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ACCOUNTABILITY E

TRANSPARÊNCIA PÚBLICA
AULA 4

Prof.ª Fernanda Alves Andrade Guarido


CONVERSA INICIAL

O que é transparência pública?

Conceituar transparência pública não é tarefa fácil. Mas é a isso que nos
propomos. Para tanto, perpassaremos questões voltadas à origem do termo,
focando sua história para a ciência política. Em seguida, conversaremos acerca
da transparência no ordenamento jurídico e sua relação com os princípios da
legalidade, da moralidade e da publicidade. Haveremos de nos indagar se
“transparência” e “publicidade” são sinônimos, e nos esforçaremos para definir o
termo ou, ao menos, parametrizar o que se menciona ao falarmos de
transparência. Por fim, verificaremos na jurisprudência do Tribunal de Contas da
União (TCU) como a transparência é concebida. Ao final, focaremos os aspectos
mais importantes do que foi visto na aula.

TEMA 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS ACERCA DA TRANSPARÊNCIA PÚBLICA

“Transparência” é um termo impreciso. Na esfera pública, ele se refere,


em linhas gerais, à divulgação de informações pelo governo, acerca dos atos de
sua gestão. Mas não é só isso, pois a mera divulgação de atos não é suficiente
para que a transparência atinja suas finalidades na seara pública. Adiante
abordaremos melhor esse tema.
Há estudos que remetem à ocorrência de análise do termo já no
século XIX. Três correntes precursoras discutiam a transparência na época,
prevalecendo a ideia de que “o governo deve agir de acordo com regras
previsíveis e estáveis, a comunicação deve ser franca e aberta com a sociedade
e devem existir formas de tornar tanto a organização quanto a sociedade
cognoscível” (Zuccolotto; Teixeira, 2019, p. 21).
A ideia de que o governo deve agir de acordo com regras previsíveis e
estáveis pode parecer óbvia no século XXI, mas, ao tempo que reportamos
– século XIX –, ainda se tentava dar solidez à noção de que o Estado, à época
liberal, era diferente do modelo anterior, em que um rei estava no centro do
comando e que, como “representante do Ser Divino na Terra”, poderia governar
da maneira que lhe aprouvesse, inclusive em segredo, sem dar satisfação aos
súditos. No estado liberal a ideia é distinta: se por um lado o estado é mínimo,
no sentido de interferir da menor maneira possível na vida dos cidadãos, por

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outro, como representação da vontade dos cidadãos, esse ente deve dar
mostras do que faz, de como faz e de por que faz. Se isso não ocorrer, o ente
estatal passa a ganhar aspectos autoritários, pois o segredo pode se traduzir em
ausência de satisfação, em descompromisso com o público. Bentham, já em
1790, afirmava que os governos deveriam ser vigiados, pois isso conduz ao
aprimoramento comportamental.
As regras, por sua vez, se previsíveis, ou seja, se previamente
conhecidas, e se estáveis, não modificáveis ao talante do gestor, garantem
estabilidade, podem propiciar segurança e confiança na gestão. Por isso, um
processo legislativo elaborado segundo regras formais também previamente
delimitadas tem a capacidade de propiciar transparência. Porém, é pela
disciplina dos primeiros passos na gestão que se iniciam os ideais de
transparência que vão assegurá-la em outros momentos. As leis escritas têm,
assim, um papel de suma importância para garantir o princípio que aqui
estudamos.
Para que a comunicação seja franca e aberta por parte do gestor público,
é preciso, antes de mais nada, que seus atos sejam aferidos. Por isso, deve-se
ter em conta que a transparência não é somente falar sobre o que se faz, mas,
sobretudo, mostrar o que se faz por meio de métodos confiáveis. O princípio,
para ser efetivo, portanto, demanda ações, processos e atores.
No que tange aos atores, é preciso que haja alguém ou algo passível de
ser observado, que haja observador(es) e que o meio ou o método de
observação sejam conhecidos. Também se pode conceber a transparência
como a abertura1 de procedimento de trabalho para alguém não diretamente
ligado a esse trabalho, de modo a permitir-lhe verificar o que se faz de bom. O
fato é que nem sempre a abertura de dados a alguém conduz à verificação do
que se faz de bom. Muitas vezes, essa abertura permite verificar que algo de mal
está sendo feito, ou que algo que não deveria ter sido feito, o foi. Nesses casos,
é necessário tomar atitudes que conduzam à repressão dos atos indesejáveis ou
vedados (Meijer, 2009).
Em suma, no século XIX se disseminaram ideias que alertavam ao fato
de que o mero juramento não era por si só suficiente para que o servidor público
ou o gestor agissem de maneira adequada. Dar o norte para a ação e verificar o

