Nº 4 ABRIL-JUNHO 1963
ENSAIOS
DOCUMENTOS – ESTUDOS
RESENHAS
CONSELHO CONSULTIVO
COMISSÃO DE REDAÇÃO
Conscientização e Alfabetização
Uma nova visão do Processo
suas relações – com que marca o mundo seja o Trânsito mais do que estas. Ele implica
refazendo-o e com o que é marcado – que realmente nesta marcha acelerada que a
não permite a “estaticidade” das sociedades sociedade à procura de novos temas e de
nem das culturas.
novas tarefas. E se todo Trânsito é mudança,
É na medida em que cria, recria e
nem toda mudança é Trânsito.
decide vão se conformando as épocas
históricas. E é também criando, recriando e As mudanças se processam numa
decidindo que o homem participa dessas mesma unidade de tempo sem afetá-la
épocas. E o faz melhor toda vez que, profundamente. É que elas se verificam
integrando-se ao espírito delas, se apropria de dentro do jogo normal resultante da própria
seus temas fundamentais, reconhece suas busca dos temas em plenitude. Quando
tarefas concretas.
porém estes temas iniciam seu esvaziamento
Saliente-se, desde que já, a necessidade e perdem sua significação e novos temas
permanente de uma atitude crítica, somente emergem, a sociedade começa a passagem
como poderá o homem realizar sua vocação para outra época.
natural de integrar-se, apreendendo temas e
tarefas de sua época. Esta, por outro lado, se Nestas fases, mais do que nunca, se faz
realiza à proporção que seus temas são indispensável a integração. Vive hoje o
captados e suas tarefas são resolvidas. E se Brasil, exatamente, o Trânsito de uma para
supera na medida em que temas e tarefas já outra época.
não correspondem a novos anseios Daí não ser possível ao educador – hoje
emergentes. Anuncia-se neste momento o mais do que ontem – discutir o seu tema
Trânsito para uma nova época. específico, desmembrado do tecido geral do
Uma época histórica representa assim novo clima cultural que se instala, como se
uma série de aspirações, de anseios, de pudesse ele operar isoladamente.
valores, em busca de plenificação. Formas de E que temas e que tarefas teriam sido
ser, de comportar-se, atitudes mais ou menos esvaziados na sociedade brasileira, de que
generalizadas e a que apenas os decorressem a superação de uma época e a
“antecipacios” opõem dúvidas e sugerem passagem para outra? Todos os temas e todas
reformulações. as tarefas características de uma “sociedade
A passagem de uma para a outra época fechada”.
A nossa preocupação hoje – de resto
se caracteriza por fortes contradições que se
difícil – será a captação de novos anseios que,
aprofundam com o choque entre valores
consubstanciando-se, nos levarão a uma
emergentes em busca de afirmação, de sociedade aberta e, distorcendo-se, poderão
plenificação, e valores do ontem, em busca levar-nos a uma sociedade de massas em que,
de preservação. descriticizado, quedaria o homem acomodado
Quando isso ocorre, instala-se o e domesticado.
Trânsito. Verifica-se um teor A educação, por isso, no Trânsito que
preponderantemente dramático a impregnar vivemos, se faz uma tarefa altamente
as mudanças de que se nutre a sociedade. importante. A sua instrumentalidade
decorrerá sobretudo da capacidade que
Porque dramático fortemente desafiador e o
tenhamos de nos integrar com o trânsito
Trânsito se faz então enfaticamente optativo.
Daí que, nutrindo-se de mudanças
PAULO FREIRE
NOTAS
(1) - "O animal se encontra ante seu contorno, questões que lhe são suscitadas.
ao qual está ligado inconscientemente. O homem É evidente que o conceito de intransitividade
cria nesta ligação, que também lhe é própria, e, não corresponde a um fechamento absoluto do
transcendendo dela, seu contorno. A vida em um homem dentro dele mesmo, esmagado, se assim
contorno que ele mesmo cria é o sinal distintivo o fosse, por um tempo e um espaço todo
de seu ser humano. No que o homem produz se poderosos. O homem, qualquer que seja o seu
encontra a si mesmo, não só por se haver estágio, é um ser aberto. Ontologicamente
libertado da necessidade, mas também pelo fato aberto. O que pretendemos significar com a
de sua complacência na beleza, na adequação, na consciência intransitiva é a limitação de sua
forma de suas gerações, na forma de suas esfera de apreensão. É a sua inaudição a
criações. O homem aumenta sua realidade estímulos situados fora da órbita vegetativa.
mediante a ampliação de seu contorno. O homem Neste sentido e só neste sentido, é que a
não é um ser de instintos nem só um ponto de intransitivação representa um quase
inteligência, mas um ser que, por assim dizer, incompromisso com a existência. O
transcende de si mesmo". Jaspers, Karl, Origem discernimento se dificulta. Confundem-se as
y Meta de La Historia - pg. 11, 130·1. notas dos objetos e dos estímulos do contorno e
o homem se faz mágico.
(2) - A rebelião se caracteriza por um Na medida em que o homem amplia o seu
conjunto de disposições mentais ativistas, poder de captação e de resposta às sugestões e
nascidas dos novos estímulos característicos da às questões que partem de seu contorno e
sociedade em aprendizado da “abertura”. A aumenta o seu poder de “dialogação” não só
“emersão” um tanto brusca feita pelo povo de com o outro homem, mas com o seu mundo, se
seu estágio anterior de imersão em que não transitiva. Seus interesses e preocupações se
realizara experiências de participação, deixa-o alongam a esferas mais amplas do que à simples
mais ou menos atônito diante das novas esfera biologicamente vital.
experiências em que engaja: as de participação. Esta transitivação da consciência
A rebelião é ainda fortemente ingênua. permeabiliza o homem, leva-o a vencer o seu
Bem razão tem Zvedei Barbu que em quase incompromisso com a existência,
Problems of Historical Psychology afirma: característico da consciência intransitiva e o
“Não há mente nenhuma que seja só o que é, compromete quase totalmente. Por isso mesmo
mas sobretudo o que foi”. é que existir é um conceito dinâmico. Implica
A atitude de pura rebelião pode se identificar numa dialogação eterna do homem com o
com a de subversão, no sentido mais adiante homem, do homem com a sua circunstância. Do
esclarecido, oposta à de revolução. homem com o seu Criador. É essa dialogação
do homem em torno de seu contorno, das
(3) - Uma comunidade preponderantemente “sugestões” e até com as “sugestões” que o faz
“intransitivada” se caracteriza pela quase histórico. Por isso nos referimos ao quase
centralização dos interesses do homem em torno incompromissodo homem intransitivamente
de formas mais vegetativas de vida. Pela consciente com a sua existência. E ao plano de
extensão do raio de captação a essas formas de vida mais vegetativo que histórico,
vida, quase exclusivamente. Suas preocupações característico da intransitivação.
