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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
156P.II
1.Brasil- regiões semiáridas. 2. Educação- Brasil- Regiões semiáridas I. Título.
3ª Edição
Todos os direitos dessa edição reservados ao Selo Editorial RESAB
Telefone: (E-mail: sec.exec-resab@gmail.com
Sumário
Autores e Autoras 05
Apresentação 08
Educação para a convivência com o Semiárido e para o Combate á Desertificação
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Prefácio 13
Mirtes Cordeiro
A Emergência da Lógica da “Convivência com o Semiárido e a Construção de uma Nova
Territorialidade” 17
Luzineide Dourado
Anotações em torno do Conceito de Educação para a Convivência com o Semiárido
37
Josemar Martins
Anotações sobre a interação em rede 69
Josemar Martins
Desafios e Bases para a Construção de uma nova política de Gestão Educacional no
Semiárido Brasileiro e no Brasil 63
Edmerson dos Santos Reis
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
Os Autores e Autoras:
Possui graduação em Curso: Pedagogia com Habilitação Educação de Jovens Adultos pela
Universidade do Estado da Bahia (2001). Especialização em Gestão Pública Contemporânea pela
Universidade do Estado da Bahia (2005), Especialização em Educação Contextualizada ao
Campo pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (2012). Experiência na área de
Educação escolar, educação ambiental, educação popular, Educação para Convivência com
Semiárido, Educação do Campo, atuando principalmente nos seguintes temas: Desenvolvimento
territorial, Diagnostico rural participativo, Educação do campo, Educação para a Convivência
com o Semiárido, Educação de Jovens e Adultos, Práticas Pedagógicas Contextualizadas.
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Reflexões Teórico-Práticas
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Reflexões Teórico-Práticas
O UNICEF participa dos inúmeros processos que fundamentam a construção dos conteúdos
desta publicação, a partir do seu programa de país “Fazer Valer os Direitos das Crianças e
adolescentes, na perspectiva da educação para adolescentes nascidos na região Semi-Árida
de onze Estados Brasileiros. As pessoas que aqui escreveram são parte de uma historia que
trilhamos juntos, desde a década passada, defendendo uma nova política de gestão
educacional, observando as necessidades de formação continuada de educadores\as, de
parceiros governamentais e não governamentais para uma atuação integrada.
As experiências aqui relatadas foram incentivadas pelas ações de desenvolvimento humano e
sustentável das diversas instituições do Semi-Árido que abraçaram essa causa para a
construção de uma nova educação nessa região. A partir delas, ensejamos outros avanços,
articulando novas parcerias como a mantida com o CENPEC e a Fundação Itaú-Social, através
do programa Melhoria da Educação no município. “Investimos numa iniciativa de mobilização
dos Estados para avanço das metas do Milênio, chamada ‘Um Mundo para a Criança e o
Adolescente do Semi-Árido”. O objetivo é reunir todos os segmentos organizados para a
promoção da mudança dos indicadores sociais que nos demonstram a necessidade de
políticas públicas permanentes e de valorização da convivência com o clima e as pessoas da
região. Hoje temos a RESAB- Rede de Educação do Semi-Árido brasileiro. Uma rede que
pactua a equidade, o respeito á pluralidade e á diversidade de culturas, credos, raças idéias e
opções metodológicas no processo de ensino-aprendizagem e outros princípios que visam
garantir o respeito e a promoção dos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias. E
também podemos registrar o muito que está sendo feito por uma nova política de gestão
democracia e compartilhada.
O UNICEF compõe com a RESAB, uma articulação que reconhece a problemática da escola
pública, buscando a sustentabilidade e retomada da auto- estima das populações da região. A
experiência de formação continuada nos diz que o saber transcende a escola, na medida em
que os educadores\as fortalecem suas ações como sujeito social, re-significando e ampliando
saberes. Os professores e as professoras vistos como investigadores do seu saber fazer,
conhecendo melhor suas alunos, suas famílias, o ambiente-mundo.
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Esta publicação, parte para a Coleção “Convivência com o Semi-árido”, é, para o UNICEF
uma demonstração dos resultados positivos das articulações pela educação no Semi-árido
brasileiro, uma forma de contribuir para o avanço da humanidade, garantindo que toas as
crianças e adolescentes tenham saúde, educação , igualdade e proteção.
Boa leitura!
Fábio Atanásio
Ana Azevedo
UNICEF- Escritório Zonal Recife\ Pernambuco- Alagoas- Paraíba
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
para a Conivência com o Semi-Árido Brasileiro é portanto uma proposta válida e de extrema
importância.
Esperamos que essa publicação sirva de estimulo para que cada vez mais educadores\as e
outros\as atores e atrizes sociais sintam-se convidados a atuar nessa direção.
PREFÁCIO
Nas minhas andanças mundo afora, tentando contribuir para as políticas públicas possam ser
implementadas a partir das necessidades da população, para melhoras seus níveis de vida, fui
bater em Ouricuri, Petrolina, Juazeiro, Curaçá, Uauá e Canudos. Estes municípios estão
localizados no sertão de Pernambuco e Bahia, na região do semiárido nordestino, pedaço di
Brasil que ao longo dos últimos 500 anos, contando do inicio da colonização, sofre com as
conseqüências provocadas pelo desconhecimento sobre a riqueza do seu ecossistema e “sua
diferenciação ecológica marcante que na verdade é mais uma colcha de retalhos” (Luzineide),
pelo modelo de desenvolvimento dependente do sul do país, o semi-árido abriga uma
população de quase 20 milhões de habitantes.
Naquele período, meados de 1996, eu trabalhava no UNICEF e a nossa presença no Semi-
árido se devia a necessidade de se apoiar alguns municípios interessados em ampliar as suas
políticas voltadas para a criança, sobretudo a educação. Foi aí que encontrei outras pessoas
que também tinham a mania de querer consertar o mundo, para que o povo pudesse viver
melhor. O que unia essas pessoas era o compromisso com o processo de mudança que reunia
um conjunto de ações voltadas para “praticas de convivência com o Semi-árido”. A discussão
sobre a “ Conivência com o Semi-Árido” ganhava espaço entre os participantes dos
movimentos sociais nas áreas rurais da região, especialmente entre os educadores sócias que
atuavam junto ás famílias de agricultores. Havia em curso um amplo processo educacional
voltado para a adoção de práticas tecnológicas para as melhorias da vida das pessoas na
região. No entanto havia a ausência da participação da escola, enquanto instrumento também
responsável pela melhoria da qualidade de vida da população.
Até aquele momento, envolvidos com toda essa historia, estiveram entre outras,
organizações da sociedade civil, como IRPPA, CAATINGA e MOC, que, com a paciência
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O Contexto Sócio-Ambiental
O Semi-árido Brasileiro apresenta uma diferenciação ecológica marcante, que na verdade é
mais uma “colcha de retalhos”, do que um espaço homogêneo e olhado apenas a partir das
condições climáticas, leia-se semi-árida, e tal aspecto foi desconsiderado na perspectiva dos
processos econômicos. Nessa heterogeneidade apresentam-se “grandes pediplanos,
drenados pelos principais rios da região_ Rio São Francisco, Parnaíba, Piranhas-Açu,
Jaguaribe, etc._ora com serras e chapadas que se alteiam sobre o pediplano e apresentam
um clima úmido ou sub-úmido”(ANDRADE, 1988, pp.: 62).
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São ás áreas conhecidas como “Brejos”, que formam verdadeiros “oásis” onde existe uma
grande concentração populacional _ Cariri, Garanhuns, Triunfo e outros.
O bioma Caatinga é o principal ecossistema existente no Nordeste, estendendo-se pelo
domínio de clima semi-árido, numa área de aproximadamente 11% do território nacional. É um
bioma único por estar localizado em área de clima semi-árido e apresenta grande variedade
de paisagens, riqueza biológica e endemismo.
Os ecossistemas do bioma Caatinga encontram-se bastante alterados com a substituição de
espécies vegetais nativas por cultivos e pastagens. O desmatamento e as queimadas são
ainda práticas comuns.
Vale lembrar que seres humanos e animais viveram nesse ecossistema há mais de 40 mil
anos. Inúmeras são as testemunhas deixadas por estes homens e mulheres: fogueiras, com
pedras organizadas em círculos, junto com ossos de animais caçados, pinturas rupestres em
cavernas, jarros e vasos de barro, restos de funerários, utensílios de pedra lascada e ate
brinquedos de crianças. Estes sinais da presença humana se encontram em vários lugares do
Semi-Árido. Como exemplo no Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo
Nonato, Piauí, os vestígios humanos foram datados de 50 mil anos, os mais antigos da
presença do homem nas Américas.
Até 12 mil anos atrás, quando terminou a última era glacial, a região semi-árida era bastante
chuvosa, comparável com o clima atual da pré - amazônica do norte do Estado de Mato
Grosso.
Dados de média anual de chuvas no Semi-Árido Brasileiro, em comparação com outras partes
do mundo, levam a conclusão de que, as precipitações podem até ser maior, em algumas
vezes. Na verdade, nosso Semi-árido é o mais chuvoso do planeta, chove de 300 a 800 mm
por ano.
A característica desse domínio climático é apresentar as chuvas de modo irregulares no
espaço, no tempo e no volume da precipitação.
Os espaços afetados pelas secas na região semi-árida não ocorrem de forma uniforme. Pode
haver anos de seca total, com efeitos observados em toda as áreas da região, e anos de seca
parcial, em que os problemas da seca são verificados apenas em algumas áreas dos estados
do Nordeste. As diferenças físicas, climáticas e ambientais conferem regiões naturais que a
integra e respondem pela diversidade do Semi-árido.
Lado a lado ou integrando conjuntos variados, convivem na área de
ocorrência oficial das secas as regiões naturais do Sertão, do Seridó,
do Curimataú, da Caatinga, do Carrasco e dos Cariris Velhos
(DUQUE,1964 apud MMA, 2004).
Outro elemento importante e que determina quanto da água caída do céu e que ficará à
disposição das pessoas, dos animais e plantas, é a evaporação, e esta se apresenta em alto
nível, por força do sol e do vento, e pela falta de plantas e outras coberturas mais, hoje, mais
raras, por conta do intenso desmatamento e queimadas.
Por estar perto do Equador, isso contribui para que a evaporação por ano passe até dos 3.000
milímetros. Na média, a evaporação é sempre maior do que a precipitação.
Em relação ao subsolo, este é cristalino, no geral. São solos rasos muitas vezes aflorando a
terra e que guardam pouca água, já que no chão existe muita rocha de granito e gnaisse.
Encontra-se água em algumas fendas da rocha maciça, mas em pouca quantidade e quase
sempre salobra. É o subsolo de arenito. São áreas de antigas bacias marítimas, onde os
sedimentos trazidos pelos rios pré-históricos se compactaram, formando a pedra arenítica. As
camadas atingem às vezes mil metros ou mais e a estrutura esponjosa do arenito se encontra
abastecida de água. Existem lençóis freáticos, com água doce e abundante.
E há também o subsolo calcário, com solos normalmente muito férteis e água às vezes um
pouco salobra, mas em quantidade maior do que na região cristalina.
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pelo latifúndio, com poderes mais suficientes para barrar a expropriação de terras para
construção dos açudes. O governo Imperial ficou impossibilitado de desenvolver uma política
social.
Em 1936, através da Lei Federal número 175 de 06/01/1936, as áreas oficialmente
reconhecidas como de ocorrência comum de secas no Nordeste foram delimitadas e
denominadas de Polígono das Secas para fins de atendimento às populações residentes
afetadas. Naquela época a área do Polígono compreendia uma superfície de 672.281,98 km²,
e considerada como área oficial de ocorrência de secas no Nordeste até 1989, quando nova
delimitação foi realizada e o Polígono passa para uma área de 1.085.187 km² (ampliando para
além dos sertões do Piauí, Ceará, Rio grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Bahia o Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais).
A figura do Polígono, como dito, já está substituída pela Região Semi-árida do Fundo
Constitucional de Financiamento do Nordeste_ FNE. Esta expande ou reduz a área oficial de
ocorrência das secas, conforme os limites da seca, ou seja, atua sobre os municípios mais
afetados pela escassez e irregularidade das chuvas, justificando a implementação de medidas
emergenciais de atendimento às populações submetidas.
A seca eleva-se a um problema econômico e político do Nordeste respaldando-se enquanto
arma política, como argumento quase incontestável, quase irrefutável para conseguir
benesses, investimentos, carreamento de recursos, construção de obras, frentes de trabalho,
cestas básicas e etc., favorecendo uma elite nordestina que passa a mobilizar e capitanear
ações para a região. É a conhecida “indústria da seca”!
Ao iniciar a década de 1950, havia um forte interesse do Governo Federal de modernizar o
sertão através da reorganização da agricultura do Vale do São Francisco, da construção de
grandes barragens e da exploração de minerais. Exemplo, a Constituição de 1956 previa a
destinação de 1% da renda do país na recuperação do vale, que em 1967 cria-se a
Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco e em 1975 na CODEVASF -
Companhia de desenvolvimento do Vale do São Francisco e atualmente, agrega também o
Vale do Parnaíba.
Ao longo de todo século XX, várias grandes secas ocorreram. A de 1958 faz o governo de
Kubitschek criar um Grupo de trabalho para estudar a “problemática regional”; em 1970 uma
grande campanha assistencialista é apresentada para o Nordeste, e cria-se um Programa
chamado de Projeto Sertanejo, visando, sobretudo transformar em empresas as pequenas
explorações agrícolas, voltando-as para o mercado (ANDRADE, 1988, pp.: 66-67). Outros
Programas surgiram nas décadas seguintes, com destaque para o POLONORDESTE.
Muitos significados foram dados à seca, mas de fato esta sempre
recobriu cada necessidade que as elites do Nordeste tinham. As secas
iriam ser resolvidas com a construção de ferrovias, a partir dos
interesses de se construírem estradas de ferro para escoar os produtos
da elite agro-exportadora. Depois os açudes; as frentes produtivas de
trabalho; a industrialização. Portanto, a seca terá mil soluções e mil
faces, dependendo do interesse do momento. A seca, portanto, é uma
metáfora a partir da qual se nomeia a necessidade e a carência, na
verdade, das elites desse espaço Semi-árido Brasileiro.
(ALBUQUERQUE Jr, 2000).
Ao se instituir uma política de combate à seca uma série de políticas assistenciais de
emergência foi empreendida, não atentando para produzir um conhecimento mais
aprofundado desta região do país e de suas potencialidades e como também de entender
como essa região se articula em sua pluralidade e com o mundo. Pelo contrário, não gerou
ações integradas e intersetoriais, deixando, por exemplo, o campo educacional de fora das
preocupações políticas para a região.
Tratou-se de uma lógica linear, mutilante e simplificadora que só
conseguiu se expressar na vinculação dos problemas do Semi-árido à
ação das secas (PIMENTEL, 2000).
Essa lógica de ver e desenvolver o Semi-árido não se configurou recentemente, ela parte da
própria inserção capitalista sobre o território ao longo de sua história econômica, incluindo ou
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Reflexões Teórico-Práticas
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comunicação etc) por parte de uma população que representa 15% da população brasileira,
comprometida no seu cotidiano.
Os piores índices de Desenvolvimento Humano Municipal_ IDH-M do país em sua maioria
estão no Semi-árido: 75% dos 1.000 piores.
Dos 26,4 milhões de habitantes do Semi-Árido, quase 11 milhões são
crianças e adolescentes e têm até 17 anos, representando 41,3% da
população total. Parte de uma população que é mais jovem do que a
média brasileira, mas com o futuro bastante comprometido. (GOMES
FILHO, 2003).
Investir em educação é um dos passos mais decisivos para a superação de tal realidade: os
dados indicam que cada quatro anos de estudo da mãe corresponde à redução de 20 pontos
na pobreza das crianças e adolescentes, sendo que os primeiros quatro anos de estudo da
mãe são o que causa o maior impacto, reduzindo a pobreza em 27 pontos.
As áreas semi-áridas do Nordeste têm sido marcadas pela geografia da fome e da
insustentabilidade econômica, estereotipadas, deturpadas e apropriadas nas imagens da
mídia em tempos de seca, principalmente.
Reconhecer a existência de uma “região pobre” dentro de um país é reconhecer as
disparidades econômico-sociais de um determinado espaço geográfico submetido à dinâmica
da acumulação capitalista. A “problemática regional” do Semi-árido é um produto sociocultural
das disparidades geográficas no processo de desenvolvimento econômico capitalista, vale
dizer, empreendidas com maior “rigor” em países periféricos, como no caso do Brasil.
As políticas públicas de desenvolvimento regional nasceram de
grandes propostas nacionais, oriundas de uma elite dirigente que se
impunha à missão de combater as disparidades, integrar
economicamente as regiões e fortalecer os vínculos da comunidade
nacional: o ideal de nação, povo, identidade regional. (ZAIDAN FILHO,
2001).
Entender o esforço empreendido hoje pelas organizações da sociedade civil, dos movimentos
sociais e de alguns setores do Estado, exemplos ministério e secretarias federais/estaduais de
meio ambiente, para converter através de um outro discurso e de novas práticas de
desenvolvimento do Semi-árido, a proposta da convivência, possibilita identificar a cara do
Nordeste contemporâneo e os desafios deste no século XXI.
