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TRANSPARÊNCIA PÚBLICA
AULA 1
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Em 1990, observou-se que a pobreza política do brasileiro, a ausência, a
fraqueza ou a pouca legitimidade das instituições e a falta de bases para as
instituições brasileiras (características que favoreceram a existência de uma
democracia formal no Brasil, marcada pela aceitação passiva do domínio do
Estado) eram fatores que conduziam à inexistência do termo accountability no
país. Quer dizer, os cidadãos brasileiros não tinham a cultura de exigir seus
direitos, que estão no papel, na Constituição, nas leis, mas muitas vezes não se
concretizam. Por sua vez, os cidadãos tinham uma relação de subordinação em
relação ao Estado, favorecendo a existência de um “Superestado” (governo
autoritário) e de “subcidadanias” (cidadãos subservientes).
Observemos que, em 1990, há apenas dois anos de promulgação de
nossa Constituição da República, também inexistia compromisso do cidadão
brasileiro com qualquer forma de associativismo, ou com a gestão, o que
favorecia a dominação do Estado. Quer dizer, o texto constitucional já favorecia
a participação política do cidadão brasileiro, mas este ainda não era senhor de
seus direitos, pois ainda estava descobrindo o texto da Constituição, construindo
o seu sentido. Por isso, ainda não eram comuns e nem frequentes as
associações de defesa de direitos dos cidadãos, e menos ainda a participação
política dos cidadãos na gestão pública. Nossas instituições eram fracas. Por
esses – e outros – motivos, a democracia brasileira era fraca, e alternava entre
períodos de autoritarismo e populismo. Dessa forma, a fraqueza do tecido
institucional determinava a ausência de controles do público sobre o Estado
(Campos, 1990, p. 37).
A fraqueza da imprensa como instituição, a falta de transparência nas
organizações burocráticas do governo, a debilidade das instituições políticas, o
baixo nível de organização da sociedade civil, a fragmentação cívica e ética das
instituições – são evidências de uma democracia formal (Campos, 1990, p. 37-
9). Por outro lado, a Administração Pública brasileira era marcada pela
centralização política e administrativa e pela ausência de participação dos
indivíduos (por si ou por suas associações) nas políticas públicas (Campos,
1990, p. 40).
A democracia brasileira, logo após a promulgação da Constituição, era
formal, ou seja, constava das leis, mas ainda não se concretizava em ações
diárias. Por exemplo, a constituição assegurava a existência de conselhos de
comunidade, mas eles ainda estavam sendo descobertos, ainda estavam em
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formação. Da mesma forma, a ação popular, as audiências públicas, as
consultas públicas, apesar de constarem do texto constitucional, ainda não eram
uma realidade. O mesmo pode ser dito dos orçamentos participativos, do dever
de informação, todos presentes em regras, mas ausentes ou fracos na prática.
Lembremos também que nossas instituições, encarregadas do controle, ainda
estavam em estágio inicial, tal como o novo papel do Ministério Público, os
Tribunais de Contas, as Corregedorias, entre outros.
Enquanto a realidade no Brasil era de uma democracia formal, nos
Estados Unidos a democracia não tinha tais características. Afinal, sendo uma
democracia moderna, ali se considera natural que o governo e a gestão “sejam
responsáveis perante os cidadãos” (Campos, 1990, p. 30). Quer dizer, lá há uma
maior participação do cidadão na gestão pública e nem todos os serviços são de
responsabilidade do Estado – e mesmo quando são, o cidadão está mais
presente, é mais consciente acerca do que se faz, como se faz, opina acerca do
gasto público, participa da gestão. Daí se percebe que o cidadão é ator
responsável na existência e no processamento da accountability.
Observemos que existe uma correlação entre accountability e
democracia. É que ela é natural e corriqueira (constante) nos países onde há
menos distância entre administrados e governo – isso nos locais em que há mais
igualdade, menos autoridade e menos hierarquia. Por isso, pode-se afirmar que
a accountability se relaciona com valores democráticos, tais como “igualdade,
dignidade humana, participação e representatividade” (Campos, 1990, p. 33).
