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ACCOUNTABILITY E

TRANSPARÊNCIA PÚBLICA
AULA 2

Prof.ª Fernanda Guarido


CONVERSA INICIAL

A accountability deve ser entendida como um conceito polissêmico e


multidirecional (Taylor, 2019, p. 1318), isto é, possui sentido que não se resume
a uma só palavra e abrange diversos aspectos da relação entre os atores. Existe
accountability no âmbito político, no âmbito societal, no âmbito legal, no âmbito
burocrático, entre outros. Por sua vez, o termo envolve ações de transparência,
fiscalização, sanção, e estas têm outros desdobramentos. Por exemplo, a
transparência envolve o dever de informar; o fiscalizar envolve a realização de
um procedimento, em atenção a um rito e nele há aspectos a se observar, a
exemplo do contraditório (direito a defesa, à resposta); o ato de punir envolve a
observância de critérios, tais como a proporcionalidade, a razoabilidade, a
realização da dosimetria (essas palavras querem dizer que para punir deve haver
um relação correspondente entre o ato praticado e a penalidade que é
cominada).
Visto dessa forma, é preciso considerar a importância de se estudar a
realidade do espaço público em que se estuda a accountability. Nesse sentido,
é importante ter-se noção de como se desenvolveu a gestão pública brasileira e
de que maneira o estabelecimento de obrigações, as prestações de contas e as
responsabilidades foram instituídas e cobradas dos agentes públicos ao longo
da história. Faz-se importante também compreender como entende a gestão
pública, como se realizam as políticas públicas e em que medida elas são
consideradas legítimas na gestão pública brasileira.
Por isso passaremos a estudar aspectos históricos da gestão pública
brasileira, os modelos de gestão identificados pelos teóricos nos diversos
momentos de nossa história, bem assim aspectos ligados à governança. Esta (a
governança), por sua vez, será entendida não somente como o aparato
operacional (administrativo e financeiro) apto ao desenvolvimento das
finalidades públicas, mas também no sentido da adequação de tais fazeres aos
anseios dos cidadãos (Matias-Pereira, 2010.).
Após a apreensão desses conhecimentos, veremos como a governança
e a accountability se relacionam e de que forma podem cooperar à boa gestão.
Consideramos importante dar ênfase especial à participação social, que,
conforme será visto, ganhou relevo num dado modelo de gestão, e a como ela
se faz importante nos diversos aspectos da accountability. É que a participação

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social representa um grande avanço no exercício da democracia, no alcance da
igualdade. Dessa maneira, acreditamos que chamar a atenção para esses
aspectos pode fortalecê-los.
Veremos ainda no tópico intitulado Na prática problemas que podem ser
prevenidos, remediados ou extirpados com os atos de accountability. Ao final,
também revisaremos aspectos mais importantes do que foi trabalhado.

TEMA 1 – OS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA NO BRASIL

Um pouco de nossa história e de nossa cultura explica a nossa gestão


pública. Fomos colônia de Portugal e nossa divisão administrativa inicial ocorreu
sob a forma de capitanias hereditárias. A gestão das capitanias era
patrimonialista, pois os donatários podiam usá-las e explorá-las, devendo fundar
vilas, cobrar tributos e repassar parte destes à Coroa Portuguesa, além de
realizar julgamentos e aplicar penas, entre outras funções (Calmon, 2002).
Mesmo após virar república, traços desse patrimonialismo prevaleciam no Brasil.
Famílias patriarcais e um estado mediador de interesses dividiam o poder, de
modo que na gestão pública se identificavam relações clientelísticas,
consanguíneas, sendo comuns o mandonismo, o nepotismo, o clientelismo e o
patrimonialismo. O público era tratado como se privado fosse. Esse modo de
gestão foi denominado administração pública patrimonial e foi intensa no Brasil
até cerca de 1930 (Brasil; Cepêda; Medeiros, 2014). Na administração pública
patrimonial, há confusão entre aquilo que é pertencente ao Estado, chamado de
público, e aquilo que pertence aos gestores. Os bens públicos são tratados como
se fossem de propriedade dos gestores, que deles se utilizam em seu favor. Um
exemplo de patrimonialismo é a oferta de cargo público como presente de
casamento – algo que já fez parte da cultura brasileira num passado mais
remoto.
A história conta que, a partir de 1930, no Brasil, com o aparecimento da
indústria, demandou-se o papel desenvolvimentista por parte do aparato estatal,
e que isto favoreceu o surgimento da administração pública burocrática (Brasil;
Cepêda; Medeiros, 2014). Esse modelo é de suma importância. Para
compreendê-lo, antes é preciso entender o que é uma burocracia. Max Weber
(2004), na obra Economia e Sociedade, estudou as burocracias. Nesse estudo,
desenvolveu o que chamou de tipo ideal, tendo descrito as características da
burocracia. Em Weber (2004), a burocracia é um tipo de poder ou dominação
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estando, portanto, na mesma categoria que o patriarcalismo, o patrimonialismo,
o feudalismo, entre outros. No patriarcalismo, as famílias têm um pai, que é a
figura da autoridade. No feudalismo, o senhor feudal, dono das terras, era o
chefe. E a cada um desses poderes corresponde um ou mais tipos de sistemas
sociais diferentes: a família, o feudo, uma região, uma cidade, o Estado, uma
igreja, as organizações (ou burocracias) entre outros, são exemplos de sistemas
sociais.
As organizações, como fenômeno da sociedade moderna, podem ser de
várias espécies, a exemplo de escolas, igrejas, clubes, do exército ou mesmo do
próprio Estado (Prestes-Motta; Bresser-Pereira, 2004). Mas o que são
organizações e por que elas importam para se entender a burocracia e a gestão
pública burocrática? Atente que “uma organização ou uma burocracia é um
sistema social racional, ou um sistema social, em que a divisão do trabalho é
racionalmente realizada tendo em vista os fins visados.” (Prestes-Motta; Bresser-
Pereira, 2004, p. 7).
Burocracia e organização são sinônimos, portanto. Dizer que uma
organização ou uma burocracia constitui um sistema racional implica que esta
organização se utiliza de um método que possui coerência entre os meios
empregados para administrar ou produzir e os resultados que se pretende
alcançar. Quer dizer, as organizações burocráticas atuam de certa maneira, para
atingir uma dada finalidade. Por exemplo, a dona de casa vai às compras e,
antes de fazê-lo, ela verifica o que está faltando em sua casa, para, ao chegar
ao supermercado, adquirir apenas os produtos faltantes. Assim ela fará uso
adequado do seu dinheiro. Da mesma forma, ela se organiza para comprar os
produtos que têm boa qualidade e um preço compatível com a sua receita. Ela
busca realizar uma gestão eficiente de seu orçamento. As organizações ou
burocracias visam eficiência, portanto. Ao inserir a noção da eficiência no
conceito de organização ou de burocracia, pode-se fazer uso de um conceito
aprimorado. Assim, burocracia “é o sistema social em que a divisão do trabalho
é sistemática e coerentemente realizada, tendo em vista os fins visados; é o
sistema social em que há procura deliberada de economizar os meios para se
atingir os objetivos” (Prestes-Motta; Bresser-Pereira, 2004, p. 8).
São características das organizações burocráticas o formalismo, a
impessoalidade e o profissionalismo (Prestes-Motta; Bresser-Pereira, 2004).
Nelas, as regras são escritas e, portanto, previsíveis e verificáveis (formalismo).