Se a lógica do combate construiu “emblemas nordestinos_ o cangaço, o messianismo, o velho
engenho ou a seca, temas que pertencem à saga cultural-simbólica das oligarquias
nordestinas” (ZAIDAN FILHO, 2001), a lógica da convivência busca apresentar que não há
mais um nordeste, mas sim, nordestes, e que nessa nova conformação, o Semi-árido não
pode mais ficar enquanto reduto da pobreza nordestina e brasileira. Ele é potencial, é
competitivo, solidário e possui antes de tudo uma identidade cultural comum que o faz único.
É a emergência do local se sobrepondo à dinâmica global. Para tanto uma política de
desenvolvimento pautada na inserção de cidadãos, direitos universais (educação, saúde,
moradia, alimentação etc) e na valorização da identidade cultural passam a ser exigidos na
pauta dos novos programas e ações para o Semi-árido Brasileiro.
O movimento que hoje se procede no pensar, agir e conduzir os debates acerca de um modelo
de desenvolvimento apropriado para o Semi-árido aponta para a falência da lógica do combate
à seca e a emergência da lógica convivência com o Semi-árido, ou em, a falência da lógica
técnico-economicista para a emergência da lógica ambiental –sistêmica.
Esse movimento promove ainda que de forma pontual, uma re-organização sócio-espacial do
Semi-árido. E nesse novo contexto, um campo de força é estabelecido entre os “atores
sociais”, em suas relações de poder com o espaço, possibilitando a re-elaboração de novo
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recorte territorial, novas formas de inserir esse território às outras escalas espaciais e de
demandar políticas públicas, já denominadas de apropriadas, às novas formas de produzir, ver
e viver o Semi-árido Brasileiro.
O processo produtivo e as práticas sociais nas quais o território do SAB se configurou através
da lógica do combate à seca, promoveu uma dinâmica geo-econômica e cultural pressuposta
na existência de um sistema de tessitura, nós e redes que sustentavam as elites nordestinas
em sua hegemonia político-econômica, fomentava a dinâmica urbano-industrial do Centro-sul
enquanto espaço periférico e subordinado a este, e estabelecia limites, fronteiras, vizinhanças,
acessos, convergências em prol de um modelo de subordinação econômica.
A imposição do ritmo capitalista em bases mais modernas sobre a economia tradicional, agro-
exportadora por um lado e de subsistência por outro (atividades do consórcio gado-algodão-
lavouras alimentares) traz mudanças na base técnico-informacional, demandando novas
atividades, novas técnicas, novos saberes e novas necessidades na relação dos indivíduos
com o meio_ uma relação mediada pela estranheza.
O projeto de desenvolvimento apoiado na racionalidade da natureza criou imagens do SAB
enquanto o espaço da seca, da pobreza, do êxodo rural, dos flagelados, do chão rachado, do
ambiente hostil_ os resultados têm sido evidentes nos indicadores sociais negativos, no
processo de degradação dos solos, na produção de imagens e discursos preconceituosos do
“ser sertanejo”.
Ao contrário, a lógica da convivência com o Semi-árido visa focar a vida nas condições sócio-
ambientais desta região, em seus limites e potencialidades, pressupondo novas formas de
aprender a lidar com esse ambiente, na busca de alcançar e transformar todos os setores da
vida. Portanto, não é apenas viver no semi-árido e supostamente aceitar as agruras da
natureza, mas um viver estabelecido como a comunhão que os indivíduos mantém com o
lugar, oportunizando organizar e criar alternativas de produção a partir dos limites e
possibilidades que a natureza oferece.
A construção do território ganha uma outra dimensão, pois passa a pautar-se pelo
estabelecimento da consciência de pertencimento dos grupos, à região, ao substrato. A relação
de comunhão com o lugar não se dá somente no viver ou de um simples conjunto de objetos,
mediante os quais se trabalha, circula, mora, mas no conjunto simbólico do universo no qual os
indivíduos atuam. A forma de comunicação do indivíduo e do grupo com esse universo se faz
pela herança, pelo reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio, um
resultado obtido através do próprio processo de viver. (SANTOS, 2000).
Conseqüentemente, a leitura de Semi-árido passa a ser redimensionada. Ele passa a ser o
território das possibilidades de práticas, vem á tona as idéias do desenvolvimento integrado e
sustentável, que vai se efetivando aqui e ali, através da agroecologia; das cisternas familiares
de captação da água de chuva nos telhados, garantido água de chuva para o consumo
humano e também visando a produção; barragens subterrâneas; cisterna na roça;
associações de fundo de pasto; produção de caprinos e ovinos; apicultura etc, e todos
baseados na agricultura familiar e na busca de segurança alimentar e nutricional. Essas novas
formas de produzir no Semi-árido e conseqüentemente, de viver e de se planejar, possibilita
sutilmente abrir caminhos para a emergência de uma nova racionalidade.
A convivência com o Semi-árido também se apresenta na busca de uma nova dinâmica sócio-
cultural e educativa, redimensionando o lugar dos sujeitos e das imagens produzidas sobre
esses e sobre o ambiente. E traz, sobretudo, um novo recorte territorial, incluindo novas áreas
para o Semi-árido. Esse último aspecto possibilitará às áreas incluídas no Semi-árido receber
aportes do FNE e ganhar maior visibilidade regional.
O que muda na construção dessa nova territorialidade é o enfraquecimento das elites
oligárquicas e o surgimento de novos e diferentes atores, fomentando uma mudança de
paradigma de desenvolvimento.
Nesse novo campo de forças entre os atores que atuam no ou para o SAB, cabe indagar qual o
peso de cada um: a sociedade civil, as ONG´s, as agências internacionais de cooperação
técnica, o Estado etc.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
- O poder público com seus Órgãos historicamente presentes na região como o DNOCS, por
exemplo, passa por reformulações de ordem institucional, muda gradativamente seu discurso,
de combate para a convivência com a seca, e aponta para a elaboração de políticas públicas
apropriadas para a região. Exemplo é o Programa Conviver.
A re-criação da SUDENE com outro enfoque de desenvolvimento regional, a criação do
Instituto Semi-árido, ou seja, são mudanças institucionais que se apresentam. Outro exemplo,
é a busca por uma visão sistêmica de Semi-árido expressa no PAN-BRASIL – Programa de
Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca_ documento
proposto como instrumento de promoção de desenvolvimento integrado e sustentável para as
regiões semi-árida e sub-úmida do Brasil.
O PAN-BRASIL visa reverter o processo de desertificação a partir da congregação do acúmulo
de experiências de intervenções sociais e governamentais consolidadas pelo paradigma da
convivência. Sua elaboração foi conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de
Recursos Hídricos, e com a participação da sociedade civil mobilizada pela Articulação do
Semi-árido Brasileiro _ ASA e da RESAB_ Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro,
instâncias estaduais também do poder público (chamados de pontos focais estaduais) e da
inserção de parlamentares.
Enquanto tentativa de gestão pública do Estado brasileiro, o PAN-BRASIL se refere à
proposição de quebrar ações pontuais e desarticuladas de políticas públicas, provocar a
transversalidade intersetorial e interministerial. Estará aí a emergência de um novo paradigma
de gestão pública se configurando?
- As Instituições Internacionais através de cooperação técnica afirmam ações e programas em
desenvolvimento sustentável, mas também traz as marcas do novo ritmo da sociedade
contemporânea, articulada em rede, globalização da economia, seletividade dos espaços. Ou
seja, a cooperação técnica não chega pura, ela traz em si interesses e discursos próprios,
cabendo aos movimentos de origem destas uma identificação de seus propósitos.
- A presença marcante das Organizações Não-Governamentais (ONG´s) desde os anos de
1980, principalmente quando começam a chegar na região e passam a articular recursos e
experiências na base da sociedade, ganham visibilidade enquanto novos espaços de
participação cidadã e de articulação, vide a criação da ASA_ Articulação do Semi-árido
Brasileiro, que já congrega mais de mil ONG´s, de pequenas associações de produtores rurais
à grandes e reconhecidas entidades.
As ONG´s têm facilitado o encontro entre a lógica governamental, marcada pela permanência
e universalidade das políticas, e a lógica da sociedade civil, marcada pela defesa de
interesses específicos; lógicas diversas; caminhos de interlocução e de parceria.
As organizações do 3º setor ganham a cada dia competência no modo de se relacionar com e
intervir junto a grupos sociais específicos, deliberando ações junto a esses grupos. Entretanto
ressalvas devem ser feitas, pois às vezes torna-se questionável seu papel, principalmente
quando se assumem portadoras das lutas sociais, carreiam recursos e demandam sozinhas as
ações.
- A inclusão da sociedade civil em seu papel ativo e no movimento de democratização dos
programas de desenvolvimento para a região semi-árida é um aspecto novo e importante para
se entender os rompimentos ao paradigma de combate à seca. As novas formas de
posicionamento da sociedade civil, sua busca em abrir espaços de participação e
experimentação de novos modos de pensar e agir sobre a realidade social e local, no sentido
de criar uma independência constituída pela emergência de uma cidadania através de suas
organizações comunitárias.
Certo é que o envolvimento e participação popular mostram um movimento de criação ou de
valorização de relações sociais baseadas na cooperação, solidariedade e gestão participativa.
Trazem à tona discussões e propostas presentes em Encontros, Seminários, Conferências
etc., para os diferentes setores da vida: produção com base na agricultura familiar, segurança
alimentar e nutricional, questão de gênero, protagonismo infanto-juvenil, educação para a
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Reflexões Teórico-Práticas
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O que tem motivado a crítica ao currículo formal e oficial e tem motivado a ação concreta de
transformação da prática educacional no semi-árido brasileiro, baseando-se na noção de
“educação para a convivência com o semi-árido”, é antes de qualquer coisa, a consideração de
que os currículos, os saberes e as práticas escolares, de uma forma geral são
demasiadamente descontextualizados, o que os torna aparentemente um tanto “sem
propósito”, e desobrigados de explicarem a serviço de quê e de quem estão.
2 Este texto é também parte do estudo que o autor vem fazendo no seu curso de Doutorado, cuja
tese tomará a RESAB como objeto de tematização.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Portanto a constatação mais corriqueira é a de a educação escolar que se dirige aos vários
pontos da imensidão do território brasileiro, é uma educação descontextualizada e, por sê-lo, é
também colonizadora, ou seja, ela se dirige hegemonicamente de uma determinada realidade –
atualmente majoritariamente esta realidade é a do sudeste urbano do Brasil – e, a partir desta
“sua realidade” e de uma narrativa pronunciada por um tal sujeito universal e abstrato
denominado “nós brasileiros”, ela toma todas as outras realidades que compõem a imensa
diversidade brasileira, como sendo seus “Outros”: “eles”, “aqueles” que estão “lá” e devem ser
integrados à sua narrativa.
Não há ressentimento algum nesta constatação. Há apenas a constatação de que é aí neste
sudeste urbano onde atualmente se concentra a indústria editorial e midiática que produz e
distribui esta narrativa hegemônica e seus enunciados. E, evidentemente, a raiz disso nem é o
fator regional, porque esta mesma narrativa também não inclui entre o seu “nós” os tantos
“Outros” que estão no mesmo recorte regional de onde ela emana, como os índios, populações
quilombolas, populações rurais, mulheres, populações periféricas, que também aí são
transformados em seus “Outros”: “eles” ou “aqueles” que devem ser integrados à mesma
narrativa hegemônica.
Supomos que o fato de esta narrativa que fala em nome de um “nós brasileiros” abstrato, nem
se limita ao fato de emanar de um núcleo que concentra as maquinarias técnicas editoriais
para, por exemplo, fazer proliferar livros didáticos que daí se dirigem aos Diversos do Brasil. De
fato esta tradição parece ter raízes mais profundas, ancorando-se nos processos da
colonização do Brasil, e até de antes, quando toda a diversidade deveria ser perseguida em
nome de uma mesma verdade oficial, ortodoxa, canônica. Fui assim que fomos inaugurados no
contexto dos ímpetos religiosos da Contra-Reforma e de suas maquinarias de fazer silenciar
qualquer diversidade. As bulas papais diziam: reduzi todos à fé católica. Nem precisamos
lembrar aqui o tamanho das atrocidades, a amplitude dos massacres de saberes, de culturas e
de pessoas em nome desta ortodoxia crista.
Depois que a conjunção Clero-Nobreza foi destronada pelo triunfo da empresa racionalista do
iluminismo positivista, que funda a ciência moderna, a antiga ortodoxia foi substituída por outra.
E, mais uma vez, a narrativa que vem substituir a anterior – ou seja, agora o argumento
científico-racional em lugar do argumento religioso – tendo valorizado excessivamente o intuito
de limpeza, de assepsia, deixa de fora aquilo que considerou como “sujeira”: os saberes
tradicionais, locais, particulares, étnicos, sexuais, etc.
E ainda se pode adicionar a isto o fato de que, no caso do Brasil, de uma ponta a outra, o que
foi sendo desenhado como sendo a “cultura brasileira”, se restringiu às clausuras da estética de
uma elite localizada nos centros urbanos das províncias da colônia – e depois do império e da
república –, em geral com as costas viradas para o restante do país e os olhos fixos nas luzes
das metrópoles européias, localizadas do outro lado do Atlântico. Neste caso ainda, este
pedantismo fez com que virássemos as costas também para os nossos irmãos de dores e
destino, os outros países e povos latino-americanos. Tais contradições não apenas fundam o
Brasil, mas constroem suas narrativas oficiais.
Portanto, é bem de lá de longe, pois, que herdamos este pedantismo que olha para o resto do
país e para todas as questões locais, regionais e de contexto, como questões menores, que
não merecem qualquer atenção. Pedantismo este reforçado pela concentração da indústria
editorial e dos chamados “centros de excelência” no sudeste do país, sabidamente no Ri de
Janeiro e em São Paulo.
É este complexo que fez e faz com que a educação que se dirigiu e se dirige para escolinhas
situadas nas brenhas dos sertões semi-áridos do Brasil (ou em outros “sertões”), aonde não
chega luz elétrica, água encanada, esgoto, calçamento, médico, dentista, cambista, carteira de
reservista, correio... Onde a escola está enfiada numa casinha da professorinha, sem formação
adequada, formada no cabo da enxada; casa de chão batido e santo na parede; cabra no
terreiro, galinha no poleiro, berro de cabrito faminto na cozinha, água de cacimba no pote, sem
coar, sem filtrar, sem ferver; verme nos buchos dos meninos e mosqueiro na cozinha... A
educação escolar que se dirige para este “fim de mundo” – (como pode bem dizer a narrativa
hegemônica que deixa de fora tal realidade) – não dê ouvidos a este “barulho”.
Nem importa mesmo se esta realidade componha os modos de vida, as formas de produção da
existência de milhões de pessoas. Não importa se a seca e todas as formas de injustiça a ela
ligadas, expulsem um mundaréu de gente todo dia para ir se engalfinhar nos barrancos
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fedorentos e escorregadios dos centros urbanos mais ao sul. Não importa se há saberes; se há
dores e delícias; se há alegrias e belezas. A educação que continua sendo “enviada” por esta
narrativa hegemônica, se esconde por traz de uma desculpa de universalidade dos
conhecimentos que professa, e sequer pergunta a si própria sobre seus próprios enunciados,
sobre seus próprios termos, sobre porque tais palavras e não outras, porque tais conceitos e
não outros, porque tais autores, tais obras e não outras. Esta narrativa não se pergunta sobre
os próprios preconceitos que distribui como sendo seus “universais”.
Desde aí o que se pretende é, portanto, colocar em questão estes universais. O que está por
traz da idéia de “educação para a convivência com o semi-árido” é, antes de qualquer coisa a
defesa de uma de uma contextualização da educação, do ensino, das metodologias, dos
processos. Todos nós sabemos que, em meio a uma enorme carência de formação dos nossos
professores e professoras, o livro didático acaba assumindo o lugar do “senhor sabe-tudo”, e é
ele que acaba, por fim, por determinar o percurso de um ano letivo; e sabemos onde e como
estes livros continuam sendo elaborados e “vendidos” ao MEC; muitos deles trazem de autores
que sequer são nomes de pessoas reais; são nomes fantasias, certamente porque seus
autores se envergonham de expor seus próprios nomes em tais “obras”. Mas o pior é que estes
livros continuam sendo distribuídos aos quatro cantos do Brasil.
Portanto, o problema da contextualização é também um problema de ordem política. A
contextualização é, antes, um problema de “descolonização”. É uma questão de romper com
uma forma de nomeação operada “de fora” que sequer dá o tempo suficiente para que os
sujeitos possam organizar uma auto-definição e uma auto-qualificação. Antes disso, porém,
eles já estão nomeados, qualificados, representados numa caricatura na qual sequer podem se
reconhecer.
Como já sinalizamos em parte a justificativa para a descontextualização reside em um ideário
estruturado em torno de princípios como os de universalidade, objetividade, imparcialidade,
neutralidade, elementos caros ao projeto moderno. Tais foram os fundamentos da perspectiva
universalista do ensino, que pretendia vincular apenas “conteúdos sem contexto”: objetivos,
racionais, impessoais, qualificados como “neutros”, etc. No entanto, tais argumentos
esconderam a sua índole colonialista, sua pseudoneutralidade; esconderam que tais conteúdos
sempre foram acomodados em contextos particulares; nos códigos de uma elite dominante
(Bourdieu e Passeron); sempre foram contextualizados na realidade de uma elite e, em geral,
de uma prática colonizadora. Mas também, por outro lado, se negaram a ver os sentidos e as
apropriações diversas que cada pessoa e cada grupo humano, em suas particularidades, foram
construindo por baixo destes conteúdos sem contexto.
