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ACCOUNTABILITY E

TRANSPARÊNCIA PÚBLICA
AULA 1

Prof. Fernanda Alves Andrade Guarido


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, nos dedicaremos aos fundamentos da accountability e seus


mecanismos. Vamos nos debruçar sobre pesquisas anteriores que se
propuseram a compreender o significado do termo no Brasil, e identificar os
meios de realização, fazendo classificações. Também vamos identificar na
prática o que se entende por accountability. Ao final, verificaremos que uma só
palavra não define accountability – por ser polissêmica e multidimensional
(Taylor, 2019, p. 1318), envolve ações distintas, com atores e papeis diversos.
Veremos ainda que a accountability é muito importante nos estados
democráticos, sendo forte nos locais em que há maturidade política e
consciência do poder de atuação dos administrados.

TEMA 1 – ACCOUNTABILITY – CONTEXTO E REALIDADE BRASILEIRA

O termo accountability, não tem uma definição precisa na língua


portuguesa. Dessa forma, há dificuldade em traduzi-lo, pois uma só palavra não
o define. Contrariamente, nos Estados Unidos se fala muito em accountability,
pois o norte-americano, com o emprego da palavra, logo compreende de que se
trata. Essa observação é parte um estudo feito na década de 1990 pela
professora Ana Maria Campos. Seu artigo é um dos primeiros a tratar da
accountability no Brasil.
É certo que há diferença nas relações entre a Administração Pública, e
aquilo que é público no Brasil e nos Estados Unidos. Isso decorre das
características culturais de um e outro e país. A forma de as pessoas se
relacionarem com o Estado é diferente no Brasil e nos Estados Unidos. Da
mesma forma, não se pode esquecer que existe um vínculo entre linguagem e
cultura, que colabora na identificação, qualificação e, em suma, no conhecimento
da realidade (Campos, 1990).
Dessa forma, características da cultura brasileira poderiam ser
responsáveis pela inexistência de um conceito preciso do termo accountability
em nossa terra. A professora Ana Maria Campos passou a investigar, assim, de
que forma o governo se relacionava com os cidadãos; de que maneira os
cidadãos viam o governo e o Estado como um todo; como os servidores lidavam
com os cidadãos; e como as pessoas em geral lidavam com o que era público
(bens, recursos, entre outros).

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Em 1990, observou-se que a pobreza política do brasileiro, a ausência, a
fraqueza ou a pouca legitimidade das instituições e a falta de bases para as
instituições brasileiras (características que favoreceram a existência de uma
democracia formal no Brasil, marcada pela aceitação passiva do domínio do
Estado) eram fatores que conduziam à inexistência do termo accountability no
país. Quer dizer, os cidadãos brasileiros não tinham a cultura de exigir seus
direitos, que estão no papel, na Constituição, nas leis, mas muitas vezes não se
concretizam. Por sua vez, os cidadãos tinham uma relação de subordinação em
relação ao Estado, favorecendo a existência de um “Superestado” (governo
autoritário) e de “subcidadanias” (cidadãos subservientes).
Observemos que, em 1990, há apenas dois anos de promulgação de
nossa Constituição da República, também inexistia compromisso do cidadão
brasileiro com qualquer forma de associativismo, ou com a gestão, o que
favorecia a dominação do Estado. Quer dizer, o texto constitucional já favorecia
a participação política do cidadão brasileiro, mas este ainda não era senhor de
seus direitos, pois ainda estava descobrindo o texto da Constituição, construindo
o seu sentido. Por isso, ainda não eram comuns e nem frequentes as
associações de defesa de direitos dos cidadãos, e menos ainda a participação
política dos cidadãos na gestão pública. Nossas instituições eram fracas. Por
esses – e outros – motivos, a democracia brasileira era fraca, e alternava entre
períodos de autoritarismo e populismo. Dessa forma, a fraqueza do tecido
institucional determinava a ausência de controles do público sobre o Estado
(Campos, 1990, p. 37).
A fraqueza da imprensa como instituição, a falta de transparência nas
organizações burocráticas do governo, a debilidade das instituições políticas, o
baixo nível de organização da sociedade civil, a fragmentação cívica e ética das
instituições – são evidências de uma democracia formal (Campos, 1990, p. 37-
9). Por outro lado, a Administração Pública brasileira era marcada pela
centralização política e administrativa e pela ausência de participação dos
indivíduos (por si ou por suas associações) nas políticas públicas (Campos,
1990, p. 40).
A democracia brasileira, logo após a promulgação da Constituição, era
formal, ou seja, constava das leis, mas ainda não se concretizava em ações
diárias. Por exemplo, a constituição assegurava a existência de conselhos de
comunidade, mas eles ainda estavam sendo descobertos, ainda estavam em

