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Entre 1851 e 1890, durante quase 40 anos, Camilo de Castelo Branco escreveu mais
de duzentas e sessenta obras, com a média superior a 6 por ano. Prolífico e fecundo, o
escritor deixa obras de referência na literatura lusitana.
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco não permitiu que a intensa produção
prejudicasse a beleza idiomática ou mesmo a dimensão do seu vernáculo, transformando-o
numa das maiores expressões artísticas e num mestre da língua portuguesa. De entre os
vários romances, deixou um legado enorme de textos inéditos, comédias, folhetins, poesias,
ensaios, prefácios, traduções e cartas.
A crítica tem apontado que, se, por um lado, Camilo nos enredos das suas novelas,
com as suas peripécias mais ou menos rocambolescas, está claramente numa filiação
romântica, por outro lado, nas explicações psicológicas, na maneira como analisa os
sentimentos e ações das personagens, pelas justificações e explicações dos acontecimentos,
pela crítica a determinado tipo de educação, não pode ser considerado simplesmente como
romântico.
Jacinto do Prado Coelho considera-o “ideologicamente flutuante, Camilo mantém-se
um narrador de histórias românticas ou romanescas com lances empolgantes e situações
humanas comoventes” e também diz que “O romantismo de Camilo é um romantismo em
boa parte dominado, contido, classicizado”, e que há ao “lado do seu alto idealismo
romântico a viril contenção da prosa, um bom senso ligado às tradições e a certos cânones
clássicos, um realismo sui generis, de vocação pessoal que parece na razão direta da
autenticidade do seu romantismo”.
Com o aparecimento do Realismo, Camilo, sentindo-se a perder terreno para esta
nova escola literária, envereda em duas novelas Eusébio Macário e A Brasileira de Prazins e
tenta ser mais realista.
No início da sua produção literária, Camilo adota os temas do amor contrariado
pelos “pais tiranos”, devido aos desníveis sociais; da mulher seduzida e abandonada pelo
protagonista, que é um alto espírito, mas corrompido pela sociedade; do enjeitado ou da
enjeitada; das catástrofes causadas pelo amor: assassínios, suicídios, tuberculização,
enlouquecimento, consagração forçada ou voluntária do herói ou heroína à vida sacerdotal
ou conventual.
Após a publicação de Anátema (1851), Camilo Castelo Branco passa a cultivar com
frequência o romance ou a série de novelas de cariz melodramático, com ação intrincada,
truculenta, arrastando-se através de várias gerações graças a uma cadeia imensa de crimes
passionais e vinganças, por vezes, com um vago fundo histórico.
Podemos concluir que os temas camilianos recorrentes são: a bastardia, a
orfandade, os direitos do coração por oposição às convenções sociais, as relações familiares,
o sentido metafísico de cariz cristão e o anticlericalismo.
Amor de Perdição
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Novela passional
Os mártires do amor
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In: SARAIVA, António José e LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, 6ª edição, pp. 824-825
(adaptado).
A heroína camiliana
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revoltante. Simão sabe que é ele, transformado pelo amor, que representa a Ordem
verdadeira, no respeito por si próprio, pelos direitos do coração, pela justa relação afetiva
entre pai e filho, enquanto os pais tiranos, os fidalgos dum errado pundonor, os ódios
inveterados entre famílias, a falsa justiça, a sociedade que admite tudo isto, representam a
autêntica desordem.
Jacinto do Prado Coelho, Introdução do Estudo da Novela Camiliana (adaptado).
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preservar a integridade do eu, libertando-se do jugo do mundo que em vão lutou para
aniquilar os amantes. Esta solução torna-se o grande absoluto que Simão persegue, a estrela
fatal que o guia e que vai derramar sobre todos os que o seguem a sua luz sinistra.
Concluindo, Amor de Perdição é sobretudo a história de um jovem que se perdeu na
busca de um absoluto que a vida não dá. Crime e loucura, pundonor exaltado que é ainda
preconceito de casta, luta pelo amor, tudo isto foi o motivo da ação desta novela, que chora
a perda da juventude perdida em nome do sentimento.
Amor de Perdição é uma verdadeira intriga, dado que a ação se inicia e segue em
gradação crescente, sem pausas, nem desvios, atinge o seu clímax e obriga ao desenlace.
