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Maio 2019

A CRIAÇÃO
ARTÍSTICA COMO
VIVÊNCIA DE
ENSINO.
Docente Karyne Maris Pereira
Terapeuta artística antroposófica, psicoterapeuta

antroposófica e coordenadora de apoio da Escola

Waldorf Turmalina.
“Em dias longínquos , o espírito de tudo que

é terreno foi ter com o espírito do céu e

assim ele falou  - Eu sei falar com o espírito

do humano, mas peço-te dar-me aquela

língua pela qual o coração do homem fala

ao coração do mundo. E foi assim que o

bondoso espírito celeste deu ao espírito

terrestre – A Arte.”
ARTE IMAGÉTICA
NO ENSINO DA
PEDAGOGIA
WALDORF

Na escola Waldorf  é corriqueira

a utilização de diversos

procedimentos artísticos na sala

de aula durante toda a

educação básica. A pintura em

aquarela e o uso de diversos

tipos de narrativa – contos,

mitos, biografias – norteiam a

ação docente como base para

o planejamento diário.
A pintura em aquarela é utilizada para a elaboração imagética dos conteúdos e

perpassa todos eles ao longo da formação do aluno. Além disso, no currículo Waldorf, a

arte é considerada como conteúdo  principal, assim como matemática, português etc.

Isso se explica por dois pressupostos teóricos tomados por Rudolf Steiner como

fundamentação da Pedagogia Waldorf: a cosmovisão Goethiana, que propõe que se

utilize a arte como metodologia para a aquisição de conhecimento; e a visão de

Schiller sobre a necessidade de uma educação estética do homem.

Como aplicação prática dessa teoria cognitiva, surge uma metodologia de ensino

através da qual a arte refaz seu vínculo com o conhecimento, reatando, no interior da

alma humana, o que se rompe pelo desenvolvimento unilateral do intelecto. Steiner

(1928) afirma que se aproximar da visão de homem através das leis da natureza é

entrar no terreno da arte. Ele considera o homem como a criação artística da natureza.

A Pedagogia Waldorf, com seu enfoque artístico, foi criada por ele como caminho para

desenvolver o uso da imaginação e a estimulação da fantasia, pelas quais a criança

desenvolve seu potencial criativo e as faculdades anímicas que lhe possibilitam

enxergar o mundo de maneira artística.


MAS O QUE É ENXERGAR O
MUNDO DE MANEIRA
ARTÍSTICA?
Na prática,ao ouvir um conto de fadas, narrado artisticamente pelo
professor Waldorf, a criança forma ativamente imagens em sua alma.

Essas imagens surgirão no momento em que ela for solicitada a desenhar ou

pintar o que lhe foi transmitido através das palavras.

O exercício constante dessa e de outras atividades artísticas


fortalecem suas potencialidades de criação, pelo fato de que, nessas
ações, reside a maneira diferenciada de enxergar o mundo.

O intelecto infantil não será, por esse método, solicitado a trabalhar antes

que as forças da fantasia e da imaginação sejam postas em ação. Por esse

caminho, é possível que o intelecto, ao ser, posteriormente, solicitado seja

capaz de unir o conhecimento e a arte, através de uma observação

artisticamente desenvolvida para a elaboração de conceitos (Steiner, 1928).

A força plástica que transforma o pensamento em imagens é o início do

processo meditativo (Steiner, 1928). A partir dele, a inteligência conduz à arte

e o pensamento se eleva à imaginação.


A IMAGINAÇÃO

A imaginação como força de

inspiração e consciência moral

(religiosidade)
Essa imaginação não é só criação da mente humana, mas um mundo

objetivo, do qual se tem um quadro verdadeiro através desse processo.

A religiosidade surgirá como a etapa seguinte no caminho do conhecimento

para a arte. Segundo Steiner (1928), a alma, acostumada a receber

inspiração divina, no exercício da atividade artística, pode aprender a usar

essa mesma inspiração para atuar moral e religiosamente.

A compenetração e a concentração usadas na atividade artística são


do mesmo teor daquela usada num ofício religioso, numa revalorização
do sagrado, conforme a visão steineriana.

Para Steiner, a capacidade de julgar ou emitir juízos, conforme sua visão,

estava ligada às forças da fantasia.