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formação. Da mesma forma, a ação popular, as audiências públicas, as
consultas públicas, apesar de constarem do texto constitucional, ainda não eram
uma realidade. O mesmo pode ser dito dos orçamentos participativos, do dever
de informação, todos presentes em regras, mas ausentes ou fracos na prática.
Lembremos também que nossas instituições, encarregadas do controle, ainda
estavam em estágio inicial, tal como o novo papel do Ministério Público, os
Tribunais de Contas, as Corregedorias, entre outros.
Enquanto a realidade no Brasil era de uma democracia formal, nos
Estados Unidos a democracia não tinha tais características. Afinal, sendo uma
democracia moderna, ali se considera natural que o governo e a gestão “sejam
responsáveis perante os cidadãos” (Campos, 1990, p. 30). Quer dizer, lá há uma
maior participação do cidadão na gestão pública e nem todos os serviços são de
responsabilidade do Estado – e mesmo quando são, o cidadão está mais
presente, é mais consciente acerca do que se faz, como se faz, opina acerca do
gasto público, participa da gestão. Daí se percebe que o cidadão é ator
responsável na existência e no processamento da accountability.
Observemos que existe uma correlação entre accountability e
democracia. É que ela é natural e corriqueira (constante) nos países onde há
menos distância entre administrados e governo – isso nos locais em que há mais
igualdade, menos autoridade e menos hierarquia. Por isso, pode-se afirmar que
a accountability se relaciona com valores democráticos, tais como “igualdade,
dignidade humana, participação e representatividade” (Campos, 1990, p. 33).
O conceito é encontrado, dessa maneira, em ações, a exemplo do
controle da gestão pública, sendo realizado, sobretudo, pelos destinatários das
políticas públicas. Mecanismos de controles internos, ferramentais, estruturas e
regras só serão efetivos se os cidadãos, individualmente ou por suas
associações, participarem das políticas públicas, seja em sua construção, seja
na entrega dos resultados. Isso envolve uma série de ações, que serão efetivas
se realizadas concomitantemente, tais como:

 o exercício adequado da cidadania, desde o ato de votar, até o


acompanhamento da gestão dos detentores de mandato eletivo;
 a participação na decisão acerca das políticas públicas a serem
realizadas;
 o desenvolvimento de novos relacionamentos com os servidores públicos
e com o Estado, nos quais não haja subserviência, nem clientelismo por
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parte dos cidadãos, mas uma postura de equidade (o Estado e os
servidores públicos não são melhores, nem mais sábios do que qualquer
cidadão);
 o uso adequado de ferramentas que medem produtividade e
desempenho;
 a formulação de leis e outros atos normativos que definam condutas e
responsabilidades;
 a efetiva verificação e cobrança acerca do cumprimento das obrigações
pelos gestores públicos (sejam servidores públicos lato sensu, agentes
políticos, ou ainda particulares imbuídos de funções públicas).

TEMA 2 – DEFINIÇÕES INICIAIS

Accountability se relaciona, por assim dizer, com resposta e com


responsabilização. A responsabilidade pode ser encarada pelo próprio
indivíduo como um dever moral, ou como um dever advindo de um regulamento.
A responsabilidade advinda de um dever moral está atrelada àquilo que o
indivíduo acredita, ao modo como esse indivíduo conduz a sua vida, às crenças
que norteiam o seu agir. É uma responsabilidade subjetiva, que vem do
sujeito, internamente. Por outro lado, há a responsabilidade objetiva, isto é,
decorrente da existência de regras que preveem sanções para os casos de
descumprimento das obrigações que a própria regra cria. Na responsabilidade
objetiva, o indivíduo faz o que deve ser feito, não porque acredita que está
fazendo o que é correto, mas sobretudo porque a desobediência gera um
resultado não desejado – uma penalidade. Na responsabilidade objetiva,
cumprem-se obrigações. Dessa maneira, accountability se relaciona, também,
com o cumprimento de uma obrigação.
Postas essas questões contextuais, já é possível definir o termo. Para
Paludo (2013, p. 135), “A noção de accountability encontra-se relacionada com
o uso do poder e dos recursos públicos, em que o titular da coisa pública é o
cidadão, e não os políticos eleitos”. O conceito auxilia na compreensão do que
envolve a accountability, mas ainda é impreciso na definição de seus contornos.
É que falta entender o que os cidadãos devem fazer em relação ao uso do poder
e dos recursos públicos.
Matias-Pereira (2010, p. 71) ressalta: “O termo accountability pode ser
considerado o conjunto de mecanismos e procedimentos que levam os decisores
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governamentais a prestarem contas dos resultados de suas ações, garantindo-
se maior transparência e a exposição das políticas públicas”.
Para realizar a accountability, devem ser adotadas ferramentas e
processos voltados à prestação de contas daquilo que se fez estando à frente
da gestão pública. Mas a accountability realmente ocorrerá se a resposta for
dada quanto ao alcance do resultado que as ações praticadas pelos gestores
públicos acarretaram. Quer dizer, as ferramentas e os processos de prestação
de contas devem mostrar os resultados da ação. Somente assim estamos
sendo verdadeiramente transparentes, se há, de fato, uma justificação acerca do
como se atuou. Essa resposta deve ser dada aos cidadãos e aos encarregados
do controle, visto que nos Estados Democráticos o controle também é exercido
pelos órgãos previstos na estrutura governamental (tribunais de contas,
controladorias, entre outros).
Independentemente das características de cada país, estudos ressaltam
que, em regra, ela decorre da transparência, da fiscalização e da sanção, sendo
influenciada pela capacidade de agir das instituições de controle e pela
dominância política de cada Estado. Vejamos o trecho a seguir como reflexão:

sejam quais forem as idiossincrasias das experiências individuais de


países com relação ao equilíbrio de accountability, os princípios
básicos sugerem que accountability (A) é resultado da transparência
(T), fiscalização (F) e sanção (S), moderados pelo grau de efetividade
(E) das instituições, ajustado pelo grau de dominância política (D). essa
abordagem pode ser resumida da seguinte maneira: A= (T+ F+ S) * (E
– D). (Taylor, 2019, p. 1318)

