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TEORIA DEMOCRÁTICA II

AULA 18
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA (1): BENJAMIN BARBER E A IDEIA DE
DEMOCRACIA FORTE
TEXTOS: BARBER, BENJAMIN. STRONG DEMOCRACY. PARTICIPATORY POLITICS FOR A NEW AGE.
BERKELEY, LOS ANGELES, LONDON: UNIVERSITY OF CALIFORNIA PRESS, 2003. (CAPÍTULOS
PARTE II, CAPÍTULO 6).

Semestre: 2023.1
Aulas: Terças e quintas, 09h30-11h10
Professor: Diogo Cunha
E-mail: diogo.accunha@ufpe.br
Democracia participativa: introdução
geral
■ Primeiras elaborações teóricas florescem nos anos 1960 e 1970.
■ Motivação ⇒ A participação muito limitada dos cidadãos (se resumia em votar nas eleições).
Nesse sentido, defendem a incrementação da participação popular na política.
■ Teoria participacionista se aproxima de um modelo institucional a ser implementado
■ Alguns pontos a serem destacados:
1. Participacionistas não defendem um retorno à democracia direta ⇒ Propõem um
aprimoramento da representação por meio da qualificação política dos cidadãos e das cidadãs.
2. Nem comunitaristas, nem liberais ⇒ Participacionistas não veem uma « comunidade » já
formada, nem atomização social ⇒ Democracia é percebida e valorizada como um
processo educativo (nesse sentido, reivindicam Rousseau e Stuart Mill);
Democracia participativa: introdução
geral
■ Se insurgem contra a rígida separação entre Estado e sociedade civil e advogam a
implantação de mecanismos democráticos nos espaços da vida cotidiana
■ Proximidade promove participação política ⇒ Participação na base precisa ser
combinada com uma estrutura representativa piramidal.
■ Sensibilidade para as desigualdades concretas ⇒ Participacionistas colocam o mundo
material na teoria política. Nesse sentido, relação entre democracia e capitalismo é
central
■ Se há uma incompatibilidade entre democracia e capitalismo, o modelo do « socialismo
real » também não é uma solução ⇒ Lógica da participação ampliada implica
descentralização do poder) ⇒ Inclinação à autogestão.
ALGUNS TEÓRICOS
PARTICIPACIONISTAS

■ Pergunta da qual partiram ⇒ A democracia precisa


ficar limitara a uma competição entre elites? Resposta:
não.
■ Segunda pergunta: Por que isso aconteceu? Resposta:
por causa do casamento entre mercado capitalista e
democracia.
Carole Pateman

■ Necessidade de instrumentos de gestão democráticos


na esfera da vida cotidiana, sobretudo nos locais de
trabalho (« democracia industrial ») ⇒ Isso daria um
« treinamento » aos cidadãos para um posterior
aperfeiçoamento da accountability.
C.B. Macpherson

■ Ampliação de oportunidades de participação geraria


um salto de qualidade da representação ⇒ Defende
comitês a um só tempo deliberativos e executivos,
com a participação de todos, para gerir o cotidiano no
bairro, no trabalho, na escola etc.
■ Modelo participativo exige não apenas mudança de
mentalidade (eliminação da analogia da política como
mercado e autovisão do eleitor como consumidor) e
redução das desigualdades econômicas (disparidade
de influência política).
Benjamin Barber
Strong Democracy
■ Capítulo 6 ⇒ “Strong democracy. Politics as a way
of living”
■ Algumas definições de “democracia forte”:
1. Forma moderna de democracia participativa; se funda
na ideia de uma comunidade de cidadãos que se
autogovernam, unidos não por interesses
homogêneos, mas por uma cultura cívica (p. 117)
2. Tem pontos em comum com a teoria democrática
grega clássica, mas não se confunde com ela;
Strong Democracy
Pontos do texto
3. Tem pontos em comum com a democracia liberal, pode ser visto como um complemento desta
última ⇒ É menos do que a teoria unitária da vida pública própria do republicanismo, mas é
mais do que o liberalismo.
4. Não é um “modo de vida”, é um “modo de se viver” ⇒ Modo através do qual diferentes
indivíduos de distintas, mas maleáveis naturezas, com interesses em competição, mas
sobrepostos, decidem viver juntos por seu próprio proveito (e da comunidade)
5. Aspira transformar o conflito por meio de uma política inventiva e de descobertas; busca criar
uma linguagem pública que ajudará a reformular interesses privados em termos suscetíveis de
encontrarem acomodação pública.
6. Cria a promessa da transformação ⇒ Privado em público, independência em
interdependência, licença em autolegislação, necessidade em amor, obrigação em cidadania,
tudo no contexto da participação.
Strong Democracy
Pontos do texto