O problema é que estas contrariedades operadas pelos sujeitos aconteciam porque eram
inevitáveis, mas não havia qualquer espécie de valorização oficial e intencional do contexto.
Este é um típico problema da colonização: é preciso um saber que possa se fazer passar por
um saber “puro” e “neutro”, limpo de qualquer contexto, para permitir que ele seja um
dispositivo que “apague as pinturas de guerra”; para ser usado como instrumento de
esvaziamento de qualquer divergência, de qualquer resistência; e abra o caminho para a
colonização. E esta colonização se inicia com a nomeação e com a construção de uma
representação que é em suma uma primeira apreensão do Outro pelo colonizador.
Vemos isto em Luiz da Câmara Cascudo – que para Gilberto Felisberto Vasconcellos é o
filósofo do povo brasileiro, que esteve em toda a sua vida profissional ocupado de rastrear os
complexos percursos da formação da cultura brasileira, tecendo ele próprio suas próprias redes
de sentido. Cascudo nos lembra que os portugueses ao chegarem aqui não só nomeiam
equivocadamente os nativos de índios (pois era o caminho das índias que buscavam), como,
ao verem estes nativos deitados em uma espécie de maca cujo trançado se parecia com as
redes de pescar, já conhecidas dos portugueses, nomeiam tal utensílio de rede. Diz Cascudo:
Quem primeiro denominou a hamaca sul-americana de rede foi Pero Vaz de
Caminha e temos a data exata da nominação: segunda-feira, 27 de abril de
1500. É o padrinho da rede de dormir (CASCUDO, 2003, p.22).
Os portugueses sequer se deram ao trabalho de perguntar como os nativos já nomeavam
aquilo no qual dormiam. E Pero Vaz de Caminha, que jamais havia visto antes em sua vida
uma rede de dormir, ao nomeá-la com tal gramática portuguesa, pela semelhança das malhas
com a rede de pescar, a desapropria dos seus autores e lhe atribui uma nova autoria. O que
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Reflexões Teórico-Práticas
decorre daí é uma nova invenção da rede, que aos poucos vai deixando de ser “indígena” para
ser cada vez mais uma invenção da colonização portuguesa.
E nesta perspectiva colonialista, a o problema da contextualização não passa de algumas
poucas preocupações com métodos mais eficazes para garantir a assimilação mais rápida, por
parte dos colonizados, da mensagem do colonizador. Assim, quando a questão da
contextualização apareceu foi sempre por uma questão de método, como uma questão de
adequação, de adaptação. Por estas razões reafirmamos que, nestes termos, discutir a
contextualização da educação é também discutir sua descoloniazação. E agora não se trata
mais da relação de colonização de um país sobre outro, mas especialmente de grupos
humanos sobre outros, regiões sobre outras, de narrativas sobre outras. Trata-se de
reconhecer, portanto, miúdas colonizações que não se prendem às grandes oposições, mas
estão especialmente embutidas e consolidadas na linguagem cotidiana, na língua oficial, na
sexualidade, nas identidades, nas regionalidades, etc.
Nós já rompemos com a perspectiva universalista e pretensamente neutra, especialmente
desde que Paulo Freire apareceu entre nós. Não só isso, mas tantos rompimentos já foram
praticados que já não devemos mais nada à perspectiva universalista, objetivista, e à sua
pseudo-imparcialidade e pseudo-neutralidade; não devemos mais nada a uma suposta verdade
universal. Não devemos mais nada a estes cânones da modernidade racionalista, já derruída
pelos muitos ataques que tem sofrido por todos os lados nos últimos tempos. E até começamos
a ver que a colonização não se faz apenas explicitamente, mas é possível continuar
sorrateiramente e dissimuladamente entre nós, especialmente através dos mecanismos de
produção da dizibilidade e da vizibilidade que determinada categoria de sujeitos procede em
relação a um “Outro”, inclusive utilizando para isto as “suas próprias palavras” deste “Outro”.
Contextualizar, portanto, é esta operação mais complicada de descolonização. Será sempre
tecer o movimento de uma rede que concentre o esforço em soerguer as questões “locais” e
outras tantas questões silenciadas na narrativa oficial, ao status de “questões pertinentes” não
por serem elas “locais” ou “marginais”, mas por serem elas “pertinentes” e por representarem a
devolução da “voz” aos que a tiveram usurpada, roubada, negada historicamente.
Porém, ao fazer isto, não deveríamos cindir os profundos vínculos que este “dentro” tem com
seus “foras”, para que os sujeitos não se sufoquem em seus contextos, e evitando que o
contexto seja asfixiado em si mesmo. Deveríamos, especialmente, não reproduzir ou re-editar
oposições dualistas simplificadoras, típicas da prática colonialista. De qualquer modo
contextualizar (e descolonizar, portanto) deverá ser um trabalho de reconstruir vizibilidades e
dizibilidades instituídas, e de permitir que os “Outros”, excluídos da “narrativa hegemônica”,
recuperem sua palavra e tornem pertinentes suas questões.
Portanto não se trata estabelecer um ressentimento bairrista ou fazer inverter a situação de
colonização simbólica: o colonizado virar colonizador e vice-versa. Não se trata disto. Trata-se
de construir questões pertinentes não apenas de âmbito “regional” ou local; trata-se de
legitimar as lutas por reconhecimento que os sujeitos já sustentam. Trata-se, também, de ser
cosmopolita; de deixar de lastimação, de abandonar o discurso do “coitado”, “explorado”,
“marginalizado”, etc., e decidir ser de outro tamanho, nem que para isto tenhamos que nos
valer de uma atitude antropofágica em relação aos “conteúdos” colonizadores, para produzir as
condições que nos permitam postarmo-nos sobre nossos próprios ombros, para mirarmos o
nosso abismo humano, onde quer que estejamos.
Por outro lado, a contextualização que se pretende não é aquela que é sempre feita pelos
mesmos “intelectuais” ligados à narrativa hegemônica e a sua indústria editorial, que quando
pensa estar “contextualizando”, acaba por produzir adaptações que resultam em caricaturas e
estereótipos apressados; em fixidez caricatuarais, que se constituem em aprisionamentos
simbólicos. Nem se trata de uma adequação à pobreza, o que equivaleria e “dar educação
pobre para gente pobre”. Não se trata desta lógica das “cestas básicas para flagelados”.
Cestas básicas de saúde, de educação, de cultura, de lazer, de participação. A questão do
contexto é muito mais ampla.
Contexto é o conjunto de elementos ou de entidades, sejam elas coisas ou eventos, que
condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado, ou seja, que permitem a
um sujeito dotado de consciência, construir um entendimento, um sentido sobre uma coisa ou
evento, com os quais entra em contato. O contexto é, portanto, uma forma de habitat; é um
meio e define uma ecologia. Evidentemente, em se tratando de mundo humano este meio, este
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Reflexões Teórico-Práticas
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Reflexões Teórico-Práticas
vitimização do sertanejo; produzindo um cultura do coitado, que deve ser merecedor da pena e
da ajuda das outras regiões do país. Mas nada mais se fez em termos de tematizações sérias
em nome deste vasto e rico ecossistema, de seus biomas e de suas potencialidades humanas.
Apenas muito recentemente estamos conhecendo estudos, especialmente desenvolvidos pela
EMBRAPA, que têm protagonizado tal reflexão.
Neste contexto, a idéia de “educação para a convivência com o semi-árido” como contraponto
ao descaso histórico para com o SAB, baseia-se nestas evidências e defende que a educação
dê sua parcela de contribuição, sendo espaço de tematizações pertinentes sobre o
ecossistema semi-árido, suas diversidades e sobre as possibilidades de um desenvolvimento
sustentável aí. É exatamente isto que vêm fazendo diversas organizações da sociedade civil
por todo o território semi-árido.
Variadas formas de capacitações atualmente levam conhecimentos técnicos sobre a natureza
climática do semi-árido e suas variações, desenvolvem tecnologias adequadas para a captação
e armazenamento de água da chuva, formas de manejo sustentável dos solos e da produção, e
escolha de espécies mais adequadas ao clima, etc.. São estes alguns exemplos de ações que
têm sido desdobradas por organizações da sociedade civil junto às populações mais pobres do
semi-árido, e que se inserem na idéia de que é possível desenvolver competências adequadas
às qualidades ambientais do semi-árido. Esta é a noção de “convivência”, vista enquanto
relação saudável e equilibrada, que se alia às potencialidades da natureza semi-árida,
otimizando-as e colocando-as em favor da melhoria das condições de vida da população
residente.
Isto, no entanto, ocorre ainda majoritariamente fora da escola pública formal e oficial, a não ser
em poucas experiências em que o sistema público de ensino se abriu para adotar em seu
interior experiências desenvolvidas e sugeridas por organizações da sociedade civil. Mas ainda
são iniciativas tímidas por parte dos sistemas de ensino, especialmente os sistemas estaduais.
A esta altura, porém, não há nenhuma desculpa ou justificativa lógica ou oficial e razoável para
tal atitude. A esta altura nem há também desculpa para o fato de as Universidades ainda
permaneçam preferindo discutir o sexo dos anjos, do que ajudando a produzir conhecimentos
pertinentes para mudar as situações reais de extrema pobreza. É como se existisse um
pensamento revestido de uma espécie de vergonha intelectual; que acha menos nobre desviar
os “acadêmicos” de seus nobres trabalhos de alta elaboração conceitual, para envolvê-los em
lutas sociais implicando em níveis maiores de engajamento prático. Há um ponto em que a
própria elaboração conceitual pode estar a serviço da “mudança”. Sem este reconhecimento
não há utopia possível; nem mesma há a possibilidade de se reconhecer que existe a fome, de
fato, e de que, além de conceitos há que haver comida. Mas como os conceitos podem ajudar
a produzi-la e a distribuí-la com mais justiça?
Nossas discussões na Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB) pretendem
descortinar estes envergonhamentos injustificados, e elevar a discussão da contextualização
da educação status de uma discussão séria. Mas uma contextualização que se vincule
visceralmente às lutas já travadas em cada território; e que se dê “de dentro”; que gere estudos
e pesquisas sérias e variadas, que ajudem a fortalecê-la tecnicamente, cientificamente e
academicamente – até para ver se se desfaz o pedantismo acadêmico que ainda prevalece
nos espaços de educação superior e de pesquisa.
É preciso considerar que há de fato uma particularidade, ou seja, a precipitação média anual
fica em geral entre 250 e 800 mm por ano. No entanto, devido à proximidade do equador e às
conseqüentes altas temperaturas durante o ano todo, a evaporação potencial é de até 3.000
mm por ano (Cf. SCHISTECK & MARTINS, 1998). Tais índices produzem um déficit hídrico
acentuado, ou seja, a precipitação não consegue restituir a quantidade de água evaporada,
decorrendo mais na frente nas secas. Estas, no entanto, não se resumem aos indicadores
climáticos. As secas são também humanamente e culturalmente produzidas, seja pelas formas
de capitalização das secas em benefício das oligarquias locais, seja pelo fato de que não
houve o desenvolvimento de atitudes e de aparatos técnicos que permitissem uma convivência
instruída e preventiva em relação a elas.
Estas, no entanto, não são questões menores e que mereçam ser desconsiderada. Elas não
somente definem um ecossistema, que comporta em seu interior outros ecossistemas, mas
definem também modos de vida, já que regulam e modulam os movimentos, as ações, as
interações, as reações, etc. Por isto mesmo deveriam ser levadas a sério na hora de pensar a
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
enorme poder, para o bem e para o mal, podendo desencadear aí também profundos
processos de poluição e de degradação humana.
O fato é que, todas as práticas atualmente em curso apontam para a necessidade de contar
uma outra história na educação realizada no Semi-Árido Brasileiro, com todas estas questões a
serem enfrentadas, a partir da produção de conhecimentos pertinentes e engajados numa luta
pela descolonização curricular das escolas do SAB.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
Tudo isso constitui um conjunto muito amplo de saberes que definem, sem dúvida, uma
convivência. Esses saberes, como outros, são frutos de um processo longo e se ligam ao
tempo da pedagogia jesuítica, embora tenham se desenvolvido no seio de uma mestiçagem e
de um hibridismo cultural, entre as matrizes que compuseram o perfil humano dos sertões,
misturando às doutrinas católicas os ingredientes nativos, de negros escravos, e de toda sorte
de estrangeiros e degredados que foram incluídos nos processos de ocupação e de
colonização, incluindo os mouros e tantas outros.
Estas misturas resultaram em saberes de uma longa convivência cuja lógica se estrutura por
um jogo de aproximação das coisas e dos mundos, dentro daquilo que Michel Foucault (1999,
23-61) chama de similitudes, e que estruturavam o pensamento medieval na Europa que nos
colonizou. E havia basicamente quatro tipos de similitudes, a partir dos quais era possível
decifrar e explicar o mundo: a conveniência, a emulação, a analogia e o par simpatia/antipatia.
A conveniência designa a aproximação, o avizinhamento, o emparelhamento das coisas entre
si, a ponto de tocarem-se nas bordas; uma aproximação entre dois, um parentesco não muito
nítido, como a alma e o corpo, de modo que o corpo se parece com a alma, e vice-versa. É
uma semelhança ligada ao espaço que faz próximos a terra e o mar, as plantas e os animais e
as coisas umas às outras – e, portanto há tantos peixes na água quanto sobre a terra há
animais... E para cada um, há outro.
A emulação é uma forma de explicar o mundo onde a semelhança é liberada da lei do lugar;
uma semelhança sem contato, como o reflexo do espelho, onde as coisas do mundo se
correspondem, como o rosto é êmulo do céu e como o intelecto do homem reflete a sabedoria
de Deus. Como o claro esclarece, explica, pacifica; e o escuro encerra as tormentas.
Uma terceira similitude é a analogia, que superpõe a conveniência e a emulação e executa
similitudes não visíveis, não maciças... mas as sutis semelhanças das relações (a planta é um
animal que se sustenta de cabeça para baixo; a noz-moscada serve para dor de cabeça
porque se parece com o encéfalo). A analogia pode voltar-se sobre si mesma sem, contudo,
ser contestada. Como o vermelho desperta a avidez dos desejos e os sonhos de guerra.
A última similitude é constituída pelo par simpatia/antipatia, e resguarda um princípio de
mobilidade: “atrai o que é pesado para o peso do solo e o que é leve para o éter sem peso;
impele as raízes para a água e faz girar com a curva do sol a grande flor amarela do girassol”
(FOUCAULT, 1999: 32). Assim, a simpatia completa-se com seu oposto a antipatia, para que
disperse tanto quanto atraia, e cumpra seu efeito mobilizador. E a soberania deste par
(simpatia-antipatia), prescreve também um movimento de dispersão que dá lugar a todas as
formas de semelhança.
É impressionante ver como nos ermos dos sertões semi-áridos (mas não só aí) estes critérios
de interpretação das coisas do mundo e da natureza (da terra e do céu), perfazem o conjunto
de saberes. E foram estes saberes, com tais critérios, que permitiu que as pessoas
sobrevivessem ali, aonde não chegou a luz elétrica, a água encanada, o esgoto, o calçamento,
o médico, o dentista, o cambista, a carteira de reservista...
Foi através destes mecanismos e critérios próprios de uma forma de conhecimento medieval,
que os elementos humanos que passaram a ocupar os sertões nos processos de colonização,
e que aí se consolidaram, desenvolveram também suas formas de conhecimento e de
convivência com o meio ambiente. Isso nos leva, portanto, a afirmar que já há uma forma de
“convivência” estabelecida desde longos anos.
Uma convivência estabelecida regida por outras formas de argumento e de explicação do
mundo, mais propriamente dentro daquilo que Gaston BACHELARD (1996), chama de espírito
pré-científico, pautado por uma forma mágica de conhecer o mundo. Estas formas de
conhecer, no entanto, antes de qualquer coisa indicam o desenvolvimento de uma espécie de
convivência entre homens e contexto ambiental nos ermos do sertão semi-árido, sendo apenas
uma convivência diferente, eminentemente mágica.
A magia, neste caso, é a ciência possível que, em si, não é lógica nem ilógica. É apenas um
saber que resolve conflitos, carências por explicações, por dotar de sentido e entendimento as
coisas do mundo. Assim, a magia é a imanência, ou seja, o princípio de que o todo está contido
na parte. Este mesmo princípio move, nos sertanejos semi-áridos, a produção de muitos dos
seus saberes; a construção de estratégias de sobrevivência e, portanto, de convivência; move
a relação das pessoas entre elas e com o meio, com a água, com a caatinga, com os animais e
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
com entes invisíveis, agregando valores simbólicos que fazem fronteira com o sagrado, com a
memória, com os ancestrais.
A prática da cura, por exemplo, se baseia nestes elementos. E mais “antigamente” se vivia de
curar pessoas, de reza, de benzimentos, de fazer beberagens fitoterapêuticas, artesanais e
caseiras; se vivia de remédios de “casca de pau”, como dizem eles. Temos que considerar que
isto tudo implica, de qualquer forma o desenvolvimento de uma convivência.
Porém, ao lembrarmos disso tudo reconhecemos que, em que pese a existência de uma
convivência já estabelecida, possivelmente aquilo do qual estamos falando agora se trata de
uma outra espécie de convivência. E de que nova espécie de convivência nós estamos
tratando agora?