A citação quer dizer que a fórmula pode ser aplicada de forma ampla, em
vários níveis de análise (por exemplo, dentro de um setor do governo, ou na
relação entre governo e sociedade) e diferentes setores políticos (por exemplo,
estados, municípios e mesmo países, ou ainda setores, segmentos, entre
outros). Com essa fórmula, podemos verificar modos de alcançar os objetivos da
accountability, dado que sua estrutura analítica permite identificação de escolhas
estratégicas sobre políticas públicas. Vamos considerar, por exemplo, um
tribunal de contas que realmente fiscaliza (uma instituição efetiva), com liberdade
em relação a quem está no poder (baixo grau de dominância política). Em uma
realidade como essa, as chances de as ações de transparência, fiscalização e
sanção serem efetivas são maiores. Nesse cenário, pode-se alcançar a
accountability.

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TEMA 3 – TIPOS DE ACCOUNTABILITY

Já sabemos que a accountability abarca múltiplas ações, sendo


dominantes ações de transparência, fiscalização e sanção. Mas é preciso pensar
ainda em como ocorre a accountability, quem são as pessoas envolvidas, e se é
possível definir uma tipologia (espécies de accountability). Pensamos que sim.
Podemos falar em accountability vertical e em accountability horizontal. A
primeira (accountability vertical) advém do controle exercido pelos cidadãos e
pela sociedade em relação aos governos e agentes políticos. Esse tipo de
accountability pressupõe o controle exercido por desiguais (Paludo, 2013, p.
137), isto é, por agentes não estatais (cidadãos e sociedade) a agentes estatais
(agente públicos e agentes políticos) (Mota, 2006, p. 43). Para ser autêntico,
esse tipo de accountability demanda uma relação de respeito entre
representantes e representados. Na accountability vertical, o detentor de
mandato eletivo (agente político) representa o cidadão e, nessa condição, deve
agir segundo seu juízo, em respeito aos contornos legais, buscando concretizar
aquilo que ele sabe ou acredita ser a vontade de seus representados (Mota,
2006, p. 17).
O primeiro exemplo de accountability vertical é aquele exercido por meio
de eleições, com o instrumento do voto. O plebiscito e o referendo são exemplos
de accountability vertical, pois também são exercidos pelo voto. O ato de
representar demanda uma certa discricionariedade, que permitirá, dentro dos
contornos legais, a realização de escolhas que devem conduzir à concretização
da vontade dos representados. Os deveres de motivação e de publicidade,
entretanto, são inafastáveis aos agentes políticos, para que se permita entender,
analisar e mesmo julgar as ações dos agentes políticos (Mota, 2006, p. 17).
É preciso lembrar, entretanto, que mesmo agindo dentro da legalidade,
nem sempre o representante eleito vai fazer aquilo que seus representados
desejam ou esperam. A liberdade de associação e a liberdade de opinião dos
eleitores surge como o contrapeso necessário à garantia da accountability (Mota,
2006, p. 21). Mas ela só é possível se houver transparência em relação aos atos
praticados pelos agentes políticos e pelos governos (agentes públicos). Da
mesma forma, é necessário garantir liberdade de expressão política, de modo
que se tenha uma autêntica democracia, na qual se observe a accountability
vertical (Mota, 2006, p. 21). Nesse sentido, o associativismo dos cidadãos ocupa

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um lugar central, pois a partir dele é possível expressar aos agentes políticos o
que se pensa e o que se deseja em relação à gestão em exercício. O
associativismo também pode conferir poder para demandar, controlar. Por isso,
a liberdade de expressão e de associação representa um contrapeso
democrático de grande importância na democracia representativa (Mota, 2006,
p. 22). Atos de publicidade realizados na sociedade civil ou na imprensa também
constituem exemplo de accountability vertical, pois podem servir ao exercício do
controle.
O mesmo se passa com o voto, que permite uma accountability realizada
periodicamente a cada eleição. Mas somente a accountability vertical não
garante aos agentes políticos e aos agentes públicos (servidores públicos em
geral, e quem lhes faça as vezes) a responsabilização necessária, a fim de
garantir ações legítimas (entendidas como aquelas desejadas pelos
representados). Por conta disso, outros instrumentos são necessários, a
exemplo de leis que estabeleçam obrigações. Tais instrumentos, tais arranjos
institucionais constituem a accountability (Mota, 2006, p. 25). Assim, são
prescritas regras, que quando desobedecidas vão acarretar sanções aos
agentes políticos (e/ou aos agentes públicos).
O segundo tipo, a accountability horizontal, diz respeito ao controle
exercido pelos poderes ou pelos órgãos decorrentes. Diz-se horizontal por ser
um tipo de controle exercido de agente estatal para outro agente estatal (Mota,
2006, p. 43). O controle exercido pelo Ministério Público, pelo Tribunal de
Contas, pelo Legislativo, pelas Controladorias e por agências fiscalizadoras
qualifica-se como controle horizontal. O controle horizontal será entre iguais
(controle entre os poderes) ou entre autônomos (controle realizado por agências
fiscalizadoras e por órgãos dos poderes) (Mota, 2006, p. 14).
São exemplos de controle horizontal:

 Ações de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público em


desfavor de agentes políticos.
 Instauração de Tomada de Contas Especial pelo Tribunal de Contas da
União em relação a atos de gestores do executivo federal.