Na introdução, o narrador resumiu lapidarmente a intriga principal desta forma:
“amou, perdeu-se e morreu amando”, assim, cada oração aponta para os momentos
essenciais da história. Então, podemos estruturar a obra e provar a sua linearidade, com
base nestas palavras e verificarmos que não temos analepses, nem pausas significativas,
com exceção no capítulo VII, em que o narrador se demora na análise da vida corrupta do
convento de Viseu.
(Imagem in: GUERRA, João e VIEIRA, José, Aula Viva, Português A 11º Ano, Porto Editora)
I. Ação
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Amor de Perdição é constituído por uma intriga principal – amor de Simão e Teresa
– e uma intriga secundária – a história de Manuel Botelho, seu irmão.
A intriga principal está organizada de forma linear, dado que a ação se inicia e segue
em gradação crescente, sem pausas nem desvios, atinge o ponto máximo e obriga à rutura
ou ao desenlace.
Na intriga, encontramos elementos dramáticos importantes para o desenrolar da
ação, como o ódio (“O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos
de litígio, em que Domingos Botelho lhes deu sentença contra.”, capítulo II); o fatalismo
(“Não sei o que me adivinha o coração a respeito de vossa senhoria. Alguma desgraça está
para lhe acontecer…”, capítulo V); e, por fim, a morte (“Baltasar Coutinho lançou-se de
ímpeto a Simão. (…) Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala que lhe entrara na
fronte.”, capítulo X).
De facto, muitas outras citações existem, mas estas são suficientes para evidenciar a
presença destas três forças dominantes. No entanto, sabendo que o drama não pressupõe a
presença de entidades superiores e que a tragédia implica essa mesma presença,
constatamos que o clima trágico paira ao longo da intriga principal. Se o ódio e o amor
nascem nos corações, o fatalismo está associado ao Destino. Desta forma, o fatalismo
comandou a intriga: tal como o Destino uniu Simão e Teresa e os aproximou, assim os
separará e destruirá.
Em relação à intriga secundária, constituída pelos amores de Manuel Botelho, irmão
de Simão, e a açoriana, esta surge encaixada na intriga principal, com o intuito de contrastar
com a personagem principal, realçando Simão não só pelas atitudes que toma, mas também
pela coragem demonstrada perante as adversidades. Efetivamente, Manuel Botelho fica
marcado pela sua constante cobardia e fuga às responsabilidades.
II. Personagens
Simão Botelho
Teresa de Albuquerque
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Teresa tem quinze anos, é uma rica herdeira, bonita, bem-nascida e excecional no
amor. Quando se apaixona por Simão, um amor proibido, vai lutar contra tudo e todos pelo
seu amor. Assim, aparentemente frágil, demonstra ter uma personalidade forte, um carácter
resoluto e firme, pois atua de forma inflexível perante as ameaças sucessivas do seu pai, um
homem cruel e tirano.
Apesar de nunca estar com Simão, se não por breves instantes, devido à condição de
subserviência da mulher na época, Teresa mostra a mesma obstinação que Simão,
preferindo perder a vida, ou o martírio da clausura conventual, a casar à força com o homem
que o seu pai escolheu.
Teresa, no meio de tanto sofrimento, ainda tem alguma esperança na felicidade,
porque vê o amor como a única razão de viver, por isso acredita no amor para além da
morte. A donzela é vítima da tirania paterna, mas luta pelo seu amor, indiferente à sociedade
da altura.
No fundo, ela age guiada pelo profundo amor que sente pelo amado, tornando-se a
típica heroína romântica.
Mariana
Mariana é a terceira peça do triângulo amoroso, embora o seu amor por Simão não
seja correspondido. A jovem do povo tem vinte e quatro anos, é inculta e bela, mais bonita
que Teresa, acabando por recusar vários pretendentes, alguns endinheirados, o que mostra
a força do seu amor por Simão e o seu desprendimento dos bens materiais.
Ela já conhecia Simão, antes de ele ir para sua casa, e já o admirava por ser o salvador
do seu pai, João da Cruz, e por ser um homem corajoso e bravo. Mariana faz de sua
enfermeira, tratando-o com muito carinho, pois é dotada de grande sensibilidade e intuição,
prevendo até o futuro.
Em relação a Teresa, admira-a e ajuda o par amoroso, servindo de intermediária
entre ela e Simão, trazendo as cartas através das quais eles se correspondem. Ainda
comparando com Teresa, a jovem tem uma relação de amor verdadeiro com o pai, ficando
louca ao saber do seu assassinato.