Pode-se perceber que o caminho percorrido pela criança, durante sua

formação numa Escola Waldorf, ocorre em ciclos cada vez mais abrangentes,

sendo que o desenvolvimento de sua fantasia, através dos setênios, conduz às

metas requeridas para um nascimento adequado de sua individualidade ao

final do terceiro setênio (período de 14 a 21 anos). Para que isso aconteça,

Steiner propõe o emprego da fantasia.Todo o conteúdo intelectual é tingido


com a fantasia, a partir do entusiasmo real do professor pelo conteúdo
desenvolvido na aula, transmitindo ao jovem a confiança naquilo que lhe
foi ensinado.

A auto-educação e o domínio do conteúdo a ser tratado conferem ao


professor a habilidade e o conhecimento que são o embasamento real sobre o

qual ele se apóia para mediar a aquisição do conhecimento para seus alunos.

Isso inclui em seu preparo a aquisição de habilidades e conhecimento de

procedimentos artísticos que são empregados como metodologia de ensino.


ATUAÇÃO ARTÍSTICA NA
CONSCIÊNCIA HUMANA
Para Steiner (2008), a consciência humana atua artisticamente na matéria e

isso possibilita empregar a atuação artística quando se quer compreender o

ser humano. Da mesma forma, o desenvolvimento desta consciência requer o

uso de procedimentos artísticos. A arte permite a aquisição de um

conhecimento em ação, através do exercício da vontade que se auto-educa

nesta atuação.
Este é um conhecimento que desvela o homem em sua atitude prática diante

da vida e na sua unidade. Ao aprofundar o conhecimento sobre a metodologia

Waldorf, a Arte se apresenta como hermenêutica dialógica enquanto

representação do sensível, que apresenta contribuições no processo de

formação humana.

Na busca de uma hermenêutica para a compreensão dos procedimentos

artísticos inseridos num processo de educação, é possível entender a Arte como

processo, uma vez que é uma linguagem e uma forma de compreender o

mundo. A arte é portadora dos conteúdos da imaginação e da fantasia, que

brotam do inconsciente humano (Jung: 1981). Utilizada cotidianamente no

processo de ensino aprendizagem. Ela pode trazer o entendimento arquetípico

do conhecimento do mundo. O conhecimento está nas origens do inconsciente

humano e desde então se faz conhecer através da arte.


Na mitologia e nos contos de fadas, as imagens surgem consteladas

artisticamente para transmitir um conhecimento arquetípico através de

metáforas belas. Enquanto transmissão de conteúdos arquetípicos, ela se

apresenta como arte, metáfora da ciência que posteriormente dela se

distanciou (Steiner: 1928).

Na Pedagogia Waldorf, mitologia e arte se tornam instrumentos de transmissão

dos conteúdos, fazendo com que eles se tornem conscientes nas almas e nas

mentes dos alunos. Como no processo de imaginação ativa da psicologia

junguiana, a arte auxilia a aquisição dos conhecimentos na medida em que

permite que as habilidades se desenvolvam e se reforcem através de cada

exercício dado, por meio de cada movimento executado e que se fixem pela

contemplação de cada produto concluído. Este movimento acontece partindo

do inconsciente para o consciente, amadurecendo processos.


PRINCIPAIS
TÉCNICAS USADAS
NA PEDAGOGIA
WALDORF

AQUARELA . ARGILA . DESENHO


AQUARELA
A intenção é que as crianças

vivenciem a cor, e não a forma,

conforme a orientação dada pela

Doutrina das Cores, de Goethe (1993).

Segundo Goethe, as cores possuem

qualidades capazes de proporcionar

vivências emocionais e é esta a

intenção no trabalho com a aquarela.

Antes de dominar a técnica, busca-se

a vivência do sentimento causado

pelas cores. A criança é convidada a

brincar com as cores. O sentido

lúdico é motivado pelos contos que

introduzem a atividade oferecida.


Para pintura com aquarela, ensina-se a preparação do papel, que é molhado

para depois ser pintado. Os preparativos já são um treino para a ordem, pois as

crianças precisam se organizar para receber sua tábua de aquarela, as tintas,

os pincéis, a água e esticar o papel na tábua. Primeiro vivenciam

separadamente as três cores básicas, o azul, o vermelho e o amarelo, e depois

começam a misturar as cores no papel e a vivenciar as nuances das mais

variadas misturas.