Podemos citar outras classificações feitas para o termo accountability. No


conceito de accountability política, por exemplo, estão presentes as
dimensões de (1) informação, (2) justificação e (3) punição (Schedler, citado

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por Paludo, 2013, p. 135). Mas o que isso quer dizer? Informação e justificação
são meios de promover transparência da ação, são meios de resposta,
conhecidos pelos teóricos como answerability (informação + justificação). Já a
dimensão de punição, chamada de enforcement pelos teóricos estrangeiros,
completa a dimensão do controle atribuída à accountability. Para resumir,
podemos afirmar que, juntas, essas dimensões da accountability (informação,
justificação e sanção ou answerability e enforcement) visam evitar e corrigir o
abuso de poder político (Schedler, citado por Mota, 2006, p. 46). É preciso
atentar, portanto, para a importância do elo entre as dimensões da accountability,
pois isoladas elas não alcançam a accountability de fato. Por exemplo,
informação e justificação, sozinhas, são um tipo de transparência, mas não são
accountability. Em suma, para que exista accountability, a possibilidade de punir
deve estar presente.
Assim, considerando a accountability política, no exercício do poder é
obrigatório haver transparência, devendo-se noticiar e explicar as ações
tomadas. Se houver desvio das finalidades a que o atributo de poder conduz,
deve haver sanção, a fim de coibir os desvios. Cumprindo com tais deveres, as
dimensões de accountability podem conduzir a uma gestão transparente. Como
funciona? Pense em um político, em pleno exercício de seu mandato eletivo. Um
prefeito, por exemplo, que prometeu fazer uma obra de saneamento em bairros
da cidade. Como fiscalizar tal ação? Podemos fazê-lo observando o PPA – Plano
Plurianual. A obra está lá? Em que ano foi planejada? Quanto foi reservado para
a obra? Há verba destinada? Ela foi realizada? Houve publicação dos atos
inerentes à licitação? O contrato celebrado foi publicado? A obra foi realizada no
tempo previsto? Verificando as páginas de publicações oficiais, pode-se garantir
que as publicações foram feitas, se o contrato foi executado... e, diante da
ausência da ausência, a dimensão de enforcement pode atuar, por meio das
instâncias de controle (Tribunais de Contas, Ministério Público, punindo-se os
responsáveis)
A accountability necessita, para ser efetiva, de mecanismos institucionais
fortes. Tais mecanismos podem ser diversos: uma lei com alto poder de coerção,
um Tribunal de Contas e um Ministério Publico atuantes e muito respeitados,
entre outros. Após tudo o que já vimos, podemos afirmar que existem
mecanismos institucionais que asseguram accountability no Brasil (Mota, 2006,
p. 2). Na Constituição de 1988, muitos desses mecanismos foram enaltecidos.

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O próprio fato de integrarem o texto constitucional já lhes confere força normativa
com potencial de concreção. A existência de conselhos da sociedade,
audiências públicas, eleições periódicas, direito à informação e à liberdade de
expressão, o dever de prestação de contas, o Ministério Público e seu papel
bem-definido, os Tribunais de Contas, entre outros, são exemplos de
mecanismos institucionais de accountability.
Há ainda outras classificações feitas para o termo accountability (Paludo,
2013, p. 135):

 Accountability societal – aquele tipo de controle exercido por


organizações da sociedade civil. Investigação e denúncia de abusos
cometidos por detentores do poder no exercício de funções públicas,
quando feitas por ONGs (Organizações Não Governamentais), são
exemplo de accountability societal.
 Accountability econômica – o termo envolve a obrigação de prestar
contas, como também o uso de boas práticas de gestão. Envolve ainda a
possibilidade de responder pelos atos e resultados decorrentes da
atuação do gestor.

O Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento –


CLAD é uma organização internacional e intergovernamental criada nos anos
1970. Propõe construir um novo modelo de Estado para a América Latina no
século XXI. O CLAD surgiu em 1972, com os governos de México, Peru e
Venezuela. Ele é respeitado por diversas entidades sérias voltadas ao
desenvolvimento. A finalidade do CLAD é promover o desenvolvimento da
gestão pública. Para tanto, firma convênios de cooperação com diversas
entidades.
A accountability é considerada pelo CLAD como crucial para o
desenvolvimento dos Estados. Assim, em seus estudos, o CLAD definiu outras
formas de realização da accountability. São elas: formas administrativas e
políticas ou democráticas. Tal subdivisão ainda permite a classificação das
formas gerenciais de responsabilização. Nas primeiras (formas
administrativas), tem-se o controle de procedimentos, o controle de resultados e
a competição administrada (CLAD, 2006).
Mas como agem esses controles? Eles atuam de várias formas, seja na
verificação da obediência a ritos internos, na verificação do alcance de