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Existe uma hierarquia, com cargos e funções definidos (impessoalidade). Os
trabalhadores são profissionais, notadamente os gestores, que têm expertise
naquilo que fazem, recebem salários, ao invés de serem donos do próprio
negócio (profissionalismo). Segundo Abu-El-Haj (2005), são também
características da administração racional-legal (ou burocrática) a hierarquização
e a racionalização de funções, a divisão de trabalho, a autoridade limitada do
cargo, a existência de normas escritas, a especialização, a existência de
carreiras estáveis, a comunicação escrita e documentada, além da separação
entre os bens públicos e a propriedade de servidores. Essas características nos
remetem ao ordenamento da existência e da atuação da administração. O foco
está em ser eficiente, em controlar a organização, em conhecer o modo como
ela funciona, de forma que as surpresas, na organização burocrática, em regra
não devem existir.
Nas burocracias, em seu estado puro, o poder está no cargo e não nas
pessoas. Por isso, o governo das pessoas existe apenas enquanto elas ocupam
cargos, de modo que, ao deixá-lo, passarão para o próximo ocupante todo o
poder. A autoridade e a obediência que se exige está atrelada aos cargos, às
regras, e não àqueles que os ocupam. Não há nas burocracias puras espaço
para sentimentos, seja de favorecimento, seja de perseguição. A superioridade
técnica, o planejamento e o controle são propiciados com a burocracia. A
organização burocrática, pensada dessa maneira, possui muitas qualidades, as
quais são buscadas pelas organizações em geral cotidianamente.
Mas, apesar de o tipo ideal weberiano ser sobremaneira interessante e
importante, o modelo burocrático possui disfunções. Entre elas, o abuso do
corporativismo, o desestímulo à premiação por mérito, entre outros, geraram
desestímulo dos trabalhadores. O corporativismo é, por exemplo, aquele tipo de
situação em que prevalecerá a proteção aos grupos profissionais e não
necessariamente aos interesses da organização. Como o profissionalismo é
exaltado nas burocracias, uma das disfunções ocorre ao se esperar pelo tempo
para que as promoções ocorram. Isso desestimula o incremento do desempenho
dos profissionais. Tais situações, entre outras, conduziram ao conhecimento do
termo burocracia como algo ruim. Burocracia também é conhecida como
ineficiência, como emperramento, excesso de procedimento e ausência de foco.
Por isso, em reação às disfunções da burocracia, surgiram outros modelos de

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gestão (Abu-El-Haj, 2005). Mesmo assim, não se pode acreditar que tudo na
burocracia seja ruim, nem que esse modelo tenha sido rompido ou superado.
Visando eficiência, a gestão pública brasileira sofreu reformas com traços
que buscaram padrões gerenciais. E reformas gerenciais são identificadas no
Brasil desde muito tempo atrás. A criação do DASP – Departamento
Administrativo do Serviço Público, visou incrementar o serviço público e conduzir
as carreiras. O Decreto-lei n. 200/1967 criou uma gestão descentralizada (Abu-
El-Haj, 2005). Mas esses são relatados como esforços de reforma gerencial, pois
a verdadeira reforma gerencial na administração pública brasileira ocorreu em
1995. Nela se destacaram a criação do MARE (Ministério da Administração e
Reforma do Estado), encarregado do PDRAE (Plano Diretor de Reforma do
Aparelho do Estado), que focava, entre outros objetivos, na desestatização, na
racionalização, na flexibilização, na institucionalização e na publicização (Pinto;
Santos, 2017). Este momento é considerado como o verdadeiro introdutor do
modelo de administração pública gerencial na gestão pública brasileira.
A reforma gerencial de 1995 é considerada o marco da modernização da
administração pública (Abu-El-Haj, 2005). Ela está focada no controle, na
eficiência, na busca de resultados. A privatização, a terceirização, a
desregulamentação e a accountability são atribuídas à reforma gerencial (Costa,
2008). Bresser-Pereira (1996) afirma que a reforma gerencial se tornou condição
para “um serviço público moderno, profissional e eficiente, voltado para o
atendimento das necessidades dos cidadãos” (Bresser-Pereira, 1996, p. 296). A
ideia por trás desse modelo é dar mais liberdade para o gestor atuar, permitindo
que ele seja mais ágil e mais eficiente. Os controles da gestão foram
aprimorados, passando a existir para momento posterior ao ato de gestão. Isso
também conferiu agilidade à atuação do gestor público. A descentralização, isto
é, a realização de funções públicas por meio de terceiros, ou de entidades da
administração indireta igualmente permitiu ao Estado fazer mais coisas, num
tempo menor, além de melhorar o modo de uso seu orçamento.
Mas o modelo de administração pública gerencial também sofreu
transformações. Não é que os pressupostos de eficiência e de produtividade
tenham sido abandonados. Muito pelo contrário, eles persistem, e ainda são
meta da gestão pública. Mas o modo de alcance dessas metas sofreu
transformações. No modelo de administração pública gerencial, a separação
entre os papeis dos stakeholders tende a separar quem realiza a política pública