Quando Simão vai para a cadeia, acompanha-o e faz-lhe companhia, apesar de ter
consciência de que ele não a ama, mas o seu coração tem razões que a razão não
compreende. O seu último gesto – o suicídio – mostra bem a força do seu amor.
Finalizando, também Mariana não se importa com as regras da sociedade, sendo
assim a encarnação da mulher-anjo romântica.
João da Cruz
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Baltasar
Manuel Botelho
III. Espaço
O espaço físico sofre uma redução à medida que a intriga se vai desenvolvendo:
Simão Teresa
Viseu (casa dos pais) Viseu (casa dos pais)
beliche cela
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Espaço social
a) Nobreza decadente: a mentalidade dos pais de Simão e Teresa, a sua atuação, o seu
vestuário, tudo aponta para a decadência e a ruína. Além disso, a rivalidade entre as duas
famílias é verdadeiramente mesquinha De facto, o narrador terá tido como objetivo
denunciar os preconceitos sociais de certas camadas da população.
b) Arbitrariedade da justiça: vê-se claramente a intenção de denunciar a parcialidade dos
julgamentos, de acordo com a classe social dos acusados e os pedidos de pessoas influentes.
Espaço psicológico
IV. Tempo
V. Narrador
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Sistematização
Sugestão biográfica
Narrador Simão
Identificação com o autor tio
- rebeldia juvenil: várias relações amorosas; - rebeldia juvenil: relações familiares
temperamento inconstante; conflituosas; temperamento violento;
- a paixão por Ana Plácido: a calma; - a paixão por Teresa: a calma;
- prisão na Cadeia da Relação resultante da - prisão na Cadeia da Relação resultante do
paixão; assassínio (por paixão);
- clausura de Ana Plácido na prisão. - clausura de Teresa num convento
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Narrador
domínio completo dos acontecimentos; conhecimento total
Focalização omnisciente
das personagens, dos seus pensamentos, sonhos e emoções.
diálogo com o narratário (aproximação do objeto narrador,
Focalização interna
efeito de verosimilhança).
Narrador autodiegético transição entre o passado remoto, o passado próximo e o
(Introdução e Conclusão) presente do sujeito de enunciação; efeito de verosimilhança;
Narrador heterodiegético intervém na narrativa com um discurso paralelo (narrador
(capítulos I a XX) subjetivo), ao mesmo tempo que conta a história de seu tio.
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Oponentes
- Domingos Botelho;
Amor de Simão e - Tadeu Albuquerque;
Relações entre
Teresa - Baltasar Coutinho.
personagens
Adjuvantes
- João da Cruz;
- Mariana.
O amor-paixão
Simão AMA Teresa - Simão ama Teresa, perde-se por amor
(assassínio, prisão, degredo) e morre a amar
AMA Mariana Teresa;
- Teresa ama Simão, perde-se por amor (clausura
no convento) e morre por amor;
- Mariana ama Simão, perde-se por amor
(abdicação da família e da felicidade) e mata-se
por amor a Simão.
Os Maias, escrito por Eça de Queirós, é um romance do século XIX que retrata a
história trágica de uma família portuguesa. Tendo em conta o contexto literário,
encontramos várias correntes nesta obra, como o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo
e o Impressionismo.
Desta forma, a “Questão Coimbrã” (1865) preparou o terreno para o aparecimento
do Realismo, pois agitou as classes cultas e políticas. Com efeito, agora em Lisboa, as
“Conferências do Casino” (1871) inauguraram esta escola literária e as bases desta nova
forma de escrever.
De facto, o Realismo é uma nova expressão da arte. O Romantismo foi a apoteose
do sentimento e a expressão do individual; o Realismo, por sua vez, é a análise tendo em
vista a verdade absoluta, a representação objetiva da realidade e a expressão da
impessoalidade. Para conseguir isto, este deve banir o excesso de sentimentalismo, a
retórica oca e superficial, bem como deve ir buscar inspiração às correntes filosóficas para
exprimir a real problemática do Homem da sua época.
Efetivamente, esta escola literária critica o que considera estar errado na sociedade:
o ócio da alta burguesia, a depravação do clero, a ignorância da classe política, a educação
retrógrada da juventude, os maus costumes, a imoralidade, o adultério feminino, os vícios,
entre outros.