1 No sentido de dar ciência a alguém sobre o que se faz no trabalho, sobre as atividades
realizadas.
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que estavam fazendo era importante também. A ideia de transparência, que é
de plano associada a aspectos da visão, remete, assim, às ações de verificação
das atividades do gestor. Por exemplo, nos EUA, no século XIX, disseminaram-
se práticas de reuniões públicas, em alinhamento com esse princípio. As
pessoas poderiam assistir às reuniões em que se deliberava sobre o que deveria
ser feito. As pessoas viam, portanto, os atos de gestão serem praticados. Esse
foi o início da compreensão acerca do que era transparência e de como ela
deveria ocorrer na gestão pública.
Já no século XX, aprimorando-se as ideias do século XIX, cresceu a
racionalidade no sentido internacional, e também interno. A governança
internacional passou a pregar a necessidade de transparência. Ganhou
destaque a ideia de que o relacionamento entre as nações não deveria se operar
por meio de segredos. Isso correu após a Primeira Guerra Mundial, pois os
acordos para que ela ocorresse foram conduzidos secretamente (Zuccolotto;
Teixeira, 2019). Falava-se também que os estados deveriam produzir
documentos auditáveis e inteligíveis, de modo a permitir a análise de organismos
internacionais.
Por fim, disseminou-se a ideia de que, internamente, perante os
administrados, também deve haver abertura de informações. Nesse sentido,
deve-se governar: (1) com base em regras pré-estabelecidas; (2) possuir uma
contabilidade pública – específica e acessível; (3) deve haver na legislação
meios suficientes de impedir que práticas obscuras entre governo e
organizações privadas se estabeleçam. No século XX se consolidou a ideia de
que os cidadãos devem ter acesso às informações, o que resultou no surgimento
de leis nesse sentido. As ideias de abertura e de publicidade entre o Executivo
e seus cidadãos ganharam força. Os fóruns abertos também. Essas ideias
ligadas à transparência se associam aos ideais de democracia deliberativa.
As bases do conceito de transparência foram lançadas, portanto, no
século XIX. O debate acerca da participação na gestão, por sua vez, conduziu
ao desenvolvimento da ideia de que a gestão deve ser transparente. A
globalização e o desenvolvimento de tecnologias são fatores que colaboraram
para essa realidade (Zuccolotto; Teixeira, 2019). Importante lembrar que a
globalização aprimorou processos de comunicação entre os países e fomentou
a integração econômica, cultural, social e política. Com o apoio do
desenvolvimento de novas tecnologias, a transparência ganhou força, tendo se

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disseminado regras que a determinavam. Além disso, muitos outros modos de
realização surgiram.