se cingem mais ao que há nele de vital, Esta consciência transitiva é, porém num
biologicamente falando. Falta-lhe teor de vida primeiro estágio, predominantemente ingênua.
em plano mais histórico. É a consciência A transitividade ingênua, fase em que nos
predominante, ainda hoje, dos homens de zonas achamos hoje nos centros urbanos, mais
fortemente atrasadas do país. enfática alí, menos aqui, se caracteriza pela
Esta forma de consciência representa um simplicidade na interpretação dos problemas.
quase imcompromisso entre o homem e a sua Pela tendência a julgar que o tempo melhor foi
existência. o tempo passado. Pela transferência da
responsabilidade e da autoridade, ao invés de
Por isso, adstringe o homem a um plano de sua delegação apenas.
vida mais vegetativa. Pela subestimação do homem comum. Por
Circunscreve-o a áreas estreitas de interesses uma forte inclinação ao “gregarismo”,
e preocupações. E a consciência dos homens característico da massificação.
pertencentes àquelas coletividades que Fernando Pela impermeabilidade à investigação, a que
de Azevedo chamou de “delimitados” e corresponde um gosto acentuado pelas
“dobrados sobre si mesmos”. explicações fabulosas. Pela fragilidade na
Escapam ao homem intransitivamente argumentação. Por forte teor de
consciente a apreensão de problemas que se emocionalidade. Pela desconfiança de tudo o
situam além de sua estreita esfera que é novo. Pelo gosto, não propriamente do
biologicamente vital. Daí implicar numa debate, mas da polêmica. Pelas explicações
incapacidade de captação de grande número de mágicas. Esta nota mágica, típica da
intransitivação, perdura em parte na
transitivação.
PAULO FREIRE
RESUMÉ
L’AUTEUR présente, dans ce travail, les contre les ancienses valeurs qui echerchent
fondements philosophique d'un nouveau leur propre préservation. C'est précisement ce
système d'éducation d'adultes, fait par lui qui arrive au Brésil d'aujourd' hui. Le pays
même. Son point de vue est strictement passe d'une société fermée à une société
réaliste: la réalite est plus qu'objective, elle ouvert. Un passage dont le poit de départ est
est aussi cognoscible. D'après l'auteur les une société fondée sur l' esclavage, dont le
choses se passent de telle façon que l'homme centre des décisions économique et culturelle
n'est pas seulement dans la réalité, mais aussi était hors du territoire du pays, une société
avec elle. "Conséquemment", dit-il, “l'homme qui était en fait l'objet et non proper destin
est un être de rélations, et pas suelement un historique, sans un peuple, sans une vie
être de simples contacts”. Son aptitude à urbaine significative et avee des index
saisir la réalité fait de lui un être de simples éffrayants d'analphabétisme.
contacts". Son aptitude à saisir la réalité fait Le plus grand défi de l'éducateur brésilien
de lui un être plutôt critique. II est donc est desmontrer que _ cette ouverture de la
capable de distinguer ce que l'auteur appelle société brésilienne est maintenue par un
“les différentes orbites existencielles”, en procédé progresssif de démocratisation
quoi faisant sa nature temporelle. L'homme fondamentale, dans l'expression de
est ainsi plus qu'un être de relations, parce Mannheim. Cela signifie l'éducation des
qu'il est éssentiellement un être historique. populations pour de Mannheim. Cela signifie
II passe apres à une analyse du procés l'éducation des populations pour qu'elles
historique, que contient ce que nous pouvons devien nonl conscientes de leur proper état'
appeler sa “théorie du transit”. La société ce qui revient àdire que ce qui est le plus
marche d'accord avec le temps. Le passage nécessaire est une éducation pour le
d'un temps historique particulier au suivant développement sócio-économique. du Brésil.
est, souvent, marqué de profondes Une éducation dans la quelle des fafits
contradictions qui surgissent du choc des comme la démocratisation, les réformes
nouvelles valeurs qui cherchent à s'affirmer sociales si necessaires et urgente, ne peuvent
pas être cachés.
Le systeme de l'auteur est né pourt
repondre à
Conscientização e Alfabetização
ABSTRACT
IN RIS P APER the author lays the philosophical fundamental democratization, to use
foundations of a new system of adult education Mannheim's expression. And this means to
he has developed. His standpoint is a estrictly educate the populations with a view to turning
realistic one, in which he affirms that reality is them conscious of their own status, which
not only objective, but also cognizable. As he amounts to saying that what is most needed is an
puts it, things seem to happen in such a way that education for the socio-economic development
man is not only in reality, but also with it of Brazil. An education in which facts like
”Hence”, he says, “the being of relations he is, democratization and the badly needed social
and not only (a being) of mere contacts”. Man's reforms are never to be averted.
ability to apprehend reality is of such a nature as The author's adult education system was
to make him a predominantly critical being. He is born to meet this specific challenge. His long
thus able to distinguish what the author calls experience with laborers and Northeastern
“different existential orbits” and in so doing he peasants led him to devise a method of literacy
betrays his temporal nature. Man is thus more teaching in which the illiterate would firstly
than a being of relations, because he is an become aware of his reality, through a detailed
essentially historical being. but rather informal discussion of his own socio-
From there the author goes into an analysis of economic problems, and only then start learning
the historical process in what we might call his how to read and write words chosely associated
transition theory. 50ciety changes, as time goes with these problems. A pedagogy entirely based
by. The passage of one particular historical time upon a frank dialogue with the iliterates, in
onto the next is often marked by profound which the objective is to lead them to motivate
contradictions which stem from the clashing of themselves and from there to educate
newly emergent values that seek to affirm themselves.
themselves againts old values that seek their own A consideration of the work of the author's
preservation. This is precisely what is happening team at the Cultural Extension Division of the
to Brazil nowadays. The country is undergoing a University of Recife is next presented in an
transition from the closed society it used to be to atempt at showing how certain linguistic and
an open one. A transition whose starting phase is psychological techniques have been used in
a society based on slavery, with its economic and order to simplify and greatly reduce the number
cultural center of decisions on the outside of the of words actually needed to teach adults the
country's territory, a society which was actually syntactical mechanics of the Portuguese
object and not the true subject of its own language. This way literacy has been taught in
historical destiny, without people, without any record times of 30 to 40 hours of work, after
significative urban life and showing alarming which the adult not only can read and write but
illiteracy rates. also is capable of understanding his world better
Brazilian educator's greatest challenge is by means of the continuous but informal
then to see to it that this opening of Brazil's discussions of political, sociological and cultural
society is assured through a progressive process problems he has been through during his
of learning experience.