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e o destinatário dela. Pode-se falar, portanto, no cidadão-cliente. Um outro
modelo de gestão pública conduziu a um modo distinto de atuação. Trata-se do
modelo de governança pública (Secchi, 2009), que se dedicou a esse papel.
Na governança pública, existe um modelo relacional, no qual os
destinatários das políticas públicas são partícipes na execução destas. A
governança pública também é conhecida como administração pública societal,
havendo ainda outros nomes que o qualificam (novo serviço público é mais uma
forma de denominá-lo). Este é um modelo democratizante, que tem a
Constituição da República de 1988 como o marco legal destas transformações
(Pinto; Santos, 2017). A Constituição, com a instituição de Conselhos políticos,
com a previsão de plebiscitos e referendos, com a iniciativa popular na criação
de leis, com a iniciativa popular no questionamento da legalidade de atividades
de gestão (ação popular), entre outros, municiou o cidadão de ferramentas para
a participação na gestão pública. Com o amadurecimento do texto da
Constituição e a vivência diária de suas regras, passa-se, dia a dia, a conhecer
as possibilidades de concreção do seu texto e as formas como a administração
e a sociedade podem cooperar.
Estes são os modelos de gestão pública identificados ao longo da
trajetória da gestão pública brasileira: administração pública patrimonialista,
administração pública burocrática, administração pública gerencial, governança
pública. É preciso deixar registradas duas questões: a primeira é que não existe
consenso entre os termos usados nos modelos de gestão pública. Por isso, é
mais importante focar nas características desses modelos e ter em mente que a
reforma no Brasil foi marcante em três fases (nas décadas de 1930, 1960 e 1990,
sendo esta última a mais relevante). É preciso registrar, em segundo lugar, que
um modelo não rompeu com o outro (Secchi, 2009). O modelo burocrático ainda
persiste, o modelo gerencial tem bastante força e a governança pública está
sendo descoberta, dia a dia. Traços de cada um desses modelos coexistem na
gestão pública brasileira.

TEMA 2 – GOVERNANÇA PÚBLICA

Chegou o momento de falarmos da governança pública, que será


abordada não como um modelo de gestão, mas algo a ser buscado, realizado.
Em termos gerais, governança diz respeito à direção e à coordenação de atores
no desempenho de funções de trabalho (Almqvist, 2012, p. 1745). É um termo
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guarda-chuva, com percepções e sentido diferentes, usado nas ciências
políticas, na gestão e na economia (Almqvist, 2012, p. 1745). Governança indica
relação de autoridade e controle no contexto das organizações. Por isso, no
âmbito privado, governança corporativa foi o termo cunhado para tratar de
assuntos ligados a competências e poderes na estrutura interna e na relação
com os stakeholders (Almqvist, 2012, p. 1745). Já no setor público, o termo está
associado não somente a custos e a qualidade dos serviços, mas também ao
impacto das políticas públicas na comunidade e na sociedade como um todo
(Almqvist, 2012, p. 1746).
Assim, falar em governança é algo que pode abordar aspectos amplos,
tais como conformidade, performance e estrutura (Goddard, 2005).
Expliquemos: assuntos voltados ao modo à organização interna, tais como
existência de setores, funções, finalidades, desempenho dos setores,
adequação desses setores e de suas funções àquilo que deve ser produzido na
organização são todos assuntos que permeiam o tema governança.
Como se sabe, no âmbito das organizações, há regras, cargos e funções
definidos, há hierarquias a serem respeitadas, papéis a serem desenvolvidos.
Nesse arcabouço, há ainda setores com suas atividades delimitadas, metas a
serem atingidas, obrigações, prerrogativas e vedações. Há também princípios a
serem seguidos, valores que são cultivados no âmbito interno e externo às
organizações. Esses também são assuntos caros ao tema governança.
Sabemos que nas organizações públicas a realização das finalidades a
que os órgãos e entidades se destinam é algo inafastável, pois, como se sabe,
estas devem perseguir o interesse público. Além disso, como o princípio da
legalidade é um dos vetores das atividades no âmbito da administração pública,
as responsabilidades, em regra, estão escritas e devem ser cumpridas.
Considerando, portanto, os aspectos acima mencionados, pode-se afirmar que
atuar em prol da boa governança implica

1. agir de acordo com as regras escritas, ou com o comportamento esperado


no âmbito da comunidade ou da sociedade;
2. atingir o desempenho prescrito ou esperado; e também;
3. atentar para a existência de procedimentos e de setores e respeitar as
competências estabelecidas, como também os ritos definidos para
realização das atividades.