É preciso antes de qualquer coisa considerar que os saberes também se desatualizam, porque
uma forma de vida pode também se desatualizar em essência, diante das novas questões que
o mundo apresenta. Então é possível intuir que estes saberes estão sendo cada vez mais
desatualizados pelo mundo contemporâneo. Ou melhor: estão sendo desbancados pelas
racionalidades modernas (e até pelas pós-modernas ou hipermodernas) e pelo que elas trazem
de bom e de ruim, especialmente quando colocam entre nós a questão de se ainda é possível
viver como se vivia há algum tempo, apenas se servindo destas “simpatias populares”, que
engendram todos estes espectros de relações das similitudes apontadas por Foucault. A
resposta pode ser: “SIM se desejarmos manter certos níveis de exclusão”.
Parece que agora, quando dizemos “convivência com o semi-árido”, estamos falando,
sobretudo, de uma convivência atualizada em função de novos saberes e de novas demandas
do mundo atual. Portanto é o presente o vetor de tais discussões.
De certo modo, portanto, há uma reivindicação de que se estabeleça “um uso mais racional dos
seus ‘recursos naturais’, especialmente dos recursos hídricos”. Neste caso, por um lado
estamos falando da instalação dos fundamentos da racionalidade modernidade, estamos
falando de modernização das experiências de vida. Num certo sentido, se pretende que as
populações do semi-árido ascendam até o ponto em que abandonem velhas práticas e
explicações mágicas do mundo (como “não chove porque Deus não quer”, por exemplo) e
aceitem os nossos novos argumentos técnico-científicos (a exemplo do esquentamento do
Pacífico Sul, do fenômeno El Nino, etc.).
Ora, diante disso estamos mais uma vez diante de um paradoxo. Por um lado fazer a defesa da
auto-suficiência dos “saberes populares” pode coincidir com um indesejável romantização do
passado, da desatualização dos saberes e dos estados de carência. Por outro, foi esta mesma
racionalidade moderna, técnico-científica, que produziu muitas formas de exclusão e de
massacre dos saberes (em nome de uma prática colonialista já discutida aqui), além de ter
logrado proceder a uma extrema degradação do meio ambiente, tendo sido ela mesma que fez
com que virássemos o milênio comemorando um estágio nunca visto em termos de
desenvolvimento científico e tecnológico e, ao mesmo tempo, lastimando uma erosão
igualmente jamais vista na natureza planetária (e na natureza humana). Por tais razões esta
mesma racionalidade tem sido atacada por todos os lados.
De certo modo podemos ser levados a nos debater entre duas perspectivas: uma que
romantiza o passado e os saberes populares tradicionais (pré-científicos, mágicos) e reluta
contra a entrada dos novos argumentos técnicos, contra as novas tecnologias, etc. E outra que
é ufanista em relação a estes novos aparatos técnicos e, sobretudo só consegue ver progresso
no abandono das “crendices” e na adesão ao argumento racional, matemático, estatístico,
pragmático. Para a educação este é um dilema especial, já que a escola é a mensageira
primordial da lógica formal, e a própria escolarização é, quer se queira ou não, um processo de
integração a esta mesmidade da sociedade letrada, integrada pela língua e pela matemática
oficiais a um modelo hegemônico mais amplo.
Esta questão é importante tendo em vista que o enfoque da “convivência com o semi-árido”
ainda é demasiadamente “técnico-ambiental”, na medida em que considera a questão climática
sobre todas as outras e a questão da adequação técnica como a solução mais palpável e mais
pragmática. É assim que a questão das tecnologias ligadas ao uso dos recursos hídricos e dos
solos, ganha mais relevância na discussão. A razão de ser disso é a própria trajetória das
calamidades que as populações têm vivido, em decorrência das secas, do abandono e da
manipulação política. Esta questão torna-se então a mais cara na discussão da “convivência” e,
portanto, se discute mais o uso dos recursos que seja mais ajustado racionalmente às
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condições ecossistêmicas, do que outras questões (e, de fato, seria uma ironia discutir a
questão do semi-árido sem dar maior vizibilidade a estas questões).
No entanto, diante de tais dilemas, o que parece urgente e a produção de uma saída que nem
esteja localizada no pólo da romantização das carências, nem no pólo ufanista em relação à
racionalidae moderna e à matematização da vida. Neste sentido sequer é possível defender
uma alquimia impraticável: fazer o saber popular ascender ao status de saber científico, sem
ver que se tratam de duas naturezas distintas e, em certo sentido, incompatíveis.
Talvez haja lugar para uma abordagem ecossistêmica, contextualizada e amparada nos
argumentos ecológicos e ecosóficos (GUATTARI, 1990). Em todo caso a discussão da
“educação para a convivência com o semi-árido”, merece ser soerguida à condição de questão
pertinente (para a educação, para a pesquisa acadêmica, para as políticas públicas), e neste
sentido o seu desafio é de permitir que haja religação de saberes em seu percurso. Porém,
com a única condição de reconhecer que este esforço todo só tem sentido se considerarmos
que os saberes que temos –seja na ciência, seja nas tradições populares – não se bastam e
nem bastam ao atual esforço de mudança sociocultural, que a idéia de “convivência com o
semi-árido” implica. Neste caso, anda junto uma demanda de revisão dos próprios saberes com
os quais manipulamos e intervimos na realidade.
E é neste sentido que a questão da “convivência com o semi-árido” se liga a questões maiores,
mais amplas; se abre para que incluamos aí a questão da convivência humana em termos mais
amplos e mais complexos. As questões de gênero, as relações entre as gerações, as questões
étnicas e éticas; questões como o aumento da violência e da hostilidade entre as pessoas.
Questões como a banalização da cultura na Indústria Cultural cada vez mais idiotizada... Enfim,
o fato de estarmos no semi-árido atingidos por todos os episódios mundiais: os ambientais e
especialmente os políticos, tudo isto deve ser lançado para o âmbito da “convivência”. E isto
tudo também constitui o contexto do presente, quando as questões mundiais também
resplandecem no nosso cotidiano mais particular.
Então, não se trata de isolacionismo, de reducionismo ou de qualquer espécie e bairrismo.
Trata-se de nos pensarmos em termos mais cosmopolitas e mais amplos: temporais, espaciais,
ambientais, políticos, comunicacionais, pós-coloniais, neo-coloniais, etc.
A “educação para a convivência com o semi-árido” passa pela escolarização de temas locais
tomados em suas amplitudes, implicando não em tratar estes temas como temas prontos, nem
de recorrer ao “saber popular” e parar por aí mesmo. Trata-se de agregar novos saberes a
estes temas. Como se estivéssemos agregando valor a um produto, o valor a ser agregados
aos temas locais é o novo saber. É a tessitura de redes mais amplas como aquelas que
Câmara Cascudo traçou em seus estudos.
Já afirmei em outra ocasião que se o aboio do vaqueiro será escolarizado, não será apenas
para fazer filhos de vaqueiros aprenderem a abioar. Talvez eles aprendam isto melhor
convivendo com seus pais, na labuta com o gado. Escolarizar o aboio implica em tecer uma
rede de saberes em torno dele: sabres da poesia e da literatura, sabres das memórias coletivas
dos mais velhos, sabres técnicos de métrica e rima; saberes históricos – por exemplo, o aboio,
segundo Câmara Cascudo decorre de uma prática berbere medieval e era um recurso dos
mouros, exilados na Ilha da Madeira, na lida com o gado e daí veio até nós através de
degredados que foram povoar os currais das nossas sesmarias.
Aboio funde elementos arcaicos, matrizes gregas e contribuições de
prisioneiros mouros empregados em trabalhos rurais na Ilha de Madeira
(mourisca, oriental). Música subjetiva, solo, individual, entoado livremente.
Há contribuições da África muçulmânica, da Costa de Marfim, de negros
peuhls do Sudão. Origem fundamental moura, berbere, da África
setentrional, veio para o Brasil possivelmente da ilha da Madeira, dos
escravos mouros aí existentes (CASCUDO, 1984).
A mesma coisa serve a palavra MANDACARU. Podemos tomá-la como uma palavra-chave,
como o núcleo temático de um determinado trabalho. Mas não basta apresentá-la aos alunos e
alunas como todos e todas já a conhecem. Nem é suficiente fazer um desenho sobre o
mandacaru. É preciso tecer as redes de saberes necessária em torno da palavra. É preciso não
esquecer que ela é indígena e tem aí um significado. Em Língua Portuguesa ela tem suas
classificações próprias: é um substantivo concreto, simples, polissílabo, masculino, oxítono
39
Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
que, independente disso, perfila muitas construções artísticas, seja na literatura, na poesia ou
na prosa, nas artes cênicas, fílmicas, plásticas, etc., e, sobretudo, habita um imaginário, um
regime de signos local.
No campo da biologia MANDACARU nomeia um cacto de porte arbóreo, que pertence a uma
família e a uma linhagem, que possui toda uma ancestralidade vegetal; que contém
propriedades químicas, substâncias classificáveis e utilizáveis pela cultura humana, e que se
permite ao agenciamento com muitas espécies animais, constituindo suas relações ecológicas,
incluindo o hábito humano de queimar o mandacaru nativo para alimentar o gado, sem
nenhuma preocupação com o seu replantio na natureza. E ainda se pode entrar nos “currais de
gado”, no feudalismo tardio que se instalou em nossos sertões no processo de colonização
que, para abrir espaços para os currais, operou amplos massacres indígenas, dos mesmos
índios que inventaram a palavra MANDACARU.
Talvez o que esteja em questão na contextualização, na descolonização, na adoção de uma
perspectiva mais engajada nos esforços de desenvolvimento sustentável seja esta ampliação
da abordagem: então não é isolar; é ampliar, é expandir. É tecer redes de saberes que se
vinculam visceralmente às nossas condições particulares de vida, sem, no entanto, se
encerrarem nelas. Por isso exige uma postura mais despojada e mais disposta a não aceitar os
conteúdos prontos, mas ir atrás de sua produção. Produzi-los com os sujeitos envolvidos nas
situações concretas de ensino-e-aprendizagem e fazer, por dentro disso, com que as histórias
negadas possam ser contadas, faladas, descritas e escritas. Devolver a voz aos que a tiveram
usurpada, reprimida, negada.
E neste sentido, não se trata de matematizar a vida. Nem mesmo a discussão da água merece
ser matematizada, uma vez que nossos agenciamentos com a água extrapolam sua explicação
científica e racional. A matemática, no entanto, faz parte da vida humana.
REFERÊNCIAS
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Margareth Rago. – Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 1999.
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CADERNOS CEDES, n. 29 – Educação Ambiental – São Paulo: Papirus, 1993.
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GUATTARI, Félix. As três ecologias – Campinas, SP: Papirus, 1990.
MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas; tradução de Marcos
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40
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sertão: proposta político-pedagógica para as escolas municipais de Curaçá. – Curaçá, BA:
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MORIN, Edgar. O método iv: as idéias, a sua natureza, vida, habitat e organização. – Portugal:
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SANTOS, Cosme Batista dos. Escolarização no semi-árido: uma perspectiva para o letramento
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SAVIANI, Dermeval. O lógico e o histórico nas análises de desenvolvimento e educação na
América Latina. In: RAMA, German [et. al.]. Desenvolvimento e educação na América Latina –
2ª ed. – São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1984, p. 5-16.
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Projeto Nordeste, MEC/BIRD, UNDIME, UNICEF, 09 a 11 de Setembro, 1998.
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TEIXEIRA, Elenaldo. Políticas públicas no município – dificuldades e possibilidades da
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TREVIZAN, Salvador M. O que é rural? O que é urbano? E a educação? Texto base da
palestra realizada no encontro regional do Fórum Estadual de Educação do Campo (FEEC) e
da Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB), preparatório para a Conferência
Estadual do FEEC e RESAB na Bahia. Ilhéus, 27.09.2003.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Primeiramente é importante esclarecer mais uma vez (e não deve ser a última) sobre a
natureza da Rede de educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB), enquanto rede. Ora, a
RESAB não é uma instituição, embora seja um movimento instituinte. Ela até o presente se
negou a se transformar em mais uma ONG. Preferiu constitui-se como rede, agregando as
diversidades constitutivas das ações assentadas na perspectiva da “educação para a
convivência com o semi-árido brasileiro”.
Tais ações ligam sujeitos e instituições diversas, que atual em âmbitos também diferenciados,
indo deste a formação técnica de pequenos agricultores, com base em tecnologias
apropriadas, indo até as ações no campo dos direitos humanos, da erradicação do trabalho
escravo e da exploração do trabalho infantil, dos direitos das crianças e adolescentes (vide
programa Um Mundo Para a Criança e Adolescentes do Semi-Árido Brasileiro levado a cabo
pelo UNICEF e implicando os governadores de todos os Estados constitutivos do SAB).
Se ela não é uma instituição, e sim uma rede, sequer tem natureza jurídica, estando sempre
órfã de instituições que a ela se vinculem e a ela agreguem recursos humanos e materiais para
que, de fato, possa prosseguir articulando a variedade de ações e projetos que filiadas à
mesma perspectiva que a fundou. Neste sentido, é preciso achar uma definição mais
esclarecedora do que seja a RESAB, sobre sua natureza de rede, para que não estejamos
fazendo a manutenção de interpretações equivocadas e reproduzindo, na rede, a expectativa
de uma estrutura fechada e hierarquizada.
Encontramos uma definição de rede que nos parece razoável para constituir um entendimento,
mesmo que inicial e provisório. Trata-se da definição fornecida por Manuel Castells, em A
Sociedade em Rede. Segundo ele,
Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma
curva se entrecorta. Concretamente o que um nó é depende do tipo de
redes concretas de que falamos. São mercados de bolsas de valores e suas
centrais de serviços auxiliares avançados na rede de fluxos financeiros
globais. São conselhos nacionais de ministros e comissários europeus da
rede política que governa a União Européia. São campos de coca e de
papoula, laboratórios clandestinos, pistas de aterrissagem secretas,
gangues de rua e instituições financeiras para lavagem de dinheiro, na rede
do tráfico de drogas que invade as economias, sociedades e Estados no
mundo inteiro. São sistemas de televisão, estúdios de entretenimento,
meios de computação gráfica, equipes para cobertura jornalística e
equipamentos móveis gerando, transmitindo e recebendo sinais na rede
global da nova mídia no âmago da expressão cultural e da opinião pública,
na era da informação (CASTELLS, 1999, p. 498).
Algumas pessoas se assustariam por encontrar aqui, nas referências de Manuel Castells, esta
referência a “campos de coca e de papoula, laboratórios clandestinos, pistas de aterrissagem
secretas, gangues de rua e instituições financeiras para lavagem de dinheiro, na rede do tráfico
de drogas”. Certamente é um exemplo estranho. Mas há outros igualmente estranhos: a
propagação de vírus nas redes de computadores que acessam a Internet e o próprio vírus da
AIDS.
Entendemos que não seja preciso dizer que a RESAB não é este tipo de rede, nem trabalha
com estas mesmas substâncias. No entanto também não está de todo livre delas. A RESAB,
enquanto rede, está apenas incluída em formatos parecidos de funcionamento e de
propagação, conforme a noção oferecida por Castell. Não há aqui o que temer: o fato de tais
palavras – tráfico, drogas, vírus, etc. – estarem presentes neste texto, não significa que elas
4 Este texto é também parte do estudo de Doutorado, cuja tese tomou a RESAB como objeto de
tematização.
deliberadamente contaminarão este texto ou a rede. O fato, porém, de haver pessoas que se
assustam com tais palavras, significa que não devemos menosprezar os seus poderes.
De acordo com Manuel Castells, a sociedade funciona cada vez mais em redes. Evidentemente
isso não é uma qualidade apenas do presente. No passado também sempre existiram
complexas redes de intercâmbio, como as de parentesco, as de comércio, as de trocas
materiais e simbólicas; as redes funcionando como congregação; as igrejas, etc. Ocorre que
dizer rede hoje tem um sentido completamente diferente, já que esta pronúncia no presente,
inevitavelmente inclui a atualidade tecnológoca.
É neste sentido que vem Pierre Lévy, em As Tecnologias da Inteligência (LÉVY, 1993, p. 25-
26). Este autor considera as redes, especialmente aquelas suportadas nas novas linguagens
informacionais, nas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), como sendo
estas redes aquilo que ele nomeia como hipertexto.
Os hipertextos são estruturados, segundo Lévy, em seis princípios fundamentais. O primeiro
dos seis é o princípio de metamorfose, ou seja, uma rede está em constante construção e
renegociação, podendo permanecer estável por algum tempo, como fruto de um trabalho, mas
seu sua extensão, sua composição e seu desenho, lhe confirmam um destino de mudança
constante. Aquilo que por ela circula lhe atribui novas propriedades constantemente e, por isto,
a rede estará sempre mudando.
O segundo é o princípio de heterogeneidade. Isto quer dizer que as ligações, ou seja, os nós e
as conexões (das quais nos fala também Manuel Castells) serão sempre de natureza
heterogênea. Podem ser imagens, sons, palavras, sensações, modelos, idéias, etc., as
conexões se realizarão e se farão motivadas por estes diversos elementos, dispostos e em
contato com pessoas, grupos, artefatos, tipos de associação, forças e interesses variados.
Certamente algumas redes procurarão definir um “ambiente” de interesses, mas assim mesmo
sua natureza será sempre heterogênea.