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resultados, seja no estímulo para o desenvolvimento de ações benéficas para a
unidade administrativa. É importante observar que, no controle de
procedimentos, a atuação se dá pela verificação da eficiência; isto é, atenta-se
se o rito estabelecido para a realização da função pública está sendo cumprido.
Lembramos que obedecer ao rito envolve seguir regras e protocolos internos. Já
na atuação pelo controle de resultados, o que se busca é a aferição do alcance
de metas. Por fim, a competição administrada envolve o estabelecimento de
estímulos e premiações para o cumprimento de metas pré-estabelecidas.
Por fim, temos as “formas democráticas de accountability”. Trata-se de
uma classificação por meio da qual podemos observar uma atuação por meio de
supervisão parlamentar, exercida pelo Legislativo em relação aos demais
poderes, notadamente o Executivo, esfera em que o termo accountability ganha
relevo especial. Por exemplo, uma Câmara de Deputados pode solicitar ao
Executivo que envie relatórios dos gastos que realizou. Outro exemplo: a criação
de cargos públicos no âmbito do Executivo só pode ocorrer mediante lei.
Também nessas formas democráticas há o “controle social”, que cuida de formas
diretas de accountability exercidas pelos indivíduos. O exemplo clássico é o voto,
por meio do qual um cidadão pode decidir se colabora para eleger ou não um
dado político.
Fala-se ainda em formas gerenciais de responsabilização, que têm
ligação com o modo de gestão da coisa pública. Nessa seara, estão o controle
por resultados e por competição administrada e o controle social. Aqui, importam,
entre outros princípios, dar poder de ação ao gestor, priorizando o resultado da
política pública, estimulando o modus operandi do gestor e conferindo
transparência à gestão, de modo que o indivíduo seja partícipe e não cliente
(Bresser-Pereira, 1998).
Taylor (2019, p. 1318) afirma que accountability é um conceito
multidirecional, e não somente vertical ou horizontal. Em seu entendimento, está
presente a ideia de múltiplas ações que desencadeiam processos de
accountability, bem como o envolvimento, não somente de sancionamento de
comportamentos inadequados, mas também de monitoramento constante e
potencial de investigação da conduta do ator governamental. O conceito abarca
ainda, segundo Taylor (2019), a prevenção de transgressões.

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TEMA 4 – OS AGENTES E A ACCOUNTABILITY

Chegou o momento de estudar as pessoas envolvidas com a


accountability, isto é, os agentes ou os atores. Escolhemos uma teoria para
abordar o assunto. Trata-se da teoria agente-principal. Segundo a teoria do
agente-principal, a accountability envolve a atuação de dois atores: o principal e
o agente. Por essa teoria, o principal delega autoridade para que o agente atue
em seu nome. A delegação, isto é, o ato de autorizar que alguém atue em nosso
nome, tem a finalidade de promover a execução de algo que seja do interesse
da parte que delega. Na teoria, o principal delega poderes ao agente. O agente
é o gestor público, o político, enfim, aquele que atua na gestão pública. O
principal é o cidadão.
Nessa relação (agente e principal), é preciso considerar a assimetria de
informações. Assimetria é o mesmo que diferença, desigualdade. Assim, no
nosso caso, o agente (gestor ou agente público), que atua no exercício do poder
que lhe foi delegado, tem informações que o principal (o cidadão) não tem. Nesse
contexto, assimetria quer dizer desigualdade de informações. Devemos
considerar ainda que os interesses do agente (gestor ou agente público) podem
não coincidir com os do principal (cidadão), impactando na efetividade dos
objetivos da relação obrigacional pactuada. Quer dizer, há risco de, chegando
ao poder, o gestor público buscar a realização de interesses pessoais, ao invés
de interesses públicos, com os quais havia se comprometido.
Relembrando: consideramos, portanto, como principal, aquele que
contrata uma obrigação, e agente aquele que se obriga a realizá-la. Assim, em
regra os cidadãos confiam aos gestores públicos a obrigação de gerir os bens
públicos. Por exemplo, o principal na accountability vertical deve ser entendido
como o indivíduo ou a sociedade. O agente é o agente público. Pela teoria
principal-agente, considera-se, portanto, que o agente possui interesses e
informações que podem não ser os mesmos do principal. Assim, a assimetria
(desigualdade) de informações é um problema a ser considerado para a
efetivação da accountability.
Já na accountability horizontal, considera-se que a relação se dá entre
agentes, posto que nos dois pólos da relação há atores que desempenham
obrigações atribuídas, segundo interesses públicos, na estrutura institucional
vigente. Segundo Robl Filho e Garcia Junior,

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A função das instituições democráticas passaria pelo estabelecimento
de um processo de responsabilização do agente por meio das suas
ações e omissões, assim como da aplicação de sanções adequadas
para o caso em que os agentes não concretizem os interesses do
principal ou descumpram as normas legais. (Robl Filho; Garcia Junior,
2018, p. 15)

A accountability ganha força, assim, quando há mecanismos de


enforcement, isto é, mecanismos de coerção aptos a compelir o agente a cumprir
com o que podemos chamar de mandato. Tal como visto anteriormente,
acontece que o mandato do agente muitas vezes não é vinculante, razão pela
qual espera-se que ela aja segundo os interesses dos principais. Os políticos,
por exemplo, não estão vinculados às promessas de campanha. Dessa forma,
os mecanismos institucionais têm o papel de norte, para compelir o agente a
realizar o mandato. O agente terá alguma liberdade, portanto, mas os contornos
gerais de sua atuação estarão pautados por mecanismos institucionais que o
legitimam (ou não). A lei é um desses mecanismos.
São exemplos de agentes: detentores de mandato eletivo, tais como
prefeitos, governadores, presidente da República, além de agentes políticos e
agentes públicos – servidores públicos em geral.
São exemplo de principais: o povo, a sociedade, a comunidade, o
indivíduo, o eleitorado, as associações.
É preciso atentar para o fato de que a dimensão de justificação (resposta
sobre as obrigações que devem ser cumpridas pelo gestor público) merece
especial atenção neste tema. Assim, o gestor deve dar satisfação de seus atos.
Logo, ao decidir, ele deverá justificar os fundamentos que o levaram à decisão.
E por que é assim? Podemos responder com base no Direito: é que o exercício
de função pública envolve agir conforme a lei. Por isso, dizemos que a
Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade (Carvalho, 2009).
Assim, como o gestor público tem que dar especial atenção à lei, deve
motivar seus atos, fundamentando-os, bem como indicando os pressupostos de
fato e de direito que os motivaram. Quer dizer, ao tomar uma decisão, o gestor
público não pode agir com autoridade, impondo-a. Ele deve decidir e explicar os
motivos que o levaram a escolher um caminho ao invés de outro. Sempre que
possível, ele deve escrever os fundamentos – presentes na lei – para a sua
decisão. Com isso, os agentes públicos facilitam a verificação, que é inerente à
atuação pública, permitindo a conferência da adequação legal (cumprimento da
lei) e finalística (realização de metas, políticas públicas) do ato praticado. Quer