O conceito é encontrado, dessa maneira, em ações, a exemplo do
controle da gestão pública, sendo realizado, sobretudo, pelos destinatários das
políticas públicas. Mecanismos de controles internos, ferramentais, estruturas e
regras só serão efetivos se os cidadãos, individualmente ou por suas
associações, participarem das políticas públicas, seja em sua construção, seja
na entrega dos resultados. Isso envolve uma série de ações, que serão efetivas
se realizadas concomitantemente, tais como:
A citação quer dizer que a fórmula pode ser aplicada de forma ampla, em
vários níveis de análise (por exemplo, dentro de um setor do governo, ou na
relação entre governo e sociedade) e diferentes setores políticos (por exemplo,
estados, municípios e mesmo países, ou ainda setores, segmentos, entre
outros). Com essa fórmula, podemos verificar modos de alcançar os objetivos da
accountability, dado que sua estrutura analítica permite identificação de escolhas
estratégicas sobre políticas públicas. Vamos considerar, por exemplo, um
tribunal de contas que realmente fiscaliza (uma instituição efetiva), com liberdade
em relação a quem está no poder (baixo grau de dominância política). Em uma
realidade como essa, as chances de as ações de transparência, fiscalização e
sanção serem efetivas são maiores. Nesse cenário, pode-se alcançar a
accountability.
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TEMA 3 – TIPOS DE ACCOUNTABILITY
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um lugar central, pois a partir dele é possível expressar aos agentes políticos o
que se pensa e o que se deseja em relação à gestão em exercício. O
associativismo também pode conferir poder para demandar, controlar. Por isso,
a liberdade de expressão e de associação representa um contrapeso
democrático de grande importância na democracia representativa (Mota, 2006,
p. 22). Atos de publicidade realizados na sociedade civil ou na imprensa também
constituem exemplo de accountability vertical, pois podem servir ao exercício do
controle.
O mesmo se passa com o voto, que permite uma accountability realizada
periodicamente a cada eleição. Mas somente a accountability vertical não
garante aos agentes políticos e aos agentes públicos (servidores públicos em
geral, e quem lhes faça as vezes) a responsabilização necessária, a fim de
garantir ações legítimas (entendidas como aquelas desejadas pelos
representados). Por conta disso, outros instrumentos são necessários, a
exemplo de leis que estabeleçam obrigações. Tais instrumentos, tais arranjos
institucionais constituem a accountability (Mota, 2006, p. 25). Assim, são
prescritas regras, que quando desobedecidas vão acarretar sanções aos
agentes políticos (e/ou aos agentes públicos).
O segundo tipo, a accountability horizontal, diz respeito ao controle
exercido pelos poderes ou pelos órgãos decorrentes. Diz-se horizontal por ser
um tipo de controle exercido de agente estatal para outro agente estatal (Mota,
2006, p. 43). O controle exercido pelo Ministério Público, pelo Tribunal de
Contas, pelo Legislativo, pelas Controladorias e por agências fiscalizadoras
qualifica-se como controle horizontal. O controle horizontal será entre iguais
(controle entre os poderes) ou entre autônomos (controle realizado por agências
fiscalizadoras e por órgãos dos poderes) (Mota, 2006, p. 14).
São exemplos de controle horizontal:
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por Paludo, 2013, p. 135). Mas o que isso quer dizer? Informação e justificação
são meios de promover transparência da ação, são meios de resposta,
conhecidos pelos teóricos como answerability (informação + justificação). Já a
dimensão de punição, chamada de enforcement pelos teóricos estrangeiros,
completa a dimensão do controle atribuída à accountability. Para resumir,
podemos afirmar que, juntas, essas dimensões da accountability (informação,
justificação e sanção ou answerability e enforcement) visam evitar e corrigir o
abuso de poder político (Schedler, citado por Mota, 2006, p. 46). É preciso
atentar, portanto, para a importância do elo entre as dimensões da accountability,
pois isoladas elas não alcançam a accountability de fato. Por exemplo,
informação e justificação, sozinhas, são um tipo de transparência, mas não são
accountability. Em suma, para que exista accountability, a possibilidade de punir
deve estar presente.
