canavial”). Relação semelhante entre vida e morte se
estabelece em “Morte e Vida Severina.”;
mas marinho de outro mar.
16) Apesar de “Morte e Vida Severina” ser um poema
Foi aberto para os mortos longo, formalmente bastante diferente deste “Cemitério
que afoga o canavial. Pernambucano (São Lourenço da Mata)”, eles têm em
comum uma elaborada e contundente crítica social.
As covas no chão parecem
as ondas de qualquer mar, 02 (UFPR) – Assinale as alternativas corretas a res-
mesmo as de cana, lá fora, peito de “Morte e vida severina”, de João Cabral de Melo
lambendo os muros de cal. Neto.
01) Ao contrário de Jesus Cristo que, ao nascer, recebeu
Pois que os carneiros de terra incenso, ouro e mirra, presentes valiosos, o filho de Seve-
parecem ondas de mar, rino recebe presentes insignificantes, destituídos de valor
não levam nomes: uma onda simbólico no contexto do poema;
onde se viu batizar? 02) A conversa entre Severino e seu José, o mestre car-
pina, revela o otimismo ingênuo do segundo, pois ele ten-
Também marinho: porque ta convencer o retirante de que a felicidade é um bem
as caídas cruzes que há natural, independentemente das dificuldades, bastando
são menos cruzes que mastros estar vivo para ser feliz;
quando a meio naufragar. 04) “É tão belo como um sim/ numa sala negativa” são
(MELO NETO, João Cabral de. “Obras Completas.” Rio de Janeiro: Nova Agui- versos que, somados à cena final, permitem compreen-
lar, 1994, p.157.) der o poema como uma afirmação da vida possível em
meio a uma atmosfera desesperançada, preenchida por
Assinale a(s) alternativa(s) que contém(êm) afirmação “coisas de não”;
correta a respeito da comparação entre este poema e 08) Duas ciganas visitam o recém-nascido e, embora
“Morte e Vida Severina.” uma delas preveja para a criança uma vida igual à que
seus pais tiveram, e a outra enxergue uma mudança de
01) “Morte e Vida Severina”, seja por seu caráter narra- destino, ambas anunciam um futuro cheio de dificuldades
tivo, seja pelo fato de ser um “auto de natal”, aproxima-se para o menino;
mais da poesia popular nordestina do que o poema aci- 16) No início do texto, Severino fracassa ao tentar indivi-
ma, embora este seja escrito em versos de sete sílabas, dualizar-se em relação a outros Severinos; dessa manei-
típicos da literatura popular; ra, estabelece-se o sentido da palavra “severina”, adjetivo
02) No poema acima percebe-se um tom desesperança- criado a partir do nome próprio que designa a dificuldade
do, resultado da vitória da morte sobre a vida, que tam- da vida no Nordeste, partilhada por todos os pobres;
bém se encontra em “Morte e Vida Severina.”; 32) Os momentos de alegria do retirante estão relacio-
04) Os dois poemas são representativos do regionalis-
Domínio | Obras Literárias 35
Período: 3ª Fase Modernista
nados a sua esperança de que existam lugares onde a
luta pela sobrevivência seja menos árdua do que no lugar 05 (UEL)
de onde ele emigrou.
“Os rios que correm aqui
têm a água vitalícia.
03 (PUCPR) – Trecho do poema “Morte e vida severi-
na”, de João Cabral de Melo Neto: Cacimbas por todo lado;
Cavando o chão, água mina.
“O que me fez retirar Vejo agora que é verdade
não foi a grande cobiça; O que pensei ser mentira
o que apenas busquei Quem sabe se nesta terra
foi defender minha vida
da tal velhice que chega Não plantarei minha sina?
antes de se inteirar trinta; Não tenho medo de terra
se na serra vivi vinte, (cavei pedra toda a vida),
se alcancei lá tal medida, e para quem buscou a braço
o que pensei retirando, contra a piçarra da Caatinga
foi estendê-la um pouco ainda. será fácil amansar
Mas não senti diferença esta aqui, tão feminina”
entre o Agreste e a Caatinga, (MELO NETO, João Cabral de. “Morte e vida Severina e outros poemas para
vozes”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 41.)
e entre a Caatinga e aqui a Mata piçarra: material semidecomposto da mistura de fragmentos de rocha, areia
a diferença é a mais mínima. e concreções ferruginosas.
Está apenas em que a terra Em relação ao trecho acima, de “Morte e Vida Severina”,
é por aqui mais macia; considere as afirmativas.
está apenas no pavio, I. Esses versos referem-se ao momento em que Severino
ou melhor na lamparina: chega à zona da mata e encontra a terra mais macia.
Isso nos é revelado num estilo suave e melodioso, em que
pois é igual o querosene a sonoridade das palavras expressa o entusiasmo do re-
que em toda parte ilumina, tirante.
e quer nesta terra gorda II. “Rios”, “cacimbas”, “água vitalícia” e “água mina” são ex-
quer na serra de caliça, pressões que remetem a um pensamento positivo sobre
a vida arde sempre com a região por onde passa o retirante Severino. Isso mostra
a sua alegria por ter encontrado um lugar onde ele viverá
a mesma chama mortiça.” com toda a sua família até a morte.
Aponte a alternativa que contém os versos que expres- III. Nesse trecho Severino encontra o que procura: água
sam a síntese da ideia principal do poema “Morte e vida e, conseqüentemente, vida. Isso está retratado nos ver-
severina”: sos “Não tenho medo de terra/ (cavei pedra toda a vida)”.
a) “O que me fez retirar não foi a grande cobiça;” IV. A expressão “tão feminina” do último verso é uma me-
táfora de terra macia, fácil de trabalhar, e se opõe à ex-
b) “entre o Agreste e a Caatinga, e entre a Caatinga e pressão “piçarra da Caatinga”, que significa terra dura,
aqui a Mata;” pedregosa.
c) “Está apenas em que a terra é por aqui mais macia;” V. Os versos “Os rios que correm aqui/ têm a água vita-
d) “e quer nesta terra gorda quer na serra de caliça;” lícia” significam que os rios nunca morrem. Essa consta-
e) “a vida arde sempre com a mesma chama mortiça.” tação refere-se à região da Caatinga, onde Severino vive
sua saga.
04 (PUCPR) – Sobre “Morte e vida severina”, de João Assinale a alternativa correta.
Cabral de Melo Neto, é incorreto afirmar:
a) Apenas as afirmativas I, III e V são corretas;
a) O nascimento de uma criança, no final do poema, re- b) Apenas as afirmativas I e IV são corretas;
lativiza a ideia de que, no Nordeste, a morte sempre se c) Apenas as afirmativas I, II e V são corretas;
sobrepõe à vida;
d) Apenas as afirmativas I, II e IV são corretas;
b) Escrito na década de 50, o poema tem sido adaptado
frequentemente para o teatro e a televisão, o que contri- e) Apenas as afirmativas IV e V são corretas.
buiu grandemente para sua popularização;
c) Trata-se de um poema dramático que tem como subtí- 06 (UEL) – No poema Morte e Vida Severina, podem-
tulo “Auto de Natal pernambucano”; se reconhecer as seguintes características da poesia de
d) O contraste entre vida e morte ganha contornos para- João Cabral de Melo Neto:
doxais quando, chegando ao Recife, Severino, em vez de a) sátira aos coronéis do Nordeste e versos inflamados;
se encantar com o rio que “não seca, vai toda vida”, pensa
em suicidar-se em suas águas; b) experimentalismo concretista e temática urbana;
e) No poema, o único espaço social em que ricos e po- c) memorialismo nostálgico e estilo oral;
bres se igualam é o cemitério. d) personagens da seca e linguagem disciplinada;
e) descrição de paisagens e intenso subjetivismo.