O terceiro dos princípios é o princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas, ou seja, uma
rede (ou um hipertexto), sempre se organiza de modo “fractal”, quer dizer, qualquer nó ou
conexão pode ser composto de uma outra rede; pode ligar a outra rede, e assim por diante,
indefinidamente, sendo que os efeitos podem se propagar nestas várias escalas e redes
conectadas, como ocorre com os vírus da informática, ou com os boatos que provocam
reações imprevisíveis em cadeia. Assim um “ruído” ou uma interpretação errada de uma vírgula
em um texto, pode repercutir na vida de milhões de pessoas nas escalas atingidas pela rede.
O quarto princípio é o princípio de exterioridade. Ele indica que uma rede não possui unidade
orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e sua diminuição, sua composição e sua
recomposição permanente dependem sempre de um exterior indeterminado: depende da
adição de novos elementos, de novos membros, de novas conexões estabelecidas
especialmente com outras redes; depende desta excitação dos seus terminais. Depende desta
alimentação entre parceiros e interessados; da busca de realização de objetivos sempre
renovados.
O quinto princípio é o princípio de topologia, que indica que nas redes (e nos hipertextos), tudo
funciona por proximidade, por vizinhança, pela fricção de fronteiras. O curso dos
acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos, de comunicação entre caminhos.
Como diz Lévy “não há espaço universal homogêneo onde haja forças de ligação e separação,
onde as mensagens poderiam circular livremente” (1993, p. 26). Tudo que se move e se
desloca o faz na rede e, ao fazer, vai também lhe acrescentando, lhe modificando, enfrentando
suas resistências. Mas a fricção de fronteiras nos lembra que há também na rede, a disposição
dos interesses, a ligação indentitária de variada natureza. Para Lévy não é a rede que está no
espaço; ela é o próprio espaço: aonde tal mobilidade acontece, se expande ou se encolhe,
estabelecendo e modificando seus próprios algoritmos.
O sexto e último princípio é o princípio de mobilidade dos centros, ou seja, a rede não tem um
centro; ela está fadada a ter permanentemente diversos centros...
que são como pontas luminosas perpetuamente móveis, saltando de um nó
a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas
raízes, de rizomas, finas linhas brancas esboçando por um instante um
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
que a fez erigir. Tendo isso minimamente claro, a RESAB poderá proliferar, bifurcar-se se for o
caso, mas crescer, ecoar, resplandecer, ressoar. E para não ficar apenas na imagem do rizoma
e do fuxico, aqui fica outra metáfora, que é inclusive uma das substâncias com as quais
poderemos nutris a nossa rede.
TECENDO A MANHÃ
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
REFERÊNCIAS
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1928.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
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cultura; v. 1) São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1 - Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
1- Introdução
Ao iniciar uma discussão sobre a importância do processo de gestão educacional, não
podemos ter a pretensão de acreditar que apresentaremos os postulados finais ou as bases
concretas e infindáveis de um projeto de gestão. Ou seja, não estaremos aqui assumindo uma
postura de tentar reinventar uma roda que ao longo da sua história e vivências, a cada dia vem
sendo aprimorada. Nesse sentido, traremos apenas algumas reflexões que podem contribuir
com o debate acerca desse grande desafio que pouco aprendemos na prática a lidar com ele,
já que muitos são os artigos, livros e escritos que abordam essa problemática, mas poucas são
as experiências concretas que se fazem práticas do que ao longo desse trabalho estaremos
chamando de gestão democrática e compartilhada.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
segmentos ligados à sociedade civil organizada. Para isso, são princípios inalienáveis da
RESAB:
• Integridade dos atores e atrizes do processo educacional;
• Equidade na distribuição de renda e no acesso do conhecimento cultural, científico,
moral, ético e tecnológico em todos os níveis da educação;
• Intersetorialidade na definição das políticas públicas educacionais;
• Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na construção do conhecimento;
• Sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural como elementos de
sustentação dos processos e projetos educacionais;
• Respeito à pluralidade e à diversidade de culturas, credos, raças, idéias e de opções
metodológicas no processo de ensino-aprendizagem;
• Descentralização, transparência e gestão compartilhada;
• Autonomia financeira e pedagógica dos sistemas educacionais e unidades escolares;
• Valorização do magistério e favorecimento das condições de aperfeiçoamento e de
formação continuada e permanente dos/as educadores/as;
• Respeito aos princípios e direitos constitucionais, aos direitos humanos e ao meio
ambiente;
• Aplicabilidade dos instrumentos legais que visam à construção de uma educação
pública , gratuita e de qualidade no Semi-árido e no Brasil;
• Respeito e promoção dos direitos das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Entendemos que com a defesa e luta intransigente para fazermos desses princípios a
concretização das práticas da gestão educativa no seio da sociedade e das nossas unidades
escolares, estaremos saindo de um discurso que se faz geral, mas que tem camuflado as
práticas e tentado silenciar os educadores e movimentos sociais comprometidos com os reais
interesses da educação em uma sociedade como a nossa, marcada efetivamente pelas
desigualdades sociais e pela defesa do poder a qualquer custo.
Tem sido no cotidiano das gestões educacionais, onde percebemos a grande contradição entre
os discursos oficiais e as acirradas práticas clientelistas e perseguidoras que são
desenvolvidas no seio das administrações públicas, que com raras exceções, tem contribuído
mais ainda, para que tenhamos ouvido da população, dos educadores e dos diversos fóruns de
discussão da educação, quase sempre uma descrença nas instituições (partidos, organizações
públicas, poderes constituídos entre outros) e o fortalecimento da crença nos indivíduos,
revertendo assim os discursos que norteavam os movimentos sociais e setores de esquerdas
desde os anos 60 até o início deste século, uma vez que empiricamente o que têm
sobressaído, são práticas que colocam em xeque todos os referenciais construídos até então.
Quando estamos defendendo como princípios fundamentais da RESAB a descentralização, a
transparência e a gestão compartilhada da educação e das políticas públicas, estamos
entendendo que esses são elementos fundantes de todos ou quaisquer processos de
construção da política pública, onde os atores e as atrizes sociais são considerados/as nas
suas inteirezas, nas suas diversidades e particularidades, independente das suas marcas
ideológicas e cores partidárias.
Nesse entendimento, a co-participação política desses atores e atrizes sociais será capaz de
produzir uma bricolagem nas políticas educacionais, onde as diferenças impeditivas da
construção devem ser deixadas de lado se a intenção é a concretização de uma política
educativa democrática, auto-gestionária, inclusiva e com a marca da pluralidade dos sujeitos
sociais e não apenas uma luta pela manutenção do poder, o que se constituirá
automaticamente a partir das respostas negativas ou positivas dos envolvidos diretamente no
desenvolvimento desse projeto social. Se a sociedade é capaz de absorver as intenções de
uma política popular e participativa, na qual ela é parte, toma parte e faz parte dos momentos
de idealização, planejamento e execução das políticas públicas, dificilmente esta estará
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
defendendo uma proposição que anule este avanço, apesar da presença dos contrários e
contraditórios presentes em todas as sociedades.
Freire (1991), analisando a sua gestão frente a maior secretaria municipal de educação do país
(Município de São Paulo), sabiamente diz:
Na medida em que nos afirmemos na prática democrática da
participação, estaremos nos afastando cada vez mais, de um
lado, das práticas elitistas, antidemocráticas, de outro, das não
menos antidemocráticas, de outro, das não menos
antidemocráticas basistas. Bem sei que não é fácil encarar
projetos ou viver a participação popular como programa de
governo e como ideal político. Não é fácil sobretudo pelas
tradições autoritárias que precisamos superar o que não se
pode fazer no puro discurso contraditado por práticas
autoritárias. (P.75-76)
Investir nessa mudança de concepção parece ser o nosso maior desafio, uma vez que a nossa
história sempre foi marcada por processos colonizadores, não só nos campos econômico,
cultural, político, social, como no que se refere à especificidade da gestão educacional, onde
em boa parte dos municípios brasileiros ainda não se caminhou no rumo de uma gestão
compartilhada e muitas vezes a figura dos secretários educacionais, responsáveis pelo
gerenciamento dos recursos desse setor (uma das grandes fatias dos orçamentos dos
municípios) ainda assim, quase não possuem uma autonomia no que se referem ao
desenvolvimento da educação e valorização do magistério, já que na maioria das vezes, esses
recursos, apesar de todos os avanços da legislação, ainda são gerenciados palas secretarias
de finanças, ao bel prazer dos intentos dos prefeitos e dos interesses políticos dos governos
municipais, que fazem da educação, os seus feudos, para garantir o empreguismo, a
sustentação das bancadas parlamentares, a perseguição dos “desafetos”, entre outros
significados. Essa mudança será lentamente, como lentamente vamos interferindo na velha
concepção de combate à seca no SAB7 pela concepção de convivência com o semi-árido. Até
lá, muitas decepções e muitas batalhas ainda teremos que enfrentar.
3.0 – As formas de ocupação dos cargos de gestores escolares mais comuns entre nós...
O formato mais comum de escolha dos gestores escolares no Semi-árido Brasileiro, não tem
fugido ao modelo que vem sendo adotado em muitas regiões brasileiras, sendo que alguns
casos são apresentados quadros de evolução positiva no processo de ocupação desses
cargos, mas que na maioria dos casos ainda permanecem os velhos esquemas clientelistas e
politiqueiros, fazendo da instituição pública um instrumento particular de atendimento às
demandas pessoais dos prefeitos e seus aliados políticos, com o intuito de manter as bases
eleitorais. Eis algumas das maneiras como tem se configurado esse processo em muitos dos
municípios brasileiros:
a) Indicação política dos gestores – muitas vezes sem a formação necessária e fora do
quadro dos educadores efetivos;
b) Indicação política dos professores do quadro efetivo;
c) Processo seletivo de gestores entre os professores do quadro efetivo do magistério;
d) Eleição direta entre professores do quadro efetivo;
e) Eleição direta entre professores do quadro efetivo com lista tríplice para indicação final;
f) Concurso, certificação e posse dos gestores;
g) Processo seletivo de gestores com lista tríplice para indicação final.
Não faremos comentários detalhados dos formatos acima pois entendemos que eles falam por
si mesmos, demonstrando como foi dito anteriormente, os avanços e retrocessos ainda
presentes nos nossos sistemas educacionais.
7 Semi-árido Brasileiro.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Quadro 01
Alguns indicadores Educacionais do Semi-árido Brasileiro
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
6- Referências
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TOURAINE, Alain. O que é a democracia? 2a.ed. Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes, 1996.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
Nas últimas décadas, a escola re-surge no cenário mundial como um dos espaços privilegiados
de socialização e construção do conhecimento, de formação de importantes competências e
habilidades para os cidadãos e cidadãs do novo milênio. Com isso, a figura do professor, da
professora ganha evidência e é re-colocada no centro dos debates educacionais, só que agora,
com nova roupagem. Há uma crescente (embora tímida) preocupação com a valorização
profissional, inclusive retomando a importância do professor como profissional da educação e,
sobretudo, vinculando à formação docente como um dos componentes da mudança da escola
e do ensino público do Brasil. Essa nova roupagem vem romper com o antigo (embora
presente) discurso que atribuía, exclusivamente, à formação docente, a responsabilidade pela
crescente deterioração da qualidade do ensino, centrando as atenções na figura do professor,
desviando a discussão da ausência de prioridade das políticas governamentais destinadas à
melhoria da educação.
Se durante muito tempo o papel atribuído ao professor à professora era de transmissor da
cultura acumulada pela sociedade, ao longo da história, nos dias de hoje o seu papel se
concentra, principalmente, na reflexão e análise dos conhecimentos produzidos dentro e além
da escola. Neste sentido o papel atribuído ao professor à professora na atualidade é de
construir uma educação que contemple a diversidade humana, provocando novos modos de
ser, sentir e agir de forma diferente. Uma educação que esteja comprometida com o prazer,
com a satisfação, com o respeito às diferenças, de cor, raça, sexo, religião, opção política, com
a felicidade, com a transformação social e acima de tudo uma educação comprometida com a
vida.
Sabemos que a qualificação oportunizada aos professores e professoras nos cursos de
formação (médio e superior) não dá conta de todas as exigências e atribuições destes
profissionais. Então, como qualificar melhor professores e professoras que hoje estão nas
escolas para dar conta de tais exigências? Certamente o caminho a ser seguido é a formação
continuada, que já vem sendo realizada em diversos municípios, inclusive, com a contribuição
de muitas instituições não-governamentais e Universidades.
No entanto, a formação do professor, da professora não pode ser vista somente como
habilitação para sua atuação, mas, acima de tudo, como processo de qualificação de uma
contínua retomada dos conhecimentos com os quais trabalha, possibilitando a reflexão em
torno de sua prática e a atualização constante das discussões sobre os processos pelos quais
a ação docente se dá. Neste sentido, a formação inicial e continuada são partes indissociáveis
e inerentes à carreira do professor.e da professora. A reflexão da prática docente torna-se,
portanto, indispensável para a sua formação e para o trabalho cotidiano na escola.
O processo de formação docente deve ajudar professor e professora a re-significar a sua
profissionalização, perceber-se como trabalhador e trabalhadora que procura autonomia em
sua atividade pedagógica, compreendendo a natureza dos conteúdos com os quais lida
diariamente e as relações destes com as vivências dos alunos, alunas e da comunidade onde
se inserem.
Os professores e professoras têm o desafio de conduzir alunos e alunas a produzirem novos
conhecimentos. É dada-lhe dada a missão de perceber no aluno e na aluna os movimentos
que realizam no sentido desta construção, perceber o sentido da sua busca e tendo a
55
Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
sensibilidade de "seduzí-lo" para as questões essenciais nesta busca, de modo que estes se
tornem estimulados, criativos, autônomos e críticos. Mas para isto, professores e professoras
precisam criar em si estas competências para ajudar o aluno e a aluna a construí-las em si
próprios.
Essa é uma das naturezas da formação continuada. Propiciar aos docentes ampliarem suas
competências. Não podemos esperar que os professores e professoras despertem nos alunos,
nas alunas o interesse pela busca do conhecimento se ele apenas recebe informações de
“especialistas” com a orientação de assimilar e aplicar em sua prática. É preciso incentivar
estes profissionais para produzir seus próprios instrumentos e discursos. Estimulá-los a refletir
sobre os problemas e as necessidades de uma prática condizente com as necessidades dos
alunos, e alunas discutir procedimentos, materiais didáticos apropriados de referenciais
teóricos que respondam às necessidades dessa prática e não se baseiem em condições
idealizadas de trabalho.
O processo de formação precisa ajudar professores e professoras a desenvolver suas
capacidades, construindo instrumentos de compreensão e transformação da sua realidade e da
realidade dos alunos; levá-los a agir a partir de uma reflexão teórica, que possa contribuir para
a reconstrução da ação pedagógica. Pensar um programa de formação continuada é essencial
à construção de um novo currículo que terá como referência à realidade do professor,
professora e do aluno, na sua complexidade e contradições.
É indispensável repensar e propor programas de formação em exercício que tragam uma
política de formação docente diferenciada, que imprimam mudanças de posturas para que os
argumentos pedagógicos não permaneçam na esfera do discurso. A preparação do professor,
da professora deve realizar-se de maneira a torná-los profissionais qualificados, conscientes do
significado da educação, para que possam estender essa consciência aos educandos e
educandas, dando-lhes uma dimensão coletiva e solidária de sua existência.
Portanto a formação continuada precisa fazer parte de um processo permanente de
desenvolvimento profissional, processo, que se dá com o professor a professora no exercício
de suas atividades profissionais, deixando de ser uma atividade deslocada das atividades
escolares ou uma ação eventual, descontínua e desvinculada da prática dos educadores e das
educadoras.
56
REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Este, com certeza, é um dos fatores que contribuem para que ainda se encontrem municípios
onde professoras e professores não têm, ou tem acesso restrito, a planejamentos e a outros
espaços de formação continuada.
Conforme dados do MEC/INEP/SAEB /2001, 86,6% dos professores e professoras de 5ª a 8ª
da zona urbana têm acesso á formação continuada, enquanto na zona rural, este número
representa apenas 19,4%.
O estudo do MEC/INEP/SAEB /2001, não especifica, se a formação continuada é oferecida
pelos municípios ou se deve às iniciativas dos próprios professores e professoras em participar
de cursos, seminários oferecidos por outros órgãos, o que poderia, inclusive, justificar a
participação de 86% dos professores e das professoras da zona urbana. Trazemos esta
reflexão porque sabemos que muitos municípios têm de fato, a dificuldade em criar momentos
de formação para os docentes do Fundamental II, sendo que um dos fatores, é a pouca
disponibilidade de tempo destes, em virtude da maioria, atuar em várias escolas, em jornadas
duplas e até triplas de trabalho, dificultando a realização de momentos coletivos na escola ou
pelas secretarias. Uma outra dificuldade apontada por professores e professoras neste sentido,
é que geralmente, as formações têm conteúdos mais voltados para professores e professoras
de 1ª a 4ª série.
Diante dessa dificuldade de tempo, algumas escolas, tem encontrado meios de garantir a
formação, aproveitando os horários destinados as Acs (Aulas Complementares) e promovido
discussões dentro da própria escola, organizando as AC´s por áreas afins, sob a orientação da
coordenação pedagógica da instituição –quando esta dispõe.