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Associado a esta esta, surge o Naturalismo, que adota o método científico. Com
efeito, este é uma tentativa de aplicar à literatura as descobertas e os métodos da ciência do
século XIX. Assim, para os escritores naturalistas, o Homem é um animal cujo destino é
determinado pela hereditariedade, pelo efeito do seu meio ambiente e pelas pressões do
momento, como a educação, por exemplo. Esta conceção, terrivelmente deprimente, rouba-
lhe toda a livre vontade, toda a responsabilidade dos seus atos, pois são apenas o resultado
inescapável de força e das condições físicas que estão totalmente para além do seu controlo.
Sendo assim, os romances de índole naturalista estão construídos para provar
determinadas teses, sobretudo o determinismo, que julgavam dirigir todos os
comportamentos humanos.
Como a obra literária deve ser o reflexo da realidade, os realistas conseguem
descrever e narrar os acontecimentos com naturalidade. De facto, estes são mestres no
desenho e no colorido e cuidam muito o aspeto formal da escrita, aproximando-se do
Parnasianismo. Esta escola literária surgiu devido à saturação das carpiduras românticas,
ou seja, é uma reação antirromântica. O Parnasianismo defende a ideia da Arte pela Arte, o
mais importante é a forma, em detrimento do conteúdo.
Por fim, nesta época, podemos falar do Impressionismo, que constitui uma fuga ao
sentimento de decadência, aliando-se, portanto, ao decadentismo e ao simbolismo. Como
características, apontamos as construções impessoais, a qualidade do objeto (cor)
sobrepõe-se ao objeto, a mistura de perceções diferentes, daí que encontremos como figuras
de estilo mais recorrentes do Impressionismo sejam a hipálage e a sinestesia.
Concluindo, o século XIX foi bastante profícuo no que a escolas literárias diz respeito
e tal facto comprava-se pelo hibridismo presente em Os Maias.
Resumo da obra
A ação de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda metade do séc. XIX, e conta-
nos a história de três gerações da família Maia. Esta inicia-se no Outono de 1875, altura em
que Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala no Ramalhete.
O seu único filho – Pedro da Maia – de carácter fraco, resultante de uma educação
extremamente religiosa e protecionista, à portuguesa, casara-se, contra a vontade do pai,
com a filha de um antigo negreiro, Maria Monforte, de quem tem dois filhos – um menino e
uma menina. Mas a esposa, após conhecer Tancredo, um príncipe italiano que Pedro
alvejara acidentalmente enquanto caçava, acabaria por o abandonar para fugir com o
Napolitano, levando consigo a filha, de quem nunca mais se soube o paradeiro. O filho –
Carlos da Maia – viria a ser entregue aos cuidados do avô, após o suicídio de Pedro da Maia,
devido ao desgosto da fuga da mulher que tanto amava.
Carlos passa a infância com o avô, recebendo uma educação rígida, principalmente
direcionada à educação e só depois à religião. Forma-se depois, em Medicina, em Coimbra.
Carlos regressa a Lisboa, ao Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de alguns
amigos, como o João da Ega, Alencar, Dâmaso Salcede, Euzebiozinho, o maestro Cruges,
entre outros.
Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a Condessa de
Gouvarinho, que depois irá abandonar. Um dia, fica deslumbrado ao conhecer Maria
Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro Castro Gomes. Carlos segue-a algum tempo
sem êxito, mas acaba por conseguir uma aproximação quando é chamado por ela para
visitar, como médico, a sua governanta que adoecera. Começam então os seus encontros
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com Maria Eduarda, visto que Castro Gomes estava ausente. Carlos chega mesmo a comprar
uma casa onde instala a amante. Castro Gomes descobre o sucedido e procura Carlos,
dizendo que Maria Eduarda não era sua mulher, mas sim sua amante e que, portanto, podia
ficar com ela.
Entretanto, chega de Paris um emigrante, que diz ter conhecido a mãe de Maria
Eduarda e que a procura para lhe entregar um cofre desta que, segundo ela lhe dissera,
continha documentos que identificariam e garantiriam para a filha uma boa herança. Essa
mulher era Maria Monforte – a mãe de Maria Eduarda era, portanto, também a mãe de
Carlos. Os amantes eram irmãos. Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém
abertamente, a relação incestuosa com a irmã, sem que esta saiba que são irmãos. Afonso
da Maia, o velho avô, ao descobrir que Carlos, mesmo sabendo que Maria Eduarda é sua
irmã, continua com a relação, morre de desgosto.
Ao tomar conhecimento, Maria Eduarda, agora rica, parte para o estrangeiro; Carlos,
para se distrair, vai correr o mundo. O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa,
passados 10 anos, e o seu reencontro com Portugal e com Ega, que lhe diz: - "Falhámos a
vida, menino!".