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. 25 (01,08,16) 02. 60 (04,08,16,32) 03. e 04. e 05. e 06. d 07. a 08. e 09. e 10. a
Na visão do antropólogo, os Trumai vivenciavam um pro- sua curiosidade pelo caso do etnólogo suicida. Com as
cesso coletivo de autodestruição, pois, mesmo estando primeiras pistas indicadas por essa mulher, o narrador
em vias de extinção, continuavam fazendo abortos e ma- começa a investigar a biografia e o suicídio do america-
tando recém-nascidos. Neste ponto, o narrador reflete no de 1939.
sobre a identificação que o etnógrafo apresentava com Quando se matou, tentava voltar a pé da aldeia de Cabe-
os Trumai. E também nos nos relata a inquietação exis- ceira Grossa para Carolina, na fronteira do Maranhão
tencial de Buell Quain, achando que estava sendo perse- com o que na época ainda fazia parte de Goiás e hoje
guido ou vigiado onde quer que estivesse. pertence ao estado do Tocantins. Nas últimas horas
Quain vivia em busca de si mesmo ou se escondendo. que precederam o suicídio, escreveu, chorando, pelo
Buscava um ponto de vista que não estivesse no campo menos sete cartas:
de sua própria visão, vivendo como um estrangeiro para
si mesmo. Buell Quain sempre teve fascínio pelas ilhas, • a sua orientadora, Ruth Benedict, da Universidade Co-
pelos universos isolados. Quando voltou a Carolina, no lumbia, em Nova York;
final de maio, falou ao narrador sobre uma ilha que co- • a dona Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Na-
nheceu adulto. Falou sobre uma casa com vários quar- cional, no Rio de Janeiro;
tos ocupados por amigos. • a Manoel Perna, um engenheiro de Carolina que se
Certa vez, quando chegou de um passeio solitário foi tornara amigo de Quain;
surpreendido por um desconhecido que sacou uma má- • ao delegado de polícia da cidade, Ângelo Sampaio.
quina fotográfica e registrou a sua imagem. Quain con-
fessou ao narrador que viera ao Brasil com a missão de Outras cartas que o narrador não teve aceso foram en-
contrariar a imagem revelada naquele retrato. “Havia dereçadas:
sido traído pelo intruso e sua câmera. Não podia admi-
tir que aquela fosse a sua imagem mais verdadeira: a • ao pai, Dr. Eric P. Quain, médico, recém-divorciado;
expressão de espanto diante do desconhecido.” O des- • ao missionário americano instalado em Taunay, em
conhecido fotógrafo tornou-se amigo de Quain e, um dia Mato Grosso;
antes de o etnólogo embarcar para a selva da América • ao cunhado Charles C. Kaiser, marido de Marion, irmã
do Sul, ele foi até seu apartamento disposto a fotogra- de Quain.
fá-lo novamente.
Este é o momento em que o leitor sabe que esse des- As cartas que narrador teve acesso retratavam a tenta-
conhecido é o destinatário oculto das cartas de Buell. tiva do etnólogo de constituir seu testamento e instruir
O narrador nos relata que Buell Quain sentiu-se traído sobre a disposição de seus bens, além de isentar os
pelo homem desconhecido. Insinua-se que o antropólo- índios de qualquer culpa relacionada ao suicídio.
go possuía um envolvimento sexual com uma mulher e
o fotógrafo também se envolveu com essa pessoa. O Quando chegou ao Brasil, em fevereiro de 1938, às vés-
antropólogo e o fotógrafo eram amantes e a presença peras do carnaval, no Rio de Janeiro, Quain foi morar
da mulher surgia como uma ameaça ao relacionamen- numa pensão da Lapa, reduto de vícios, malandragem e
to dos dois. Diante disso, Quain resolveu partir para o prostituição. Seu objetivo era estudar os já conhecidos
Brasil e o desconhecido (destinatário) foi a sua casa na e aculturados Karajá. Mudou de planos ao conhecer um
cidade, determinado a fazer os retratos que ficariam desafio maior: a realidade dos inacessíveis índios tru-
como a única lembrança do amante. mai, do rio Coliseu, no alto Xingu, que estavam em vias
de extinção. Porém, sua expedição solitária aos Trumai
Em momentos de maior distração e melancolia, Quain ao longo de 1938 e sua pesquisa de campo foram in-
falava muito sobre uma mulher, sem deixar claro se era terrompidas devido a algumas indisposições com os
a sua própria esposa ou a mulher que propiciara o seu órgãos Governamentais do Estado Novo de Getúlio Var-
desentendimento com o fotógrafo. Porém, o etnólogo gas, o que originou seu retorno ao Rio de Janeiro, em
havia dito ao narrador que não era casado. Quain tinha fevereiro de 1939.
uma imaginação muito fértil e sempre que desejava re-
velar alguma coisa importante apelava para a sua cria- Seu retomo à capital coincidiu com a chegada de dois
tividade. colegas no Brasil: Charles Wagley (que vinha estudar
os Tapirapé), Ruth Landes (jovem antropóloga que já
Buell tinha uma cicatriz na barriga e dizia aos índios que estava no país com o objetivo de estudar os negros e
era uma consequência de uma doença antiga, uma do- o candomblé da Bahia), ambos, junto de Quain, alunos
ença que estava voltando e se resolvia na febre. Uma da orientadora Ruth Benedict, uma das principais repre-
certa vez, Quain declarou que seu pai era médico-cirur- sentantes da corrente antropológica que ficou conheci-
gião e o narrador, em uma conclusão própria, entendeu da por associar Cultura e Personalidade.
que o amigo tivesse sido operado na infância pelo pró-
prio pai. Quain, além de muito viajado e estudioso (passou pela
Europa, Oriente Médio, Rússia, Xangai, Fiji), também se
O narrador chega à conclusão de que as nove noites interessou por literatura e música. Nasceu em 31 de
que passara com Quain fora uma grande confissão ou maio de 1912, filho de Eric P. Quain (41 anos) e Fannie
a preparação para a própria morte do etnólogo. Segun- Dunn Quain (38 anos), ambos médicos, e irmão mais
do ele, Quain talvez tenha se matado para inocentar os novo de Marion. Seus pais se separaram pouco antes
índios, pois a sua presença na aldeia já os incriminava. do suicídio de Quain. O pai, inconformado, queria que a
morte do filho fosse investigada, mas o processo não foi
O NARRADOR-JORNALISTA adiante, devido à constatação do suicídio. A mãe, com
o auxílio de Ruth Benedict e do fundo deixado pelo filho,
Ao ler, no ano de 2001, um artigo de jornal que relatava empenhou-se na publicação das notas que ele tomara
a história de um outro antropólogo, que também havia em Fiji, outro relato sobre os dez meses passados en-
morrido entre os índios do Brasil, e citava, por analo- tre os indígenas de Vanua Levu. Ela também estudou
gia, o caso de Buell Quain, este narrador procurou a linguística para preparar os manuscritos que o filho ha-
antropóloga que havia escrito o artigo e demonstrou via elaborado sobre a língua dos Krahô. Era uma mulher
O velho Diniz conta que os índios chamavam Buell Quain onde viera o velho (uma sociedade criada por missioná-
de “Cãmtwyon”. Alguns índios disseram ao narrador que rios americanos), para ler trechos de livros a ele.
“Twyon” quer dizer “lesma, o caracol e seu rastro”. O an- Uma vez, quando o narrador estava com o pai, resolveu
tropólogo, estudioso dos Krahôs, já havia afirmado que observar o leito do americano e perguntou em inglês se
“cãm” era “o presente, o aqui e o agora”, mas a combi- ele necessitava de alguma coisa. Num processo convul-
nação das duas palavras não apresentava um sentido. sivo, o velho apertou a mão do narrador e, alucinada-
Segundo Raimunda, a filha mais velha de Manoel Perna, mente, começou a pronunciar: “Bill Cohen, Bill Cohen”.
que vivia em Miracema do Tocantins, a razão do suicídio Após a morte do pai, o narrador ficou três anos fora e
de Quain estaria vinculada à descoberta de que a mu- depois voltou para São Paulo. Ao ler, em 2001, o nome
lher o teria traído com o cunhado. Entre as cartas que o de Buell Quain num artigo de jornal, fazendo as devidas
etnólogo deixou ao se matar, havia uma para o marido correções ortográficas, ele descobre quem suposta-
da irmã e nenhuma para a própria Marion, e nem para mente o velho americano havia esperado por tanto tem-
mãe. Por conta própria, o narrador também desconfia po.
que Quain teve uma relação ambígua com a irmã.