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dizer, o gestor deve justificar o ato com base na lei e com base na finalidade da
sua realização.

TEMA 5 – A ACCOUNTABILITY EM NOSSO COTIDIANO

Vimos que no Brasil de 1990 o termo accountability não apresentava


correspondente, de modo que nos deparávamos com um termo impreciso em
língua portuguesa. Não havia tradução para a palavra accountability. Em 1990,
a Constituição da República tinha apenas dois anos de promulgação, mas seu
texto já trazia diversos conteúdos que permitiam a realização da accountability,
ainda que não se pudesse dizer com certeza o que ela era. É que a Constituição
previu a existência de meios de atuação do Ministério Público e do Tribunal de
Contas; incluiu formas de participação da sociedade na gestão; trouxe a ação a
ação popular para o nosso cenário; instituiu Conselhos da Comunidade, entre
outras previsões que se alinham à accountability. De 1990 para cá, muita coisa
mudou. O texto da Constituição foi sendo descoberto, concretizado, através do
exercício cotidiano dos atos de cidadania, como também das práticas da gestão
pública. Os artigos da constituição relativos à accountability são explicados em
ações concretas.
Assim, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, os Procons, as
Defensorias Públicas, as Controladorias, os Conselhos, os Observatórios, entre
outros, são instrumentos de accountability previstos ou possibilitados pela
Constituição. Tais instrumentos, em suas áreas de competência, vêm
desempenhando funções importantes para o controle da gestão pública.
Em suma, vimos que a accountability se vale de mecanismos
institucionais, e que a lei é um desses importantes mecanismos. Nesse sentido,
o próprio texto da Constituição permitiu o desenvolvimento da accountability no
Brasil. Mas ainda são válidas as indagações: será que já podemos definir o
termo com precisão? A língua portuguesa já nos confere uma clara dimensão do
termo? Já temos maturidade política suficiente para termos intimidade com a
accountability e seu papel? Temos atores suficientemente maduros, cientes de
suas obrigações e de suas prerrogativas no que tange ao controle?
Para responder a essas perguntas, acreditamos que é preciso analisar a
trajetória da democracia brasileira, além dos marcos da gestão pública, a fim de
compreender se houve modificações na compreensão do que vem a ser a
accountability no Brasil. Quer dizer, como a democracia brasileira se
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transformou? Como a gestão pública se transformou? Podemos afirmar que são
muitas transformações, e que elas se refletem no dia a dia do brasileiro.
Passados os anos, reconheceu-se que a Constituição da República consolidou
importantes mecanismos de accountability, a exemplo do orçamento
participativo, dos conselhos e do plebiscito, entre outros já mencionados. Tais
mecanismos permitem a participação da sociedade nas políticas públicas (Pinho;
Sacramento, 2009).
Mas não é só isso. Ainda podemos citar outras mudanças. As reformas
gerenciais, por exemplo, simbolizam um avanço em prol da realização da
accountability no Brasil. Entre elas, a reforma gerencial ocorrida no interior da
Administração Pública, em 1995, se apresentou como marco de mudança no
modo de gerir a Administração Pública. O Plano Diretor de Reforma do Aparelho
do Estado – PDRAE, com as modificações no controle da gestão pública, foi
considerado um instrumento de modernização. As reformas da Administração
Pública brasileira, juntamente com a governança, são um tema que merece
aprofundamento (Pinho; Sacramento, 2009).
Nesse sentido, destaca-se a mudança no tipo de controle, que deixou de
focar nos processos e nas formalidades em si, passando a olhar para os
resultados. Ou seja, a Administração Pública aprendeu que um controle, atento
apenas para o cumprimento da lei, ou para a sequência de ritos, não é suficiente
e nem efetivo. Com isso, passou a olhar para a política pública como um todo,
preocupando-se mais com o resultado das ações dos gestores, ao invés de
atentar para a formalidade dos atos praticados.