TEMA 2 – TRANSPARÊNCIA E LEGALIDADE

É sabido que o gestor público é regido pelo princípio da legalidade. As


atividades da gestão, via de regra, estão prescritas em leis e regulamentos.
Assim, o gestor público está limitado a atender ao princípio da legalidade, que é
capital, ou seja, de suma importância, para configurar o regime jurídico-
administrativo. Esse princípio – da legalidade – é inerente ao estado de direito
(Bandeira-de-Mello, 2012). O estado de direito teve sua origem na Revolução
Francesa, e representou a ruptura do representante estatal absoluto – o rei –,
cuja autoridade assentava-se em bases de divindade. No estado de direito a
fonte da vontade é geral, contrastando com a vontade individual advinda do rei
no Absolutismo (Carvalho, 2009).
É claro que uma realidade não é rompida do dia para a noite, com um
único acontecimento. A Revolução Francesa marcou o início da concepção de
que a vontade geral deveria prevalecer nas tarefas do Estado. Essa vontade é
sintetizada nas ações do Legislativo, eleito pelos cidadãos. Assim, ao cumprir
sua função típica de criar leis, o Legislativo, em tese, faz o que os cidadãos
gostariam que fosse feito. Isso acontece quando o Legislativo é fruto de
reconhecida vontade popular. Dessa maneira, ao cumprir as leis, os governantes
realizam o que os cidadãos desejam.
Extraem-se dos ensinamentos de Bandeira-de-Mello que “a atividade
administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de
comandos complementares à lei” (2012, p. 103). O autor acrescenta ainda que
no estado de direito o que se deseja é o governo das leis, e não o governo dos
homens. O princípio da legalidade possui uma situação de segurança, seja para
o administrado, seja para a própria administração.
Carvalho (2009, p. 50) lembra que

As condutas administrativas passam a se orientar sob o pálio de


normas de condutas obrigatórias, as quais se impõem a todos –
indivíduos e Estado –, vedado a qualquer autoridade tomar decisões
que se afastem da obediência ao sistema jurídico. Trata-se de uma
garantia fundamental estabelecida tanto em favor do administrador
quanto do administrado. Afinal, em razão deste princípio, a conduta
estatal advém não da vontade do déspota, mas se embasa em normas
emanadas fundadas não no capricho de uma vontade individual, mas

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na própria vontade comunitária veiculada por meio de órgãos
representativos dotados de legitimidade democrática.

Observemos que é importante estar atento ao fato de que a existência de


leis e regulamentos e a vinculação da administração a essas leis gera, por um
lado, segurança aos administrados, que não ficam à mercê das surpresas
advindas do governo. O princípio da legalidade gera, assim, segurança aos
administrados, que sabem o que esperar dos governos. Sabe-se também como
cobrar e o que deve ser cobrado dos gestores. A legalidade modera, portanto,
os poderes do Estado. Por outro lado, esse princípio serviu para a imunização
decisória dos órgãos do Executivo (Carvalho, 2009). Ou seja, os órgãos do
executivo e seus representantes haverão de fundamentar suas ações na lei.
Ora, se a Administração Pública só pode fazer o que consta da lei, e se
seus atos são – ou devem ser – complementares à lei, isso implica entender que
a lei dá o norte para a ação no serviço público. Assim, estão nas leis os
comandos para que se dê publicidade, se compartilhe com o público o que se
fez ou será feito à frente do governo.
Entretanto, deve-se ser fiel à evolução do direito, que acompanha a
sociedade. O princípio da legalidade, atualmente também conhecido como
princípio da juridicidade, ou princípio da constitucionalidade, ou ainda como
princípio da legitimidade, transmite a compreensão de que a fonte da atuação do
gestor público não é somente a lei, mas também o direito. Ou seja, há elementos
normativos que complementam a noção de legalidade. Isso implica dizer que os
objetivos constitucionais, os princípios gerais do direito, explícitos e implícitos,
fazem parte da noção de legalidade. Dessa forma, o leque de balizas para a
atuação do gestor público não se restringe à letra da lei, mas vai além,
compreendendo os princípios constantes do ordenamento jurídico
(Carvalho, 2009).
Mas o que tudo isso tem a ver com a transparência pública? Não se pode
esquecer que a transparência decorre da própria legalidade, na medida em que
a codificação permite conhecer e ver a regra e os atos a ela respeitosos. A
transparência deve ser extraída, portanto, de comandos legais. Isso não é novo,
tal como visto, posto que já se verifica nos movimentos de codificação.
Mas a base para a transparência vai mais além. Ela advém do arcabouço
de valores que ordenam os princípios regentes do direito. Cada princípio jurídico
tem por fonte algo que é caro para os cidadãos. E não se pode negar que a