A partir daí, o narrador, se locomovendo até o asilo de
Na aldeia, o narrador-jornalista ficou hospedado na casa onde viera o velho, empreendendo entrevistas e sonda-
de um Krahô chamado José Maria Teinõ. Na convivên- gens, chega até Rodrigo, o jovem que lia para o america-
cia com os Krahô sente-se amplamente constrangido, no, por meio de quem descobre que o internado se cha-
tímido e amedrontado diante dos costumes dos índios. mava Andrew Parsons, era fotógrafo, tinha vindo para o
Diante de uma convivência problemática com os hábi- Brasil por volta de 1940 e tinha deixado um único filho
tos familiares e alimentares, com as pinturas corporais nos Estados Unidos.
e com os rituais de iniciação dos Krahôs, o narrador
chega à seguinte conclusão: “Se para mim, com todo o Ao tentar desvendar o vínculo do fotógrafo com Buell
terror, foi difícil não me afeiçoar a eles em apenas três Quain ou encontrar familiares do antropólogo, o narra-
dias, fico pensando no que deve ter sentido Quain ao dor mandou centenas de cartas a americanos. Porém,
logo de quase cinco meses sozinho entre os Krahô.” suas correspondências não obtiveram êxito, já que os
americanos vivenciavam uma época de pânico, logo
Mais uma vez comparando-se a Quain, o narrador, como após a derrubada das duas torres do World Trade Cen-
o antopólogo, não gostava da ideia de se tornar nativo, ter e as remessas de antraz em cartas anônimas envia-
e também resistiu à cultura e aos rituais indígenas. “Ju- das pelo correio.
rei que não me esqueceria deles. E os abandonei, como
todos o brancos.” Disposto a transformar suas pesquisas e investigações
em algo ficcional, um romance, caso não conseguisse o
Manoel Perna, o outro narrador, engenheiro de Carolina que queria, o narrador vai para Nova York, na tentativa
e ex- encarregado do posto indígena Manoel da Nóbre- de encontrar o filho do velho americano que dividiu o
ga, morreu em 1946, afogado no rio Tocantins, duran- quarto com seu pai.
te uma tempestade, quando tentava salvar a neta. Se-
gundo seus dois filhos mais velhos, não deixou nenhum Já em Nova York, o narrador consegue contato com
papel ou testamento sobre o amigo Buell Quain. Foi foi Schlomo Parsons, o filho do fotógrafo, que conta a histó-
enterrado e esquecido como o etnólogo e não tendo dei- ria da sua vida e apresenta diversas fotos do Brasil nos
xado nenhum testamento, o narrador imaginou a oitava anos 1950 e 1960. Nada, no entanto, que provasse
carta. qualquer ligação entre Quain e o fotógrafo.
Ironicamente, voltando para o Brasil, no avião, o narra-
Nas últimas páginas da obra, o narrador relata mais dor viaja ao lado de um rapaz que lia um livro. Quando
uma parte da vida e a morte de seu pai. O tempo é o iní- sobrevoavam a região em que Quain havia se matado, o
cio dos anos 90, quando o velho foi afetado por uma do- rapaz, entusiasmado, disse que era a sua primeira vez
ença raríssima e fatal, a síndrome de Creutzfeld-Jakob, e na América do Sul e que vinha estudar os índios do Bra-
seu cérebro estava se tomando uma esponja. Por esse sil. Ao que o narrador-jornalista encerra o livro com a
tempo, o narrador vivia em Paris e voltou ao Brasil para, seguinte frase: “Virei para o outro lado, e contrariando
juntamente com sua irmã, tomar conta do pai que tinha a minha natureza, tentei dormir, nem que se fosse só
mais de sessenta anos. O progenitor sempre tivera uma para calar os mortos.”
vida desregrada e boêmia, com muitas mulheres e gas-
tos. Chegou até mesmo a morar nos Estados Unidos IMPORTANTE!
com uma amante, uma funcionária cubana que cuidava É impossível não ligar este livro a outras duas obras
de sua conta bancária. Diante das aventuras ilícitas do da lista do vestibular da UFPR 2018/2019 que
marido, a cubana pediu o divórcio e ficou com todos os também abordam o indígena: O Uraguai e Últimos
bens americanos. O homem voltou para o Brasil, e, so- Cantos. É uma forma direta de demonstrar a reali-
zinho no Rio, passou a beber e tomar antidepressivos e dade atual do indígena. Sem nada de heroismo, com
calmantes ao mesmo tempo. pessoas vivendo isoladamente e muito dependen-
Foi quando conheceu uma vizinha libanesa e passou a tes da civilização branca. A ligação dos indígenas
viver uma relação tumultuada que abalou sua saúde. Os com o álcool, o interesse deles em tirar dinheiro
filhos, com a ajuda de um médico e advogados, tiraram dos visitantes, bem como conseguir benesses da
o pai do convívio com a libanesa e o internaram em São civilização que não estão presentes em seu status
Paulo. Instalado em uma semi-UTI, o pai dividia o quarto original, demonstram que, embora alguns rituais e
com um outro doente que estava à morte. Três meses constumes sejam mantidos, hoje, a cultura indígena
depois da internação, com a falência progressiva das brasileira está praticamente esfacelada.
funções e dos órgãos, o pai morreu. Além disso, trata-se de uma ficção produzida a par-
No entanto, a narrativa parece dar mais ênfase ao outro tir de um fato real concreto (o suicídio do antropó-
paciente, companheiro de quarto do pai, um americano logo americano Buell Quain), Nove Noites é uma
sozinho e que só recebia visitas de um rapaz, contrata- narrativa que preenche os vazios de uma realidade
do pela instituição de caridade que mantinha o asilo de dada.
As vozes articuladoras dos relatos, a todo momen- No início da narrativa, o leitor encontra uma adver-
to, encontram verdades precárias, fragmentadas, tência de que toda verdade é relativa e incompleta,
errantes e, assim, por meio de tanta incerteza, é estando, portanto, perdida em uma infinidade de
construída uma outra realidade, apoiada na ficção. contradições e possibilidades. Da mesma forma, a
Para um dos dois narradores - o jornalista -, a verda- arquitetura literária de Nove Noites é marcada por
de sobre a morte de Buell Quain é precária, mesmo essa verdade movediça, considerando que cartas,
“lidando com papéis de arquivos, livros e anotações fotos, relatos e histórias reunidos são variados e
de gente que não existia”. Desde o princípio, há a fragmentários. Mais do que isso, as provas docu-
consciência de que todo o material pesquisado é mentais, quando chegam ao poder dos dois narra-
insuficiente na tentativa de decifrar o porquê do sui- dores, encontram-se submetidas ao conhecimento,
cídio do antropólogo americano. Assim, frente à im- ao “saber” e olhar de outro dono, um outro proprie-
possibilidade de compreensão, a criação do roman- tário.
ce aproxima-se da morte de Buell Quain e, mesmo Nove Noites não é uma escrita fixa, e em seu pro-
que de forma fictícia, constrói uma possível saída cesso de constante mutação, possibilita diversas
para um enigma ainda não resolvido. mobilidades de interpretação. Não há um relato
Sustentada por depoimentos e personalidades único. Existem pelo menos duas histórias fragmen-
reais, a publicação do romance, como definido na tadas, que passam a se dialogar em determinada
própria obra, corria o risco de cair no ridículo ou altura. O relato é fortemente instável quando retor-
“risível”, caso surgisse algum parente do antropólo- na ao passado. Mesmo supostamente organizado e
go com “a solução de toda a história, o motivo real objetivo, a plenitude e a neutralidade se perdem, a
do suicídio”. Porém, talvez nem o suicídio e nem o partir da visão que se queira estabelecer do presen-
livro apresentam uma razão, já que, um mês depois te, por meio da ótica de um outro.
do suicídio de Quain, sua irmã envia uma carta à A memória textual individual vinculada à memória
professora do irmão, Ruth Benedict, relatando: “O textual coletiva, estabelecem uma interlocução com
fato de que nenhum de nós provavelmente jamais o estilo de um sujeito que se apropria de vozes, ecos
conhecerá os fatos torna ainda mais difícil nos de- passados dentro de sua metaficção. “O que lhe con-
sembaraçarmos deles”. to é uma combinação do que ele me contou e do
que eu imaginei. Assim também, deixo-o imaginar o
que nunca poderei lhe contar ou escrever.”