NA PRÁTICA

Estudamos a dificuldade de os pesquisadores brasileiros definirem o


termo accountability, algo que inclusive foi atribuído à relação existente entre
linguagem e cultura (Campos, 1990).
É importante estudar como, apesar da dificuldade de precisar o conceito,
o termo é compreendido em instâncias encarregadas de fazê-lo. Pesquisando a
jurisprudência selecionada do Tribunal de Contas da União – TCU, por
exemplo, pode-se afirmar que, na prática, accountability é sinônimo de
responsabilização. Assim concluímos porque, ao inserir a primeira como
palavra-chave de pesquisa, são selecionados acórdãos que fazem menção à
responsabilização.
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Assim, ao pesquisar o termo accountability na jurisprudência, foram
encontrados 243 acórdãos, com destaque para o termo responsabilização. Vale
a pena transcrever alguns trechos, a título de ilustração:

A presunção de corresponsabilidade do secretário municipal de saúde


em relação à malversação de recursos do SUS (art. 9º, inciso III c/c art.
32, § 2°, da Lei 8.080/1990) é relativa e deve ser afastada na presença
de evidências de que o gestor local de saúde não teve participação
efetiva na gestão dos recursos. (Brasil. Tribunal de Contas da União.
Acórdão n. 4785/2019. Data: 25.06.2019. Primeira Câmara. Relator:
Marcos Bemquerer)

Embora no enunciado acima não se encontre o termo responsabilização,


nos indexadores, isto é, nos termos usados para selecionar o acórdão, consta o
termo, que é também apresentado na jurisprudência do TCU quando se escreve
o termo accountability. Percebe-se também no enunciado que o tema abordado
é a responsabilização – no caso, isenção a um agente público local, quando não
participou de atos de má gestão de recursos públicos por parte de agente público
de outra esfera. Em outra ocasião, também na jurisprudência selecionada do
TCU, lê-se: “Comando ministerial constante de portaria não justifica a violação
de leis orçamentárias e ambientais. A burla de bloqueio orçamentário enseja a
responsabilização do gestor”. (Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão n.
0721/14-P. Data: 26.03.2014. Relator: José Mucio Monteiro). Esse acórdão
evidencia a importância de se respeitar as receitas estimadas e as despesas
constantes da Lei Orçamentária Anual – LOA. Burlá-la consiste em
irregularidade grave, passível de responsabilização. O mesmo pode acontecer
com quem burla metas, diretrizes ou programas previstos no Plano Plurianual –
PPA ou na LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias. Nesse sentido, é importante
lembrar que a LDO intermedia o médio planejamento do PPA em relação à LOA,
pois é na LDO que devem constar as metas e prioridades do orçamento anual,
a encargo da LOA (Deprá; Leal, 2017).
No Judiciário, especificamente para o Superior Tribunal de Justiça – STJ,
accountability é sinônimo de prestação de contas, consistindo em um
princípio. Ao usar o termo para pesquisar, foram encontrados 5 acórdãos e 46
decisões monocráticas. Para ilustrar o que se expõe, é oportuna a citação da
seguinte jurisprudência:

6. O sistema republicano brasileiro estabelece, em esfera federal, que


é obrigação do Presidente da República apresentar, anualmente, ao
Congresso Nacional as contas referentes ao exercício anterior (art. 84,
XXIV da CF/88). Não há dúvida de que se trata de regra a ser adotada

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em simetria pelos entes federados, por se tratar de importante
dispositivo de accountability praticado nos tradicionais mecanismos
de freios e contrapesos que plenificam o Estado Democrático de Direito
e que afastam as práticas despóticas de órgãos governamentais.
7. Por conseguinte, é imperativo que os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, bem assim como a todos os gestores da coisa pública,
apresentem aos órgãos de controle as contas de dinheiros, bens e
valores que venham a ser arrecadados e utilizados em obrigações de
natureza pecuniária.
8. E, para conhecimento dos cidadãos, cabe aos entes efetuar a
disponibilização de informações em portais de transparência, dotados
de ampla divulgação, para acompanhamento do emprego dos recursos
públicos, consoante dispõe a LC 101/2000. [...]
(Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 83.1965. Data:
29.08.2017. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho)

No site eletrônico da CGU, a pesquisa com o termo accountability conduz


a informações e normas que remetem ao tema governo aberto e integridade
pública. A accountability igualmente surge como termo associado a estratégias
de combate à corrupção.

FINALIZANDO

Vimos que o termo accountability não tem, no Brasil, uma precisão


conceitual. Com o amadurecimento de nossa democracia, aprendemos acerca
de suas dimensões de informação, justificação e punição (ou prestação de
contas, transparência e responsabilização). O conceito pode ser associado,
entre outros, a atos de controle, responsabilização e prestação de contas. Mas
simplificá-lo ou isolá-lo em um desses atos é perigoso, pelo desprezo indevido a
todas as dimensões da accountability.
Fala-se em diversos tipos de accountability: os tipos horizontal e vertical
ganharam espaço nas pesquisas. Na vertical, temos atos de fiscalização e
controle sendo exercidos pelos cidadãos, sozinhos ou por meio de associações.
Esse tipo de accountability tem forte ligação com democracias amadurecidas e
cidadãos politizados. A accountability horizontal é aquela que ocorre por meio de
agentes estatais: controles internos (controladorias, ouvidorias, setores de
controle interno), Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas.
Os atores envolvidos na accountability envolvem, segundo a teoria, um
agente (agente público) e um principal (aquele que outorga o mandato;
geralmente é o povo e o interesse público primário a ele atrelado). Assim, há a
figura de alguém que age para realizar uma política pública, e esse alguém deve
prestar contas de seus atos. Para que o mandato outorgado seja cumprido, é
necessário que certos mecanismos sejam desenvolvidos, a fim de assegurar que