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transparência é um desses valores que, ao longo da história, vêm se revelando
de suma importância à sociedade.
A transparência é apontada como condição fundamental para efetivar a
accountability no discurso público sobre boa governança. Mas será que estar
fundada na lei ou no ordenamento jurídico, por si só, é garantia de que a
transparência será efetivada e atenderá à sua finalidade?
A resposta para essa pergunta, segundo se entende, é negativa. A
transparência é fundamental atualmente, pois corrobora os princípios
democráticos e é parte do arcabouço necessário à concretização do estado de
direito. Mas ela pode ocorrer de maneira cerimonial, ou seja, pode haver
transparência “de fachada” – isto é, falsa, inútil. Por exemplo, numa pesquisa
sobre o modo como os gestores de municípios capixabas prestavam contas à
sociedade, verificou-se que esses municípios se preocupavam muito mais em
cumprir a lei do que em efetivamente informar a sociedade (Silva; Monte-Mor;
Rodrigues, 2019). Por exemplo, os municípios se preocupavam mais em gerar
as informações exigidas por lei no que tange à execução orçamentária e
financeira e, dessa forma, em atender a lei, do que em efetivamente informar a
população sobre a gestão municipal.
Esse caso nos leva à reflexão sobre a necessidade de a transparência ser
efetiva. É claro que o fato de ela estar prevista em lei já faz com que muitos
gestores passem a cumprir o dever de transparência e que, em alguma medida,
ela ocorra. Mas a efetividade da transparência deve remeter a questões outras,
como a capacidade de o receptor das informações compreendê-la e dela fazer
uso, se assim o desejar. Assim, não basta que as informações sejam produzidas
para que técnicos possam lê-las e compreendê-las. A transparência deve
atender à finalidade a que se destina e, nessa medida, é crucial levar em conta
questões como clareza, tempo, veículo da informação, entre outras.
Ficam aqui postas estas provocações, a fim de que mais pesquisas nesse
sentido possam ser realizadas.

TEMA 3 – TRANSPARÊNCIA E MORALIDADE

A moralidade foi erigida à categoria de princípio na Constituição da


República de 1988, conforme pode ser verificado da leitura do art. 37, caput. Há
quem afirme existir uma moralidade administrativa, isto é, um conjunto de regras
de conduta tiradas da disciplina interior da Administração. Como a atuação da
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Administração Pública é marcada por uma funcionalidade, isto é, por um fazer
que advém de prescrições legais pautadas por interesses públicos específicos,
prescritos em outras regras, o desvio de tais funcionalidades acarretará conduta
contrária à lei e à ética da Administração Pública. Isso implica compreender que
existe um modo de atuar dentro da gestão pública considerado conforme à
moralidade, por ser honesto, adequado, bom, justo, conveniente e legal
(Carvalho, 2009).
O princípio da moralidade enaltece, portanto, princípios éticos. Esse
princípio – da moralidade – não diz respeito a apenas um indivíduo, mas a uma
coletividade. Diz respeito à sociedade que compõe o estado de direito.
Relaciona-se, segundo Bandeira-de-Mello (2012), com os princípios da lealdade
e da boa-fé.
O significado exato de “princípio da moralidade” não é uma resposta
pronta e acabada. Carvalho (2009) afirma que a apuração de seu conteúdo
acarreta uma aproximação e uma dinâmica, e o atendimento da conduta do
gestor ao princípio da moralidade deve ser avaliado em comparação com os
valores éticos do grupo social em que se insere. Mas esses valores, segundo
Bandeira-de-Mello (2012), devem estar albergados nas normas jurídicas. Nesse
sentido, pode-se afirmar que o princípio da moralidade é “um reforço ao princípio
da legalidade” (Bandeira-de-Mello, 2012, p. 123).
É comum analisar se o ato administrativo atingiu sua finalidade, a fim de
verificar se o princípio da moralidade foi respeitado. Para muitos juristas, então,
o desvio de finalidade ofende o princípio da moralidade, permitindo que o
Judiciário considere o ato ilícito e determine sua correção. Segundo Giacomuzzi
(2002), o vício de conteúdo, de motivos e de intenção configura ilegalidade
interna e ofende a moralidade, o que gera o dever de controle e reparação. Não
se trata da forma ou da formalidade inerente ao ato, mas à sua essência, àquilo
a que o ato se destina. Aí se encontra a ofensa à moralidade administrativa.
Mas o que o princípio da moralidade tem a ver com transparência? É uma
pergunta fácil de responder após as ponderações feitas. A transparência é
também um valor. Mas se o valor, por si só, não tem o poder de coagir o indivíduo
ao atendimento ou cumprimento, o princípio jurídico, ao contrário, já possui essa
força cogente, isto é, essa força capaz de obrigar, sob pena de aplicar sanções.
E a transparência é considerada um princípio implícito, quer dizer, apesar de não
explícito no ordenamento jurídico, esse valor é caro à sociedade, e o