Na tentativa de dar um maior suporte aos professores, professoras algumas Secretarias de
Educação têm investido em um processo contínuo de formação com os gestores e gestoras
escolares, o que vem se somando às ações de formação com os professores visto que, na
maioria das escolas, são estes gestores que acabam oferecendo o principal suporte
pedagógico para os docentes, direcionando os planejamentos e atividades escolares. Outros
municípios têm feito parcerias com Universidades as quais têm auxiliado as equipes
pedagógicas nas formações dos professores e das professoras, especialmente nas áreas
específicas, cuja demanda é cada dia mais crescente.
58
REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
desenvolvimento desvinculados das ações educativas, especialmente daquelas que se dão nas
escolas.
O seu papel, contudo, não desresponsabiliza o poder público de suas obrigações. Por conta
desse entendimento, a maioria dessas Ong ´s, tem feito o papel de assessoria especialmente
na formação continuada, no intuito de se construir e ou fortalecer as competências locais, para
que os atores municipais, possam assumir a autoria necessária para dar andamento a seus
projetos e suas idéias.
Como resultado dessas parcerias, vê-se que os municípios têm tido a oportunidade de ampliar
as possibilidades da formação continuada dos professores e professoras, melhorar o
acompanhamento às escolas, incentivar a produção e registro de experiências e fortalecer suas
ações, por via de intercâmbios com outros municípios e entidades.
É nessa configuração que a RESAB vem tomando formato, unindo esses diversos atores, para
conjuntamente discutir e definir políticas públicas de educação mais inclusivas e apropriadas ao
contexto de vida das comunidades.
Princípios, Diretrizes de Formação Continuada no contexto do semi-árido.
É importante considerar que o papel dos diversos atores nos projetos de formação continuada
deve ter como princípios os saberes práticos dos professores, das professoras, pois é pela
tematização da prática docente (ação-reflexão) que são levados a problematizar a sua prática
confrontando os seus conhecimentos prévios com os novos conhecimentos técnicos-
pedagógicos adquiridos para a construção de novos saberes, novas representações e novos
significados que precisam refletir no seu cotidiano. Formar um profissional reflexivo significa
formar um sujeito autônomo, produtor de novas teorias, que invente novas formas significativas
de ensinar e de aprender, valorizando este fazer para, a partir dele, numa reflexão coletiva,
ajudá-los a avançar.
É pela tematização da prática docente (reflexão na ação) que professores e professoras são
levados a confrontar teorias e crenças com a prática imediata, tornando-se investigadores do
seu saber fazer. Acredita-se no potencial criador e criativo dos educadores, que diariamente
inventam formas eficientes e significativas de ensinar e aprender e produzir novas teorias. É
preciso, no entanto, conhecer essas experiências já desenvolvidas, as formas encontradas por
estes educadores para melhorar as aulas e promover a aprendizagem dos alunos e das
alunas. Para Rejane Maia (2004. p.52)
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Portanto, a formação continuada é direito do profissional e dever não só dele. Para isso, os
espaços e meios de formação precisam ser amplamente discutidos e integrar as políticas e
diretrizes municipais, de forma que garanta ao professor e a professora a participação nos
processos de decisão das diretrizes da escola, conforme ressalta a LDB também nos artigos 1,
2 e 13, entre os quais afirma-se que cabe ao professor, participar na elaboração do projeto
educativo de sua instituição, do conselho escolar, nas ações de articulação com a comunidade,
no planejamento da escola, além, obviamente, de gerir os trabalhos de classe, zelando,
sobretudo, pelo desenvolvimento da aprendizagem dos alunos e alunas.
Pensar os Programas de Formação Continuada na perspectiva da Educação para a
Convivência com o Semi-árido significa preocupar-se em estabelecer diretrizes que assegurem
aos docentes tempos e espaços de formação. A garantia desses direitos é o primeiro passo
para a re-qualificação do ensino público nessa região.
Essa tem sido uma das principais discussões da Rede de Educação do semi-árido brasileiro
(RESAB) que nas diversas conferências realizadas nos estados tem apontado importantes
diretrizes:
1. Garantir que nos cursos de formação continuada para professores e professoras, a
educação seja concebida como um processo permanente na formação humana, esteja
atrelada ao projeto de transformação social e contribua na construção do
desenvolvimento sustentável e solidário para o campo e para o semi-árido.
2. Incluir nos currículos de formação de professores e professoras cursos de pedagogia a
formação política, ética, incorporando as temáticas da proposta de Convivência com o
Semi-Árido e Educação do Campo.
3. Envolver as instituições (ONGs, Universidades, etc.), de formação de professores e
professoras nas discussões da Proposta de Convivência com o Semi-Árido.
4. Reafirmar, dentro do projeto pedagógico da escola a autonomia do trabalho
pedagógico do professor, da professora, como principio básico de ação educativa e
profissional.
5. Assegurar a presença do professor, da professora na escola de atuação, por mais de
três anos, visando garantir os laços de trabalho, a busca de resultados e o
envolvimento na comunidade.
6. O professor, a professora deverão ser contratados em regime de 40 horas, sendo
20horas para o ensino e 20 horas para pesquisa, extensão e formação continuada,
mediante as condições de financiamento e as peculiaridades de cada município,
incluindo professor e professora de 1ª a 4ª e Educação Infantil.
7. Dotar a escola de condições básicas (infra-estrutura física e pedagógica) para
desenvolver atividades didáticas pedagógicas.
Tais diretrizes apontam, evidentemente, para a discussão de que a formação continuada de
professores e professoras, não pode ser vista isoladamente das outras políticas de educação
dos/nos municípios e estados. Os outros fatores que estão relacionados às condições de
trabalhos e, sobretudo, às decisões de cunho político, precisam compor o Projeto de Educação
das Redes de Ensino, tendo a formação, como um dos elementos a serem qualificados.
Da mesma forma que as políticas educacionais precisam compor um todo orgânico e
articulado, a RESAB acredita que elas devem compor um conjunto bem mais ampliado de
intenções e direcionamento político. Ou seja, nenhum projeto de melhoria da educação avança,
se não, integrado às demais políticas de desenvolvimento do município.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
• No partilhar as experiências,
• Considerar as demandas trazidas pelos professores
• Priorizar a articulação entre ensino e pesquisa como fundamento para repensar a
relação escola e comunidade.
• Garantir a organização dos momentos de formação com uma seqüência lógica de
modo a favorecer a ampliação e reflexão dos conhecimentos trabalhados.
Vale ressaltar que esse trabalho deve ter um caráter intencional, que supõe uma direção
política, assegurando que a formação continuada não se restrinja as ações isoladas e
esporádicas, mas que esteja contemplada no projeto político municipal, de forma continua e
sistemática, visualizando a educação como instrumento de mudança na busca coletiva por
uma nova sociedade, onde os professores estejam comprometidos na construção de uma
escola mais humana e prazerosa que contribua na melhoria das condições de vida.
A intenção da proposta da ECSA, é contribuir na construção de conhecimentos e saberes
necessários que instrumentalizem a pratica dos professores e professoras, a fim de que
possam intervir e modificar a sua realidade, reconhecendo-se como sujeito histórico e
protagonista da sua ação, possibilitando que os alunos aprendam algo, que nem mesmo eles
tiveram a oportunidade de aprender. A conhecer e se re-conhecer no Semi-árido.12
Para tanto, faz-se necessário a ampliação das competências que se colocam necessárias para
professores, professoras que direcionam o currículo da formação continuada no contexto do
semi-árido.
que ouve o aluno e considera os seus anseios; que rever sua prática em benefício da
melhoria da aprendizagem; que reconhece que não há verdade única, que nada está
pronto e acabado, capaz assim, de re-planejar constantemente a sua ação.
▪ Comprometido com o fazer pedagógico - Que percebe o ensino-aprendizagem como
um fazer profissional; que se preocupe com o resultado do seu trabalho; com os
índices de evasão e de repetência; com a qualidade da aprendizagem; que se
questiona sobre a utilidade daquilo que ensina seu porquê e para quê; Que
constantemente se questiona sobre como os saberes ensinados contribuem com a vida
dos alunos e alunas; Que investe no melhoramento do seu saber-fazer e portanto, da
sua formação.
Para finalizar pretendemos ratificar que a qualificação dos profissionais é elemento
fundamental na construção de uma educação de qualidade e deve estar assegurada num
conjunto de políticas públicas municipais - nos planos de carreira e de salários, nos planos
municipais de educação, na proposta política pedagógica - num conjunto de ações
devidamente comprometidas com a inclusão, contextualização e democratização do ensino
público no Semi-árido.
Bibliografia:
ANTUNES, Celso. Como desenvolver as competências em sala de aula. 2ª ed. Petrópolis – Rio
de Janeiro: Vozes, 2001.
CENPEC- Ong: Parceria Da Escola, Coleção – Educação e Participação ––.. Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC/UNICEF, 5ª Ed
São Paulo, 2002.
__________ Formação em Serviço - Guia de Apoio as Ações do Secretário da Educação.
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária –
CENPEC/UNICEF, São Paulo, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996..
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL . Referenciais para a Formação de
Professores/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília. A Secretaria, 1999.
SOUZA E REIS. Educação para a Convivência com o Semi-árido - Reencantando a Educação
a partir das experiências de Canudos, Uauá e Curaçá – São Paulo: Peirópolis, 2003.
MAIA, REJANE, A Escola como uma Comunidade de Aprendizagem e a formação contínua do
professor. In: Revista da Associação de Educação Católica do Brasil – AEC – Natal, RN. 2004.
63
Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
13Claudia
Maisa A. Lins
14EdineusaFerreira Sousa
15Vanderléa Andrade Pereira
É importante incentivar a pesquisa da realidade do lugar onde vivemos fazendo elo e conexões
para compreender o mundo a partir da nossa casa, da nossa história, da história do bairro,
cidade, país. Realizar projetos comunitários que se estendam para o planejamento de
atividades que possam ser desenvolvidas na e com a escola, uma proposta de incentivo a
pesquisa, exercitando o processo de conhecer, intervir e transformar. É preciso começar
partindo do local, do conhecimento concreto. As crianças precisam saber da viabilidade
política, econômica, social e cultural do Semi-Árido, da capacidade de desenvolvimento, bem
como da sua complexidade, da diversidade, da realidade constituída de diversas formas de ver,
sentir e viver.
É, portanto, nesta perspectiva que estamos elaborando um material didático a partir da
proposta de Educação Contextualizada. Este material vem sendo discutido coletivamente na
RESAB (Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro), através de fóruns de discussão.
Essa proposta inicial foi bastante discutida nas reuniões de comissão, onde se pensou a partir
do eixo central, na estruturação de temas, subtemas e conteúdos, a serem problematizados no
livro. Nesse processo de discussões esta proposta foi tomando um novo formato, trabalhando
com a perspectiva da idéia de um movimento circular, em que os temas e conteúdos aparecem
inter-relacionados, não hierarquizados, dialogando entre si. Por isso pensamos no formato do
GIRASSOL, como símbolo para representar a nova proposta metodológico do livro,
compreendida a partir de um movimento giratório e integrado.
Essa proposta abre possibilidades de abordar o Semi-Árido em sua complexidade/diversidade,
considerando os diferentes contextos que o compõe e que se relacionam, criam
interdependências e se influenciam mutuamente (o seco, o irrigado, o São Francisco, campo e
cidade, as diferentes formas de organização e de modos de vida das pessoas). Muitas vezes,
as pessoas que aqui se encontram não se percebem como parte dessa região, clima ou
ecossistema, uma vez que todo processo histórico-educacional tem tendenciado para isso. A
proposta do livro é aguçar também o sentimento de pertencer, de atravessar e ser atravessado
por todos os saberes, valores e conhecimentos que existem e possam existir no SAB.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Além do eixo central (Convivência com o Semi-Árido), a proposta tem como pilares
Subjetividade, Local/Global, Saberes, Complexidade, Multidimensional, Contexto que
funcionarão como pressupostos teóricos para respaldarmos as concepções acerca dos
conceitos presentes no livro e a forma como estaremos lidando com a articulação e construção
dos conhecimentos.
As temáticas Meio Ambiente, Sociedade e Poder, Arte, Cultura e Lazer, Trabalho e
Criação, História e Identidade se desdobrarão em diversas abordagens.
Na temática Meio Ambiente serão abordados: relações pessoas/meio, caracterização e estudo
dos rios localizados no SAB, caracterização do espaço (urbano e rural) nos aspectos
ambiental, geográfico, político e cultural, pesquisa sobre a localidade (comunidade, bairro,
município), convivência com/no SAB, conceito/histórico do SAB, localização, vegetação, clima,
solo, relevo, água no planeta, ciclo da chuva, animais, secas – aspectos climático e sócio-
político, convívio social, abordagem das diferenças, portadores de necessidades educacionais
especiais, relação social e biológica do corpo, infância, juventude, sexualidade, afetividade e
gênero.
Em Sociedade e Poder as abordagens serão: ética e cidadania, papel das pessoas na
construção da sociedade, relações de poder (família, comunidade, escola, município, estado e
país), conceitos e preconceitos, valores.
Na temática Arte Cultura e Lazer serão abordados: cultura local e diversidade cultural;
linguagem e usos artísticos, produção cultural, religiosidade, costumes, dialetos, valores
culturais, contos, lendas, festas, brincadeiras, histórias contadas pelo povo, saberes populares,
história e contextualização da arte, artistas e produções locais, relações éticas e estéticas.
A temática Trabalho e Criação abordará: potencialidades do Semi-Árido, relações com a terra
(agricultura, pecuária, reforma agrária), aproveitamento da água da chuva, formas de
abastecimento de água, preservação, pesquisa das diferentes formas de produção (campo e
cidade), geração d emprego e renda, conceito de trabalho.
Na temática História e Identidade: história da população do Semi-Árido, colonização, cultura
européia, indígena, e africana, povoação do SAB, êxodo/Migração, etnia.
Quando se pensou nos pilares, as pétalas menores (saberes, subjetividade, contexto,
local/global, multidimensional e complexidade) estariam interligando o eixo central (Convivência
com/no Semi-Árido) que se encontra na corola do girassol, com as pétalas maiores, onde se
encontram as temáticas principais. Procurou-se conceber os mesmos como base para
construção e desenvolvimento dos conteúdos que comporiam cada temática e sub-temática.
Os pilares, ou alicerces estariam presentes, garantindo a sustentação das pétalas em
consonância com a corola, evidenciando a pertinência dos conhecimentos/conteúdos que
estariam no livro e os que serão construídos a partir dele.
Pensar a elaboração de um livro didático que contemple os diversos aspectos da realidade do
Semi-Árido pressupõe perceber esse universo de forma ampla e plural, compreendendo que
existem múltiplas realidades e múltiplas formas de viver e dar sentido à vida. Os elementos que
permeiam esse espaço possuem características diversas que se constituem num processo
dinâmico, onde cada um é, ao mesmo tempo, uma pluralidade de coisas que se inter-
relacionam o tempo todo e se desdobram em outros elementos.
É preciso considerar que as relações constituídas em todas as dimensões da vida da
sociedade resultam de um movimento constante de redes, que se confrontam a partir de
diferentes formas de pensar, agir e produzir história, e que esta multiplicidade é necessária
para que novas formas de produção sejam criadas. Por isso, ao propor um material didático
que atenda a esta perspectiva, é fundamental compreender que as coisas não se encontram
estanques, fechadas em si, mas que são perpassadas permanentemente por um conjunto de
outras mais.
É pertinente ainda atentar nessa produção para a complexidade de todo processo da história
humana e do meio onde se vive. A história é tecida por elementos diferentes e
interdependentes e que juntos compõem o todo, o complexo.
Nesse processo de construção ocorrem relações diversas, onde cada elemento é único, e a
particularidade de cada um vai ganhando corpo, à medida que se relaciona com o outro, dando
um caráter de multiplicidade. Cada elemento é constitutivo de um todo que está ligado a uma
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Reflexões Teórico-Práticas
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Sociedade e Poder
O estudo desta temática no livro didático permitirá fazer uma análise sobre a forma como a
sociedade se constitui, compreendendo as relações que aí se estabelecem.
Entender a sociedade e suas relações implica em saber, antes de tudo, que ela é feita de
pessoas, valores, coisas, sentimentos, informações, conflitos, processos de comunicação que
se cruzam constroem opiniões, que esta é um campo de lutas, constantes que comportam os
mais diferentes tipos de relações de poder.
As normas são fundamentais para a sociedade: cada um “deve” estar em conformidade com
certos ditos sociais, tanto mais limitados quanto mais livres forem os indivíduos. O que
percebemos é que, ao tempo que se reconhece os limites das normas, há sempre a
possibilidade de transgredi-las, de reeditá-las, daí a possibilidade da mudança social.
Compreender a sociedade enquanto um todo constituído por diversas partes que envolvem
sujeitos e construções éticas, de cidadania, democracia, valores, relações de poder, conceitos,
preconceitos, direito, deveres, participações e principalmente de solidariedade, deve ser
também uma instigação contemplada no livro. É necessário que os sujeitos conheçam a ação e
se reconheçam nela, para então reagir, transformando o que lhes for necessário e preciso para
a constante re-construção da sociedade da qual são e fazem parte. É necessário saber como
as coisas se comportam e também saber inventar comportamento para as coisas.
Quando falamos em sociedade, é preciso atentar para a discussão que existe hoje a respeito
da cidadania. Esta, só é possível com o diálogo das várias culturas sobre as possibilidades de
atuação comum, com o intuito de superar barreiras para compreensão e aceitação do outro,
que é hoje a principal dificuldade que as sociedades têm enfrentado na construção da
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
A pretensão é que se possa estar apontando caminhos a partir do livro, para as discussões que
levem à busca de possibilidades de refletir e até intervir em algumas questões que se
instauraram na nossa sociedade, por conta do simples funcionamento da técnica ou do capital,
do culto ao individualismo, da negação de valores e culturas, em detrimento de outras, da
própria relação de poder que se perpetua nos ambientes sociais, culturais e políticos.
