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TRANSPARÊNCIA PÚBLICA
AULA 4
Conceituar transparência pública não é tarefa fácil. Mas é a isso que nos
propomos. Para tanto, perpassaremos questões voltadas à origem do termo,
focando sua história para a ciência política. Em seguida, conversaremos acerca
da transparência no ordenamento jurídico e sua relação com os princípios da
legalidade, da moralidade e da publicidade. Haveremos de nos indagar se
“transparência” e “publicidade” são sinônimos, e nos esforçaremos para definir o
termo ou, ao menos, parametrizar o que se menciona ao falarmos de
transparência. Por fim, verificaremos na jurisprudência do Tribunal de Contas da
União (TCU) como a transparência é concebida. Ao final, focaremos os aspectos
mais importantes do que foi visto na aula.
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outro, como representação da vontade dos cidadãos, esse ente deve dar
mostras do que faz, de como faz e de por que faz. Se isso não ocorrer, o ente
estatal passa a ganhar aspectos autoritários, pois o segredo pode se traduzir em
ausência de satisfação, em descompromisso com o público. Bentham, já em
1790, afirmava que os governos deveriam ser vigiados, pois isso conduz ao
aprimoramento comportamental.
As regras, por sua vez, se previsíveis, ou seja, se previamente
conhecidas, e se estáveis, não modificáveis ao talante do gestor, garantem
estabilidade, podem propiciar segurança e confiança na gestão. Por isso, um
processo legislativo elaborado segundo regras formais também previamente
delimitadas tem a capacidade de propiciar transparência. Porém, é pela
disciplina dos primeiros passos na gestão que se iniciam os ideais de
transparência que vão assegurá-la em outros momentos. As leis escritas têm,
assim, um papel de suma importância para garantir o princípio que aqui
estudamos.
Para que a comunicação seja franca e aberta por parte do gestor público,
é preciso, antes de mais nada, que seus atos sejam aferidos. Por isso, deve-se
ter em conta que a transparência não é somente falar sobre o que se faz, mas,
sobretudo, mostrar o que se faz por meio de métodos confiáveis. O princípio,
para ser efetivo, portanto, demanda ações, processos e atores.
No que tange aos atores, é preciso que haja alguém ou algo passível de
ser observado, que haja observador(es) e que o meio ou o método de
observação sejam conhecidos. Também se pode conceber a transparência
como a abertura1 de procedimento de trabalho para alguém não diretamente
ligado a esse trabalho, de modo a permitir-lhe verificar o que se faz de bom. O
fato é que nem sempre a abertura de dados a alguém conduz à verificação do
que se faz de bom. Muitas vezes, essa abertura permite verificar que algo de mal
está sendo feito, ou que algo que não deveria ter sido feito, o foi. Nesses casos,
é necessário tomar atitudes que conduzam à repressão dos atos indesejáveis ou
vedados (Meijer, 2009).
Em suma, no século XIX se disseminaram ideias que alertavam ao fato
de que o mero juramento não era por si só suficiente para que o servidor público
ou o gestor agissem de maneira adequada. Dar o norte para a ação e verificar o
1 No sentido de dar ciência a alguém sobre o que se faz no trabalho, sobre as atividades
realizadas.
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que estavam fazendo era importante também. A ideia de transparência, que é
de plano associada a aspectos da visão, remete, assim, às ações de verificação
das atividades do gestor. Por exemplo, nos EUA, no século XIX, disseminaram-
se práticas de reuniões públicas, em alinhamento com esse princípio. As
pessoas poderiam assistir às reuniões em que se deliberava sobre o que deveria
ser feito. As pessoas viam, portanto, os atos de gestão serem praticados. Esse
foi o início da compreensão acerca do que era transparência e de como ela
deveria ocorrer na gestão pública.
Já no século XX, aprimorando-se as ideias do século XIX, cresceu a
racionalidade no sentido internacional, e também interno. A governança
internacional passou a pregar a necessidade de transparência. Ganhou
destaque a ideia de que o relacionamento entre as nações não deveria se operar
por meio de segredos. Isso correu após a Primeira Guerra Mundial, pois os
acordos para que ela ocorresse foram conduzidos secretamente (Zuccolotto;
Teixeira, 2019). Falava-se também que os estados deveriam produzir
documentos auditáveis e inteligíveis, de modo a permitir a análise de organismos
internacionais.