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o agente não se desviará dos compromissos que assumiu. Isso fica fácil de
compreender se pensarmos em políticos eleitos, com a obrigação de cumprir as
promessas ou os planos apresentados durante a campanha. Tais promessas e
planos devem estar atrelados a interesses públicos. Há, na estrutura
institucional, mecanismos que vão fazer com que os agentes não se desviem
das promessas antes realizadas. O PPA, a LDO e a LOA são leis orçamentárias
nas quais constam as políticas públicas de médio (PPA) e de curto prazo (LDO
e LOA).
Por sua vez, os controles interno e externo, no cumprimento das funções
institucionais (aquelas ligadas às próprias finalidades dos órgãos), estão
encarregados de verificar o cumprimento dessas políticas e punir ou seguir a
responsabilização quando houver desvio. O Ministério Público e o Judiciário
também apresentam papel importante. O primeiro, ao investigar e provocar o
judiciário para a responsabilização civil e criminal dos agentes que desviarem de
seus deveres. Os Tribunais de Contas, no exercício do controle externo, na
guarda de bens e dinheiro público, poderão responsabilizar agentes públicos
faltosos com seus deveres.
O povo, por fim, é o detentor do autêntico poder de controlar. No Brasil,
pouco a pouco o povo descobre instrumentos de controle que estão a seu dispor.
Os Conselhos da Comunidade, presentes na Constituição da República; as
audiências públicas, as consultas públicas, os orçamentos participativos, a ação
popular, entre outros, são mecanismos que permitem que o controle seja
exercido pelo povo (individual ou coletivamente).
O dever de justificar é inerente ao exercício da função pública. Isso
envolve motivar os próprios atos e documentar o que se faz, permitindo, em
suma, a compreensão do que foi realizado no exercício da função pública, a fim
de se aferir se o meio utilizado foi adequado, se a finalidade pública a que se
destina foi atendida, e se o meio utilizado era o mais interessante e viável, entre
as opções existentes. É inafastável, ao agente público, a motivação, isto é, a
justificação de suas funções. Afinal, aquilo que o agente público faz deve estar
atrelado ao cumprimento de interesses públicos, sendo que muitas vezes até
mesmo a forma de praticar o ato aparece discriminada no regramento vigente. A
justificação deve ser realizada, portanto, pelos agentes públicos, a fim de que
seja possível verificar que as obrigações, contraídas ou impostas
funcionalmente, foram todas cumpridas.

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Caso o agente público desvie das funções que lhe são atribuídas e/ou de
suas obrigações legais, ele deve ser responsabilizado. Os mecanismos de
coerção, ou seja, de imposição de cumprimento das regras, são fundamentais
para assegurar que o agente público cumprirá seus deveres ou suas funções
institucionais. Caso não o faça, sofrerá sanções que podem variar, a depender
de quem realiza a accountability – pode ser a perda de eleições posteriores
(accountability social); a imposição de uma multa (accountability horizontal
exercida, por exemplo, por um Tribunal de Contas); ou a cassação de direitos
políticos (sentença transitada em julgado aplicada por um juiz no exercício da
função jurisdicional). Os mecanismos de responsabilização ou enforcement têm,
assim, um importante papel na accountability.
É certo, pois, que a accountability é um termo multidimensional, que pode
ser exercido de maneiras diversas, podendo se destacar, segundo o CLAD
(2006):

 formas administrativas de responsabilização

a. controle de procedimentos
b. controle de resultados
c. competição administrada

 formas políticas ou democráticas de controle

d. supervisão parlamentar
e. controle social (democracia direta)

 formas gerenciais de responsabilização

f. controle por resultados


g. controle por competição administrada
h. controle social

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REFERÊNCIAS

BRESSER-PEREIRA, L. C. Reforma do estado para a Cidadania: a reforma


gerencial brasileira na perspectiva internacional. 2 ed. São Paulo: Editora 34,
2011.

CAMPOS, A. M. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?


Revista de administração pública, v. 24, n. 2, p. 30-50, 1990.

CARVALHO, R. M. U. Curso de Direito Administrativo. 2 ed. Salvador: Jus


Podvim, 2009.

CLAD – Centro Latino-americano de Administração para o Desenvolvimento. A


responsabilização na nova gestão pública latino-americana. In: BRESSER-
PEREIRA, L. C.; GRAU, N. C. (Coords.). Responsabilização na administração
pública. São Paulo: Clad/Fundap, 2006.

DEPRÁ, V. O. B.; LEAL, M. C. H. Fiscalização do orçamento público:


accountability e controle social da atividade financeira do Estado. Revista do
Direito Público, Londrina, v. 12, n. 3, p. 216-241, dez. 2017.

MATIAS-PEREIRA, J. Curso de Administração Pública. São Paulo: Atlas,


2010.

MOTA, A. C. Y. H. A. Accountability no Brasil: os cidadãos e seus meios


institucionais de controle dos representantes. 250f. Tese (Doutorado) –
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

PALUDO, A. Administração Pública. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la


para o português? Revista Administração Pública, Rio de Janeiro, p. 1343-
1368, nov. / dez. 2009.

ROBL FILHO, I. N.; GARCIA JUNIOR, R. Corrupção: uma análise a partir da


economia institucional e da accountability horizontal em busca da efetividade do
controle da administração pública. Revista da Academia Brasileira de Direito
Constitucional, v. 10, p. 478-497, jul.-dez. 2018.

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TAYLOR, M. M. Alcançando a accountability: Uma Abordagem para o
Planejamento e Implementação de Estratégias Anticorrupção. Revista da
Controladoria-Geral da União, v. 11, n. 20, p. 1311-1330, 2019.

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