JARBAS MACIEL
cegueira espiritual e embrutecidos no (2) . Não foi outra a conclusão a que chegou,
abandono de uma forma de escravização entre nós, em “A Questão da Universidade”, o
social e econômica. Parece uma ironia que Profº Álvaro Vieira Pinto, da Faculdade
esses 99% do povo brasileiro devessem, Nacional de Filosofia e do ISEB (Instituto
mesmo alienados da Universidade, sustentá-la Superior de Estudos Brasileiros).
social e economicamente. Entretanto, assim o Foi esse, portanto – e ainda está sendo –
é. A extensão, por conseguinte, para ser o ponto de partida do SEC, ao lado de seu
verdadeiramente funcional, deve estar voltada esforço em levar a Universidade a agir junto
para esses 99 % a imensa maioria do povo ao povo através de seus Cursos de Extensão
brasileiro – no sentido de saldar, (nível secundário, médio e superior), de suas
simplesmente, uma pesada dívida que não é palestras e publicações e, por fim, de sua
apenas acidental e nem recente, porque é uma “Rádio Universidade”. Todavia, o SEC não
dívida histórica. Quando fazemos extensão poderia fazer do Método de Alfabetização de
cultural nestes termos, estamos lutando Adultos do Profº Paulo Freire sua única e
inclusive contra os erros e os vícios de nosso exclusiva área de interesses e de trabalho. A
passado colonial. alfabetização deveria ser – e é – um elo de
O papel do SEC da Universidade do uma cadeira extensa de etapas, não mais de
Recife, assim situado e datado no panorama um método para alfabetizar mas de um
atual da realidade brasileira, é o de uma cunha sistema de educação integral e fundamental.
na rachadura da Universidade, tendente a Vimos surgir, assim, ao lado do Método Paulo
parti-la numa abertura cada vez mais ampla Freire de Alfabetização de Adultos, o Sistema
para os anseios, as necessidades e os Paulo Freire de Educação, cujas sucessivas
problemas concretos da imensa maioria do etapas – com exceção da atual etapa de
povo. Temos a animar e a inspirar o nosso alfabetização de adultos – começam já agora a
trabalho titânico, contra o indiferentismo e, às ser formuladas e, algumas delas, aplicadas
vezes, a hostilidade de pequeníssimas experimentalmente, desembocando com toda
minorias altamente privilegiadas, a certeza de a tranqüilidade numa autêntica e coerente
que, através da democratização da cultura, Universidade Popular.
estamos contribuindo ativamente para o bem O Sistema Paulo Freire de Educação é,
comum. assim, na perspectiva que nos abre a filosofia
Interessou-nos, assim, começar desenvolvimentista nacional, uma das
realmente do começo. Num país como o poderosas ferramentas da praxis que estava
nosso, caberia à Universidade, através da faltando ao ISEB, pois / que ambos – SEC e
extensão e empenhada em democratizar a ISEB – se completam na fase atual da
cultura, voltar-se inicialmente, com todas as revolução brasileira.
suas forças, contra o analfabetismo. Esta A primeira etapa do Sistema – já
experiência está fadada a ser uma constante formulada e, presentemente, em estágio
dos chamados países subdesenvolvidos, como experimental – é a de alfabetização infantil.
bem o demonstra a Universidade Popular
“Nova et Vetera” de Yaundê, no Carmerun
(África)
Fundamentação Teórica do Sistema
os quais se comunica, o artista faz com do conhecimento. Foi assim que, na atual
que a cultura se volte dialeticamente sobre fase de alfabetização, como veremos mais
a consciência, enriquecendo-a. A adiante em maior detalhe, encontramos
linguagem, por exemplo – principal canal ampla aplicação da Lógica e da Logística
de comunicação e de transmissão do na análise do material e das situações
conhecimento e da cultura – deixa de ser encontradas e na etapa seguinte (a 3ª- ciclo
meramente um sistema de sinais para ser primário). Vimos, entre outras coisas, como
o meio sensível de uma forma de Arte, o o axioma de redutibilidade de Bertrand
veículo da criação estética, numa palavra, Russel, desenvolvido em sua “Introdução à
deixa de ser meramente linguagem para Filosofia Matemática” e nos memoráveis
ser Literatura. “Principia Matemática” (12), juntamente
A Arte, por conseguinte, é talvez o com o conceito e a técnica lingüística dos
mais preferível dos veículos da chamados vocabulários mínimos das
democratização da cultura e, de todas as ciências, desenvolvidos em “O
artes, é o teatro a que mais comunica, Conhecimento Humano seus objetivos e
dado que representa uma síntese seus limites”, vinham em nosso auxílio não
harmoniosa e orgânica – isto é, é mais do só para explicar a grande originalidade do
que mera soma – de todos os canais de método de alfabetização de adultos do
comunicação possíveis. Profº Paulo Freire – precisamente aquilo
Entretanto, não é esta a única razão que o fazia superar a cartilha e obter a
para preferirmos o teatro às demais alfabetização em tempo “record” de 28 a
formas de Arte isoladas. Em realidade, o 40 horas – como também para servir de
teatro contém, dentro de si, todas as poderosas ferramentas na formulação e
esferas da interação entre o homem e a realização das etapas seguintes do Sistema
natureza, entre o homem e o até à universidade popular. Isso tudo será
conhecimento e a cultura, entre o homem explicado em detalhe mais adiante. Por
e a educação, entre o homem e a própria enquanto, baste-nos comentar que,
democratização da cultura e da educação. ajudados pela equipe da CEPLAR
A etapa atual de nosso trabalho no SEC – (Campanha de Educação Popular – Estado
alfabetização de adultos – surgiu não da Paraíba, João Pessoa), aceitamos a sua
como uma fórmula implantada excelente sugestão de que a etapa de
arbitrariamente de cima para baixo, a educação primária deveria toda ela girar em
partir de nossos gabinetes, mas como uma torno de um livro, que seria uma antologia,
resposta a um desafio concreto. Ao uma espécie de “manual de capacitação
crescer o método de alfabetização do cívica”. O homem, depois de alfabetizado,
Profº Paulo Freire e ao tornar-se num está em condições de ler e escrever. Se a
verdadeiro sistema de educação, cartilha havia sido totalmente eliminada,
desembocando tranqüilamente numa tendo sido colocados em seu lugar bilhetes
autêntica universidade popular através da e cartas escritas pelos próprios adultos de
extensão cultural transitiva – isto é, outros círculos de cultura, além de um
inserida no trânsito brasileiro – “jornal” – o “Páu de Arara” em Angicos –
começamos a abrir novas frentes de
trabalho nos mais variados departamentos
JARBAS MACIEL
redigido com material criado por eles Ora, dar-lhes unicamente para ler
mesmos, agora se fazia necessária a textos programados (pela nossa equipe, a da
utilização de seu novo instrumental CEPLAR ou outra qualquer equipe) seria
intelectual através de um livro bem pouco. Desta maneira, fomos levados à
programado que mantivesse e garantisse a conclusão de que deveríamos desenvolver a
continuidade do processo de educação técnica de redução a vocabulários mínimos
integral. Significativamente, a equipe da de modo a aplicá-la eficientemente à
CEPLAR escolheu para tema do primeiro redução de textos originais da Literatura-
“manual de capacitação”, o título sugestivo BrasIleIra e, mais adiante, da Literatura
e profundamente bem intuído, como Universal.