Focalizando também um olhar mais atento na abordagem sobre a solidariedade e a prática da
mesma nas relações que ultrapassam os muros escolares, pois, se acreditamos que os “males”
sociais advêm do distanciamento entre o/a homem/mulher físicos e o/a homem/mulher
sentimentos, necessário se faz investir e acreditar que a possibilidade de mudança e
restauração desse diálogo está no reconhecimento dos indivíduos pelos próprios,
reconhecimento da existência dos diversos, diferentes e iguais, reconhecimento da
necessidade da construção coletiva e solidária da comunidade na qual vivemos e convivemos.
Através dessas reflexões, poderá o livro ofertar conhecimentos básicos para que os sujeitos do
semi-árido conheçam, compreendam e interfiram nos seus espaços individuais e coletivos,
construídos na sociedade a que pertencem e são pertencidos.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
Trabalho e Criação
Entende-se por trabalho e criação o processo através do qual homem e mulher interferem na
natureza, transformando-a, produzindo e reconstruindo a história do mundo. O trabalho não
está atrelado apenas à questão da intervenção na natureza externa, à produção de bens de
consumo, mas é também uma forma como as pessoas se inserem no contexto social,
produzindo saberes, culturas, novos contextos, construindo assim o processo de humanização.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Isso ocorre tanto pela mudança das relações entre si, quanto pela mudança das suas relações
com a natureza.
Essas formas de intervenção acontecem de diferentes modos, a depender das situações e
condições que são apresentadas. Às vezes, essas condições dependem da apropriação de
outros conhecimentos, que vão desde o lidar com as novas tecnologias até as relações
humanas que se estabelecem neste universo. Nesse caso, pensando na relação que cada
pessoa constrói no dia a dia ao lidar com o meio ambiente. Atualmente, com a introdução das
novas tecnologias, essa intervenção tanto pode promover uma melhoria de vida, como também
um processo de desumanização. É preciso que as pessoas comecem a pensar até que ponto
podemos dizer, por exemplo, que a irrigação é sinônimo de progresso e riquezas, uma vez que
esta ação tem provocado a degradação do meio ambiente e gerado um processo de
desumanização, onde famílias inteiras são desapropriadas de suas terras, formando um
exército de trabalhadores escravizados e injustiçados pelo capitalismo selvagem.
No Semi-Árido, como em outros espaços, precisa-se analisar como as relações de trabalho se
deram e vêm se dando ao longo da história, criando mecanismos para reflexão dos modos de
pensar e produzir nesta região, refletir os impactos das novas tecnologias sobre a saúde, a
segurança, as condições de vida das pessoas, não exclusivamente no âmbito da produtividade,
mas sobretudo no âmbito da qualidade de vida em todas as dimensões, incluindo-se aí a
preservação do meio ambiente e a dignidade humana.
É imprescindível que se problematize sobre os processos e relações que se estabelecem no
campo do trabalho, analisando as potencialidades do lugar, o que e como se produz, qual a
sua relevância, o papel que cada tipo de trabalho representa no âmbito da sociedade, na
incorporação e desenvolvimento da produção, a sua dimensão cultural, o seu sentido social
enquanto forma de ação das pessoas na sua formação e na construção do mundo. Observar
como as pessoas se organizam e interagem no meio onde vivem, para que assim seja
possível valorizarmos o SAB e podermos repensar outras formas de fazer e refazer as ações
aqui praticadas. É sobretudo buscar dar visibilidade a um conjunto de saberes e fazeres que
transitam nesse espaço e que dão um caráter peculiar a esta região, percebendo que toda e
qualquer ação que se desdobra, independentemente do modo de ser, resulta de relações
diversas que se cruzam entre pessoas e meio, pessoas e pessoas.
É preciso olhar e entender o SAB pela ótica das suas riquezas, investigar, fazer diagnósticos,
descobrir contextos variados, considerando que cada saber e fazer é parte importante, e que
cada um poderá estar contribuindo para a melhoria e viabilidade dessa região.
Meio ambiente
Trazemos aqui a abordagem do ambiente numa perspectiva multidimensional e complexa,
considerando os diferentes aspectos - natural, social e cultural - e ainda os diferentes contextos
- rural (ribeirinho, sequeiro, irrigado) e urbano (centro e periferia). Percebendo que os
ambientes compõem-se na diversidade e nas relações que se produzem nos diversos espaços,
que se constituem na proporção que fazemos a cultura uma vez que esta interfere
constantemente na produção de significações no ambiente onde estamos inseridos.
O ambiente se faz e se refaz a cada instante. São as características peculiares de cada lugar
que vão produzir uma cultura diferenciada, singular a um determinado local, que também é
perpassado por outros elementos produzidos em outros espaços, tornando-se também plural.
“A realidade brasileira é múltipla, em cada canto do Brasil há uma
realidade distinta, singularizada pelas condições físicas e
climáticas, pelo conjunto de bens simbólicos historicamente
construídos: o saberes, as artes, as técnicas, os usos, os hábitos,
etc”. (Martins e Silva,2001).
Podemos dizer isso também do Semi-Árido, no aspecto global e local. As características de
micro-regiões são peculiares e produzem realidades diferenciadas que vão compondo um todo
a partir de características comuns a esse espaço. As diversidades dos lugares, no que diz
respeito ao clima, vegetação, solo, às questões hídricas, fundiárias e outras favorecem uma
construção própria que vai constituir um processo de relação do homem e da mulher com o
meio natural e entre si, na produção da vida e da subjetividade humana.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
Uma outra preocupação que deve ser problematizada é a produção elevada de alimentos para
atender uma demanda de mercado. Isso mexe com todo o sistema produtivo, onde grandes
empresas agro-industriais interferem no processo natural de produção agrícola, utilizando, de
forma excessiva produtos químicos e modificando, geneticamente, as plantas com o objetivo de
aceleração e aumento da produtividade. Essa realidade está presente também no Semi-Árido.
Felix Guatarri nos possibilita uma reflexão acerca do que ele chama de ECOSOFIA (ecologia
social, mental e ambiental), que está ligado à discussão da ecologia, em três dimensões: da
subjetividade humana, do meio ambiente e das relações sociais. Guatarri trata justamente da
produção da subjetividade humana (conhecimento, cultura, sensibilidade e sociabilidade),
fazendo reflexões sobre o processo desumano e vazio de globalização, dos valores do
capitalismo/ mercado que se sobrepõem aos valores humanos, da usinagem produzida pela
mídia, da progressiva deterioração nas relações de solidariedade. Os grandes problemas da
humanidade como a fome, miséria, a opressão das pessoas, a degeneração dos sentimentos
acabam se naturalizando num mundo onde os valores da competição, do capital é que vão
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
definindo os rumos da relação das pessoas entre si e destas, com o ambiente. Daí a
abordagem do ambiente, da ecologia numa perspectiva planetária, onde todos somos
responsáveis pela produção da vida no planeta Terra, onde devemos buscar uma convivência
política, social, cultural, ambiental e eticamente sustentável para todas as pessoas e essa
mudança começa no chão onde estamos pisando.
História e Identidade
O que é identidade? O que nos identifica como brasileiros? Como nordestinos? E ainda como
povo habitante do Semi-Árido, do polígono das secas?Essa identificação está muito vinculada
ao que chamamos de rotulação, moldura identitária que nos prende a determinados tipos de
estereótipos. Poderíamos buscar essa reflexão por duas vertentes bem diferenciadas, que
nos trazem inquietações sobre a nossa formação enquanto pessoas: o que influencia e como
influencia essa construção dinâmica do nosso modo de ser, de estar no mundo em que
vivemos?
Primeiro, vivemos uma era de globalização onde se busca, o tempo todo, a partir dos valores
importados do mercado, um processo de homogeneização da cultura. É incentivado a cada
instante que as pessoas dancem, vistam-se, pensem, comam, gostem das mesmas coisas e aí
acaba acontecendo um processo de massificação, onde as pessoas passam a fazer, falar,
pensar as coisas só porque o “mundo” está fazendo, não por uma necessidade de
compreensão e construção do seu espaço e de sua própria história.
Por outro lado, tenta-se também enquadrar as pessoas e as diferentes culturas em modelos
estereotipados, produzindo uma espécie de culturas exóticas, onde, por exemplo, podemos
destacar aqui os sertanejos, coitadinhos nordestinos, os meninos e meninas de periferia, o
mocinho e a mocinha da cidade e do mato. E colado a esses estereótipos, vêm junto
preconceitos de quem são e o que fazem, de forma generalizada. E o que é pior, nesse
processo de globalização, a produção do exótico é uma intenção do mercado, há interesse
econômico de comercialização daquilo que é “diferente”. A globalização acelera e aprofunda a
produção de mercadorias, onde o mais importante é o valor de troca que as coisas e as
próprias pessoas possuem, criando necessidades de acordo com os interesses econômicos.
Pensar a nossa história, a nossa identidade é pensar sobre essas questões que implicam
também a formação da nossa subjetividade.
“Certamente o indivíduo se constrói no social, mas ele se constrói ao
longo de sua história, como singular. O indivíduo não é nem a simples
encarnação de um grupo social, nem a resultante das influências de
seu ambiente, ele é singular, quer dizer, síntese humana original
construída em sua história”. (Bernard Charlot).
O povo que habita o Semi-Árido foi constituído num processo de miscigenação de grupos
étnicos diferenciados, que foram se fazendo presentes nesse espaço, cada um com sua
trajetória histórica. Os povos que aqui habitavam tinham uma relação de convivência com os
aspectos que constituíam essa realidade (existem estudos que dizem: há mais de 10 mil anos),
desde uma caracterização geográfica bastante diferenciada (vegetação alta e verde, clima
úmido e com animais gigantes), até a uma caracterização mais próxima do que é o semi-árido
hoje. Essas pessoas passaram por transformações ocorridas no espaço geográfico onde
habitavam, que exigiram mudanças de hábitos e costumes.
O sentimento de pertencimento a um lugar, a uma cultura significa conhecer e viver sua própria
história, sua própria cultura. Embora que viver em um lugar não signifique necessariamente
estar fechado nele, mesmo porque, numa compreensão mais ampla, somos formados pelo que
é local como também pelo que é universal, global. Se analisamos a construção da nossa
história, enquanto povo, poderemos perceber, mais claramente, esse processo de formação
híbrida que ocorreu na América.
A cultura dos primeiros habitantes deste espaço foi brutalmente dizimada, ao passo que uma
cultura dominante se instalava, sem considerar, muitas vezes, as particularidades de um
contexto climático, geográfico encontrado. Os africanos, por outro lado, foram trazidos para cá
num processo desumano, onde antes de serem deportados (há históricos que afirmam) teriam
que dar uma volta em torno de uma árvore (a do esquecimento), simbolizando o esquecimento
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
de sua história, de sua cultura, de sua terra, para que assim pudessem chegar aqui bem
humorados e não constranger com energias negativas os seus senhores.
Com a colonização, diferentes elementos foram acrescentados, bem como outros, foram
brutalmente retirados. Os habitantes que aqui já existiam (os índios) foram retirados da
convivência com o seu ambiente para serem escravizados e nesse processo de luta, para
garantir sua identidade enquanto povo, milhares foram mortos.
“Estes povos, provavelmente já haviam desenvolvido formas
adequadas de manejar a natureza, diante das particularidades
climáticas. Mas destas tribos, grupos ou nações, sobraram apenas
múltiplas frações misturadas a outras tantas frações de outras raças,
etnias, grupos, nações, etc., que compõem as feições dos vaqueiros
que vieram povoar a região, a partir dos currais de Garcia D’Ávila (Cf.
Gonçalves, 1997: 13-34)” (Martins e Silva,2001).
Nesse espaço também foi acrescida a cultura africana, onde pessoas (ou melhor, nem eram
consideradas como gente) desse continente foram trazidas para serem escravizadas,
exploradas. É em meio a essa mistura de etnias, bem como a um processo desumano, que o
Brasil e, conseqüentemente, o Semi-Árido, é povoado. E o Brasil, o Semi-Árido passam a ser
habitados a partir dessas histórias, das histórias das pessoas, que inclusive não aceitaram tudo
de maneira passiva, pois diversas formas de resistência e de luta foram vivenciadas ao longo
desse processo.
É nesse contexto que fomos constituídos enquanto povo, diante de uma “combinação”
diferenciada, de uma diversidade de culturas, produzidas, inclusive, em outros espaços, que
chegam aqui, se relacionam com o ambiente natural e cultural, vão se re-significando e se
constituindo em aspectos e pessoas muito particulares. É o resultado dinâmico do processo de
hibridismo, onde diferentes tradições culturais vão produzindo novas formas de cultura. É
importante acrescentar que o hibridismo é uma riqueza cultural, pelo entrelaçamento de hábitos
e de criações diferentes. Não há culturas sem misturas, sem trocas, sobretudo depois que
houve intensificação dos contactos entre os povos.
Basicamente, as três etnias que nos formaram enquanto pessoas foram os indígenas, africanos
e europeus. Hoje, nosso povo vem se constituindo com a presença, também, de outros povos,
bem como de seus elementos culturais.
Em História poderá se fazer um estudo sobre as relações de poder que se dão na sociedade e
suas implicações, o convívio social na família, escola, trabalho, que relações são construídas a
partir destes coletivos, problematizar o conceito de trabalho enquanto princípio de formação
humana, seus processos de relações, a importância que cada tipo de trabalho representa para
a sociedade, enfim, toda a sua dimensão cultural. Possibilitará ainda fazer uma reflexão sobre
o papel das pessoas na construção de uma sociedade mais solidária, discutindo os direitos e
deveres do cidadão e da cidadã como pessoas construtoras de um mundo e não no conceito
de cidadania a partir dos valores do mercado que valemos apenas pelo que significamos em
termos de custo. Pensar ainda quais políticas estão sendo articuladas, no sentido de assegurar
uma vida digna para as crianças e adolescentes, refletir sobre o papel da mídia e dos meios de
comunicação enquanto instrumentos de poder de formação de opinião e que influência estes
instrumentos trazem para formação das pessoas, ainda pensar os fatores que favorecem ou
desfavorecem o acesso a essa comunicação, como, e até que ponto, as pessoas têm acesso a
esses mecanismos. Poderá ser realizado também um estudo sobre as organizações sociais
(Sindicatos, Associações, Igreja) e o seu papel enquanto articuladores dentro da sociedade.
Pode-se discutir o processo histórico da comunicação e sua influência na vida das pessoas e
das comunidades, analisando de que forma as pessoas se apropriavam e se apropriam hoje
dos veículos de comunicação, rádio, televisão, computador, carta, telefone, telegrama, outros,
bem como a intervenção de cada um ao longo da história destas comunidades. “... As
dificuldades de transporte, os carros de boi é que iam para Bonfim era muito pouco, não
era todo mundo que possuía, era aquele seu fulano que tinha boi. O povo ia com estas
cangas buscar o carregadio no lugar que tinha uma lavrazinha, então tudo era assim
Quem tinha condições ia buscar o comestível para dentro de casa. Cansei de sair daqui
para Bonfim, dormir no caminho, acendia um foguinho, peava o jegue, e deitava embaixo
de um umbuzeiro. Tinha um rádio que chegou por aqui em 1950. Ás vezes para falar pra
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
São Paulo era preciso o telegrama. Tinha também o telégrafo, a gente ia para Barrinha(
povoado do município de Juazeiro-Ba) para falar, era um fio que passava na linha de
ferro, depois pegou a chegar outras coisas, o telefone, essa parte ai eu achei boa. Antes
rolava dias para receber notícias’’.(Sr.Bernardino, Mundo Novo – Curaçá – BA).
É importante a contextualização histórica da cultura e da arte, permitindo que os/as
educandos/as, a partir dessa noção mais ampla, possam construir seus próprios conceitos,
interagindo o conhecimento teórico com a prática local. A disciplina poderá realizar um
diagnóstico de realidade na comunidade sobre as manifestações artístico-culturais, valores e
origens das diversas expressões para então traçar uma análise comparativa, via construção da
linha do tempo, o que possibilitará um encontro das pessoas com a história local e geral. Esse
diagnóstico será base para as demais áreas do conhecimento.
Estará também abrindo possibilidades de estudar a história e saga dos primeiros habitantes, a
história do povo africano, de como chegaram aqui, bem como estudar o processo de
escravização e dominação de povos sobre outros. Conhecer também como se constituíram os
vaqueiros, nossos ancestrais mais próximos, e como o Semi-Árido foi povoado. Nesta
perspectiva, perceber a importância de muitas histórias que foram omitidas, esquecidas, como
a de Canudos na Bahia, onde Antonio Conselheiro liderou um processo de construção histórica
de uma comunidade alternativa à implantação da República no Brasil. Conhecer também a
participação, a de Antonio Virgulino Ferreira (Lampião) e suas andanças pelo sertão nordestino
entre outras. Tudo isso é importante para conhecimento de todo o processo de formação do
povo e é interessante que possamos fazer isso a partir da nossa própria história, da história de
cada um, desenhando a árvore genealógica e através de pesquisas, compor o nosso próprio
cenário de formação.