Por fim, disseminou-se a ideia de que, internamente, perante os
administrados, também deve haver abertura de informações. Nesse sentido,
deve-se governar: (1) com base em regras pré-estabelecidas; (2) possuir uma
contabilidade pública – específica e acessível; (3) deve haver na legislação
meios suficientes de impedir que práticas obscuras entre governo e
organizações privadas se estabeleçam. No século XX se consolidou a ideia de
que os cidadãos devem ter acesso às informações, o que resultou no surgimento
de leis nesse sentido. As ideias de abertura e de publicidade entre o Executivo
e seus cidadãos ganharam força. Os fóruns abertos também. Essas ideias
ligadas à transparência se associam aos ideais de democracia deliberativa.
As bases do conceito de transparência foram lançadas, portanto, no
século XIX. O debate acerca da participação na gestão, por sua vez, conduziu
ao desenvolvimento da ideia de que a gestão deve ser transparente. A
globalização e o desenvolvimento de tecnologias são fatores que colaboraram
para essa realidade (Zuccolotto; Teixeira, 2019). Importante lembrar que a
globalização aprimorou processos de comunicação entre os países e fomentou
a integração econômica, cultural, social e política. Com o apoio do
desenvolvimento de novas tecnologias, a transparência ganhou força, tendo se
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disseminado regras que a determinavam. Além disso, muitos outros modos de
realização surgiram.
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na própria vontade comunitária veiculada por meio de órgãos
representativos dotados de legitimidade democrática.
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transparência é um desses valores que, ao longo da história, vêm se revelando
de suma importância à sociedade.
A transparência é apontada como condição fundamental para efetivar a
accountability no discurso público sobre boa governança. Mas será que estar
fundada na lei ou no ordenamento jurídico, por si só, é garantia de que a
transparência será efetivada e atenderá à sua finalidade?
A resposta para essa pergunta, segundo se entende, é negativa. A
transparência é fundamental atualmente, pois corrobora os princípios
democráticos e é parte do arcabouço necessário à concretização do estado de
direito. Mas ela pode ocorrer de maneira cerimonial, ou seja, pode haver
transparência “de fachada” – isto é, falsa, inútil. Por exemplo, numa pesquisa
sobre o modo como os gestores de municípios capixabas prestavam contas à
sociedade, verificou-se que esses municípios se preocupavam muito mais em
cumprir a lei do que em efetivamente informar a sociedade (Silva; Monte-Mor;
Rodrigues, 2019). Por exemplo, os municípios se preocupavam mais em gerar
as informações exigidas por lei no que tange à execução orçamentária e
financeira e, dessa forma, em atender a lei, do que em efetivamente informar a
população sobre a gestão municipal.
Esse caso nos leva à reflexão sobre a necessidade de a transparência ser
efetiva. É claro que o fato de ela estar prevista em lei já faz com que muitos
gestores passem a cumprir o dever de transparência e que, em alguma medida,
ela ocorra. Mas a efetividade da transparência deve remeter a questões outras,
como a capacidade de o receptor das informações compreendê-la e dela fazer
uso, se assim o desejar. Assim, não basta que as informações sejam produzidas
para que técnicos possam lê-las e compreendê-las. A transparência deve
atender à finalidade a que se destina e, nessa medida, é crucial levar em conta
questões como clareza, tempo, veículo da informação, entre outras.
Ficam aqui postas estas provocações, a fim de que mais pesquisas nesse
sentido possam ser realizadas.
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ordenamento jurídico o reconhece como princípio implícito. Ademais, registre-se
que, para avaliar se a finalidade do ato administrativo foi atingida, ou se esse ato
possui legalidade interna (quer dizer, se não há vício de conteúdo de motivos
nem de intenção), é preciso dar visibilidade ao ato. Daí a necessidade da
transparência, e ela, repise-se, é querida, desejada e buscada pela sociedade
brasileira.