veremos logo a seguir, de “Força e Surgiu, assim, um dos campos mais
Trabalho”. (13) novos, mais urgentes e mais fascinantes da
De fato, a etapa anterior havia toda atividade do SEC na construção do novo
ela girado em torno da relação sujeito/ Sistema de Educação: o da Teoria e Prática
objeto, em seus múltiplos aspectos. O da Redução de Textos a Universos
homem diante da natureza. A natureza Vocabulares Limitados, em função dos
agindo sobre a consciência, universos vocabulares dos adultos recém-
impressionando-a, estimulando-a, alfabetizados.
desafiando-a. O conhecimento.
Estes poderão ler não somente seus
A etapa seguinte deveria, então, girar
“manuais de capacitação” – “Força e
toda ela ao redor do movimento de retorno:
Trabalho”, por exemplo - mas também “Os
a consciência agindo de volta,
Sertões” (2.a parte) de Euclides da Cunha,
dialeticamente, sobre a natureza,
“Os Capitães de Areia” de Jorge Amado,
transformando-a, conquistando-a. O
trabalho. “Menino de Engenho” de Lins do Rego,
Na segunda etapa (alfabetização), o alguns “Sermões” de Vieira etc., reduzidos
“eit-motiv” é o conhecimento, se bem que todos eles a universos vocabulares limitados
este não surja isolado, mas complementado a 500, 1.000 ou 2.000 palavras.
com as reduções aos vocabulários mínimos Pois bem, é fácil de ver como, num
VERBAIS das chamadas Ciências do plano de educação de adultos como este –
Homem (Antropologia Cultural, um plano essencialmente de emergência, na
Sociologia, Política, Geografia Humana e expressão do Profº Jomard Munir de Britto,
Econômica etc). da equipe do SEC – estamos diante de
homens analfabetos, semi-analfabetos e
Na terceira etapa (educação recém-alfabetizados. Assim, ocorreu-nos a
primária), o “leit-motiv” é e só poderia ser idéia de que seria preciso reduzir talvez de
o trabalho, não isolado, mas maneira muito especial os textos utilizados
complementado com as reduções aos
para o teatro. Em conversa com o
vocabulários mínimos – agora não mais
dramaturgo Ariano Suassuna (14) tivemos
simplesmente em forma verbal, uma vez
nossa atenção dirigida para o teatro medieval
que os adultos já sabem ler, mas
cujos textos, segundo ele, eram reduzidos a
ESCRITOS – das Ciências do Homem
(incluindo a filosofia do desenvolvimento,
SUDENE etc.).
Fundamentação Teórica do Sistema
de vários modos ao fator abiótico. É possível de sinais (sons, letras, símbolos, gestos)
relacionar esta . propriedade, entre outras capazes de comunicar uma mensagem (31).
coisas, com a técnica de programação das A Semiótica é a ciência que tem por
situações antropológicas e sociológicas dos objetivo o estudo geral dos sinais.
"slides" de alfabetização de adultos utilizada Neste estudo, a Semiótica utiliza uma
pelo Sistema Paulo Freire de Educação. Há linguagem em termos de que ela investiga a
muito o que investigar aqui, neste sentido. linguagem. Assim é linguagem de linguagem
Ainda uma outra propriedade, a do ou, como já vimos, metalinguagem. A
condicionamento configuracional, vem abrir Lingüística, por exemplo, é, também,
novas frentes de trabalho de pesquisa metalinguagem, mas de ordem inferior à da
psicológica: vários sinais (fatores abióticos) e Semiótica. A Gramática é, também, uma
não mais um apenas, são utilizados para a metalinguagem, mas de ordem inferior à da
montagem de um reflexo condicionado; Lingüística e, com mais razão, à da
depois de certo tempo, este só será evocado Semiótica.
pela aplicação do conjunto completo de A Semiótica estuda não só o sinal, mas
sinais, e não por estes sinais em separado. a sua significação.
Esta propriedade oferece um método objetivo O sinal pode ser elementarmente
com o auxílio do qual se poderá investigar o definido como fenômeno sensível, exterior e
processo de aquisição de "fôrmas" e objetivo, que comunica a idéia de outro
"campos", de estímulos relacionados com fenômeno não necessariamente sensível ou
uma dada resposta ou a uma conduta toda objetivo durante a comunicação.
durante situações típicas de aprendizagem. A A significação é a propriedade do sinal
propriedade que têm os reflexos
de sugerir a idéia representativa do fenômeno
condicionados de se organizarem em
de que é sinal.
contagens cada vez mais complexas - os
Há um vínculo que liga o sinal de um
chamados CONDICIONAMENTOS DE
fenômeno, a idéia deste fenômeno e o
ORDEM SUPERIOR - já foi por nós
fenômeno mesmo. É com base neste vinculo
utilizada quando armamos o modelo
semiótico que postulamos a objetividade da
reflexológico a· partir do qual interpretamos
realidade exterior, a possibilidade do
as sucessivas montagens de subsistemas de
conhecimento (cuja fonte está nessa
sinalizações como o processo mesmo de
realidade) e a objetividade do conhecimento.
ampliação e desenvolvimento do segundo
Historicamente, as concepções filosóficas que
sistema de sinalizações.