A Língua Portuguesa poderá contribuir para o entendimento do processo de comunicação ao
longo da história, tanto da modalidade falada quanto da modalidade escrita da língua, incluindo
aí a criação do nosso alfabeto, a invenção da escrita, enfim, os meios de comunicação
utilizados pelas pessoas nesse processo, sua função social e contribuições para a história da
humanidade. O estudo da língua possibilitará também o desenvolvimento da oralidade e isso
facilitará o processo de aquisição e apropriação da leitura e da escrita. Um estudo dos falares e
linguagens praticadas na comunidade ajudará na montagem de um cenário lingüístico local,
regional, reconhecendo também as influências externas. A partir da pesquisa, a construção da
história daquele lugar, na qual estarão envolvidas todas as disciplinas, trabalhando com os
contos e causos populares, literatura, histórias contadas pelas pessoas, lendas, festas,
brincadeiras, modos culturais e artísticos, tipos e gêneros textuais, seus usos sociais e a
construção do dicionário cultural da localidade. É importante constituir metodologicamente um
diálogo com a diversidade lingüística, apropriando-se das diferentes formas de expressões, o
coloquial, o formal, reconhecendo que, para isso, faz-se necessário conhecer e utilizar as
normas gramaticais e ortográficas, favorecendo dessa maneira o processo de letramento na
perspectiva dos usos sociais da língua, do respeito às diversidades e do desenvolvimento da
competência e da melhoria do desempenho lingüístico dos alunos.
Na área de Matemática, o processo de apropriação dos conhecimentos matemáticos pela
humanidade, como surge, atendendo a que necessidade, a compreensão através do mapa
cultural e aproveitando da linha do tempo, poderá fazer um estudo das épocas, onde arte e
cultura interferiram nos rumos históricos. Pode-se realizar um estudo sobre as noções de
tempo e espaço, utilização de pesos e medidas (tempo, distância, massa, capacidade) ao
longo da história, possibilitando uma compreensão dos tempos/espaços históricos. Realizar o
estudo sobre os conceitos, as construções de noções numéricas, num sentido representativo
simbólico e sua significação em termos de quantidade, contextualizando esses valores
numéricos, para que a criança possa trabalhar com o que tem significado para ela, possa
perceber o espaço através dos conhecimentos matemáticos. O trabalho realizado, por
exemplo, através de pesquisas possibilita quantificar, tabular dados e índices estatísticos,
representá-los com gráficos, conhecer a extensão territorial, a população de pessoas, animais,
plantas de uma localidade, o grau de escolaridade das pessoas, quais ocupações de trabalho
das pessoas, qual a renda e quais são geralmente suas despesas. Poderá contribuir também
para que as pessoas compreendam todo esse universo da produção e comercialização,
fazendo cálculos do que se produzem, investimentos, custos, prejuízos, lucros, quantidade
beneficiada e comercializada, de que forma isso pode ser revertido em benefício, renda para a
família, planejamento, através de planilhas e gráficos, contabilidades.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
O campo das artes poderá fazer uma reflexão sobre os programas de rádio e televisão,
equipamentos eletrônicos e programas de entretenimento, analisando a qualidade dos
mesmos, fazendo uma releitura do seu papel enquanto formadores de opinião. Pensar ainda
sobre a contribuição da arte na formação das pessoas, visualizando os princípios éticos e
estéticos que perpassam o fazer cotidiano, compreendendo a produção artística como meio
importante na constituição de outros processos nesse fazer.
A arte aparece como disciplina de expressão, contextualizando com o lúdico e a sensibilidade
das pessoas. Ela favorecerá um olhar sensível aos resultados do diagnóstico cultural, além de
trabalhar a produção de obras de arte (cênica, literária, música, dança, teatro, artes plásticas,
artesanato, etc) da cultura local, enfatizando a importância da arte como elemento cultural e a
cultura como elemento artístico, ambas como exercício de lazer. Pesquisar a história de cada
expressão artística no SAB e as interferêcias de outras manifestações de arte de outros
lugares. Num diálogo aproximado e constante com a língua portuguesa e com outras áreas do
conhecimento estará re-significando todo o acervo oral e escrito da cultura popular,
considerando aí as lendas, mitos, contos, brincadeiras, festas, crenças, superstições,
adivinhações, etc, compreendendo as influências dessas expressões culturais nas produções
artísticas locais, percebendo o lugar da arte na comunidade.
A área de Ciências dá uma contribuição no estudo dos tipos de plantas, como funcionam, quais
os mecanismos de adaptação ao clima, seu ciclo de vida, a água , qual sua composição,
origem e ciclo, qual a contribuição no ciclo de vida dos seres vivos e como os seres humanos
se apropriam e se beneficiam desses recursos, realizando assim um estudo da paisagem
natural do SAB, as plantas nativas e trazidas de outros lugares, bem como a sua importância
na viabilidade da produção e beneficiamento, o valor nutritivo destes produtos, os cuidados
com a saúde, o uso de agrotóxicos, a água no processo da produção, formas de utilização da
mesma. É importante, também, realizar um estudo sobre o corpo humano, a construção da
relações sociais com o corpo, na afetividade e sexualidade, como se estabeleceu ao longo da
história as relações de gênero, como as características naturais do sexo vão definindo o papel
do homem e da mulher e de que forma poderemos refletir essas verdades. Ainda em ciências,
abrir espaço para compreender as diferentes formas da composição física e psíquica do ser
humano, seja na diferença entre mulher e homem, na diferença a partir das características
étnicas, culturais, religiosas, bem como nas diferenças advindas da ausência de funções dos
órgãos dos sentidos ou falta de partes físicas do corpo, além do funcionamento mental.
É interessante também que tenhamos um conhecimento das posturas e condições dos hábitos
e costumes higiênicos e de como estes intervêm na promoção da saúde das pessoas e dentro
dessa perspectiva, pesquisar as doenças presentes neste contexto e quais as formas de
prevenção e tratamento. Perceber quais os avanços tecnológicos, quais as formas de acesso e
quais as influências na vida das pessoas, pensando de que forma estão lidando com esse
universo e que novas atitudes estão sendo incorporadas a partir disso. Refletir também sobre
as influências em nível de saúde cidadã, condições e qualidade de vida nas comunidades, as
indústrias farmacêuticas, os remédios, a produção natural, as pesquisas no campo da ciência,
os mitos e verdades, descobertas e entraves. Ciências poderá explorar também os saberes
populares e os elementos do meio que fazem parte das culturas identificadas no diagnóstico,
observando o desenvolvimento cultural, abrindo uma discussão sobre os mitos e verdades que
permeiam a cultura da alimentação, bem como trabalhar o meio como elemento fundamental
na produção artística.
A geografia poderá estudar o movimento migratório das pessoas de uma região para outra, de
um país para outro e de perceber as causas e conseqüências desse movimento, desde a saída
por procura de melhores condições de vida, até à imposição de situação por motivos de
projetos, como os de construções de barragens e usinas hidrelétricas, analisando aí de que
forma esse processo vai se constituindo e ou contribuindo para a formação da população do
Semi-Árido Brasileiro. Poderá ser feita ainda uma abordagem sobre trabalho e ecologia, que
implicações surgem nesse processo, pensando a qualidade de vida, a preservação do meio
ambiente, buscando compreender as formas de produção, a exemplo da agricultura, pecuária,
apicultura, piscicultura, de que forma estão sendo praticadas, quais as tecnologias implantadas
para viabilizar esta produção e os seus impactos. Estudar também de que forma os produtos
cultivados no SAB são beneficiados e comercializados, como é feito o escoamento dessa
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Referências
APRÍGIO, Aparício e ROCHA, Maria Yara. Memória – Terceira Idade: Conta, Canta e encanta.
Realce Editora. Itapajé - CE, 2002.
CAATINGA. Soluções para o Semi – Árido. PEDs – Práticas de Estimulação Dedutiva,
Cadernos 1, 2, 3.
CEFAS. Passos de Convivência – Semi-Árido
FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia no livro didático. São Paulo: Cortez, 1986.
MEB. Seu Mota e a história da Amélia. Brasília, 2000.
FREITAS, I. Escola, currículo e convivência. Juazeiro, mimeo. 2000.
GONÇALVES, Esmeraldo Lopes. Caminhos de Curaçá, Curaçá - BA, 2000.
_________. Vozes do Mato. Ed. Gráfica Franciscana. Juazeiro – BA, 1997.
GUATARRI, Felix. As três Ecologias, tradução: Maria Cristina F. Bittenencourt – Campinas, SP:
Papirus, 1990.
IRPAA. A Roça no Sertão. IRPAA, 4ª edição ampliada e revisada, Juazeiro, 2001.
______. Cabras e Ovelhas: Criação do Sertão. IRPAA, 4ª edição ampliada e revisada,
Juazeiro, 2001.
______. A Busca da Água no sertão. 4ª edição ampliada e revisada, Juazeiro, 2001.
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Educação para a Convivência como Semiárido:
Reflexões Teórico-Práticas
Em que tempo olhamos interiormente para o nosso lugar.Esse pedaço de chão chamado Semi-
Árido? E quando olhamos, o que esse olhar nos revela? Enxergamos o belo no nosso cotidiano
para além de um óleo sobre tela? A arte pode ser uma janela por onde olhemos e nos vemos
outros, a janela que nos permite sonhar com a humanidade e, apesar das adversidades,
desejar o céu, o paraíso, o eldorado, o nirvana, a terra sem males, a utopia.
A busca do belo, isto é, a sintonia de certos e diversos elementos destinados a despertar o
prazer dos sentidos, surgiu com o próprio homem/mulher.De algum modo todos os
agrupamentos, por mais rudimentares que sejam seus meios intelectuais e técnicos, têm
procurado de uma forma ou de outra satisfazer essa necessidade do belo, nota-se desde as
primeiras manifestações artísticas identificadas no nosso processo histórico. E hoje
enfrentamos, no cotidiano, uma verdadeira epopéia do sentir e da pulsão de ter que ler com o
olhar, visto que o nosso imaginário é massacrado através de contínuas colonizações visuais e
sonoras. O cinza, que para o mundo, é a cor do Semi-Árido, está também no nosso modo de
conceber e construir as coisas, no modo como disseminamos os nossos conceitos e
preconceitos, na negação da nossa capacidade de sentir e permitir-se criadores e criativos, de
nos enxergarmos e enxergar o outro pelas frestas das possíveis possibilidades de sempre
poder olhar.
A reflexão que fazemos sobre o lugar da arte na nossa convivência, nos direciona para a
importância da educação do olhar.A educação do olhar torna-se, dentro da discussão de
convivência com o Semi-Árido, uma forma de humanização e de cultivo, o que demanda
compatibilizar imagens do cotidiano e sensibilidade estética sobre a arte e a cultura do Semi-
Árido. Mas demanda acima de tudo, a recuperação da arte do fazer, do refletir e do intervir,
pois no atual contexto, em que discutimos e vivemos o Semi-Árido, tudo que é visível é
potencialmente político, o que exige, como contraparte, uma ética e uma ecologia da
visibilidade. Essa ética sempre implicará em olhar, escolher, discriminar, apropriar-se e reeditar
imagens e formas do cotidiano que se ajustem à configuração estética de cada pessoa, à
estética social dentro de uma perspectiva de conhecimento artístico-coletivo da realidade que
se movimenta no tempo/espaço onde vivemos e convivemos.
A arte é modo de fazer, práticas, também de convivência, que revelam modos de pensar e
sentir indissociáveis de modos de usar.É importante ressaltarmos que nas interações
cotidianas, as artes, nas suas diversas linguagens – artes cênicas, artes plásticas, literatura,
artes gráficas, cinematográficas, música, estão ligadas à sobrevivência, a processos de
significação e simbolização, confrontos com os poderes dominantes, desenvolvimento das
capacidades sensível-sociais, formas de convivência e experiências de fruição e prazer.
Considerar a arte, assim como a cultura, como elemento contribuidor de desenvolvimento
sustentável ambiental e humano é, principalmente, olhar e discutir o cotidiano da convivência
nos diversos semi-áridos existentes no Semi-Árido Brasileiro- SAB, considerando também que
neste universo diverso confrontam e comungam os diferentes “tipos’ de nós, que povoam entre
rural, urbano, rios, secos, prédios, roças, favelas, que falam tantos linguajares, que se
diferenciam geográfica-social e culturalmente nos seus diversos modos de comer, vestir,
cantar, sofrer, contar, festejar, sonhar e querer, que constroem, destroem e reconstroem
processos identitários na sua nordestinidade e brasilidade.
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Pedagoga, Arte-Educadora, Especialista em Educação de Jovens e Adultos, Mestre em
Educação, Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF, em Juazeiro – BA.
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REDE DE EDUCAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO RESAB
Vale ressaltar também que a percepção de si mesmo dentro do agir no cotidiano, é um aspecto
relevante que distingue a criatividade humana, movida pelas necessidades concretas sempre
novas. O potencial criador do homem e da mulher surge na história como um fator de
realização e constante transformação. Ele afeta o mundo físico, a própria condição humana e
os contextos sócio-culturais existentes em cada lugar. Daí a importância de fomentarmos,
enquanto movimento de discussão de uma educação para convivência, as possibilidades
criadoras e criativas que busquem capacidades de deixarmos enraizar no outro e o outro em
nós, sem destruí-lo ou destruir-nos e, principalmente, a capacidade de desenraizar e
reenraizar sempre que preciso for.
O fazer, os saberes, os símbolos e a interação dos indivíduos é que produzem cultura e essas
interações “moldam” a estrutura material e dão um estilo à história, aos acontecimentos, aos
fatos, aos modos de relação do homem e da mulher com o meio ambiente, ao encontramento
dos seres nos seus espaços locais e globais, nos seus contextos individuais e coletivos. Assim
a arte e os diversos elementos artísticos estão, e precisam ser reconhecidos, nos espaços de
convivência como elementos de tessitura, os nós que ligam os fios da teia sócio-cultural
constituída no SAB.
A arte é uma destas coisas que, como o ar, a terra, está ao nosso redor, em toda parte, em
tudo que fazemos para agradar nossos sentidos, mas que raramente nos detemos a
considerar. No entanto, enfatizamos, que a percepção da existência da arte está
intrinsecamente atrelada ao conhecimento o que nos remete agora um olhar para a educação,
principalmente, para os espaços de aprendizagens.Para se intervir, pragmaticamente, nesses
espaços faz-se necessário refletir: 1- Em que contexto esta arte está presente nos lugares de
convivência: família, escola, trabalho, comunidade, estado, País; 2- o que temos, enquanto
educadores e educadoras, Poder Público, Ong’s, instituições financiadoras, oferecido à nossas
crianças e jovens em termos de acesso aos bens artísticos; 3- o que de arte discutimos quando
bradamos a necessidade de uma educação contextualizada; 4- a que plano relegamos a arte
nos nossos currículos e experiências diferenciadas; 5- até que ponto o humano é considerado
na luta por um desenvolvimento sustentável; 6- com que possibilidades sensíveis-criadoras
estamos nos formando e “formando” os futuros e futuras educadores e educadoras; 7- até que
ponto a arte é tratada como área de conhecimento e não como entretenimento e passa-tempo.
A proposição de discutir, dentro desse movimento rizomático, o lugar da arte nos espaços
físicos e ideológicos de aprendizagens, é garantir que o foco da educação para a convivência
com o SAB esteja também preocupada com a construção de pessoas sensíveis-pensantes e
que a lógica do conviver melhor neste espaço não se restrinja ao campo físico, mas se amplie
para o universo humano. É preciso que nessa relação de convivência se garanta também o
lugar das crianças, dos/as jovens, dos negros e negras, dos índios e índias, dos/as
homossexuais, dos/as portadores/as de necessidades especiais, dos homens e mulheres
diferentes e diferenciados, o lugar das lutas sociais e dos movimentos de classes, dos que
acreditam e desacreditam num SAB viável, considerando o saber cuidar de cada um e uma que
aqui neste chão Semi-Árido constrói, de diferentes modos, a nossa história.
A arte pode estar presente na nossa relação cotidiana, mas, para que ela traduza valores
humanos, precisa contextualizar-se na ação das pessoas, tornar-se mediadora entre os seus
imaginários e o imaginário social, como algo inserido nas suas culturas e nas suas vidas. Aqui
entra o papel fundamental dos processos educativos, pois, diante da vasta oferta de “porcarias”
performáticas e espetaculares na sociedade, a escola encontra-se em desvantagem, visto que,
na maioria das vezes, a comunicação visual, corporal e a retórica dos/as educadores não
convencem. O mundo das escolas é um mundo cinza, parado, passivo, enquadrado. As
imagens, na escola, são manipuladas como se fossem neutras e inofensivas, além de serem
mal aproveitadas em termos de possibilidades educativas. Os ambientes escolares
desconhecem que o mundo em torno delas, tem movimento e vida, e arte. Há, pois uma
necessidade da recolocação do campo epistemológico da arte articulado e contextualizado
com toda a construção humana presente no semi-Árido Brasileiro. A urgência e luta de fazer do
SAB um lugar verde, deve ser a mesma de fazê-lo amarelo, vermelho, abóbora, rosa choque,
lilás, azul, violeta, salmon, grafite...um caleidoscópio!
Na discussão e reflexão sobre o lugar da arte e das pessoas nesse contexto de constantes
aprendizagens e diversas formas de convivências é preciso assegurar quatro processos
básicos que devem estar além das discussões intelectuais e teórica mas sim, lançadas para as
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REFERÊNCIAS
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