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I. Ação
Os Maias são constituídos por uma ação principal (amores incestuosos de Carlos
Eduardo e Maria Eduarda) e uma ação secundária (o casamento fracassado de Pedro da
Maia e Maria Monforte). A ação secundária é precedida por uma extensa analepse que nos
narra a vida de Afonso da Maia e a educação de Pedro da Maia.
Alternada com a intriga principal, numa narrativa de alternância, temos a crónica de
costumes, com o objetivo de representar os vícios e os costumes da sociedade lisboeta dos
finais do século XIX.
II. Personagens
a) Personagens principais
1. Carlos da Maia
Toda a ação gira em torno de Carlos: a sua educação, os estudos em Coimbra, a vida
social em Lisboa, a sua vida amorosa e, finalmente, o seu regresso a Lisboa, para
simbolicamente desvendar ideologias.
É descrito como um belo jovem da Renascença (beleza que o aproxima de sua mãe,
apesar de possuir os olhos negros e líquidos dos Maias). Após acabar o curso, faz uma longa
viagem pela Europa e, quando regressa a Lisboa, tem grandes projetos para o futuro
(laboratório, revista médica, consultório, …). Com efeito, Carlos é um diletante, quer a nível
profissional, quer a nível amoroso, pois a sua dispersão leva-o a uma ausência de realização
pessoal.
A sua verdadeira paixão será Maria Eduarda, comparando-a a uma deusa; por ela,
dispõe-se a renunciar a preconceitos e a colocar o amor em primeiro plano. Porém, ao saber
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2. Maria Eduarda
Maria Eduarda aparece em Lisboa com o mesmo impacto que sua mãe, Maria
Monforte (“passo soberano de deusa”). Ignorando a sua verdadeira identidade, Maria
Eduarda entra na sociedade lisboeta pela mão de Castro Gomes, com quem partilhava a vida,
há três anos. Mais tarde, dizendo-se viúva de Mac Green, sabia apenas que a sua mãe
abandonara Lisboa, levando-a consigo para Viena.
À sua perfeição física alia-se a faceta moral e social que deslumbraram Carlos: a sua
dignidade, santidade e o seu equilíbrio, juntos com a sua forte consciência moral e social,
transformando-a numa mulher perfeita.
Irá sentir por Carlos uma paixão avassaladora e fatal (para Afonso), que é a
consumação da desgraça dita por Vilaça, quando Afonso decide ir novamente habitar o
Ramalhete.
Podemos afirmar que Maria Eduarda é vítima do meio pernicioso onde passa a
infância, a adolescência e a juventude.
3. Afonso da Maia
É filho de Caetano da Maia, defendeu, na juventude, valores opostos aos de seu pai.
Casa com Maria Eduarda Runa e, durante as lutas liberais, vê a sua casa invadida pelos
seguidores de D. Miguel. Decide, então, partir para Inglaterra, onde reinicia a sua vida com
a mulher e o filho.
Após o suicídio do filho, passou a viver para o neto e passa os seus dias em conversas
com amigos, lendo e emitindo juízos sobre a necessidade de renovação do País; gasta
fortunas em caridade e enternece-se com crianças. Morre de uma apoplexia ao ter
conhecimento dos amores incestuosos de seus netos Carlos e Maria Eduarda.
Afonso da Maia é apresentado como um símbolo do velho Portugal que contrasta
com o novo – o da Regeneração – cheio de defeitos. Afonso é o representante dos valores
morais, o pilar do passado glorioso.
4. João da Ega
Ega era o melhor amigo de Carlos; conheceram-se em Coimbra, enquanto Carlos era
estudante de Medicina e Ega, de Direito. Era conhecido como “o maior ateu, o maior
demagogo, que jamais aparecera nas sociedades humanas”.
Ega é partidário do Naturalismo e opõe-se, como é óbvio, ao poeta ultrarromântico
Tomás de Alencar. É irreverente, revolucionário, provocador e satânico, todavia é, também,
romântico; assim é uma personagem contraditória: por um lado, romântico e sentimental;
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por outro, progressista e crítico sarcástico de Portugal. Tal como Carlos, é um diletante,
concebe grandes projetos literários que nunca chega a realizar.