■ “Definindo as condições da política”


■ Definição do domínio da política ⇒ Política é circunscrita por condições que impõem
a necessidade de uma ação pública, e portanto uma escolha pública razoável, na
presença de conflitos na ausência de fundamentos privados ou independentes para o
julgamento.
■ “a política surge quando se torna necessária uma ação pública e quando os homens
devem, assim, fazer uma escolha pública que seja razoável face ao conflito, apesar da
ausência de uma base de julgamento independente. (p. 122).
Strong Democracy
Resposta da “democracia forte” à condição política

“Na política participativa, os conflitos são resolvidos na ausência de uma base


independente, através de um processo participativo de autolegislação contínua e da
criação de uma comunidade política capaz de transformar indivíduos dependentes e
privados em cidadãos livres e interesses parciais e privados em bens públicos”.
Strong Democracy
Ação

« A centralidade do processo, da transformação e da criação para a ideia de


ação na definição democrática de uma strong democracy não é, portanto,
uma caraterística padrão do pensamento democrático. Na democracia forte,
a política é algo feito por, e não para, os cidadãos. A atividade é a sua
principal virtude, e o envolvimento, o compromisso, a obrigação e o serviço
- a deliberação comum, a decisão comum e o trabalho comum são as suas
marcas. »
Strong Democracy
Publicidade

« A democracia forte cria um público capaz de deliberar e decidir de forma


razoável e, por conseguinte, rejeita o reducionismo tradicional e a ficção de
indivíduos atómicos que criam laços sociais ex nihilo ».
Strong Democracy
Necessidade
« Porque está enraizada na ação participativa e num sentido apurado do carácter público da
política, a democracia forte é particularmente sensível ao elemento da necessidade na
escolha pública. O seu sentido concreto da interligação dos acontecimentos e da inserção
dos cidadãos numa política em mudança protege-a daquela perigosa inocência com que os
liberais se desresponsabilizam das leis e acontecimentos históricos que não são da sua
autoria. Tal como o realista, o participacionista vê o poder como inevitável - como uma
presença com a qual todas as políticas têm de contar. Mas também reconhece que o poder
legitimado e o poder utilizado são o que torna possível a liberdade social e a igualdade
política. Em suma, a democracia forte não só coloca a agência e a responsabilidade no
centro da atividade política, como as entende como uma resposta indispensável à
necessidade do homem de agir perante o conflito, que é a condição precipitante da própria
política. »
Strong Democracy
Escolha

« A participação como modo político pressupõe obviamente cidadãos capazes de uma


escolha significativa e autónoma, como o fazem todas as teorias coerentes da democracia. O
consentimento sem autonomia não é consentimento. Mas a participação aumenta a volição
na medida em que empresta à escolha o envolvimento direto da mente deliberativa e da
vontade de escolha. Enquanto clientes ou eleitores ou constituintes ou massas podem ser
caracterizados de formas que omitem a sua livre agência, os participantes não podem: a
volição individual é o coração da ideia de autolegislação através da participação. Nesta
ênfase, pode dizer-se que a democracia forte vai para além da simples ideia de livre arbítrio
partilhada por todas as teorias democráticas ».
Strong Democracy
Razoabilidade
« Sugeri que as escolhas e ações públicas, que devem ser mais do que
arbitrárias ou meramente autointeressadas, mas que não se pode esperar que
sejam científicas ou certificáveis pelos padrões da filosofia abstrata, devem
pelo menos ser « razoáveis ». A forma como os processos participativos de
autolegislação contínua cumprem este critério vai ao cerne do projeto
democrático forte. Note-se apenas que a razoabilidade não é uma condição
prévia abstrata da política, mas uma atitude que a própria política
democrática forte engendra. »
Strong Democracy
Conflito

« Todas as formas de democracia pluralista encaram o conflito como um elemento central


da política, mas os pluralistas têm frequentemente acusado as teorias participativas e
comunitárias de negligenciarem o conflito em favor do consensualismo […] A democracia
forte é diferente. É única entre as formas não representativas na medida em que reconhece
(e de facto usa) a centralidade do conflito no processo político. A democracia forte […]
desenvolve uma política que pode transformar o conflito em cooperação através da
participação dos cidadãos, da deliberação pública e da educação cívica. A teoria da
democracia forte começa, mas não termina, com o conflito: reconhece o conflito, mas acaba
por transformá-lo em vez de o acomodar ou minimizar.
Strong Democracy
Ausência de um fundamento independente