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Matias-Pereira (2010, p. 71) destaca que há duas correntes de
pensamento acerca de governança. A primeira considera que a boa governança
se atrela ao atendimento das exigências ligadas ao incremento de eficiência e
de efetividade governamental. É importante lembrar que eficiência, conceito
processual (fazer algo bem feito), tem ligação com a escolha do meio correto
para se atingir determinado fim (entre o menu de opções, escolher o jeito mais
adequado para fazer algo bem feito). Carvalho (2009, p. 196) esclarece que “ao
escolher os meios através dos quais o Estado buscará satisfazer as
necessidades coletivas, é imperioso considerar ser obrigatória a eficiência em
atingir os objetivos públicos”.
A eficiência na administração pública é, assim, um dever. Não é uma
opção ao gestor ser ou não ser eficiente. Assim, gerar resultados negativos pode
conduzir o gestor à responsabilização. O conceito de eficiência atrai outros dois,
isto é, os de eficácia e de efetividade. A eficácia está ligada ao alcance dos
resultados almejados, e a efetividade, por sua vez, está ligada à concretização
prática das regras postas (Carvalho, 2009, p. 202).
Expliquemos: o gestor se comprometeu a construir uma ponte. Para isso,
ele realiza uma licitação – porque a lei exige – e entre as espécies de licitação
existentes, este gestor deve escolher aquela que conduzirá ao alcance da meta
(ponte) de modo mais rápido, mais econômico, com qualidade. Nessa acepção,
a governança se atrela à atuação do gestor público escolhendo os meios mais
adequados (em termos econômicos e em termos de alcance de resultados) para
atingir as finalidades públicas, sem deixar de considerar o efetivo alcance destas
finalidades, em cumprimento das normas estabelecidas acerca de como o gestor
público deve agir.
Os estudos de governança que se alinham com a busca da eficiência
cuidam da escolha de meios céleres (rápidos), menos onerosos (mais baratos),
adequados, para atingir as finalidades públicas. Obviamente, no uso desses
meios não poderão ser desprezadas as regras postas, sobretudo aquelas
ligadas à motivação dos atos, à publicidade e à transparência na atuação.
Focando na eficiência, Bresser-Pereira (2011, p. 33) define governança como a
“capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um governo em
implementar políticas.” Quer dizer, o conceito de governança se atrela à
realização da gestão de maneira adequada, no sentido de buscar e alcançar
eficiência, eficácia e efetividade.

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Mas os estudos de governança também abarcam, noutra corrente de
pensamento, questões ligadas ao potencial democrático e emancipatório
(Matias-Pereira, 2010, p. 71). Nessa corrente de pensamento, governar se torna
um ato interativo, ou seja, ele não ocorrerá numa relação top-down (de cima para
baixo), na qual o governo está distante dos governados. A governança, assim
concebida, reconhece que há limites na atuação estatal e que compartilhar a
gestão pública com a sociedade pode conduzir à realização de finalidades as
quais, sozinho, o Estado não conseguiria propiciar. Admite-se, portanto, a
atuação em rede (managing network), e nesta o Estado é um, entre os vários
atores envolvidos na gestão da coisa pública.
A atuação em rede é aquela em que vários stakeholders atuam para
propiciar o alcance de uma finalidade pública. Essa tarefa não é deixada para
realização exclusiva do Estado, portanto. É óbvio que, no âmbito dessa corrente,
há funções reservadas ao núcleo intransferível atribuído ao estado. É o que se
passa, por exemplo, com a função de fiscalizar (entre outras). Expliquemos:
somente o Estado diretamente pode exercer funções de fiscalização. Mas há
outras funções que podem ser realizadas por terceiros. É o caso da educação,
da infraestrutura, da saúde, entre outros.
Não é demais lembrar, portanto, que a governança também está ligada à
distribuição do poder na administração de recursos econômicos e sociais, tendo-
se em conta o desenvolvimento (Matias-Pereira, 2010, p. 74). Quer dizer, falar
de governança é falar também da alocação de recursos, da operacionalização
desses recursos e da concretização de políticas públicas. Expliquemos: ter
dinheiro para fazer uma obra, fazê-la e entregar a obra à sociedade é assunto
da governança pública.
Compreendida a governança, pensamos ser importante distinguir o que
quer dizer governabilidade. O termo está atrelado à ação de governar, isto é, “às
condições sistêmicas e institucionais sob as quais se dá o exercício do poder”
(Oliveira; Carvalho; Corrêa, 2013, p. 98). Aceitação e cooperação para a atuação
são assuntos que interessa à governabilidade. Expliquemos: um dado político
está exercendo o seu mandato e deseja enviar ao congresso uma certa lei. Mas
nem o político e nem a lei têm ampla aceitação da sociedade. Na verdade, ele é
detestado e tem péssima reputação. Dificilmente esse político terá sucesso na
tentativa de publicar sua lei, pois ele não tem governabilidade.

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Desse modo, Bresser-Pereira (2011, p. 33) define a governabilidade como
a “capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade do Estado
e do seu Governo com a sociedade”. Pode-se afirmar que “sem governabilidade
é impossível governança”, mas que a governança “pode ser muito deficiente em
situações satisfatórias de governabilidade” Bresser-Pereira (2011). Vamos lá: a
popularidade e a aceitação de um dado político são muito importantes para ele
atuar (exercer a governança). Mas esse mesmo político pode ser extremamente
aceito pela sociedade e exercer uma governança ruim, por não primar pela
eficiência, nem pela eficácia e menos ainda pela efetividade.
A aprovação à ação de governar é, portanto, de suma importância, para
que os mecanismos de governo recebam a aceitação necessária. Mas estes,
não se deve olvidar, devem ser desenvolvidos de modo a priorizar as ações que
se alinham ao desempenho ótimo. Então, o ideal é uma gestão com alta
governabilidade e alta governança! No âmbito da administração pública federal
brasileira, governança pública foi definida em legislação como

conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em


prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à
condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse
da sociedade (art. 2º, I). (Brasil, 2017a)

O conceito aproxima o modus operandi da administração pública daquele


praticado por organizações privadas, pois admite estratégias voltadas ao
incremento da eficiência e mesmo a inovação e o empreendedorismo na atuação
estatal (Oliveira; Carvalho; Corrêa, 2013). No art. 3º do Decreto n. 9.203/2017,
estão elencados como princípios da governança pública

1. capacidade de resposta;
2. integridade;
3. confiabilidade;
4. melhoria regulatória;
5. prestação de contas e responsabilidade; e
6. transparência.