Nos últimos capítulos, Ega ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da
intriga: é a ele que Guimarães entrega o cofre com os dados biográficos e as provas da
identidade de Maria Eduarda; é ele que fala com Vilaça e, depois com Carlos, quem conta a
novidade a Afonso da Maia, por fim, é Ega que acompanha Maria Eduarda na viagem de
comboio que a levará para sempre de Portugal.
Todos os críticos afirmam que Ega é o alter-ego de Eça de Queirós, devido às
parecenças físicas (magreza extrema) e opiniões expressas por esta personagem.
5. Pedro da Maia
Pedro da Maia era filho de Afonso e de Maria Eduarda Runa. “Ficara pequenino e
nervoso (…); face oval de um trigueiro cálido, dois olhos maravilhosos e irresistíveis, …,
faziam-no assemelhar a um belo árabe”. No fundo, é o prolongamento físico e
temperamental da mãe, pois não revela ter a solidez de carácter de Afonso da Maia. “Era em
tudo um fraco”.
Pedro da Maia apaixona-se pela mulher fatal, Maria Monforte, o que o levará ao
suicídio, após a fuga desta com Tancredo. Assim, ele é vítima do meio social lisboeta, de uma
educação retrógrada, logo, falha no casamento e falha como homem, cometendo suicídio.
6. Maria Monforte
É conhecida, em Lisboa, pela alcunha pejorativa de “negreira”, alcunha associada a
seu pai, que tinha sido comandante de um navio de transporte de escravos.
Vista por Pedro da Maia “como alguma coisa de imortal e superior à Terra”, Maria
Monforte deslumbra Pedro com a sua beleza. É, portanto, uma mulher sensual, vítima da
literatura romântica (os nomes dos dois filhos surgem ligados a personagens de livros);
gosta do luxo (gosto que Carlos herdará) e de ser adorada por todos (Alencar afirmava ter
uma paixão platónica por ela).
Casada com Pedro da Maia, foge com o napolitano Tancredo e leva consigo a filha,
abandonando o marido e o filho. Num duelo, Tancredo morre e começa a viver uma vida
dissoluta e boémia (casas de jogos, vários amantes, …); morre na miséria, mas, antes,
entrega a Guimarães um cofre que prova a verdadeira identidade de Maria Eduarda.
b) Personagens-tipo
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III. Espaço
a) Espaço físico
O espaço físico exterior acompanha o percurso da personagem central e é motivo
para a representação de atributos inerentes ao espaço social. Os espaços interiores estão de
acordo com a escola realista/naturalista: interação entre o homem e o ambiente que o
rodeia.
b) Espaço social
Os Maias é um romance no qual o espaço tem um papel fundamental, especialmente
o espaço social, visto que nele desfila uma galeria imensa de figuras que caracterizam a
sociedade lisboeta: as classes dirigentes, a alta aristocracia e a burguesia. Sendo assim,
cumpre um papel eminentemente crítico.
c) Espaço psicológico
Constituído pelas zonas da consciência da personagem, manifesta-se em momentos
de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua
consciência, ocupando Ega lugar de relevo.
A presença do espaço psicológico implica, como é óbvio, a presença da subjetividade
e a perda da omnisciência do narrador, o que coloca em causa a escola literária do
naturalismo.
IV. Tempo
b) Tempo psicológico
É o tempo que a personagem assume interiormente; é o tempo filtrado pelas suas
vivências subjetivas (“(…) É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece
estar metida a minha vida inteira.”).
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V. Narrador
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Crónica de Costumes
Neste Jantar, Ega pretende homenagear Cohen, o marido de Raquel, senhora por
quem estava apaixonado e com a qual mantinha uma relação adúltera. É neste momento
que Carlos entra no meio social lisboeta adotando, contudo, uma atitude distante, que
manterá até ao final da obra. O que interessa salientar é a emissão de juízos realizada pelas
personagens e que nos permite compreender o panorama cultural da Lisboa da época
(finais do século XIX). Destacam-se os seguintes assuntos:
- literatura: Alencar defende o Ultrarromantismo; Ega defende o Realismo e o Naturalismo.
Este, contudo, defende em exagero a inclusão da ciência na Literatura.
- política: Ega critica a decadência do país e afirma desejar a bancarrota e a invasão
espanhola.