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ordenamento jurídico o reconhece como princípio implícito. Ademais, registre-se
que, para avaliar se a finalidade do ato administrativo foi atingida, ou se esse ato
possui legalidade interna (quer dizer, se não há vício de conteúdo de motivos
nem de intenção), é preciso dar visibilidade ao ato. Daí a necessidade da
transparência, e ela, repise-se, é querida, desejada e buscada pela sociedade
brasileira.
Como exemplos de atos imorais, podemos citar a deslealdade, a malícia,
a corrupção, entre outros. São todas condutas consideradas inadmissíveis no
âmbito da Administração Pública. Como tal, atentam contra a moralidade
administrativa e devem, por isso, ser punidas. A transparência, a serviço da
accountability, há de permitir o controle da legalidade, a repressão, seja pelas
entidades de controle institucional, seja pela sociedade.
Mazzei et al. (2015) analisaram o papel da advocacia pública na defesa
da moralidade administrativa e do patrimônio público. Nesse trabalho,
ressaltaram a insatisfação da população brasileira com notícias recorrentes de
corrupção nos órgãos públicos, o que culminou na criação de movimentos
sociais, como o Transparência Brasil e o Movimento contra a Corrupção. Os
autores lembram que a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Ação
Popular são instrumentos que favorecem a atuação da advocacia pública na
defesa do patrimônio público brasileiro. A atuação da advocacia pública há de
ser deflagrada por meio da comunicação entre os stakeholders, pelos canais de
denúncia, ouvidorias, auditorias e, enfim, atos que permitam a ciência acerca
dos ilícitos perpetrados em desfavor do erário público. Aí também se verifica
informação, comunicação e, em alguma medida, transparência.

TEMA 4 – TRANSPARÊNCIA É PUBLICIDADE?

Na jornada de conhecimento acerca da transparência pública, insta


indagar e esforçar-se por responder se transparência e publicidade são
sinônimos. Parece-nos que não, mas ambos são princípios jurídicos. A
transparência é princípio implícito no ordenamento jurídico, quer dizer, não
consta de texto expresso da Constituição da República, mas é extraída do
ordenamento jurídico e dos próprios dizeres da Constituição. Já a publicidade é
um princípio jurídico explícito, isto é, consta expressamente do texto da
Constituição. Vamos explorar um pouco o conceito de publicidade, a fim de
verificar se a resposta dada está correta. Carvalho (2009, p. 185) assevera que
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A publicidade torna possível o efetivo controle dos atos administrativos
e assegura a transparência necessária para se tentar contornar os
riscos inerentes ao sigilo. Outrossim, o agente público exerce poder de
titularidade alheia, devendo à sociedade prestar contas da forma pela
qual cumpriu referido múnus.