Os procedimentos de autolegislação e de construção da comunidade em que


se baseia são autônomos e autocorretivos e, por isso, são genuinamente
independentes de normas externas, verdades pré-políticas ou direitos
naturais [...] A política no modo participativo […] faz com que as
preferências e as opiniões adquiram legitimidade, obrigando-as a passar pelo
crivo da deliberação pública e do julgamento público. Elas emergem não
apenas legitimadas, mas transformadas pelos processos a que foram
submetidas.
Resumo
■ « Democracia forte » ⇒ Forma moderna de democracia participativa que se opõe à « democacia
fraca », isto é, a democracia liberal-representativa. Ela pressupõe:
1. Autolegislação
2. Construção da comunidade. Ou seja:
■ Ideia de comunidade autogovernada na qual os cidadãos unem-se por uma educação cívica (e não
apenas por interesses homogêneos) e tornam-se capazes de objetivos comuns e ação mútua em
virtude de suas atitudes cívicas e das instituições participativas da comunidade (e não por
altruísmo).
■ É um « modo de viver » (way of living) e não um « modo de vida » (way of life) ⇒ Modo pelo
qual seres humanos com naturezas diferentes e maleáveis e interesses sobrepostos e conflitantes
podem conseguir viver juntos não apenas em seu benefício mútuo, mas também em benefício da
mutualidade.
Resumo
■ Democracia forte é uma resposta às « condições da política » ⇒ Política em um
modo participativo, na qual o conflito é resolvida na ausência de uma base
independente, através de um processo participativo de autolegislação contínua, da
criação de uma comunidade política capaz de transformar indivíduos dependentes e
privados em cidadãos livres e transformar interesses parciais e privados em bens
públicos
■ Vantagem comparativa ⇒ Transformação do conflito em cooperação por meio da
participação.
■ Implicação ⇒ Participação é um processo transformativo, constitui o ser, assim como a
cidadania seria um modo de viver da coletividade; substitui o individualismo atomístico
da democracia fraca por uma noção forte de público.
Diferenças entre democracia deliberativa e
democracia participativa
Ênfase

Democracia deliberativa Democracia participativa

■ Ênfase na participação ativa dos


■ Ênfase na deliberação informada e
cidadãos nos vários estágios do
racional entre os cidadãos; qualidade
processo decisório; papel direto na
do discurso e troca de ideias
formulação das políticas públicas.
Diferenças entre democracia deliberativa e
democracia participativa
Mecanismos

Democracia deliberativa Democracia participativa

■ Town Hall meetings, referendos,


■ Assembleias cidadãs, sondagens, iniciativas de cidadãos e plataformas
fóruns de debate estruturados. em linha para recolha de feedback e
contribuições.
Diferenças entre democracia deliberativa e
democracia participativa
Processo decisório

Democracia deliberativa Democracia participativa

■ As decisões são frequentemente


■ Processo envolve o engajamento dos
tomadas através de votos directos, em
cidadãos em discussões ponderadas,
que os cidadãos decidem
avaliando criticamente as opções e
coletivamente sobre políticas ou
procurando um terreno comum.
questões de interesse da coletividade
Diferenças entre democracia deliberativa e
democracia participativa
Papel do cidadão

Democracia deliberativa Democracia participativa


■ Os cidadãos desempenham um papel
■ Espera-se que os cidadãos participem
ativo, participando nos processos de
em debates reflettidos e construtivos.
tomada de decisão, dando o seu
O seu papel implica ouvir os outros,
contributo e exprimindo as suas
analisar criticamente a informação e
preferências através do voto ou de
contribuir para a formação de
outras formas de envolvimento
decisões bem ponderadas
direto.
Diferenças entre democracia deliberativa e
democracia participativa
Representação

Democracia deliberativa Democracia participativa


■ Reconhece que nem todos os
cidadãos podem participar ■ Embora a democracia participativa
diretamente em todas as decisões. O procure envolver diretamente os
seu objetivo é criar amostras cidadãos, pode ter dificuldades em
representativas e informadas da representar toda a diversidade de
população para deliberação, perspectivas devido às limitações da
garantindo a consideração de participação direta.
perspectivas mais amplas.

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