O Decreto n. 9.203/2017 elenca diretrizes para o alcance da governança


pública. Trata-se de ações, descritas em onze incisos constantes do art. 4º
(Brasil, 2017a). Pode-se afirmar que essas ações estão pautadas pela agilidade,
pela eficiência, pelo controle e pela transparência. Faz-se importante registrar
ainda que a governança está orientada à realização do que o Decreto chama de

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valores públicos, os quais estão conceituados no art. 2º, inciso II, do Decreto n.
9.203/2017 da seguinte maneira:

Art. 2º. [...] II - valor público - produtos e resultados gerados,


preservados ou entregues pelas atividades de uma organização que
representem respostas efetivas e úteis às necessidades ou às
demandas de interesse público e modifiquem aspectos do conjunto da
sociedade ou de alguns grupos específicos reconhecidos como
destinatários legítimos de bens e serviços públicos. (Brasil, 2017a)

Para o Decreto n. 9.203/2017, valores públicos são resultados das ações


voltadas à satisfação de demandas públicas. Mas não é só isso: esses
resultados têm que produzir impacto na sociedade naqueles pontos específicos
para os quais a ação é destinada (Brasil, 2017a). Quer dizer, valor público é o
resultado da política pública eficaz. Exemplifiquemos: a entrega da obra de um
posto de saúde apto a ser usado pela população é um valor público. Mas a
execução de uma obra de um posto de saúde cheio de defeitos, sem que possa
ser utilizado não pode ser considerado um valor público.

TEMA 3 – OS MODELOS DE GESTÃO, A GOVERNANÇA E A


ACCOUNTABILITY

Ao longo da história, na administração pública brasileira podem ser


identificados modos de atuação que, pelas suas características, foram
separados e classificados como modelos. Administração pública burocrática,
Administração pública gerencial e governança pública são os modelos de gestão
estudados ao longo da história da administração pública brasileira. Esses
modelos de gestão pública impactam nas atividades do governo. É que suas
características vão influenciar o modo de atuação. O modelo burocrático, por
exemplo, incutiu um modo de atuação pautado pelas características da
organização burocrática. Pode-se atribuir a esse modelo, por exemplo, a
estruturação de carreiras públicas, a existência de regulamentos que disciplinam
as atividades, o estabelecimento de programas e de metas a serem atingidas,
entre outros. A existência de departamentos nas unidades administrativas, a
prescrição formal de atividades, a criação de cargos e delimitação de suas
funções por lei, a progressão na carreira são mais exemplos de impacto do
modelo burocrático na gestão pública.
A partir do instante em que se percebeu, entretanto, que o modelo
burocrático possuía disfunções, passou-se a reagir a elas, buscando solucionar

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os problemas do excesso da burocracia. E esses problemas incomodaram; tanto
é verdade que se popularizou o uso do termo burocracia no sentido pejorativo,
isto é, de maneira a se reportar a atividades confusas, lentas, cheias de ritos e
sem finalidades. Diz-se que tanto o modelo de administração pública gerencial
quanto o de governança consistiram em reações às disfunções do modelo
burocrático (Secchi, 2009). Assim, a descentralização, o controle a posteriori
(após a realização do ato), o controle por resultados, o uso de tecnologias nas
atividades da administração são exemplos de mudanças introduzidas pelo
modelo de administração pública gerencial na gestão pública brasileira. Já o
incremento da participação, a dialogicidade (atuação dialogada, no caso entre
sociedade e governo) e o aprimoramento das tecnologias a fim de promover a
interação é atribuída ao modelo de governança pública. A abertura de canais
para participação, via internet, em políticas públicas (consultas públicas via
internet, entre outros) são exemplos que atrelam ao modelo de governança
pública. As parcerias público-privadas, os termos de colaboração e de fomento,
entre outros, são também exemplos da aproximação entre a sociedade e o
gestor público.
Nos modelos de gestão pública, são identificados elementos voltados a
um fazer adequadamente. Cada um desses modelos trouxe características às
atividades administrativas, que passaram a ser incorporados ao dia a dia da
administração pública. Não se fala no rompimento de um modelo e surgimento
do outro. Ao contrário, na administração pública brasileira podem ser
identificadas características de cada um desses modelos. Mas o que se pode
dizer é que houve uma evolução, a qual permitiu caminhar em prol da boa
governança.
O compromisso, no âmbito da boa governança na administração pública
brasileira é entregar valores públicos, e estes, como produtos ou resultados,
devem ser compreendidos como aqueles esperados e efetivamente entregues,
nos exatos termos em que necessários, planejados e executados. Dessa forma,
considerando que a governança orienta o agir da organização, a accountability,
conceito complexo que é, há de ser entendida como o conjunto de atos
executados em respeito às regras prescritas, à estrutura posta, aos papéis
esperados e às metas estabelecidas.
A governança dá o norte, planeja, estabelece as metas, escolhe o meio
de atuar, atua e controla. A accountability, nesse cenário, é o conjunto de atos