A autora ainda cita e analisa diversos dispositivos constitucionais que


determinam a publicidade dos atos administrativos, entre eles o art. 5º, incisos
XXXIII, XXXIV e LX (direito de informação aos poderes públicos, direito de
petição e regra de publicidade geral de atos processuais). A autora lembra que
a publicidade dos atos é regra e que o sigilo, algo perigoso à sociedade, só pode
ser tolerado quando relevantes interesses públicos estiverem envolvidos. Retira-
se da lição da autora a regra geral de publicidade da atuação dos gestores
públicos. A Lei Federal n. 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação (LAI) –, em
seu art. 3º, I, elencou a publicidade como preceito geral, e o sigilo, como
exceção. A publicidade está voltada ao cumprimento de leis no sentido de dar
ao público as informações que a lei determina que sejam dadas (Silva; Monte-
Mor; Rodrigues, 2017).
Note que a finalidade de dar acesso aos interessados acerca dos atos da
administração é viabilizar o controle, informar, assegurar o cumprimento da lei e
a realização das finalidades públicas, entre outras. Não é, entretanto, fazer
propaganda nem enaltecer este ou aquele gestor. Muito pelo contrário! Fazer
propaganda da atuação do gestor público é vedado, pois caracteriza promoção
pessoal. Há diversas condutas consideradas ilícitas nesse sentido. Por exemplo,
é vedado dar nome de pessoa viva a bem público de qualquer natureza
pertencente à União ou à sua administração indireta. Observe a notícia do Conjur
a seguir:

A Lei n. 6.454/1977, que proíbe atribuir a logradouros e monumentos


públicos o nome de pessoas vivas, não permite exceções. A decisão é
do Conselho Nacional de Justiça, que revogou, nesta terça-feira (29/3),
a Resolução 52/2008, do próprio CNJ. A norma permitia o que a lei
proíbe. Sobrou para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, José
Paulo Sepúlveda Pertence.
Os conselheiros analisaram Pedido de Providências para que o CNJ
decidisse se o auditório do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
poderia receber o nome do ex-ministro. Para o relator do processo,
conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, a resolução do CNJ é
ilegal e ofende o princípio da impessoalidade.
Já o conselheiro Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal
Superior do Trabalho, afirmou que “o poder do CNJ não pode dar
ampliação ao previsto na lei”. Para ele, a Resolução 52 abriu exceção
que embasou a decisão, de boa-fé, de alguns órgãos do Judiciário de
homenagear magistrados aposentados.
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, afirmou que
a resolução foi equivocada, porém, afirmou que a norma deve ser

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preservada, já que as pessoas agiram de boa-fé. Para a conselheira
Morgana Richa, a revogação e edição de nova resolução em
substituição à 52 deve valer “daqui para a frente”. Com informações da
Assessoria de Imprensa do CNJ. (Norma…, 2011)

O art. 3º da LAI também apresenta a noção de que o direito à informação


é fundamental, quer dizer, é um direito de suma importância, assegurado aos
cidadãos brasileiros. Esse direito fundamental deve ser exercido em alinhamento
com os princípios regentes da Administração Pública (entre eles o da
publicidade). E mais: é diretriz da administração pública brasileira o fomento ao
desenvolvimento da cultura da transparência – art. 3º, IV, da LAI.
Uma cultura é algo muito forte, porque ela compreende valores comuns
ao ambiente que igualmente são parte do acervo ético de cada indivíduo daquele
mesmo ambiente. A cultura da transparência é, assim, muito mais do que o
atender à lei e muito mais do que dar ciência de atos em cumprimento de um
princípio – é cultivar a crença de que todos têm o direito de saber como a gestão
acontece e, por meio de ações possíveis, acessíveis e compreensíveis, trazer a
público as ações praticadas no âmbito da Administração Pública, com a crença
de que se está fazendo o que é correto.
Transparência, portanto, é mais do que publicidade, pois permite ao
cidadão exercer a cidadania. E, no instante em que a transparência se torna
parte do acervo cultural dos cidadãos, ela integra as crenças compartilhadas por
eles, e será por eles buscada, praticada, desejada e exercida. A transparência,
assim, pode garantir políticas de gestão responsável.

TEMA 5 – COMO CONCEITUAR A TRANSPARÊNCIA?