TESTES
01 (UFMG) – Todos os seguintes trechos, de Nove dos Krahô é inevitável para o surgimento de uma nova
ordem, neoliberal e globalizada;
noites, de Bernardo Carvalho, são construídos com o
recurso da citação, EXCETO b) Na passagem, fica nítido o desconforto do narrador
em relação ao Xingu e o seu desconhecimento relativo
a) Ele gritou com eles até se calar de repente, como se à situação dos indígenas, o que reproduz a ignorância
tivesse despertado aturdido de um sono profundo; generalizada em torno das necessidades dessas popu-
b) Segundo os Trumai, o sol criou todas as tribos, à ex- lações;
ceção dos Suyá, descendentes das cobras; c) O excerto tem o seu sentido complementado por ou-
c) Ele sorriu de novo e respondeu orgulhoso e entusias- tra passagem do romance, na qual o narrador afirma
mado: “Vou estudar os índios do Brasil”; que os Krahô são “os órfãos da civilização. Estão aban-
donados”;
d) Não sabia, eu já disse, que naquela última correspon-
dência vinha a sua sentença de morte. d) Na passagem, a afirmação de que o Xingu é a “última
e única condição” dos Krahô é uma revelação com clara
conotação trágica;
02 (UFSM) – Observe o fragmento a seguir, extraído
e) A passagem assinala o estranhamento do narrador-
do romance Nove noites, de Bernardo Carvalho. personagem em relação aos Krahô, estranhamento
O Xingu, em todo o caso, ficou guardado na minha me- reforçado em outras situações, como, por exemplo,
mória como a imagem do inferno. Não entendia o que quando o personagem resiste a participar dos rituais
dera na cabeça dos índios para se instalarem lá, [...]. da tribo.
Não pensei mais no assunto até o antropologo que por
fim me levou aos Krahô, em agosto de 2001, me escla- 03 (UFU) – Considerando a obra “Nove noites” e a
recer: “Veja o Xingu. Por que os índios estão lá? Porque introdução a seguir, assinale a alternativa correta.
foram sendo empurrados, encurralados, foram fugindo
até se estabelecerem no lugar mais inóspito e inacessí- “Isto é para quando você vier. É preciso estar
vel, o mais terrível para a sua sobrevivência, e ao mes- preparado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entrar numa
mo tempo sua última e única condição. O Xingu foi o que terra em que a verdade e a mentira não têm mais os
lhes restou”. sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios.
Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça.
Fonte: CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Le- E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergun-
tras, 2006. p.64-65. ta.”
A partir do exposto, assinale a alternativa INCORRETA. Bernardo Carvalho. “Nove noites”.
a) No fragmento, fica implícita a ideia de que o sacrifício a) O fragmento acima refere-se a carta que Buell Quain
escrevera antes de cometer o suicídio e que fora deixa- humor e pela ironia, particularmente nos episódios em
da para Manoel Perna, seu grande amigo, como forma que rememora a sua infância com o pai aventureiro e
de atestar a inocência dos índios; naqueles passados junto ao Krahô;
b) A narrativa é constituída por relatos verídicos, incluin- d) A narrativa estrutura-se, basicamente, em torno de
do cientistas verdadeiros como Lévi-Strauss (antropo- frases simples e objetivas, sem artificialismos: à lingua-
logo) e as respostas às indagações sobre a morte de gem é dado um tratamento informal, ausente, portanto,
Buell Quain encontravam- se em poder dos índios Krahô; de experimentações e preciosismos.
c) Na busca de dados sobre Buell Quain, o narrador vol-
ta ao Xingu para ouvir o que os índios lembravam de 07 Assinale a alternativa que apresenta um comentá-
Quain, conseguindo, durante o tempo que lá permane- rio INCORRETO sobre a narrativa de Bernardo Carvalho:
ceu, o testemunho dos índios envolvidos no mistério do
suicídio; a) Em Nove noites, as ameaças de uma guerra prestes
a acontecer, o arbítrio do governo de Vargas e, final-
d) O autor Bernardo Carvalho constrói uma obra dife- mente, a intranquilidade dos tempos em que a narrativa
rente e complexa, em que mistura realidade e ficção, é construída dão um tom de medo e opressão a circular
apresentando um enigma em torno de um suicídio cujas o relato;
causas serão investigadas. Porém, a verdade permane-
cerá ambígua. b) Na construção desse relato ficcional de histórias re-
ais, aparece toda uma série de reflexões sobre temores
e culpas, sobre os mistérios da vida e da morte, sobre
04 (UFSM) – O romance Nove Noites (2002), de Ber- as razões que tornam o viver muito perigoso;
nardo Carvalho, apresenta um narrador em primeira c) No decorrer da narrativa, feita a partir de dois pontos
pessoa que é uma espécie de investigador - o seu objeti- de vista, os fragmentos de um e de outro relato vão se
vo inicial é o de desvendar o mistério em torno da morte configurando e se ajustando até que, ao final, uma espé-
do antropólogo Buell Quain. Em determinado momento, cie de quebra-cabeça é completado pelo leitor;
em relação à leitura, o narrador revela: “Cada um lê os
poemas como pode e neles entende o que quer, aplica o d) A narrativa, sinuosa e repleta de ambiguidades, pro-
sentido dos versos a sua própria experiência acumulada põe múltiplos graus de compreensão, oferecendo ao lei-
até o momento em que os lê”. tor várias camadas de leitura, convidando-o a completar
o texto com o seu próprio repertório.
A visão do narrador-personagem relativa ao ato de ler
assemelha-se à própria investigação por ele empreendi- 08 Sobre o enredo de Nove noites, todas as alternati-
da. No romance, essa busca
vas estão corretas, EXCETO:
a) é conduzida de forma precisa e obstinada, o que é a) O antropólogo se cortou e se enforcou, sem explica-
decisivo para a resolução do caso; ções aparentes. Diante do horror e do sangue, os dois
b) realiza-se de modo obsessivo e os resultados finais do índios que o acompanhavam na sua última jornada de
caso se mostram, portanto, tendenciosos; volta da aldeia para Carolina fugiram apavorados;
c) revela-se um capricho, já que o personagem, inclusi- b) Na bagagem pessoal de Quain, o narrador encontrou
ve, abandona a investigação no meio da narrativa; roupas, sapatos, livros de música e uma Bíblia. Havia,
d) está ligada às experiências particulares e a jornada também, um envelope com fotografias, com retratos
do personagem acaba por ser mais gratificante do que dos negros do Pacífico Sul e dos Trumais do alto Xingu;
o caso em si; c) Quain, antes do suicídio, alegou ter recebido más no-
e) é realizada de forma intuitiva e os seus resultados tícias de casa e comunicou aos índios a sua decisão de
finais são, portanto, questionáveis. não mais ficar na aldeia;