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tendentes à informação, publicidade e verificação acerca do cumprimento dos
objetivos da boa governança. Mas não é só isto, pois a accountability também
assegura o apenamento de quem se desviar dos deveres e obrigações que
possui. Mas a accountability é multifacetada, ou seja, o ato de informar, justificar
e sancionar depende do que se faz e de para quem faz. Assim, no âmbito dos
estudos de governança a accountability adquire um conceito plástico (que se
amolda), portanto. É que os atos de informação, justificação, e punição,
adquirirão aspectos amplos, a depender de para quem se presta contas e do que
se presta contas (Almqvist, et al., 2010, p. 1746).
Pelo exposto, percebe-se que, para que valores públicos sejam
entregues, é necessário o máximo de fiscalização, o máximo de transparência,
o máximo de coerção – potencial de sancionamento. E a accountability é
indispensável para tanto. Por isso, podemos afirmar que a accountability é um
princípio fundamental à governança pública (Oliveira; Carvalho; Corrêa, 2013, p.
92), pois as suas dimensões permitem dar a direção, medir e controlar as
atividades do gestor público. Nesse cenário, a transparência permite o controle
e a correção. O sancionamento, outro elemento da accountability, garante, pelo
caráter repressor e mesmo pedagógico, o cumprimento das regras e objetivos,
a satisfação das políticas públicas programadas.
No cenário da administração pública e seus modelos pode-se afirmar,
portanto, que a accountability se alinha com o que há de mais importante, pois
está determinada a permitir o controle dos atos praticados pelos gestores
públicos e, com isso, manter o rumo em prol da atuação ótima (governança
pública).

TEMA 4 – INSTRUMENTOS DE GOVERNANÇA VOLTADOS À


ACCOUNTABILITY

Os valores públicos são produtos ou respostas necessários, úteis e


efetivamente entregues aos destinatários da sociedade. Existe no conceito de
valores públicos uma dimensão de necessidade, outra de desejo e uma terceira
de real entrega, real execução. Quer dizer, os valores públicos existem quando
os interesses públicos almejados são efetivamente realizados. Por exemplo, a
sociedade deseja uma estrada segura, bem-feita, moderna e que propicia
viagens prazerosas. Por meio de um contrato de parceria público-privada este

14
contrato é efetivamente entregue. Podemos afirmar, então, que essa estrada é
um valor público.
Mas para alcançar valores públicos muitas são as diretrizes e os princípios
de governança elencados pela teoria e pelas regras. Assim, podemos elencar os
seguintes elementos da governança do setor público, a saber: responsabilidade
em atender à sociedade, supervisão, controle e assistência social (Matias-
Pereira, 2010, p. 76). Os três primeiros, como se sabe, têm forte ligação com a
accountability. Mas esse ferramental pode se travestir de outros formatos. É que
há outros fatores que contribuem para uma governança corporativa sólida. São
eles, entre outros, estrutura e ambiente administrativo, administração de risco,
conformidade e complacência, monitoração e avaliação de desempenho,
responsabilidade em prestar contas, conformidade versus desempenho
(Marques, citado por Matias-Pereira, 2010, p. 76-77).
O Decreto n. 9.203/2017, por exemplo, traz alguns desses instrumentos
para realização da governança. De início, no próprio conceito de governança
trazido pelo decreto é destacado o caráter de controle e monitoramento de
políticas públicas e de serviços de interesse da coletividade (art. 2º, inciso I)
(Brasil, 2017a). Trata-se de ferramental que permitirá a justificação, a resposta
e o controle das atividades de gestão. A capacidade de resposta, a prestação de
contas e responsabilidade e a própria transparência, princípios da governança
pública elencados no art. 3º do Decreto n. 9.203/2017, necessitam de
ferramentas aptas ao seu alcance e realização (Brasil, 2017a).
Fala-se, por exemplo, no estabelecimento de controles internos que
permitam o alcance desses princípios. Os controles internos são, portanto,
ferramentas. Pode ser, por exemplo, um software, pode ser a aplicação de uma
técnica de monitoramento. A gestão de riscos, por exemplo, é uma ferramenta
de controle interno. Nesse sentido, colacionamos a lição do Tribunal de Contas
da União – TCU, a saber:

Gestão de riscos e controles internos diz respeito à identificação,


avaliação e endereçamento dos riscos, incluindo o seu devido
tratamento pela instituição de adequados controles internos. Controle
interno é um processo integrado pela direção e funcionários
envolvidos, estruturado para enfrentar os riscos e fornecer segurança
razoável de execução ordenada, ética, econômica e eficaz,
cumprimento das obrigações de accountability, cumprimento das leis e
regulamentos e salvaguarda de recursos contra perdas, mau uso e
dano. (Brasil, 2017b)

15
A gestão de riscos é algo que tem sido bastante utilizada no
monitoramento e no controle das atividades da administração. Ela permite a
atuação preventiva. Ao estabelecer sua matriz de riscos, a administração pública
visa antever os possíveis perigos a que a atividade administrativa está sujeita e
propicia elencar as possíveis soluções a essa situação. A atuação é preventiva,
portanto. Mas também pode ser paliativa (quando os danos só podem ser
suavizados, amenizados) ou reparatória, acaso nos estudos prévios se verifique
a impossibilidade de se evitar a ocorrência do perigo e seus danos. A gestão de
riscos permite aferir o cuidado e a atenção no planejamento e na execução das
políticas públicas e é, dessa maneira, outra ferramenta que propicia a
accountability.
Tomemos como exemplo um contrato administrativo para fornecimento de
medicamentos a pacientes portadores de doença grave. Esses medicamentos
não podem sofrer interrupção no fornecimento. A matriz de riscos deverá
considerar as circunstâncias necessárias para contratar quem detenha as
condições de realizar de maneira segura este fornecimento, sem interrupção.
Essa matriz de riscos deverá prever ainda um plano b, ou seja, qual deve ser a
alternativa em caso de interrupção no fornecimento. Além disso, deverá prever
qual é o nível de tolerância de falha na execução que é possível e quais as
consequências para a empresa contratada, entre outras questões. Deverá
prever, ainda, possíveis meios de reparação ou de compensação, tais como
multas e outras sanções.
O Tribunal de Contas da União (TCU) elencou numa cartilha, 10 passos
para a boa gestão de riscos. São eles:

1. Decida gerenciar riscos de forma proativa;


2. Aprenda sobre gestão de riscos;
3. Defina papeis e responsabilidades;
4. Estabeleça a política de gestão de riscos;
5. Defina o processo de gestão de riscos;
6. Identifique os riscos-chave;
7. Trate e monitore os riscos-chave;
8. Mantenha canais de comunicação com as partes interessadas;
9. Incorpore a gestão de riscos aos processos organizacionais;
10. Avalie e aprimore a gestão de riscos. (Brasil, 2018)

Os 10 passos anunciados pelo TCU têm ações de planejamento e de


controle. A ideia presente é a tentar controlar a realidade, de modo a garantir
que a atividade em execução saia perfeita ou que se aproxime ao máximo da
perfeição. Os 10 passos recomendam ainda se pensar no pior, ou seja, pensar

16
em situações nas quais não se conseguirá realizar o plano e, nesses casos, qual
deve ser a medida a ser adotada. Nesses casos, sempre se deve considerar se
é possível eliminar os danos e, em caso negativo, como eles poderão ser
compensados.
Há outras ações, além das elencadas pelo TCU na seara da governança
e da atuação ótima. O controle por resultados, a administração premiada, a
auditoria operacional são todos exemplos. O controle por resultados, por
exemplo, diz respeito a uma atuação da administração pública em que se dá
mais ênfase ao alcance da meta programada do que efetivamente a como ela
foi feita. É um jeito de deixar um pouco de lado o excesso de formalismo (claro,
sem desviar dos deveres impostos pela lei), de dar mais autonomia ao gestor e
de focar na concreção das políticas públicas. A administração premiada, pouco
utilizada, estabelece benefícios àqueles que atuam da maneira como a
administração prescreve. Veja o exemplo das políticas de fazer sorteios ou dar
compensações para quem exige notas fiscais em suas compras e se cadastra
nos programas de governo (nota fiscal premiada, entre outros). A auditoria
operacional, realizada por auditores de instituições encarregadas (Tribunais de
Contas, por exemplo), estão interessadas na efetiva realização da política
pública planejada e não no formalismo para executá-la.
Os exemplos anteriores, como ferramentas que auxiliam na concreção
das políticas públicas, permitem a execução das dimensões de informação,
justificação que a accountability possui. Quer dizer, fazer uso dessas
ferramentas pode garantir a realização de uma accountability mais efetiva,
permitindo a concretização de sua terceira dimensão, isto é, a do controle. É que
as ferramentas facilitarão a aferição dos atos realizados pelos gestores e,
consequentemente, o controle e possível apenamento dos atos considerados
irregulares ou contrários aos interesses públicos.

TEMA 5 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL E ACCOUNTABILITY

A Constituição da República de 1988 possui importante papel na


democracia brasileira. Com ela, muitos instrumentos de participação social foram
possibilitados, aproximando a sociedade da gestão pública. Fala-se, inclusive,
num processo de redemocratização. Esse processo de redemocratização
promove a aprendizagem social, que acontece pela participação (Shommer;
Moraes, 2010, p. 308). Essa participação tem sido capaz de promover
17
transformações na gestão pública. Os modelos de gestão pública (administração
pública burocrática, administração pública gerencial e governança pública) são
capazes de evidenciar isto: de uma administração pública burocrática, passamos
a conhecer a administração pública gerencial e desta a governança pública. O
surgimento desses últimos é atribuído, entre outros motivos, a reações às
disfunções do modelo burocrático, que engessava a administração pública
(Secchi, 2009). No último modelo (governança pública) é marcante a
dialogicidade, a cooperação entre os stakeholders (Estado, sociedade, mercado
e outros, por exemplo), o apoio mútuo e o alargamento da compreensão de
accountability (Bona; Boeira, 2018, p. 221).
Essas ações, em síntese, traduzem um aumento de participação política
do cidadão na gestão pública. Como exemplo dessa realidade, pode-se destacar
que os indivíduos e a sociedade, por meio de associações, têm conseguido
transformar a accountability no Brasil. Trata-se da chamada accountability
democrática, alcançada pelos mecanismos de controle social. Segundo
Shommer e Moraes (2010, p. 306):

As condições para o bom desempenho do controle social coincidem


com os fundamentos para que os mecanismos de accountability como
um todo sejam efetivos e contribuam para a qualidade da democracia.
Incluem-se entre essas condições a possibilidade de se obter e
divulgar diversidade de informações públicas, com transparência e
fidedignidade, a existência de imprensa livre e de espaços de debate
entre cidadãos, regras que incentivem o pluralismo e coíbam
privilégios, respeito ao império da lei e aos direitos dos cidadãos,
mecanismos institucionalizados que garantam a participação e o
controle da sociedade sobre o poder público, e possibilidade de que a
sociedade acione instituições de fiscalização, as quais tenham poder
de impor sanções.