O termo “transparência pública” não tem uma definição precisa. Se


etimologicamente vem associado ao que é translúcido, que permite a visão além
do objeto, no âmbito da ciência política se associa à abertura e ao acesso à
informação. No século XXI o termo ganhou relevo com o desenvolvimento das
tecnologias da informação (TICs), que aprimoraram técnicas e permitiram
conhecer as atividades da gestão pública. Por sua vez, o processo democrático
e o amadurecimento de suas instituições permitem também conhecer as
potencialidades dos mecanismos promotores da transparência.
Assim, pode-se afirmar que a transparência está ligada a ações que
permitam conhecer as atividades da Administração Pública. Ela se envolve com
atos de publicidade, mas vai além, pois permite informar, educar, opinar (formar

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opiniões) e controlar. A transparência está a serviço da accountability. A
transparência é aliada da democracia e, portanto, seu conceito se relaciona à
política. E sua utilidade está voltada ao cumprimento da vigilância da sociedade
sobre o Estado.
Como princípio implícito, a transparência não consta do texto da
Constituição da República de 1988, mas pode ser identificada implicitamente.
Ela é extraída, por exemplo, dos princípios da legalidade, moralidade e
publicidade. É que o dever de cumprir a lei e o direito confere previsibilidade à
ação dos gestores. Por sua vez, ao atender à finalidade das leis, ao buscar seguir
os conteúdos e os motivos pelos quais as leis existem, e ao se dar a público a
ciência do que a lei e o direito mandam informar, em alguma medida, atende-se
ao princípio da transparência.
A transparência pública tem sido muito associada às informações ligadas
à contabilidade, de modo a propiciar auditorias. A Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar n. 101/2000), entre outros instrumentos, trouxe inovações no
sentido de propiciar a transparência dessa seara à gestão pública brasileira.
Zuccolotto e Teixeira (2019) ressaltam a importância de acesso aos dados
do governo, de modo a nos permitir interpretá-los. Para os autores, não basta
disponibilizar a informação; é preciso dar o tratamento adequado, por quem
detém o conhecimento e a capacidade de fazê-lo, ressaltando-se também a
importância da abertura de dados do governo. Os autores também afirmam que
existem direções da transparência para cima e para baixo (transparência
vertical), para fora e para dentro (transparência horizontal).
A transparência vertical decorre do relacionamento entre os burocratas
e o governo – transparência para cima; quando os administrados podem
observar a ação dos governantes, tem-se a transparência para baixo. A
transparência para fora – também chamada de transparência horizontal –
“ocorre quando o subordinado consegue observar o que está acontecendo além
da organização” (Zuccolotto; Teixeira, 2019, p. 41). Essa transparência é útil
tanto no plano interno quanto no internacional, pois dá suporte a estratégias
políticas, econômicas e orçamentárias.
A transparência para dentro (outro tipo de transparência horizontal) ocorre
quando quem está de fora da organização consegue observar o que acontece
dentro dela. Ela dá ensejo a legislações que direcionam o comportamento, como
leis de acesso à informação. Tal tipo de transparência permite olhar para dentro

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da atividade da administração, desenvolvendo mecanismos de controle social
(Zuccolotto; Teixeira, 2019).

NA PRÁTICA

É difícil conceituar a transparência, posto que, na ciência política, o termo


se refere a ações diversas, envolvendo tanto atos comissivos, isto é, fazer algo,
tomar a atitude (a exemplo de dar a público ciência de suas ações), quanto a
atos mais passivos, como se deixar ser visto. Na Administração Pública, o termo
se iniciou na visibilidade de informações orçamentárias, fiscais e contábeis, mas
se estendeu para outros atos, adquirindo semelhança com “abertura”, embora
haja autores que afirmem existir uma relação triangular entre transparência,
abertura e vigilância (Zuccolotto; Teixeira, 2019).
Chegou o momento de verificar, portanto, como a transparência tem sido
considerada no contexto da Administração Pública do Brasil. Klein, Klein e
Luciano (2019), ao estudar a transparência por meio de dados abertos
governamentais (DAG), afirmam que,

Nesse contexto, a transparência abrange a divulgação rotineira dos


dados sobre orçamentos, auditorias, políticas e ações executivas. Com
isso, amplia as exigências sobre os serviços públicos prestados pelo
governo, pois o DAG fornece ao cidadão um feedback contínuo, não
apenas permitindo o controle social com avaliações mais abrangentes
dos serviços governamentais, mas também gerando pressão para
aumentar o desempenho dos entes públicos. (Harrison et al., 2012
citados por Klein; Klein; Luciano, 2019, p. 10)