não partem deste postulados - os quais
constituem a base lógico - gnoseológico do
realismo - têm, por falta mesmo daquele
4. Semiótica vínculo semiótico, caído nas mais variadas
formas de idealismo (agnosticismo, nihilismo,
A linguagem, principal veículo do dogmatismo, relativismo, etc.) e tendido
conhecimento e canal. de comunicação da fatalmente para o chamado verbalismo,
cultura, é, em última análise, um conjunto desvinculado, oco, vazio, as palavras
JARBAS MACIEL
que, por sua vez, representam os blocos Gerbner avançou um modelo verbal da
elementares em que se decompôs a comunicação: "alguém percebe um
informação da mensagem. acontecimento/ e reage/ numa situação/
A terminologia usada, até agora, trái o através de algum meio/ de modo a fazer
fato de que estamos trilhando os caminhos de materiais á disposição/ de algum modo/ e num
um novo campo científico: o da Teoria de certo contexto/ transmitir uma mensagem/ de
Comunicação, tributária da Filosofia dos alguma conseqüência". Para ele, comunicação
Sistemas ou, se se quizer, Cibernética. representa em última análise troca de energias
ou informação entre sistemas. Para King ( 39),
Somente agora, entretanto, teria sentido
um tal modelo acha-se visceralmente ligado
definir comunicação e os demais conceitos
ao conceito de "estrutura de acontecimentos"
com ela relacionados. Para Gerbner (37),
de Allport (40).
"qualquer teoria da comunicação ... envolve o
estudo da troca de energia e informação ... O interesse que o "modelo verbal" da
entre sistemas. Está interessada nos estados comunicação de Gerbner tem para nós é o 5.0
dos sistemas e nas mensagens" (os grifas são, elo da seqüência: /"através de algum meio" /.
em parte, nossos). Comunicação é, pois, troca Estes "meios" são os canais de comunicação,
de informação. Mc Donald define o chamado que correspondem aproximadamente, às
"ato comunicativo" como "... qualquer modalidades sensoriais e suas combinações
comportamento observável por meio de que a (principalmente a Visão e a audição).
informação é transmitida de uma fonte para E. J. McCormick (41) sintetiza bem as
um recipiente humano" (38). A fonte pode ser características dessas modalidades sensoriais
um programa de rádio, um filme, um (visão e audição), de interesse para a Teoria
professor dando uma aula, ou um "slide" de da Comunicação: a) os estímulos auditivos
alfabetização e o coordenador na aplicação do são essencial-, mente temporais, ao passo que
método de alfabetização do Sistema Paulo os visuais são essencialmente espaciais; b) os
Freire. Ao lado do ato comunicativo, assim, estímulos auditivos atingem o recipiente
há o ato de aprendizado, intimamente humano em seqüência no tempo, ao passo que
relacionados. os estímulos visuais o fazem em seqüência ou
em simultaneidade; c) os estímulos auditivos
É preciso, portanto, considerar que, do têm pobre "referibilidade", isto é, tendem a
ponto de vista da Educação, importa em "desaparecer" rapidamente da mente
distinguir entre o "encoding" de informação receptora, o oposto acontecendo com os
na apresentação de uma mensagem que se estímulos, que permanecem indefinidamente
quer comunicar, e os processos de "decoding" se assim se quiser; d) os estímulos auditivos
de informação próprios do recipiente da oferecem poucas possibilidades para a
comunicação. Em outras palavras, há que codificação da informação a comunicar, ao
levar em conta a relação entre as chamadas
"variáveis de apresentação", da mensagem, e
as “variáveis individuais”, que interagem
durante a comunicação.
Fundamentação Teórica do Sistema
I)(palavra) - (imagem)
sobre o visual (pictórico), reduzindo ou II)(palavra) - (palavra)
anulando o aprendizado. A interferência III)(imagem) -(palavra)
entre canais de comunicação pode ser IV)(imagem) - (imagem)
induzida, inversamente, a partir de uma
péssima programação do "slide", ou devido Destas associações, a melhor é a
à extrema dificuldade da informação III), isto é, a imagem primeiro, depois a
programada no "slide". palavra. A pior associação é a I), palavra
A interferência de canais de primeiro e imagem depois. A associação
comunicação pode gerar um outro IV) parece ser um tipo intermediário.
problema, não menos importante: o da
Não é outra a técnica de associação
alternância . da atenção do recipiente (p.
utilizada pela nossa equipe. A imagem
ex.: o alfabetizando) ora num canal (o
primeiro, com toda uma situação
"slide", por exemplo), ora noutro (o áudio
antropológica e sociológica. Depois é que
emitido pelo coordenador de debates).
se faz a associação da palavra à situação,
Informações não relacionadas, no canal
ou detalhe da situação.
visual e no canal auditivo, tendem a causar
Finalmente, um outro aspecto
alternância da atenção. Se os efeitos da
fundamental ao aprendizado audiovisual:
interferência e da alternância são levados a o da participação dos recipientes na
um máximo, o aprendizado decrescerá transferência de informação dos "slides"
progressivamente, em proporção, até se onde está programada a codificação
anular, através da distração do recipiente (o compactamente, para si mesmos, através
alfazetizando). do diálogo franco, sem-cerimônia. Este
Um recurso utilizado com grande aspecto põe em evidência a questão da
sucesso pelo Método Paulo Freire de motivação no processo de aprendizado.
Alfabetização de Adultos foi o do No Sistema Paulo Freire de Educação a
aprendizado pela associação, em que parte motivação é despertada no recipiente
da informação comunicada é aprendida através da participação ativa, como
como uma resposta a outra informação, e sujeito criador e, por isso, está
assim por diante, formando uma cadeia de intimamente ligada à utilização da
informações de que o alfabetizando se pragmática existencial-social transitiva
apropria progressivamente. Ao cabo de das palavras para alfabetização e dos
certo tempo, qualquer informação-estímulo conceitos, interpretações, teorias e
de um "slide" (por exemplo, uma situação sistemas filosóficos utilizados para a
sociológica) provocará fácil e rapidamente extensão cultural em todos os níveis
a informação -resposta da parte do recém (popular, secundário, médio e
alfabetizado. universitário).
De acordo com Lumsdaine (43) , há Há outros aspectos igualmente
quatro maneiras distintas de se associar importantes e fundamentais para o
palavras (faladas ou escritas) e imagens: Sistema, que a Teoria da Comunicação
revela. Como por exemplo o da
interpretação do papel mediador da
JARBAS MACIEL
(1) vd. RENEE PETERSEN and WILLIAM (14) Professor de Estética, da Faculdade de
PETERSEN, "University Adult Education A Filosofia
guide to policy", p. 52 e ss., Ed. Harper & de Pernambuco da UR.