Como exemplos de atos imorais, podemos citar a deslealdade, a malícia,
a corrupção, entre outros. São todas condutas consideradas inadmissíveis no
âmbito da Administração Pública. Como tal, atentam contra a moralidade
administrativa e devem, por isso, ser punidas. A transparência, a serviço da
accountability, há de permitir o controle da legalidade, a repressão, seja pelas
entidades de controle institucional, seja pela sociedade.
Mazzei et al. (2015) analisaram o papel da advocacia pública na defesa
da moralidade administrativa e do patrimônio público. Nesse trabalho,
ressaltaram a insatisfação da população brasileira com notícias recorrentes de
corrupção nos órgãos públicos, o que culminou na criação de movimentos
sociais, como o Transparência Brasil e o Movimento contra a Corrupção. Os
autores lembram que a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Ação
Popular são instrumentos que favorecem a atuação da advocacia pública na
defesa do patrimônio público brasileiro. A atuação da advocacia pública há de
ser deflagrada por meio da comunicação entre os stakeholders, pelos canais de
denúncia, ouvidorias, auditorias e, enfim, atos que permitam a ciência acerca
dos ilícitos perpetrados em desfavor do erário público. Aí também se verifica
informação, comunicação e, em alguma medida, transparência.
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preservada, já que as pessoas agiram de boa-fé. Para a conselheira
Morgana Richa, a revogação e edição de nova resolução em
substituição à 52 deve valer “daqui para a frente”. Com informações da
Assessoria de Imprensa do CNJ. (Norma…, 2011)
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opiniões) e controlar. A transparência está a serviço da accountability. A
transparência é aliada da democracia e, portanto, seu conceito se relaciona à
política. E sua utilidade está voltada ao cumprimento da vigilância da sociedade
sobre o Estado.
Como princípio implícito, a transparência não consta do texto da
Constituição da República de 1988, mas pode ser identificada implicitamente.
Ela é extraída, por exemplo, dos princípios da legalidade, moralidade e
publicidade. É que o dever de cumprir a lei e o direito confere previsibilidade à
ação dos gestores. Por sua vez, ao atender à finalidade das leis, ao buscar seguir
os conteúdos e os motivos pelos quais as leis existem, e ao se dar a público a
ciência do que a lei e o direito mandam informar, em alguma medida, atende-se
ao princípio da transparência.
A transparência pública tem sido muito associada às informações ligadas
à contabilidade, de modo a propiciar auditorias. A Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar n. 101/2000), entre outros instrumentos, trouxe inovações no
sentido de propiciar a transparência dessa seara à gestão pública brasileira.
Zuccolotto e Teixeira (2019) ressaltam a importância de acesso aos dados
do governo, de modo a nos permitir interpretá-los. Para os autores, não basta
disponibilizar a informação; é preciso dar o tratamento adequado, por quem
detém o conhecimento e a capacidade de fazê-lo, ressaltando-se também a
importância da abertura de dados do governo. Os autores também afirmam que
existem direções da transparência para cima e para baixo (transparência
vertical), para fora e para dentro (transparência horizontal).
A transparência vertical decorre do relacionamento entre os burocratas
e o governo – transparência para cima; quando os administrados podem
observar a ação dos governantes, tem-se a transparência para baixo. A
transparência para fora – também chamada de transparência horizontal –
“ocorre quando o subordinado consegue observar o que está acontecendo além
da organização” (Zuccolotto; Teixeira, 2019, p. 41). Essa transparência é útil
tanto no plano interno quanto no internacional, pois dá suporte a estratégias
políticas, econômicas e orçamentárias.
A transparência para dentro (outro tipo de transparência horizontal) ocorre
quando quem está de fora da organização consegue observar o que acontece
dentro dela. Ela dá ensejo a legislações que direcionam o comportamento, como
leis de acesso à informação. Tal tipo de transparência permite olhar para dentro
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da atividade da administração, desenvolvendo mecanismos de controle social
(Zuccolotto; Teixeira, 2019).
NA PRÁTICA
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deferência aos princípios da universalidade, do orçamento bruto e da
transparência na gestão fiscal. (TCU. Acórdão n. 1618/2018. Plenário.
Relator: Vital do Rêgo)
Noutro exemplo:
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
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