Assim, considerando a accountability política, no exercício do poder é
obrigatório haver transparência, devendo-se noticiar e explicar as ações
tomadas. Se houver desvio das finalidades a que o atributo de poder conduz,
deve haver sanção, a fim de coibir os desvios. Cumprindo com tais deveres, as
dimensões de accountability podem conduzir a uma gestão transparente. Como
funciona? Pense em um político, em pleno exercício de seu mandato eletivo. Um
prefeito, por exemplo, que prometeu fazer uma obra de saneamento em bairros
da cidade. Como fiscalizar tal ação? Podemos fazê-lo observando o PPA – Plano
Plurianual. A obra está lá? Em que ano foi planejada? Quanto foi reservado para
a obra? Há verba destinada? Ela foi realizada? Houve publicação dos atos
inerentes à licitação? O contrato celebrado foi publicado? A obra foi realizada no
tempo previsto? Verificando as páginas de publicações oficiais, pode-se garantir
que as publicações foram feitas, se o contrato foi executado... e, diante da
ausência da ausência, a dimensão de enforcement pode atuar, por meio das
instâncias de controle (Tribunais de Contas, Ministério Público, punindo-se os
responsáveis)
A accountability necessita, para ser efetiva, de mecanismos institucionais
fortes. Tais mecanismos podem ser diversos: uma lei com alto poder de coerção,
um Tribunal de Contas e um Ministério Publico atuantes e muito respeitados,
entre outros. Após tudo o que já vimos, podemos afirmar que existem
mecanismos institucionais que asseguram accountability no Brasil (Mota, 2006,
p. 2). Na Constituição de 1988, muitos desses mecanismos foram enaltecidos.
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O próprio fato de integrarem o texto constitucional já lhes confere força normativa
com potencial de concreção. A existência de conselhos da sociedade,
audiências públicas, eleições periódicas, direito à informação e à liberdade de
expressão, o dever de prestação de contas, o Ministério Público e seu papel
bem-definido, os Tribunais de Contas, entre outros, são exemplos de
mecanismos institucionais de accountability.
Há ainda outras classificações feitas para o termo accountability (Paludo,
2013, p. 135):
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resultados, seja no estímulo para o desenvolvimento de ações benéficas para a
unidade administrativa. É importante observar que, no controle de
procedimentos, a atuação se dá pela verificação da eficiência; isto é, atenta-se
se o rito estabelecido para a realização da função pública está sendo cumprido.
Lembramos que obedecer ao rito envolve seguir regras e protocolos internos. Já
na atuação pelo controle de resultados, o que se busca é a aferição do alcance
de metas. Por fim, a competição administrada envolve o estabelecimento de
estímulos e premiações para o cumprimento de metas pré-estabelecidas.
Por fim, temos as “formas democráticas de accountability”. Trata-se de
uma classificação por meio da qual podemos observar uma atuação por meio de
supervisão parlamentar, exercida pelo Legislativo em relação aos demais
poderes, notadamente o Executivo, esfera em que o termo accountability ganha
relevo especial. Por exemplo, uma Câmara de Deputados pode solicitar ao
Executivo que envie relatórios dos gastos que realizou. Outro exemplo: a criação
de cargos públicos no âmbito do Executivo só pode ocorrer mediante lei.
Também nessas formas democráticas há o “controle social”, que cuida de formas
diretas de accountability exercidas pelos indivíduos. O exemplo clássico é o voto,
por meio do qual um cidadão pode decidir se colabora para eleger ou não um
dado político.
Fala-se ainda em formas gerenciais de responsabilização, que têm
ligação com o modo de gestão da coisa pública. Nessa seara, estão o controle
por resultados e por competição administrada e o controle social. Aqui, importam,
entre outros princípios, dar poder de ação ao gestor, priorizando o resultado da
política pública, estimulando o modus operandi do gestor e conferindo
transparência à gestão, de modo que o indivíduo seja partícipe e não cliente
(Bresser-Pereira, 1998).
Taylor (2019, p. 1318) afirma que accountability é um conceito
multidirecional, e não somente vertical ou horizontal. Em seu entendimento, está
presente a ideia de múltiplas ações que desencadeiam processos de
accountability, bem como o envolvimento, não somente de sancionamento de
comportamentos inadequados, mas também de monitoramento constante e
potencial de investigação da conduta do ator governamental. O conceito abarca
ainda, segundo Taylor (2019), a prevenção de transgressões.
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TEMA 4 – OS AGENTES E A ACCOUNTABILITY
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A função das instituições democráticas passaria pelo estabelecimento
de um processo de responsabilização do agente por meio das suas
ações e omissões, assim como da aplicação de sanções adequadas
para o caso em que os agentes não concretizem os interesses do
principal ou descumpram as normas legais. (Robl Filho; Garcia Junior,
2018, p. 15)
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dizer, o gestor deve justificar o ato com base na lei e com base na finalidade da
sua realização.
NA PRÁTICA
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em simetria pelos entes federados, por se tratar de importante
dispositivo de accountability praticado nos tradicionais mecanismos
de freios e contrapesos que plenificam o Estado Democrático de Direito
e que afastam as práticas despóticas de órgãos governamentais.