Brothers, New York, 1960. (15) SORTAIS, "Manuel de Philosophie", Pa-
ris, P. Lethielleux, 1907, p. 226.
(2) vd. "L'Université Populaire Nova et
Vetera", in Dévelopment et Civilization (IRFED), (16) BERTRAND RUSSEL, "O
n. o 11, Juillet - Septembre 1962, pp. 111·112.
Conhecimento Humano".
(3) 28 a 40 horas.
(17) idem, ob. cito (18) idem, ob. cito
(4) 8 a 10 meses.
(19) Professor ABIDIAS MOURA. da Cadeira
(5) o primeiro destes manuais é um pequeno de Sociologia da Faculdade de Filosofia de
livro, planejado e inteiramente realizado peIa Pernambuco da Universidade do Recife
equipe da CEPLAR (João Pessoa - Est. da vd. "Introdução à Análise Sociológica".
Paraíba), com o título "FÓRÇA E TRABALHO".
(20) vd. P. BOEHNER, O. F. M., "Medieval
(6) V. I. LENIN, in "Cadernos Filosóficos": Logic", The University of Chicago Press, 1952.
"Diante do homem se estende uma rede de (21) PAVILOV, "Obras completas".
fenômenos naturais. O homem instintivo, o
selvagem, não se liberta da natureza. O homem
consciente se eleva acima da natureza, (22) F. V. KONSTANTINOV, "Los
dominando-.a; as categorias são os de. graus de Fundamentos de Ia Filosofia Marxista", Ed.
sua elevação, isto é, do conhecimento do Grijalbo, 1960.
universo".
(23) KONSTANTlNOV, ob. cito p. 170.
(7) I. P. FROLOV, "A Cibernética Moderna e
o Cérebro Humano", Ed. Alba, p. 134. (24) ido ob. cito
(8) J. BULLAUDE, "EI Nuevo Mundo de Ia (25) FROLOV, "A Moderna Fisiologia do Siso
Imagen", colo La Escuela en el tiempo, EU- tema Nervoso e a Cibernética", em "A Cibernética
DEBA, Buenos Aires, 1962. e o Cérebro Humano", Ed. Alba, Rio de Janeiro,
p. 129.
(9) Compare com Pascal: "O coração tem suas (26) FROLOV, ob. cito (27) ido ob. cito
razões, que a própria razão desconhece."
(28) ido. ob. cito.
(10) KARL MANNHEIM, "Ensaios de
Sociologia da Cultura", trad. espanhola (Aguilar), (29) ido ob. cito
1957, pp. a 241 e ss.: "A democratização da
cultura" (3. parte). (30) vd. E. R. HILGARD, "Theories of
Learning" (1956) e J. McGEOGH and A. L.
(11) vd. CARL COHEN, "The Military in a IRION, "The Psychology of Human Learning"
Democracy", in The Centennial Reviev, Michigan (1952), New York, Macmillan.
State University, Winter 1963, pp. 75.94.
(31) FERRATER MORA, "Lógica
(12) B. RUSSEL, "The Principles of Matemática", p. 9, Fondo de Cultura Econômica,
Mathematics" (Cambridge, 1903); "An México - Buenos Aires, 1955.
Introduction to Mathematical Philosophy"
(Cambridge, 1905); "Principia Mathematica", (32) E. CANNABRAVA, "Elementos de
com ALFRED NORTH WHITEHEAD Metodologia Filosófica", p. 4, Ed. Nacional, São
(Cambridge, 1910, 1912 e 1913); "Human Paulo, 1956.
Knowledge, its scope and limits" (tradução para o
português da Companhia Editora Nacional, 1958).
(33) FERRATER MORA, ob. cit., p. 18.
(13) a terceira etapa (educação primária) do
Sistema está sendo aplicada agora pela equipe da (34) idem. ob. cito
CEPLAR, em João Pessoa. (35) vd. DAVID ELLIS e FRED LUDWIG,
“Systemes Philosophy”, pp 13-16, Prentice Hall
Fundamentação Teórica do Sistema
Allport Concept of Structure", A V
Space Technology Series, New Jersey, Communication Rev., v. 9, n. 5, p. 128.
1962. 1961.
(36) Ver FRANK R. HARTMAN, "Single and (40) F. ALLPORT, "The Structuring of Eventa:
Multiple Channel Communication: A an Outline of a General Theory with
Review of Research and a Proposed Application to Psychology". The
Model", in AV Communication Review. Psychology Review, 61 - 281 :303,
Vol. 9, 1961, n. 5, p. 255. September, 1954.
(37) G. GERBNER, "Toward a Theory of Com- (41) E. J. McCORM1CK "Human
munication", Doctor's thesis, University Engineering", New York, McGraw-Hill,
of Southern California, 1955. 1957.
(38) F. J. McDONALD, "Motivation and the (42) FRANK R. HARTMAN, ob. cito
Communication Process", A V
Communication Review, vol. 9, n. 5, p. (43) A. A. LUMSDA1NE, "The Effectiveness
58. 1961. oi Pictures versus Printcd W ords in
(39) W. KING, "Communication Theory and Learning Simple Verbal Associations",
Stanford University, 1949), in A V
the Communication Review, v. 9, n. 5, 1961.
RESUMÉ
L'AUTEUR montre comment l'experience sous la direction de M. Paulo Freire, y est
d'éducation d'adultes dans le Service d'Extension démontré. Dans son exposé sur les fondements
de l'Université (Recife) a pu contribuer à une théoriques d'un systeme éducatif pour les
vision renouvellée et actualisée du adultes envisageant le développement social et
perfectionnement uni versitaire tel qu'elle doit économique, l'auteur emploie des procédés tels
être faite dans un pays en développement que la Logique Mathématique, la Théorie de la
comme le Brésil. Conséquemment le Connaissence, Ia Théorie de l'Apprentissage,
perfectiennement est envisagé non pas com me celle de la Linguistique et la Théorie de la
un moyen en plus pour les activités externes de Commullication. Il emploi un "type" de réfIexe
l'université, mais comme un nouveau pas vers la conditionné des procédés d'apprentissage pour
démocratisation de la culture. L'alphabétisation adultes, basé sur de récents élargissements des
serait le vrni point de départ pour un tel éffort de théories de Pavlov. II emploie également un
démocratisation, surtout dans un pays òu se "modele" linguistique dans lequel sont
trouve un pourcentage si élévé d'analphabétism appliqués l'axiome de la réductibilité et la
(environs 50% de toute Ia population, dans le théorie des vocabulaires syntétisés de Bertrand
Nord-est). Un systeme éducatif développé par Russel, avec lesquels l'auteur semble être arrivé
l'équipe du SEC (Service d'Extension Culturelle à des résultats prometteurs.