As crianças aprendem a dar forma às pinturas e fazem lindos trabalhos.

Carlgren e Klingborg sustentam que “é difícil expressar em palavras o que a

vivência intensiva das cores pode representar mais tarde na vida das pessoas.

Pois se trata de uma riqueza interior que não é palpável, de qualidades e

nuances que são por demais sutis para serem descritas. Mas uma coisa é certa:

o mundo todo é diferente para quem começou a vivenciar e a entender a

língua silenciosa, nada intelectual, profundamente penetrante das cores.”


São as cores primárias que

servem para a vivência no

primeiro e no segundo ano.

As atividades sempre são

introduzidas por uma narrativa –

conto de fadas, mitologia,

romance, poesia ou mesmo uma

biografia – que suscitará as

imagens que surgirão no papel

diante da criança que estará

seguindo as instruções técnicas,

mas conduzida pelo imaginário

correspondente à narração

feita pelo professor.


ARGILA
Esta técnica é realizada com argila ou cera de abelha (moldar com as mãos)

permitindo que a criança tome consciência dos processos que vivencia, desde a

plasticidade, possibilidades de transformação até o encontro da forma final. A

modelagem mobiliza e harmoniza o agir, beneficia crianças que têm dificuldade

ao nível metabólico-motor, ajuda a dar contornos, limites, fortalece a vontade,

traz uma força e presença ordenadora para dentro do corpo.


DESENHO
O desenho é um instrumento pedagógico

de uso cotidiano na escola Waldorf. Além

dos cadernos dos alunos serem sempre

desenhados, o desenho apoia todo o

aprendizado, desde a vivência lúdica de

uma história contada pelo professor, que o

aluno do 1° ano desenha, até os desenhos

artísticos dos alunos das classes maiores.

Tudo começa com o giz de cera, mais

usados nos primeiros anos. A criança

aprende a preencher toda a página com

cores, e procura-se estimular o desenho

sem contornos, pois, na realidade, estes

não existem na vida real. Não vemos o

contorno de uma pessoa ou objeto, vemos

cores que se encontram em planos

justapostos.
DESENHO DE FORMAS
O desenho de formas é uma atividade pedagógica criada por

Rudolf Steiner, e é usada a partir do 1° ano escolar, quando a

criança tem por volta de 7 anos de idade. Nesta etapa, o desenho

de formas constitui a base para o aprendizado da escrita e ajuda

o educador a ampliar a sensibilidade da criança para a forma dos

objetos e dos seres da natureza.


A criança pequena já se aventura a desenhar, e podemos perceber que seus

rabiscos sempre se baseiam em duas formas básicas: a reta e a curva. Assim, o


que fazemos é partir desta iniciativa natural da criança, que inicialmente é

constituída por rabiscos caóticos, e levá-la a desenhar formas cada vez mais

harmoniosas. Assim como a criança aprendeu a andar, se movimentar e falar, a

conquista da linguagem escrita deve ser um exercício de percepção, habilidade e

harmonização do movimento, para transformar o traçado das linhas em

linguagem. O melhor caminho para este exercício é sempre artístico,


pictórico, partindo da ação para alcançar a compreensão, para que o
desenvolvimento da escrita não seja apenas um exercício de coordenação
e habilidade, mas seja uma vivência humana, envolvendo sentimento,
pensamento e ação.

No início são usados giz de cera ou lápis de cor para traçar as linhas, evoluindo

futuramente para lápis de escrita mais fina. O desenho de formas é uma prática

constante, uma pequena parte da aula, mas sempre evoluindo em dificuldade, o

que leva ao aprimoramento da escrita e do senso estético das crianças.


1º ANO

No primeiro dia de aula, do

primeiro ano, são apresentadas

a reta e a curva para as

crianças, pois estas serão a

base para o aprendizado do

alfabeto em letra de forma

maiúscula, que será ensinado

em primeiro lugar.
Nesta fase os exercícios com as linhas são feitos ocupando

espaços grandes, como uma folha de papel grande, ou uma

pequena lousa individual, onde as crianças possam começar

praticando com movimentos amplos. Também é importante que o

professor dê uma certa solenidade a esta atividade. Quando for

desenhar as linhas na lousa, seus movimentos devem ser lentos,

compenetrados e em silêncio, e as crianças devem perceber que

ele se esforça para conseguir o melhor resultado, da mesma

forma que elas deverão fazer.