d) Quain, em momentos de maior distração e melanco-
05 Em todas as alternativas, há elementos relevantes lia, falava muito sobre a sua mulher e seus filhos.
na narrativa de Nove noites, EXCETO em:
09 Todas as alternativas apresentam uma relação
a) Conflitos conjugais; corretamente estabelecida entre as personagens de
b) Repressão política; Nove Noites e suas características principais, EXCETO:
c) Questionamento existencial; a) Manoel Perna – o silêncio do sertanejo era a prova de
d) Diversidades culturais sua amizade que ia conquistando Quain;
b) Ruth Landes – jovem geógrafa que estava no Brasil
06 Assinale a alternativa que apresenta um comentá- com o objetivo de estudar os rios e florestas da região
norte;
rio INADEQUADO sobre Nove Noites:
c) Professor Pessoa – traduziu uma das cartas, em in-
a) A narrativa apresenta-se como um misto de roman- glês, deixada por Buel e acalmou os índios, garantindo
ce-reportagem e de romance policial, selada pela ob- que eles não tinham nenhuma responsabilidade na tra-
sessão investigativa e pelo suspense do andamento das gédia;
descobertas, que é, em parte, sustentado pelo minucio-
so balizamento das datas e das circunstâncias da inves- d) Buell Quain – achava que estava sendo perseguido ou
tigação; vigiado onde quer que estivesse e era marcado por uma
inquietação existencial.
b) O romance é muitas vezes marcado pela ótica intros-
pectiva: o narrador revela o protagonista em meio às
suas fragilidades, aos seus dramas interiores, vivencian- 10 Há momentos, em Nove noites, em que o narrador
do situações limite, de abandono, de profunda angústia (Autor) tece comentários sobre o tipo ou o gênero de
e depressão, com intensa carga sentimentalista; sua própria narrativa, como exemplificam todas as pas-
sagens abaixo, EXCETO:
c) O relato do jornalista, embora caracterizado pela
circunspeccão, apresenta momentos marcados pelo a) “Tentei lhe explicar que pretendia escrever um livro e
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. a 02. a 03. d 04. e 05. a 06. b 07. c 08. d 09. b 10. c
TESTES
ta cidade e ele queria ter ficado. No entanto foi Emilie que se a manhã – como uma intrusa que silencia as vozes
contou à família e chamou a polícia para forçá-lo a embar- calorosas da noite – dispersasse o ambiente festivo, ar-
car novamente. Depois disso a relação deles nunca mais refecendo os gestos dos mais exaltados, chamando-os
foi a mesma. ao ofício
Somente no último capítulo, o leitor fica sabendo um pou- [10] que se inicia com a aurora. Mas, em algumas reu-
co mais sobre a vida da narradora. É por meio da carta niões de sextas-feiras, o prenúncio da manhã não os dis-
que ela comenta o tempo em que ficou internada numa persava. Eu acordava com berros dilacerantes, gemidos
clínica de repouso. Foi nessa época que tentava redigir terríveis, ruídos de trote e uma algazarra de alimárias
um texto de caráter desordenado que mais lembrava a que assistiam à agonia dos carneiros que possuíam no-
escrita e a linguagem da loucura orientada por uma voz mes e eram alimentados pelas mãos de Emilie.
que nunca pronunciou o seu nome (provavelmente sua HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das
mãe biológica). Letras, 2008, pp. 50 e 51.
Dessa maneira, fica mais fácil entender o retorno dela a Assinale a alternativa incorreta em relação à obra Relato de um certo Orien-
Manaus. Trata-se de uma busca por si mesma, por sua te, Milton Hatoum, e ao Texto 4.
identidade, mas a busca é confusa e tem rumos incer- a) Em relação ao tempo, tem-se a predominância do tem-
tos. Assim, novamente o desenho da folha de papel que po psicológico, pois a obra é narrada por meio das lem-
encontrou logo na chegada parece mais compreensível branças de uma narradora que busca se encontrar;
agora: talvez fosse ela remando completamente perdida
em um movimento para lugar nenhum. E mesmo no final b) Na narrativa, um dos momentos de tensão e uma das
da narrativa o leitor fica sem saber quem são seus pais, o lembranças mais dolorosas é o relato da morte prematu-
destino de Samara Délia e o pai de sua filha. Só é possível ra de Soraya Ângela, filha de Samara Délia;
imaginar. Assim ela conclui a carta ao irmão: como al- c) Em “dispersasse o ambiente festivo, arrefecendo os
guém que pertence e não pertence àquela família, àquela gestos dos mais exaltados, chamando-os ao ofício que se
casa, àquela cidade. Como alguém que está informada e inicia com a aurora” (linhas 8 a 10) os vocábulos destaca-
ao mesmo tempo perdida no meio de tudo o que narra. dos são, na morfologia, sequencialmente: artigo definido,
artigo definido, pronome oblíquo e artigo definido;
01 (UDESC) d) O romance é uma narrativa que traz à tona as lem-
branças familiares da época em que Emilie e seus filhos
[1] O nome de Emir quase nunca era mencionado nas viveram em Trípoli, no Oriente;
horas das refeições ou nas conversas animadas por ba-
foradas de narguilé, goles de áraque e lances de gamão. e) Em “como uma intrusa que silencia as vozes caloro-
Os filhos de Emilie éramos proibidos de participar dessas sas da noite” (linha 8) as palavras destacadas podem ser
reuniões que varavam a noite e terminavam no pátio da substituídas por assim como e a qual, respectivamente,
fonte, aclarado por uma luz azulada. Era um momento sem alteração de sentido do texto I.
em que
[5] os assuntos, já peneirados, esgotados e fartos de se- 02 Leia o fragmento do livro:
rem repetidos, davam lugar a confidências e lamúrias, “Desde pequeno convivi com um idioma na escola e nas
abafadas às vezes pela linguagem dos pássaros, e entre- ruas da cidade, e com um outro na Parisiense. E às vezes
meadas por exclamações e vozes que pronunciavam o tinha a impressão de viver vidas distintas.”
nome de Deus. Era como
48 Domínio | Obras Literárias
Literatura Contemporânea
Essa percepção é do seguinte personagem: tor que vem descobrindo os prazeres do reconheci-
mento profissional. Em agosto passado, recebeu pelo
a) Emilie; romance Cinzas do Norte (Cia. das Letras), lançado
b) Hakim; em 2005, o Jabuti de melhor romance, o mais impor-
c) Samara Délia; tante prêmio literário do Brasil. Não foi a primeira vez.
d) Marido de Emilie; Seu romance de estréia, Relato de um Certo Orien-
te, publicado em 1989, foi agraciado com a estatue-
e) Pai de Emilie. ta em 1990. Já seu livro seguinte, Dois Irmãos, de
2000, obteve o terceiro lugar na premiação de 2001.
03 Com a leitura é possível sentir o odor do gato mara- Da infância no Norte, ele guarda muitas memórias e his-
cajá e o cheiro do aguardente e do jasmim branco. Ima- tórias da família, de origem árabe. “Um bom livro é uma
ginamos o prazer de saborear as sementes de jerimum, forma de conhecimento, de nós mesmos e dos outros”,
o pão e o zátar, o tabule e a esfiha com picadinho de car- diz o autor, que trabalha em uma novela sobre o mito da
neiro. Essa “exuberância” da região amazônica aparece, Amazônia para uma editora escocesa.
sobretudo no uso das figuras de linguagem: Simone Goldberg. Revista TAM, ano 3, n.º 33, nov./2006, p. 24 (com adap-
tações).
a) Metáforas e sinestesias; Em relação às informações do texto, assinale a opção in-
b) Assonância e aliteração; correta.
c) Ironia e personificação; a) Milton Hatoum formou-se em arquitetura, mas tornou-
d) Hipérboles e metáforas; se escritor.
e) Eufemismos e ironias. b) O escritor recebeu três vezes o primeiro lugar do prê-
mio literário Jabuti.