de l'Université, Recife),
ABSTRACT
REFERÊNCIAS:
RESUMÈ
APPUYÉ sur une analyse de Jaspers, l'autur travail du MCP de Récife et de la Campagne
commence par distinguer trois situations “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”
existentielles dans le Nord-est. La premiere - la lecture pour ceux qui vont nu-pieds - de
situation c'est une situation d'émergence, où la Natal. C’est à l’intérieur de cette prémiere
plus grande lutte et même la seule lutte est situation que la culture a un caractère de
selle de la conservation de la vie. La subsistance. C’est la transmission de la
deuxième est celle de péxistence en tant que culture comme interprète des exigences
“conscience générale”, c’est à dire, ouverte à vitales et primaires – nourriture, habitation,
la connaissance de la réalité. La troisième agglomération.
c’est celle de notre capacité créatrice. Pour ce qui regarde le développement
Comment arriver à un procès éducatif capable d’une “consiènce générale” de la
de répondre à ces trois situations voilà, au comunnauté, done la deuxjème situation,
fond, la demande de l'auteur. l'auteur montre le travail du SEC de
Pour la prémiere situation l’auteur se réfere au l'Université de Recife avec ses cours
d’extension au niveau sécondaire et
universitaire.
JOMARD MUNIZ DE BIUTTO
ABSTRACT
BASlNG HIS ANALYSIS on Karl Jaspers, the much more than the previous one, in which it
author distinguishes three different dimensions definitely contributes to the rational
of life in the Northeast of Brazil. The first has clarification of the proposed problems.
got to do with a situation of emergency, in Culture, so to say, turns upon itself and
which the greatest struggle is the onne for becomes an object of analysis.
survival. The next is best defined as existence Finally, as regards the third dimension, the
itself, understood here as “consciousness in author points, on the one hand, to the editions
general”, that is, man's life open to an of the "Gráfico Amador", where the graphical
understanding of reality. The third dimension arts of printing, engraving and painting are
corresponds to man's creative activity. The actually intermingled, and, on the other hand,
question is then posed, as to how an educa- to Prof. Paulo Freire's system of adult
tional proceedure could possibly meet these education.
three challenges. And this is the question the
author has in mind. But then another question arises: how could
As a way of responding to the challenge one possibly accomplish the unification of
culture in an area in which those three
implicitly contained in the first of those dimensions of life present themselves in such
dimensions, the author points to the MCP great and opposing contrasts? The author
(Movement of Popular Culture) of Recife, and refers to Arnold Hauser's distinction between
to the literacy teaching campaign "Barefooted art proper, art of the people and popular art,
You Can Also Learn How to Read" of Natal. making it a special point to present his
Within the framework of this particular disagreement as to the way Hauser views the
dimension the transmission of culture latter (that art before which we find "an artisti-
represents basically a means of subsistence. It cally unproductive and essentially passive
amounts to transmiting culture at the level of public"). The author holds that the problem
the basic needs of life - eating habits, shelter cannot stop at that, because popular art seems
and sociability. to be one more chapter of what is now being
As a means to develop the “general called "mass culture" or "industrial culture",
consciousness” of the community, in other whose channels of communication must be
words, to meet the second existential situation, used in a constructive way and not simply put
the author suggests the work that is being to serve the aims of an everincreasing
carried on at the Cultural Extension Division massification. To the author the answer lies in
of the University of Recife, through its many the opening of those channels in order to serve
extension courses at the High School and the three situations previously analysed. The
College levels. As far as the transmission of aim will be the formation of an aclive,
culture gives this experience represents participating and critical public.
AURENICE CARDOSO
Conscientização e Alfabetização
Uma Visão Prática do Sistema Paulo Freire
educação de adultos, que leva os analfabetos não conhece divertimento"; "Nós vive na
não só a se alfabetizar, mas a ganharem a maior das pobreza"; "Desejo ser aboletado
consciência de sua responsabilidade social e num canto, pra não viver mais aos
política. O sistema proporciona ao homem imboléos"; "Gente pobre é mesmo do cabo
muito mais que o simples alfabetizar, pois da enxada" (Petrolina, Estado de
através da discussão de problemas locais, Pernambuco); "Pobre não tem feriado";
regionais e nacionais torna-o mais crítico e o "Quero ser gente porque gente tem uma
leva posteriormente a se conscientizar e a se classe melhor" (Ilha do Leite e Aflitos,
politizar. Recife, Pernambuco); "A terra só tem vida,
Encontramos homens que não sabiam porque o camponês trabalha"; "A união faz
quem era o presidente ou o governador, a força: se o desenhista desenha o prédio, é
completamente defasados da época atual; o operário que conhece o tijolo que constrói
interessante é observar que ao se iniciarem – é as duas forças unidas que faz o
no diálogo assumem novas atitudes e criam progresso" (Brasília, D. F.); "O povo diz
novos hábitos. que moça não tem pensá"; "Estou azeitando
O contacto inicial e direto que o eixo do sol"; "O divertimento daqui é o
estabelecemos com a comunidade é durante grilo cantando e a gente dormindo 6 horas"
a pesquisa do universo vocabular etapa (Cajueiro Seco, Jaboatão, Estado de
realizada no campo e que é a primeira do Pernambuco) .