A ênfase para os autores está na divulgação rotineira de dados. Os


dados abertos são “dados reais”, “dados crus”, os quais podem ser livremente
utilizados, reutilizados e distribuídos por qualquer pessoa. Na linguagem da
pesquisa científica, seriam dados primários.
Na jurisprudência selecionada do TCU, o termo tem forte ligação com o
aspecto informacional, isto é, com a divulgação de dados, notadamente no que
tange a dados orçamentários e fiscais, mas também a processos, como a
informação ligada a procedimentos licitatórios. A pesquisa com o termo
“transparência” na jurisprudência selecionada do TCU retornou 38 documentos.
Entre eles, podemos citar o exemplo:

As receitas decorrentes da arrecadação de taxa de inscrição em


concurso público promovido por órgão estatal, e também as despesas
necessárias à sua concretização, devem, mesmo sob a égide da EC
95/2016, ser integralmente registradas no Orçamento da União, em

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deferência aos princípios da universalidade, do orçamento bruto e da
transparência na gestão fiscal. (TCU. Acórdão n. 1618/2018. Plenário.
Relator: Vital do Rêgo)

Noutro exemplo:

Nos pregões eletrônicos, é recomendável a adoção de procedimentos


padronizados de publicidade dos atos de suspensão e retomada do
certame no sistema eletrônico, de modo a conferir maior transparência
aos atos dos pregoeiros. (Acórdão 2751/2013-Plenário | Relator:
Benjamin Zymler)

O princípio da transparência é igualmente reconhecido como integrante


do ordenamento jurídico e, portanto, deve ser respeitado, tal como lembra o
TCU. Faz-se oportuna a citação da passagem encontrada no acórdão a seguir
transcrito:

A participação, como candidato, de servidor ocupante de cargo efetivo


ou comissionado ou ainda de função de confiança que tenha
atribuições relacionadas à condução de concurso público ofende aos
princípios da moralidade, da impessoalidade e da transparência. (TCU.
Acórdão 2485/2008-Plenário. Relator: Marcos Bemquerer)

Importante registrar, em relação à última citação, a importância de


reconhecer a transparência como princípio jurídico. É que, assim sendo, ele
integra o ordenamento jurídico e, como tal, seu respeito é imperativo.

FINALIZANDO

O termo “transparência”, em princípio, está associado a aspectos


verificados por meio da visão. Transparente é aquilo por onde passa a luz, que
pode ser visto. No âmbito da ciência política, “transparência” vem sendo
associado a atos informacionais e de visibilidade, permitindo o intercâmbio no
que se refere à participação no que se faz. A transparência pública teve suas
origens voltadas à divulgação de dados orçamentários e fiscais, mas se
estendeu para outros aspectos mais gerais.
Via de regra, a transparência envolve atores (observador e observado) e
um método de observá-los. O termo também envolve a abertura e a vigilância.
Enclausurá-lo num único conceito não é tarefa fácil, de modo que conceder os
parâmetros para identificá-lo tem sido o caminho recomendado pela teoria
(Zuccolotto; Teixeira, 2019).
É preciso reconhecer que a transparência, como princípio implícito do
ordenamento jurídico, significou um avanço na obtenção de dados e de
informações da gestão pública brasileira. Princípios jurídicos são fonte e origem
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das regras (aqui mencionadas como sinônimos de leis) e, como tal, devem ser
respeitados por todos, inclusive pelos próprios gestores públicos. Importante
lembrar, ainda no que tange à juridicidade da transparência no ordenamento
jurídico brasileiro, que dimensões como essa estão presentes nos princípios da
legalidade, da moralidade e da publicidade.
Por fim, não devemos deixar de comentar sobre a importância da
qualidade da informação e dos dados divulgados. Os dados abertos, por
exemplo, têm sido mais e mais exigidos da Administração Pública pela
sociedade civil, para que possam ser analisados, utilizados e reutilizados pelos
cidadãos interessados.

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REFERÊNCIAS

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