04 Assinale a alternativa que melhor caracteriza a nar- c) A família do escritor tem origem árabe.
radora do romance. d) Atualmente, Milton Hatoum trabalha em uma novela
a) Uma mulher de meia idade rancorosa e infeliz que ten- sobre o mito da Amazônia.
ta encontrar no passado as respostas para as suas frus-
trações amorosas; 08 Texto 1 (para as questões 8-9-10)
b) Uma jovem de vinte anos que retorna a Manaus depois
de ter passado alguns anos em São Paulo. Como passou Ela falava de um som grave e harmônico que parecia vir
por uma clínica de recuperação, sua intenção de voltar de algum lugar situado entre o céu e a terra para em
ao lar é o de recuperar sua sanidade e viver com a família. seguida expandir-se na atmosfera como o calor da cari-
dade que emana do Eterno e de seu Verbo. E comparava
c) Uma mulher que depois de vinte anos retorna à casa a sucessão de sons às mil vozes secretas das badaladas
dos pais e descobre que é uma filha adotiva. A narração de um sino que acalmam as noites de agonia e desper-
é em torno da busca da mãe biológica e da identidade tam os fiéis para conduzi-los ao pé do altar, onde o ar-
desta mulher que se sente perdida e sem direção. rependimento, a inocência e a infelicidade são evocados
d) uma mulher que, após longos anos de ausência, decide através do silêncio e da meditação. Talvez por isso Emilie
voltar à sua cidade natal para rever a matriarca da famí- parava de viver cada vez que o eco quase imperceptível
lia de imigrantes libaneses, Emilie, e relatar suas impres- das badaladas da igreja dos Remédios pairava e desman-
sões ao irmão mais novo que mora em Barcelona. chava-se como uma nuvem sobre o pátio onde ela polia
os anjos de pedra após extrair-lhes o limo e os carunchos
05 Sempre calado, administrando a Parisiense, loja da acumulados na temporada de chuvas torrenciais. Ela in-
família. Entre ele e a esposa há a tensão religiosa, afinal terrompia as atividades, deixava de dar ordens a Anastá-
ele é islâmico e ela católica, mas este conflito torna-se cia e passava a contemplar o céu, pensando encontrar
leve na forma como é narrado. Trata-se do personagem: entre as nuvens aplastadas contra o fundo azulado e bri-
a) Hakim; lhante a caixa negra com uma tampa de cristal, os nú-
meros dourados em algarismos romanos, os ponteiros
b) Dorner; superpostos e o pêndulo metálico.
c) Pai de Emilie; Isso foi tudo o que Hindié me contou a respeito do relógio
d) Marido de Emile; e da permanência de minha mãe no convento de Ebrin,
há mais de meio século. Sem largar o cabo do narguilé,
e) Emir. abanando-se com um leque descomunal feito de fios tran-
çados e enfeitados com penas de pássaros, ela só para-
06 A narradora do romance não é nominada no texto va de matraquear para tomar fôlego e enxugar o suor do
e ela adota uma postura narrativa muito intrigante: são rosto com a ponta da saia, sem se importunar em mos-
várias vozes que se misturam a sua. A melhor definição trar a folhagem de panos transparentes que separava a
para esta narradora é: pele do algodão florido da túnica que nunca tirava.
a) Narradora onisciente; HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008, pp.30 e 31.
b) Narradora em terceira pessoa;
Assinale a alternativa incorreta em relação à obra Relato
c) Narradora em primeira pessoa; de um certo Oriente, Milton Hatoum, e ao Texto 1.
d) Narradora observadora;
a. ( ) A palavra “ela’ (linha 8) é o referente de “Emilie”
e) Narradora ouvinte. (linha 6).
b. ( ) No período “às mil vozes secretas das badaladas”
07 (TJ 2006) – Milton Hatoum nasceu em Manaus, (linhas 3 e 4), em relação à figura de linguagem, há hi-
em 1952. Formou-se em arquitetura na década de pérbole.
70 pela Universidade de São Paulo, mas é como escri- c. ( ) No período “desmanchava-se como uma nuvem
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. d 02. b 03. a 04. d 05. d 06. e 07. b 08. d 09. b 10. c
TESTES
Casa de Pensão (fragmento) desejava! mas não bebendo pela garrafa e dormindo pelo
Às oito horas, quando entrou em casa tinha já chão de águas-furtadas! − Que diabo! − não podia ser tão
resolvido não ficar ali nem mais um dia. − 1Era fazer as difícil conciliar as duas coisas! ...
malas e bater quanto antes a bela plumagem! Pensando deste modo, subiu ao quarto. 5Sobre
Mas também, se por um lado não lhe convinha a cômoda estava uma carta que lhe era dirigida; abriu-a
ficar em companhia do Campos; por outro, a ideia de se logo:
meter na república do Paiva não o seduzia absolutamen-
te. 2Aquela miséria e aquela desordem lhe causavam re- ”Querido Amâncio.
6
pugnância. 3Queria liberdade, a boêmia, a pândega − sim
senhor! tudo isso, porém, com um certo ar, com uma Desculpe tratá-lo com esta liberdade; como,
7
certa distinção aristocrática. Não admitia uma cama porém, já sou seu amigo, não encontro jeito de lhe falar
sem travesseiros, um almoço sem talheres e uma alcova doutro modo. Ontem, quando combinamos no Hotel dos
sem espelhos. 4Desejava a bela crápula, − por Deus que Príncipes a sua visita para domingo, 8não me passava
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. V,F,V,V,F 02. a 03. a 04. V,V,V,F,F 05. e 06. d 07. V,F,V,F,V 08. b 09. F,V,V,V 10. a
PERÍODO: TERCEIRA FASE MODERNISTA graças à lábia de seu cabo eleitoral. No final, reconcilia-se
com Maria Rita, no fim do conto, por ordem do Major que
Também chamada de “geração de 45” caracteriza-se ordenou aos jagunços:
pelo experimentalismo linguístico e por temas que apro- “-Mandem os espanhóis tomarem rumo! Se miar, mete
fundarão o regionalismo da fase anterior. Os autores a lenha! Se resistir, berrem fogo!”
possuem características bem variadas, o que dificulta
uma generalização desta fase, basta citar João Cabral Principais personagens: Lalino Salãthiel, Maria Rita, Ra-
de Melo Neto e Clarice Lispector, contemporâneos de miro e Major Anacleto.
Guimarães Rosa.
2 – DUELO
Turíbio foi pescar e voltou antes do previsto. Resultado:
Rosa criou uma linguagem carregada flagra sua mulher, Silivana, na cama com o ex-militar Cas-
de regionalismos, que representa o ser- siano Gomes. Como estava só com uma faquinha, resol-
tanejo das vilas interioranas de Minas veu vingar-se depois. Ao procurar vingar sua honra, Turí-
Gerais. A marca do autor são os neolo- bio mentiu para a mulher que ia caçar pacas e fez uma
gismos: a invenção palavras. tocais na casa de Cassiano. Confunde-se e acaba matan-
do o irmão de Cassiano Gomes. Com um tiro na nuca.
Turíbio foge para o sertão e é perseguido pelo ex-militar.
Cassiano, sofrendo do coração, é obrigado a interromper
sua busca no lugarejo do Mosquito. Ali, torna-se amigo de
SAGARANA Timpim Vinte-e-Um, homem simples que recebe o auxílio
financeiro de Cassiano para comprar remédio para sua
Primeiro livro publicado de Guimarães Rosa (1946). São família. Em troca, Cassiano, pouco antes de morrer, pede
nove contos, nos quais o universo do sertão, com seus va- a Timpim que vingue seu irmão. Turíbio volta para casa e
queiros e jagunços, criam temas e tipos humanos descri- é surpreendido por Vinte-e-um, que o executa para vingar
tos em estilo muito peculiar que o escritor aprofundaria seu benfeitor.
em textos posteriores.