Sistema Paulo Freire de educação de Procurando sondar um pouco o grau
adultos. de criticidade perguntamos a eles se
Não é uma pesquisa de alto rigor acreditam em mal-assombrado, caipora,
científico, não vamos testar nenhuma lobisomem; quando as respostas são
hipótese. Trata-se de uma pesquisa simples e positivas investigamos se já viram tais
que tem por objetivo imediato a obtenção personagens e onde.
dos vocábulos mais usados pela população a Alguns dizem que só têm medo de
se alfabetizar. bicho do chão. Outros que lobisomem é
Estabelecendo conversas informais contrabando. Mais ainda: "Tenho muito
com as pessoas da comunidade, referimo- medo"; "De tudo há, eu nunca vi, mas dizem
nos ao plano de alfabetização; descrevemos que há"; "Tenho impressão que faz medo"
o que é um "círculo de cultura", falamos na (Ilha do Leite e Aflitos, Recife,
projeção e nas técnicas usadas, referimo-nos Pernambuco); "Mal-assombro é pantaforma,
à rapidez com que um grupo se alfabetiza. porque alma não existe''' (Angicos, Rio
Investigamos de maneira hábil o que Grande do Norte) ; "'Falam que existe, mas
eles pensam, como vivem e o que desejam é impressão da gente"; "Nós temos que ter
ser. Respostas diversas são obtidas, como medo dos vivos" (Osasco, São Paulo).
por exemplo: Obtemos dados sobre idade,
"Vivo como andorinha, sem ter profissão, assim como opiniões sobre o
morada"; "Tirando do trabalho, gosto de plano de alfabetização; as respostas se
largar vez assim pra missa"; "Eu apaixono diversificam: "Não tenho mais idade, sou
um filme na rua"; "Aqui, a gente da caatinga
Conscientização e Alfabetização
cruca" (idem Ilha do Leite, Aflitos; regiões, carregado de interesses que não
"Papagaio velho não aprende mais a os daquela população, distante dos
falar"; "Água mole em pedra dura tanto problemas, da vida e da condição dos
bate até que fura"; "Queremos tirar o adultos possa ser eficaz.
povo do cativeiro do analfabetismo"; É convicção nossa que dialogando
"Estão até dando risada de mim"; com os analfabetos seus problemas,
"Minha mãe falava assim, o Nhambú que possam eles se tornarem mais críticos.
nasce sem rabo não cresce mais" ; Por isso é o diálogo a técnica
"Quem não sabe lê carrega a força para fundamental do Sistema Paulo Freire, o
si mesmo"; "Quem não sabe lê arranja qual coloca os analfabetos como
trabalho duro"; "Tenho fé em Deus de participantes.
aprender embora tenha dificuldade"; Só o diálogo leva o homem a
"Quero aprender a ler pra seguir nas leis reflexivamente se tornar responsável. E
se puder ser"; "O analfabeto é um esta responsabilidade só se incorpora ao
homem perdido" (idem Cajueiro Seco, homem de maneira vivencial – daí a
Jaboatão, Pernambuco). importância da educação como
Além de sentenças e expressões experiência de vida, que valoriza as
colhemos as palavras mais usadas, relações aprendizagem-amadurecimento.
sobretudo as mais carregadas de Se, numa análise psicológica,
emoções. Algumas são regionais, outras consideramos o amadurecimento
locais, como: capiloçadas, soturno, condição primordial para a
belota, cintilante, birita, camburão, puçá, aprendizagem, é inegável por outro lado
mangaeiro, braúna, serilho, etc. que, a experiência que se traduz numa
Esse primeiro contacto é de aprendizagem, enriquece o ser humano,
importância relevante, porque no grupo despertando-o para a vida, contribuindo
vamos colher o material, que será apenas para acelerar o seu amadurecimento.
organizado, para posteriormente ser-lhe Na própria pesquisa do universo
devolvido como um dos veículos de sua vocabular, sentimos o valor de toda uma
educação, através de debates. experiência dos analfabetos, quando
As sentenças, além de constituírem ouvimos sentenças como: "eu tenho a
objeto nosso de estudo numa perspectiva escola do mundo"; "povo tem resposta";
perspectiva psicológica, filosófica, "quem é mais velho aprende mais,
sociológica ou estética, são reenviadas porque pensa e sabe tudo e presta mais
aos grupos, através de pequenos jornais atenção".
que entre eles circularão. Afirmações dessa natureza
Destaca-se ainda a pesquisa como chamamos a atenção para o teor de
uma fonte de subsídios que facilitará a motivação que devem possuir as fichas e
interação e a compreensão entre os as "palavras geradoras". "Palavras
diversos elementos do grupo nas futuras geradoras" são as palavras chave que,
atividades do "círculo de cultura". decompostas em seus fonemas,
Enfatizamos esses dados obtidos, propiciam o surgimento de novas pela
porque não acreditamos que um material combinação daqueles. Assim, por
vindo de fora, importado de outras exemplo, a palavra "favela" poderia
gerar: favo, fivela, luva, leva, vovó, fala,
lavava, fila, etc.
AURENICE CARDOSO
BIBLIOGRAFIA
RESUMÈ
ABSTRACT
IT IS THE AUTHOR'S job to impart a new a number of specific questions are written
approach to Prof. Paulo Freire's system of down. These sentences are then studied from
adult education, namely the practical one. Its u great many points of view. It is from these
theoretical foundations had been laid in the sentences, furthermore, that a few words are
preceding articles. picked up as the best ones for literacy
The initial first-hand contact with the teaching, both from the point of view of their
community in which the system will be gradually increasing phonemic difficulty and
applied takes place when the illiterates' word- from the standpoint of their meaning to the
universe is surveyed. This is a rather simple adults' existential conditions.
procedure, in which the only technique used is As the author herself points out, even from
a free and informal dialogue with the adults. the outset the philosophy upon which the
Though simple its importance can never be system is based is c1early shown: one should
over-emphasized, for it is from this survey always work with the material supplied by the
that the degree of conscience of their status very same community to be taught literacy. A
and of their social and cultural problems is discussion leader the places the traditional
actually ascertained. The answers they give to teacher and this
AURENICE CARDOSO
material is given back to the adults through reality, so that the adults are gradually led to
a rather informal debate. distinguish between a world that man dit not
The key to the system are the so-called make (the world of nature) and a world that
generating words, sixteen altogether, from man did make (the world of culture). They
which the adults themselves will discover al soon discover DY themselves that it is
others through the proper operation of the through his work that man creats the world
syllabic mechanism of the Portuguese of culture. Education itself is a being of
language. Every one of these key-words are culture. Nine slides are specially designed to
associated with a corresponding sociological make the adults conscious of all this and also
situation and projected in a slide for the of the fact that man's world admits of a
group. sequence of phases of socio-cultural
development which ends up in our own stage
The class is replaced by a "culture of civilization.
center" and the projection of each slide is The role of work is greatly emphasized,
followed by a dynamical discussion of the and man is viewed as a fundamentally
group’s life conditions. The anthropological creative being. His natural habitat cannot be
concept of culture is thus introduced even but freedom, an his destiny shall only be
before the adults are able to read and write. fulfilled to the extent that he inserts himself
To that effect the first situation projected in in a position of subject of his own
slide is a representation of man facing responsible actions.