A corrida de cavalos
Um dos episódios preferidos do próprio autor, este quadro é uma crítica à tendência
dos portugueses para imitar aquilo que se fazia nos países estrangeiros e que se considerava
como sinal de progresso, quando, afinal, muitas vezes, não nos identificávamos com as
ideias ou medidas que importávamos. Assim, o ambiente devia ser requintado, mas que
também deveria apresentar a ligeireza desportiva para que remete o acontecimento, torna-
se o espelho da falta de gosto e de educação dos participantes. São de destacar os seguintes
aspetos como alvo da crítica queirosiana:
- a falta de coerência entre o traje e a ocasião, o que fazia com que alguns cavalheiros se
sentissem “embaraçados e quase arrependidos do seu chique” e com que as senhoras se
apresentassem com “vestidos sérios de missa”.
- a sensaboria, motivada pelo facto de as pessoas não revelarem qualquer interesse pelo
evento.
- a desordem, causada pelo jóquei que montava o cavalo “Júpiter” e que insultava Mendonça,
o juiz das corridas, pois considerava ter perdido injustamente. Tomava-se partido, havia
insultos, até que Vargas resolveu, “com um encontrão para os lados”, desafiar o jóquei – foi,
então, que se ouviu uma série de expressões como “Morra” e “Ordem”, se viram “chapéus
pelo ar”, se ouviram “baques surdos de murros”.
Este espaço social é criado através da emissão de juízos por parte dos presentes. As
falas das personagens permitem concluir o atraso intelectual do país e dos valores sociais
degradados que o definem. São aí abordados os seguintes temas:
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- a educação das mulheres: salienta-se o facto de ser conveniente que “uma senhora deve
ser prendada”, ainda que as suas capacidades não devam permitir que ela saiba discutir,
com i, homem, assuntos de carácter intelectual. O próprio Ega, provocador, defende que “a
mulher só devia ter duas prendas: cozinhar bem e amar bem”.
- a falta de cultura dos indivíduos detentores de cargos que os inserem na esfera social do
poder - Sousa Neto.
- o deslumbramento pelo estrangeiro: Sousa Neto manifesta a sua curiosidade em relação
aos países estrangeiros, demonstrando a obsessão pelos países estrangeiros.
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Os Maias – Sistematização
Simbolismos
O Ramalhete
Não é difícil lermos o percurso da família Maia estampado nas alterações por que
passou o Ramalhete.
Desde o início, desabitado, quando Afonso vive no retiro campestre de Santa Olávia,
o Ramalhete não tem vida; em seguida, habitado, preparado para receber Carlos, torna-se
símbolo da esperança e da vida: a estátua e a cascata transformam-se. É como que um
renascimento; finalmente, a tragédia bate-se sobre a família e eis a cascata chorando,
esfiando as últimas gotas de água, a estátua coberta de ferrugem. Tudo aponta para um
carácter funéreo, uma espécie de cemitério areado e limpo, tendo como guardas o cipreste
e o cedro – árvores que, pela sua longevidade, significam a vida e a morte – foram
testemunhas de várias gerações de Maias que se foram.
Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são
comparados a mortalhas com que se envolvem os cadáveres. A morte instala-se
definitivamente nesta família. Todo o recheio do mobiliário do Ramalhete, degredado e
disposto numa anormal confusão, todos os aposentos, melancólicos e frios, tudo deixa
transparecer a realidade da destruição e da morte.
As cores
Toca
Toca é o nome dado à habitação de certos animais, o que, desde logo, parece
simbolizar o carácter animalesco deste relacionamento amoroso. Carlos introduz a chave
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no portão da Toca com todo o prazer, o que sugere não só o símbolo do poder, mas também
o do prazer das relações incestuosas; da segunda vez que se alude à chave, os dois
experimentam-na. É evidente que a chave se torna símbolo da mútua entrega e aceitação.
Os aposentos de Maria simbolizam o carácter trágico da sua relação, a profanação
das leis humanas e cristãs, a sensualidade pagã e excessiva. Os guerreiros simbolizam a
heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféus agrícolas, o trabalho: qualidades que
terão existido um dia nesta família e agora estão completamente postas de parte. Os dois
faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de tudo e de
todos. O ídolo japonês remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta relação
incestuosa.
Cofre de Guimarães
O cofre que Guimarães entrega a Ega é o objeto que representa todo o percurso de
Maria Eduarda e funciona como a caixa de Pandora, pois encerra revelações terríveis.
Podemos, ainda, associar a este objeto lavrado e fechado a ideia de túmulo, logo prenúncio
de morte, num primeiro momento, morte de Afonso e, numa análise mais global, o fim da
família Maia.