O título do livro é composto da palavra “Saga”, termo de Principais personagens: Turíbio Todo, Cassiano Gomes,
origem germânica, quer dizer “canto heróico” e é utilizado Silvana e Vinte-e-um.
para definir narrativas históricas ou lendárias; e “rana”,
termo de origem indígena, significa “espécie de” ou “se- 3 – O BURRINHO PEDRÊS
melhante a”. Por isso a explicação mais plausível para o O fazendeiro Major Saulo determina que seus homens
título é que ele apresenta o conteúdo do livro: textos se- levem uma grande quantidade de bois para comerciali-
melhantes a sagas de personagens heroicos. zação em uma cidade distante. Para cumprir a tarefa,
Em relação ao foco narrativo, com exceção dos contos convoca seus vaqueiros mais experientes, montados em
“Minha Gente” e “São Marcos” – que são narrados em cavalos jovens e fortes. Acompanha a condução o burri-
primeira pessoa –, os demais possuem narradores em nho Sete-de-Ouros, velho e fraco chamado Sete-de-Ouros.
terceira pessoa. Predomina o tempo psicológico de viés É um burrinho decrépito que já fora bom e útil para seus
linear. Quanto ao espaço de “Sagarana”, é quase sempre vários donos. Na travessia do Córrego da Fome, todos
Minas Gerais. Mais especificamente, o interior do estado, os cavalos e vaqueiros morrem, exceto dois: Francolim e
com ênfase para o nome dos povoados e vilarejos dos Badu; este montado e aquele agarrado ao rabo do Burri-
contos. Os estados de Goiás e do Rio de Janeiro são men- nho Sete-de-Ouros, o único animal a escapar da corrente-
cionados no livro, mas têm pouca relevância na narrativa. za, já que tinha experiência para poupar forças e deixar-
se levar pelas águas ao invés de tentar lutar contra elas,
1 - A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO como fizeram os outros.
Lalino Salãthiel é um típico malandro que vive faltando ao Principais personagens: Sete-de- Ouros (burrinho pe-
trabalho na mina para aproveitar a vida. É admirado pe- drês), Major Saulo, Francolim e Badu.
los colegas por contar histórias. Abandona o serviço na
estrada de ferro e vai para o Rio de Janeiro, largando 4 – SARAPALHA
sua mulher, Maria Rita. Na verdade ele percebe que o
espanhol Ramiro está interessado em sua mulher, então Sarapalha é uma vila às margens do rio Pará, onde mo-
pede dinheiro emprestado para viajar, deixando assim ram os primos Ribeiro e Argemiro isolados, com seu
o caminho livre para o espanhol. No retorno, encontra cachorro Jiló, nesse interior de Minas Gerais. Os outros
Ritinha casada com o espanhol Ramiro. Sem reaver a moradores fugiram com medo da malária que assolava
mulher, Lalino consegue um trabalho política e torna-se a comunidade. Os primos ficaram sofrendo com febre e
cabo eleitoral do Major Anacleto, o qual ganhou a eleição tremedeiras. Para Ribeiro, a dor maior vem do fato de ter
sido abandonado pela esposa Maria Luísa, que fugiu com
outro homem. Durante as intermináveis conversas que miro, rapaz pretendido por ela. O narrador, aficionado do
mantêm para tentar distrair da doença, Argemiro, perce- jogo de xadrez, se vê vítima de uma jogadora perspicaz
bendo a iminência da morte e desejando ter a consciên- nas estratégias amorosas. Ela consegue fazer com que
cia tranquila, confessa o interesse pela esposa do primo, Armanda se interesse pelo narrador, deixando Ramiro li-
sem jamais faltar com o respeito ao parente. Ribeiro rea- vre para ela. O final feliz é composto pelo duplo casamen-
ge à confissão de forma agressiva e expulsa Argemiro de to: Maria Irma casa-se com Ramiro Gouveia e Santana
suas terras, sem nenhuma complacência, pois sentia-se com Armanda.
dececionado e traído.
Principais personagens: Emílio (narrador), Maria Irma,
Principais personagens: Primo Ribeiro e Primo Argemi- Ramiro Gouveia e Armanda.
ro.
8 – SÃO MARCOS
5 – CORPO FECHADO João Mangolô era um preto velho que morava no Calan-
No lugarejo da Laginha vive Manuel Fulô, falastrão que go Frito e tinha fama de bruxo. Izé, o narrador, faz pouco
se faz de valente e que tem duas paixões: sua noiva Das caso das crendices populares, não perdendo a oportuni-
Dores e uma mulinha de estimação, a Beija-Fulô, cobiça- dade de passar diante da casa de Mangolô para zombar
da por Antonico das Pedras, que tem fama de feiticeir e de seus feitos. Por zombaria, Izé recitou a oração de São
uma sela cobiçada por Manuel. Enquanto o protagonis- Marcos para Aurísio Manquitola e é duramente repreen-
ta se gaba de pretensas valentias, o verdadeiro valentão dido por banalizar uma prece tão poderosa.
Targino aparece e anuncia que dormirá com a noiva de Durante um passeio, vê-se repentinamente cego. Izé pas-
Manuel antes do casamento. Para impedir essa ofensa, sa a se orientar por cheiros e ruídos. Perdido e deses-
Manuel teria que enfrentar o valentão. O narrador, médi- perado, recita a oração de São Marcos. Guiando-se pela
co local e amigo de Manuel Fulô, não encontra meio de audição e pelo olfato, descobre o caminho certo: a casa
ajudá-lo. Manuel recebe a visita do feiticeiro, que promete de João Mangolô. Lá, irado, tenta estrangular o feiticeiro,
fechar-lhe o corpo em troca da mula. No duelo com Targi- mas recupera a visão no momento em que o negro re-
no, Manuel escapa por milagre dos tiros que lhe são diri- tira a venda dos olhos de um boneco. Izé se despede de
gidos e fere mortalmente o rival com uma pequena faca. Mangolô e parte, agora um pouco mais crédulo.
Depois desse feito, torna-se o novo valentão do lugar. Por
fim o narrador foi padrinho do tal valentão. Principais personagens: José, ou Izé (narrador), Aurísio
Manquitola e João Mangolô.
Principais personagens: Manuel Fulô, feiticeiro Antonico
das PedrasÁguas e Targino. 9 – A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
6 – CONVERSA DE BOIS
Augusto Esteves Matraga é um fazendeiro de com-
portamento violento. Gasta dinheiro com jogos e pros-
Um carro de bois, que leva uma carga de rapadura e um titutas, maltrata a esposa Dionóra, despreza a filha
defunto, atravessa o sertão de Minas. Vai à frente Tião- e enfrenta seus opositores com a ajuda dos capan-
zinho, o guia, chorando a morte do pai, ali transportado. gas que o acompanham. Certo dia, Quim Recadeiro
Tiãozinho, que se tornara dependente de Agenor Soro- dá-lhe dois recados que alterarão sua vida: perde-
nho, o condutor, angustiava- se com este por dois moti- ra os capangas para seu inimigo, o Major Consilva,
vos: ele maltratava os bois e havia desfrutado os amores e a mulher e a filha, que fugiram com Ovídio Moura.
de sua mãe durante a doença do pai, que vivia entreva- Augusto Estêves vai sozinho à propriedade do ma-
do e nada podia fazer contra os amores que a esposa jor para tomar satisfação com seus ex-capangas. O
mantinha com o condutor de carros de boi. Pelo cami- Major Consilva ordena que Nhô Augusto seja marca-
nho, Agenor prenuncia a vida que o menino teria dali por do a ferro e depois morto. Ele é espancado à exaus-
diante, agora sob suas ordens, na condição de padrasto. tão; depois os homens esquentam o ferro usado para
A crueldade que Agenor demonstra para com o meni- marcar o gado do major e queimam o seu glúteo.
no, manifesta-se também no trato com os bois de carga. Augusto, desesperado, salta de um despenhadeiro.
