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Da Matta analisa no texto a miscigenação no Brasil e a ilusão que as relações raciais representam em nossa sociedade, iniciando o texto com a

frase de Antonil: “O Brasil é um inferno para os negros, um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos”. A frase foi
constantemente mal interpretada por alguns, tendo em vista que muitos confundem o racismo com a discriminação social, levando em conta
apenas o fenômeno biológico e fisiológico, e afastando os fatores sociológicos básicos relacionados.
De acordo com as teorias europeias e norte-americanas, a sociedade responde a uma hierarquização das raças, em que o branco se encontrava no
topo da escala, em posição de liderança em relação às demais raças, de forma que a miscigenação representava um ultraje e ameaça a essa
condição de superioridade.
O autor então compara o racismo europeu e americano com o racismo brasileiro, tomando como exemplo as ideias de Gobineau, que em seu
livro diz que é possível separar as raças a partir de três critérios: o intelecto, as propensões animais e as manifestações morais, aplicando ao seu
discurso preconceituoso e autoritário uma certa inteligência.
Gobineau criticava a mistura de raças no Brasil e como isso levaria o país à ruina, tanto do social quanto biologicamente. No entanto, a crítica
não era quanto à existência dessas diferentes raças, e sim à posição social que ocupavam por pertencerem a essa hibridização, sendo contra o
contato íntimo entre elas. Aliás, a denominação de algumas dessas variedades raciais conotam justamente a inferioridade que à elas foram
conferidas devido a esse hibridismo.
Por trás dessa teoria se revelava, entretanto, o temor de alguns de que o hibridismo social, formado pelos fracos, incapazes e degenerados
mestiços, se tornasse forte e dominante, apagando as qualidades e a hierarquia imposta a cada uma das raças, individualmente.
Dessa forma, quando retomamos à frase inicial, o que se pode ver é que não há como aplicar, no caso do Brasil, o dualismo lógico para se referir
às raças, diferentemente do que se vê de forma clara no racismo americano e no sul-africano. Nesse sentido, o autor se vale de termos católicos
para designar espaços a cada uma das partes do triangulo racial presente no Brasil, de modo que o mulato se encontra positivamente no meio das
outras, antagônicas entre si.
Esse vínculo nos permite concluir que, ao contrário dos Estados Unidos, a nossa classificação racial não é direta e dualista, de forma que ocorre a
relativização do preconceito, de maneira contextualizada, tornando-o mais difícil de ser combatido, devido a sua invisibilidade. Ou seja, lá
considera-se não só a marca do tipo racial, como também a origem das pessoas. Assim, o mulato, de maneira oposta ao que se encontra no Brasil,
não está no paraíso, e sim no inferno, tendo em vista que a sociedade anglo-saxônica é igualitária e protestante, e o intermediário representa uma
ameaça à igualdade das camadas sociais.
Assim se figura o racismo à brasileira. Com a indefinição hierárquica e a desigualdade social, é de forma velada que o preconceito aparece como
meio de discriminação, tanto social quanto racial. É que as raças ocupam predominantemente uma classe na sociedade, e se espera das outras que
elas permaneçam assim.
A ilusão das relações raciais existe quando pensamos na formação da sociedade brasileira como pertencente a brancos, negros e índios, de forma
espontânea. Porém, a verdade é que somos um país de portugueses brancos em uma sociedade hierarquizada, moldada dentro de uma legislação
de valores discriminatórios, e que, quando aqui chegaram, buscaram ocultar as desigualdades e injustiças acometidas às demais raças através da
mistura entre elas.

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