7. Por conseguinte, é imperativo que os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, bem assim como a todos os gestores da coisa pública,
apresentem aos órgãos de controle as contas de dinheiros, bens e
valores que venham a ser arrecadados e utilizados em obrigações de
natureza pecuniária.
8. E, para conhecimento dos cidadãos, cabe aos entes efetuar a
disponibilização de informações em portais de transparência, dotados
de ampla divulgação, para acompanhamento do emprego dos recursos
públicos, consoante dispõe a LC 101/2000. [...]
(Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 83.1965. Data:
29.08.2017. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho)
FINALIZANDO
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o agente não se desviará dos compromissos que assumiu. Isso fica fácil de
compreender se pensarmos em políticos eleitos, com a obrigação de cumprir as
promessas ou os planos apresentados durante a campanha. Tais promessas e
planos devem estar atrelados a interesses públicos. Há, na estrutura
institucional, mecanismos que vão fazer com que os agentes não se desviem
das promessas antes realizadas. O PPA, a LDO e a LOA são leis orçamentárias
nas quais constam as políticas públicas de médio (PPA) e de curto prazo (LDO
e LOA).
Por sua vez, os controles interno e externo, no cumprimento das funções
institucionais (aquelas ligadas às próprias finalidades dos órgãos), estão
encarregados de verificar o cumprimento dessas políticas e punir ou seguir a
responsabilização quando houver desvio. O Ministério Público e o Judiciário
também apresentam papel importante. O primeiro, ao investigar e provocar o
judiciário para a responsabilização civil e criminal dos agentes que desviarem de
seus deveres. Os Tribunais de Contas, no exercício do controle externo, na
guarda de bens e dinheiro público, poderão responsabilizar agentes públicos
faltosos com seus deveres.
O povo, por fim, é o detentor do autêntico poder de controlar. No Brasil,
pouco a pouco o povo descobre instrumentos de controle que estão a seu dispor.
Os Conselhos da Comunidade, presentes na Constituição da República; as
audiências públicas, as consultas públicas, os orçamentos participativos, a ação
popular, entre outros, são mecanismos que permitem que o controle seja
exercido pelo povo (individual ou coletivamente).
O dever de justificar é inerente ao exercício da função pública. Isso
envolve motivar os próprios atos e documentar o que se faz, permitindo, em
suma, a compreensão do que foi realizado no exercício da função pública, a fim
de se aferir se o meio utilizado foi adequado, se a finalidade pública a que se
destina foi atendida, e se o meio utilizado era o mais interessante e viável, entre
as opções existentes. É inafastável, ao agente público, a motivação, isto é, a
justificação de suas funções. Afinal, aquilo que o agente público faz deve estar
atrelado ao cumprimento de interesses públicos, sendo que muitas vezes até
mesmo a forma de praticar o ato aparece discriminada no regramento vigente. A
justificação deve ser realizada, portanto, pelos agentes públicos, a fim de que
seja possível verificar que as obrigações, contraídas ou impostas
funcionalmente, foram todas cumpridas.
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Caso o agente público desvie das funções que lhe são atribuídas e/ou de
suas obrigações legais, ele deve ser responsabilizado. Os mecanismos de
coerção, ou seja, de imposição de cumprimento das regras, são fundamentais
para assegurar que o agente público cumprirá seus deveres ou suas funções
institucionais. Caso não o faça, sofrerá sanções que podem variar, a depender
de quem realiza a accountability – pode ser a perda de eleições posteriores
(accountability social); a imposição de uma multa (accountability horizontal
exercida, por exemplo, por um Tribunal de Contas); ou a cassação de direitos
políticos (sentença transitada em julgado aplicada por um juiz no exercício da
função jurisdicional). Os mecanismos de responsabilização ou enforcement têm,
assim, um importante papel na accountability.
É certo, pois, que a accountability é um termo multidimensional, que pode
ser exercido de maneiras diversas, podendo se destacar, segundo o CLAD
(2006):
a. controle de procedimentos
b. controle de resultados
c. competição administrada
d. supervisão parlamentar
e. controle social (democracia direta)
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REFERÊNCIAS
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TAYLOR, M. M. Alcançando a accountability: Uma Abordagem para o
Planejamento e Implementação de Estratégias Anticorrupção. Revista da
Controladoria-Geral da União, v. 11, n. 20, p. 1311-1330, 2019.
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