Paralelamente, o boi Brilhante conta aos outros a história No entanto, é encontrado por um casal de negros que
do boi Rodapião, que morrera por ter aprendido a pensar cuida dele.
como os homens. Há uma indignação entre os animais
em relação aos maus-tratos que os humanos lhes infli- Durante a convalescença, Augusto reflete sobre sua vida
gem. Agenor, para exibir a Tiãozinho seus talentos como e se penitencia dos pecados cometidos, decide que sua
carreiro, obriga, de forma cruel, os bois a superar a ladei- vida de facínora chegara ao fim. Recuperado, foge com
ra onde a carroça de João Bala havia tombado. Superado os pretos para a única propriedade que lhe restara, no
o obstáculo, os bois aproveitam-se do cochilo de Agenor Tombador, lugar distante, passando a servir o casal de
e derrubam-no, passando com as rodas sobre ele. Sem negros, trabalhando arduamente. Certo dia, aparece no
desconfiar de nada, Tiãozinho se desespera, enquanto os lugar o cangaceiro Joãozinho Bem-Bem, que simpatiza
bois lançam berros triunfais. com Augusto e o convida a participar de seu bando. Au-
gusto recusa. Tempos depois, sente irresistível desejo de
Principais personagens: Tiãozinho, Agenor Soronho e o partir. Segue sem rumo, até reencontrar o bando de can-
boi Brilhante. gaceiros no lugarejo do Rala-Coco. Pressentindo a chega-
da da “sua hora e vez”, encontra-se por acaso com João-
7 – MINHA GENTE zinho Bem-Bem, que está prestes a executar uma família,
O narrador é um inspetor escolar chamado Santana que, como forma de vingança. Nhô Augusto pede a Joãozinho
de férias, visita a fazenda de seu Tio Emílio no interior de Bem-Bem que não cumpra a execução. O jagunço encara
Minas, o qual rejuvenecera ao entrar para a política.. Lá, essa atitude de Nhô Augusto como uma afronta e os dois
reencontra a prima Maria Irma, namorada de infância, e travam o duelo final, no qual ambos morrem.
tenta retomar a aventura amorosa, mas não é corres-
pondido.. A moça consegue fazer com que a atenção do
primo seja atraída para a amiga Armanda, noiva de Ra-
TESTES
exemplo, o provérbio citado, funcionam, em alguns auto-
01 (FUVEST) – E grita a piranha cor de palha, irritadís- res, como pista para se entender o sentido das ações
sima: ficcionais. No excerto acima, as ideias de beleza e neces-
– Tenho dentes de navalha, e com um pulo de ida‐e‐volta sidade são contrapostas com vistas à produção de um
resolvo a questão!... sentido de ordem moral.
– Exagero... – diz a arraia – eu durmo na areia, de ferrão Considerando-se a jornada heroica de Augusto Matraga,
a prumo, e sempre há um descuidoso que vem se espe- é correto afirmar que a narrativa
tar.
– Pois, amigas, – murmura o gimnoto*, mole, carregan- a) contradiz o sentido moral do provérbio, uma vez que
do a bateria – nem quero pensar no assunto: se eu soltar o protagonista não é fiel ao seu propósito de mudar os
três pensamentos elétricos, bate‐poço, poço em volta, hábitos antigos.
até vocês duas boiarão mortas... b) confirma o sentido moral do provérbio, uma vez que o
*peixe elétrico. protagonista realiza uma série de ações para corrigir seu
caráter e reordenar eticamente sua vida.
Esse texto, extraído de Sagarana, de Guimarães Rosa,
c) ratifica o sentido moral do provérbio, uma vez que o
a) antecipa o destino funesto do ex‐militar Cassiano Go- protagonista é seduzido pelos encantos da natureza e pe-
mes e do marido traído Turíbio Todo, em “Duelo”, ao qual los prazeres da bebida e do fumo.
serve como epígrafe. d) refuta o sentido moral do provérbio, uma vez que o
b) assemelha‐se ao caráter existencial da disputa entre protagonista não consegue agir sem as motivações da
Brilhante, Dansador e Rodapião na novela “Conversa de beleza física e do afeto femininos.
Bois”.
c) reúne as três figurações do protagonista da novela “A 04 (PUCSP) – A obra Sagarana,de João Guimarães
hora e vez de Augusto Matraga”, assim denominados: Au- Rosa, foi publicada em 1946. Dela é correto afirmar que
gusto Estêves, Nhô Augusto e Augusto Matraga.
d) representa o misticismo e a atmosfera de feitiçaria a) se intitula Sagarana porque reúne novelas que se de-
que envolve o preto velho João Mangalô e sua desavença senvolvem à maneira de gestas guerreiras e lendas e
com o narrador‐personagem José, em “São Marcos”. apresentam um tema comum que abarca a vida simples
dos sertanejos da região baiana do São Francisco.
e) constitui uma das cantigas de “O burrinho Pedrês”, em
que a sagacidade da boiada se sobressai à ignorância do b) compõe-se de nove novelas, entre as quais se sobres-
burrinho. sai “Corpo Fechado”, história de valentões e espertos, de
violência e de mágica, protagonizada por Manuel Fulô.
c) estrutura-se em doze narrativas, de sentido moral e
02 (Fac. Albert Einstein) – Mas... Houve um pequeno embasadas na tradição mineira, entre as quais se desta-
engano, um cam “Questões de família”, história meio autobiográfica,
contratempo de última hora, que veio e “Uma história de amor”, expressivo drama passional.
pôr dois bons sujeitos, pacatíssimos e d) apresenta narrativas apenas de teor místico religioso
pacíficos, num jogo dos demônios, numa como a que se engendra em “A hora e a vez de Augusto
Matraga”, cujo estilo destoa do conjunto das outras que
comprida complicação. compõem o livro.
O trecho acima faz parte do conto “Duelo”, uma das nar-
rativas de Sagarana, de João Guimarães Rosa. Essa 05 (Fac. Albert Einstein) – As ancas balançam, e as
narrativa, como um todo, apresenta vagas de
a) duas histórias de vingança que se entrelaçam, ou seja, dorsos, das vacas e touros, batendo
um marido buscando o amante da esposa e um homem com as caudas, mugindo no meio,
buscando o assassino do irmão. na massa embolada, com atritos de
b) uma trama protagonizada por uma mulher de olhos couros, estralos de guampas, estrondos
bonitos, sempre grandes, de cabra tonta, que se envolve
com um pistoleiro que acaba sendo morto por ela. e baques, e o berro queixoso do gado
c) as peripécias vividas por um capiau que se torna o junqueira, de chifres imensos, com
agente de um crime contra seu compadre e amigo, Cas- muita tristeza, saudade dos campos,
siano Gomes, por desavenças de traição amorosa. querência dos pastos de lá do sertão ...
d) cenas de adultério praticadas por dona Silivânia, no “Um boi preto, um boi pintado,
mais doce, dado e descuidoso dos idílios fraudulentos,
com o amante Turíbio Todo, o que provoca tragédia entre Cada um tem sua cor.
seus pretendentes. Cada coração um jeito
De mostrar o seu amor.”
03 (UNICAMP) – “Sapo não pula por boniteza, mas po- Boi bem bravo, bate baixo, bota baba,
rém por percisão.” boi berrando ...
(“Provérbio capiau” citado em epígrafe no conto “A hora Dança doido, dá de duro, dá de dentro,
e a vez de Augusto Matraga”, em João Guimarães Rosa, dá direito ... Vai,
Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 287.)
Vem, volta, vem na vara, vai não volta,
Elementos textuais que antecedem a narrativa como, por
58 Domínio | Obras Literárias
Terceira Fase Modernista
ANOTAÇÕES
GABARITO
01. a 02. a 03. b 04. b 05. b 06. a 07. d 08. d 09. e 10. a