O termo controle social designa ações de verificação dos atos de gestão,


realizadas pela população em geral ou por usuários do serviço público por meio
de Conselhos, plebiscitos, espaços de diálogo abertos pelos gestores ou ainda
por algum tipo de organização da sociedade (Shommer; Moraes, 2010, p. 301).
O controle social também pode ser compreendido como expressão da
capacidade do exercício da cidadania, como um processo de conquista popular,
de aquisição de consciência da sociedade, que se organiza para realizar seus
próprios projetos (Demo, citado por Bona; Boeira, 2018, p. 220).
Um exemplo de entidades que realizam esse controle são os
observatórios sociais. Essas entidades têm crescido no Brasil e, apesar de não
terem o poder de exercer sanção direta sobre os governantes, podem

18
desencadear outros mecanismos de accountability (Shommer; Moraes, 2010, p.
301), a exemplo de provocar o judiciário, mobilizar o legislativo, o tribunal de
contas, entre outros.
Acima de qualquer coisa, os observatórios sociais geram informações
acerca da gestão pública. Olhando dados, acompanhando as atividades, eles
geram documentos informativos e os disponibilizam aos interessados.
Desempenham um papel relevante para a sociedade, portanto. Shommer et al.
(2015) estudaram a coprodução de informação e controle por 20 observatórios
sociais no Brasil e concluíram que eles são capazes de promover a accountability
sistêmica, pois promovem o diálogo entre servidores e sociedade, facilitam e
abrem canais de comunicação entre o próprio controle institucional (feito pelas
instituições do judiciário, legislativo, tribunais de contas, entre outros) e o controle
social. Os observatórios sociais permitem ver que são positivos os efeitos da
interação entre o governo e a comunidade, visto que ela pode promover
melhores resultados na ação do governo e no aprimoramento do controle social
(Shommer et al., 2015, p. 1396-1397). É ao saber como as atividades vêm sendo
executadas que a população pode cobrar, verificar se o que era esperado vem
sendo feito, se o que foi planejado está sendo executado a contento e, assim,
cooperar na gestão pública, contribuindo para a efetividade das políticas
públicas.

NA PRÁTICA

Vimos que a accountability está intimamente ligada à boa governança. Ela


é um princípio fundamental à governança, de modo que tem potencial para
assegurar que as obrigações dos gestores públicos sejam efetivamente
cumpridas. A accountability pode, por exemplo, promover o combate à
corrupção, auxiliar na recuperação de dinheiro público, desestimular o
descumprimento de regras, cooperar no controle.
São exemplos de atos de accountability de suporte à governança, a
contabilidade pública e seu papel informacional (Oliveira; Carvalho; Corrêa,
2013). A contabilidade pública possui um papel fundamental na dimensão
informacional da accountability. O dever de organizar e documentar as receitas
e despesas, permite o controle. Outro exemplo de atos de accountability que
colaboram à boa governança é a atuação de observatórios sociais (Bona; Boeira,
2018) na coprodução do controle do bem público. Esses observatórios sociais
19
coletam e analisam dados disponibilizados por órgãos públicos, interpretam
informações fornecidas e as disponibilizam a comunidade. Com isso, permitem
a disseminação de informações, o incremento da participação social e também
colaboram com outras instituições na realização de atos de controle,
possibilitando o sancionamento.
Um estudo atípico e interessante é o de como as atividades de advocacia
pública podem ser úteis ao órgão público. Slomski et al. (2010) estudaram o
resultado econômico gerado pela Procuradoria-Geral do Município de São
Paulo. A Procuradoria, pelas suas atividades, conseguia trazer resultados
positivos para o Município. Desta forma, realizada no setor ao atender ao
princípio da eficiência, produzia a boa governança e a accountability, já que as
informações produzidas eram úteis à sociedade e ao gestor público na tomada
de decisões.

FINALIZANDO

Vimos que a gestão está impregnada pela cultura e que a cultura brasileira
possui traços ligados ao patrimonialismo. No caso de nossa gestão pública,
nosso primeiro modo de atuar foi por meio de capitanias hereditárias, as quais
consistiam no recebimento de partes da colônia portuguesa para exploração
como se pertencessem ao donatário, desde que algumas obrigações fossem por
este cumpridas.
Vimos que somente nos anos de 1930 percebeu-se uma reforma na
gestão pública brasileira com esforços de desvinculação do ranço
patrimonialista, voltada à profissionalização. Vimos também que os modelos de
gestão burocrático, gerencial e de governança pública não se superpõem, não
se superam, mas que coexistem traços de cada um deles na atuação
administrativa.
Aprendemos, por exemplo, que o modelo burocrático ensinou a
importância do cumprimento de regras, mas que o cumprimento estrito de regras
pode conduzir à ineficiência, ainda que num modelo voltado ao cumprimento da
legalidade. Aprendemos que buscar a eficiência e a produtividade é meta da
administração pública brasileira, mas também que esta deve ser buscada
conjuntamente, pois o destinatário da política pública com o desenvolvimento do
modelo de governança pública é também partícipe dessa gestão.

20
De tudo o que foi visto, deve-se chamar a atenção para os atos de
informação, justificação e punição, dimensões da accountability (Schedler, citado
por Paludo, 2013, p. 135). A accountability está atrelada aos modelos de gestão
e é elemento da governança. Percebemos que a administração pública brasileira
evoluiu para um fazer com agilidade, mas de tudo prestando contas à sociedade.
E essa prestação de contas, essa dimensão de resposta é um elemento de suma
importância no tema estudado. Com ela, a sociedade se torna apta à realização
do controle e este deixa de ser um controle meramente formal, passando a
aspectos mais amplos.
As ferramentas de realização do controle se ampliam. Os aspectos de
prestação de contas passam a ocorrer em etapas diversas: eles podem se dar a
posteriori, conferindo agilidade à atuação, mas igualmente podem ocorrer
concomitantemente à prestação de contas. O controle pode ser prévio, no
instante em que se consulta a sociedade acerca do que fazer e de como fazer.
E como os atos de transparência caminham conjuntamente, fica fácil promover
o processo para o sancionamento de quem se desvia das metas e das
obrigações ligadas à gestão pública. A governança pública é, assim, o guarda-
chuva que tem a accountability como um de seus alicerces.

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