Intriga secundária
Intriga principal
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se insinua desde o início do romance e abre o jogo quando Guimarães, tio de Dâmaso, vem
a Lisboa e entrega o cofre a Ega.
De facto, existem indícios claros ao longo da obra da presença subtil desta entidade
transcendente a Carlos e a Maria Eduarda que os une e que os há de destruir. Assim, é neste
aspeto que a intriga escapa aos cânones da estética naturalista que submetia todos os
processos a um feroz racionalismo. O Destino compraz-se, assiste, atento e ciumento, à
felicidade do par amoroso e, quando nada o fazia prever, aparece abertamente com o seu
mensageiro – Guimarães.
Desta forma, a intriga principal tem uma estrutura trágica, assemelhando-se a uma
tragédia clássica. Assim, é fácil identificar os três momentos essenciais de uma tragédia: a
peripécia (alteração súbita dos acontecimentos), a anagnórise (reconhecimento) e a
catástrofe – desenlace trágico.
A peripécia verificou-se com as revelações casuais de Guimarães a Ega sobre a
verdadeira identidade de Maria Eduarda; o reconhecimento, que muda a relação de Carlos
e Maria Eduarda para o incesto, que provoca a catástrofe, consumada pela morte de Afonso
e a separação definitiva dos dois amantes.
Concluindo, a intriga principal é de índole trágica, apresentando alguns elementos
que fogem ao naturalismo. O factor meio não funciona como condicionante, pois os
protagonistas foram criados em meios totalmente diferentes; o factor educação também
não pesa, visto que ambos tiveram educações díspares; por último, a hereditariedade
também não pode ser tida em conta, dado que eles descobriram que eram irmãos quando a
intriga caminhava já para o seu fim.
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Os Maias - Recapitulação
Contextualização Histórico-literária
- Regeneração: estabilização do regime liberal graças a uma revolta militar chefiada pelo
marechal Saldanha a 28 de abril de 1851;
- Geração de 70: objetivos – a regeneração do país (valorização do progresso da sociedade
e da cultura); as Conferências do Casino – movimento de ideias que preconizava o
historicismo; o realismo em Arte como expressão de um novo ideal de vida, a crença no
progresso das sociedades, conseguido através das ciências positivas;
- Realismo: perspetiva filosófica e artística que privilegia o “real”, o existente, o mundo
objetivo; marcado pelo gosto da verdade, procurando transmitir todo o real, na sua
diversidade e na variedade dos seus aspetos;
- Naturalismo: Realismo mais “científico”, profundamente influenciado pelas ciências
experimentais e pela filosofia positivista de Taine: o homem é determinado pela sua raça
(fisiologia, hereditariedade), pelo seu meio (época, meio social e os seus costumes e
códigos) e pelo seu momento histórico.
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- Toca: local onde ocorre o incesto (transgressão dos valores morais e familiares); a
decoração representa a sensualidade e o carácter animalesco da relação de Carlos e Maria
Eduarda;
- estrangeiro: a referência a espaços fora de Portugal funciona como uma fuga em
momentos difíceis e foi residência dos Maias em vários períodos conturbados; os países
estrangeiros, especialmente a Inglaterra, são vistos como modelos a seguir pelos
portugueses, pois são símbolo de cultura e requinte.
- Carlos da Maia, Maria Eduarda e Afonso da Maia são personagens que pertencem a uma
elite, dotados de qualidades superiores;
- tema clássico: incesto;
- presença de indícios;
- presença dos principais elementos da tragédia clássica: hybris (desafio), agon (conflito),
peripeteia (peripécia), ananké (destino), pathos (sofrimento), clímax, anagnorisis
(reconhecimento) e katastrofé (catástrofe).
Linguagem
- recursos estilísticos: personificação (“aquele fim de tarde um tom mais pensativo e triste”),
comparação (“o cipreste e o cedro envelheciam juntos, como dois amigos num ermo”),
ironia (“os dois amigos beberam o champanhe que Jacob arranjara ao Ega, para Ega se
regalar com a Raquel”), metáfora (“Ela seria a perfeita cura, o asilo seguro.”), sinestesia
(“larga friagem do ar”), o uso expressivo do advérbio (“passos lentos pisavam surdamente
o tapete”) e do adjetivo (“luxo estridente e sensual”);
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- reprodução do discurso no discurso: citações de autores, discurso indireto livre (“Ega não
se admirava. Só ali no Ramalhete ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida
- a paixão.”).
Bibliografia utilizada:
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