2° ANO

São usados como referência um

eixo vertical, ou um eixo

horizontal. São exercícios

simples, sempre usando a reta e

a curva, com as quais os alunos

já estão familiarizados,

buscando sempre alcançar a

simetria.
A próxima variação a ser trabalhada é a simetria rítmica, com

linhas retas e curvas formando ritmos. Nestas formas a reta é

usada como elemento mais curto, e a curva como elemento mais

longo, formando sequências justapostas ou espelhadas.


3º ANO
No terceiro ano, o principal objetivo do desenho de formas é auxiliar à introdução

da escrita cursiva. A criança aos 9 anos passa por uma fase muito importante para

a afirmação do seu Eu, sua personalidade, e é nessa época que ela começa a

formar sua escrita individual. Segundo Luíza Lameirão, “os exercícios baseados na

linha ondulada, que demandam o fluxo do traçado, necessitam ser constantemente

Todo alfabeto cursivo deriva


realizados antes da introdução da escrita cursiva.

da linha ondulada e de duas transformações da mesma: laçadas e hastes.


Na laçada, a onda se eleva e dobra; na haste, ao elevar-se, a onda se aperta,

resulta em uma ponta e retorna.”


No terceiro e no quarto ano, os desenhos

de forma espelhados, que no segundo ano

são feitos com base num eixo vertical ou

num eixo horizontal, passam a ser feitos

também com estes dois eixos cruzados,

para trabalhar a simetria de quatro lados,

ou simetria central.
FIGURA
A prática do desenho de formas nestes

primeiros anos escolares representa uma

introdução à Geometria de forma

vivenciada, que mais tarde evoluirá para

o estudo mais abstrato e consciente.

Para a criança de 9 a 10 anos também

introduzimos formas baseadas no círculo,

sempre desenhadas de mão livre.

No quarto ano, quando é estudada a

Grécia, o desenho de formas pode ser

feito buscando reproduzir as formas dos

ornamentos dos escudos, por exemplo. Já

no quinto ano, por ocasião do estudo da

botânica, e representação das formas da

natureza é um rico motivo para belos

desenhos.
Assim, o desenho de forma,
além de ser a base para o
desenvolvimento da escrita,
também enriquece o estudo
vivenciado de várias outras
matérias. O seu uso também
auxilia no tratamento
terapêutico de crianças
especiais.

DO MOVIMENTO AO TRAÇO E À ESCRITA,


DE LUÍZA HELENA TANNURI LAMEIRÃO –
ED. JOÃO DE BARRO, 2016
BIBLIOGRAFIA
Doutrina das Cores. São Paulo: Ed. Nova Alexandria, 1993.
GOETHE, J. W.

____________. Escritos sobre Arte. São Paulo: Associação Editorial Humanitas/Imprensa Oficial,

2005.

JUNG, Carl G. O Desenvolvimento da Personalidade, Petrópolis. Ed. Vozes, 1981.


___________. Tipos Psicológicos, Petrópolis, Ed. Vozes, 1991.

___________. O Espírito na Arte e na Ciência. Petrópolis: Ed. Vozes, 1991a.

___________. Aion – estudos sobre o simbolismo do Si - mesmo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.

___________. Mysterium Coniunctionis – vol. I. Petrópolis: Ed. Vozes, 1988.

___________. Mysterium Coniunctionis – vol. II. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990.

___________. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Ed. Vozes, 1979.

SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Ed. Iluminuras, 1995.

STEINER Rudolf. Antropologia Meditativa, SP, Ed. Antroposófica, 1997.

_______________. A Arte da Educação – I, SP, Ed. Antroposófica, 1995, 2 ª edição.

_______________. A Arte da Educação II – metodologia e didática no ensino Waldorf, S. Paulo,

SP, Ed. Antroposófica, 1992.

_______________. Arte e Estética Segundo Goethe, SP, Ed. Antroposófica, 1997.


_______________. Andar, Falar e Pensar / A Atividade Lúdica, SP, Ed. Antroposófica, 1990.
OBRIGADA!

KARYNE MARIS
PEREIRA
www.escolaturmalina.org.br karymaris@gmail.com @ateliertresmarias

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