Você está na página 1de 242

EDUCAÇÃO DO CAMPO E

PEDAGOGIAS EM MOVIMENTO
Maria do Socorro Pereira da Silva
Ozaias Antonio Batista
Lucineide Barros Medeiros
Organização

EDUCAÇÃO DO CAMPO E
PEDAGOGIAS EM MOVIMENTO
Reitor
Gildásio Guedes Fernandes

Vice-Reitor
Viriato Campelo

Superintendente de Comunicação Social


Samantha Viana Castelo Branco Rocha Carvalho

Editor Comitê Editorial Adhoc


Cleber de Deus Pereira da Silva Ozaias Antonio Batista – UFERSA
Lucineide Barros Medeiros – UESPI
Especialização em Educação do Campo Maria do Socorro Pereira da Silva – UFPI
Coordenação: Adriana Lima Monteiro Cunha – UFPI
Maria do Socorro Pereira da Silva
Edição e Normalização Bibliográfica
Vice-coordenador: Maira Danuse Santos de Oliveira
Ozaias Antonio Batista
Revisão
EDUFPI - Conselho Editorial Maira Danuse Santos de Oliveira
Cleber de Deus Pereira da Silva (presidente)
Cleber Ranieri Ribas de Almeida Capa e Diagramação
Gustavo Fortes Said Wellington Silva
Nelson Juliano Cardoso Matos
Nelson Nery Costa
Viriato Campelo
Wilson Seraine da Silva Filho

FICHA CATALOGRÁFICA
Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências da Educação
Serviço de Representação da Informação

E24 Educação do campo e pedagogias em movimento / organização, Maria


do Socorro Pereira da Silva, Ozaias Antonio Batista, Lucineide Barros
Medeiros. – Teresina : EDUFPI, 2023.

240 p.

ISBN: 978-65-5904-244-9

1. Educação do campo. 2. Pedagogias em movimento. 3. Escola


básica. 4. Camponeses. I. Silva, Maria do Socorro Pereira da. II. Batista,
Ozaias Antonio. III. Medeiros, Lucineide Barros.

CDD: 370.193 46

Bibliotecária: Francisca das Chagas Dias Leite - CRB3/1004

Editora da Universidade Federal do Piauí – EDUFPI


Campus Universitário Ministro Petrônio Portella
CEP: 64049-550 - Bairro Ininga - Teresina - PI – Brasil
Transgredir a ordem

Eu prefiro as transgressões
Do que os mandatos maliciosos
Corrompidos pelo sistema mafioso
Enganado pelo engodo
Que sacrifica ano após ano o seu povo

Eu gosto do corpo a corpo


Do olho a olho
O gozo de um amor silencioso
Ouvido pelo silêncio da noite
Que sempre alvorece
De um novo amanhecer amoroso.

É necessário crescer na ousadia


Transgredir a ordem maculada
Que governa o estado com tirania

Eu gosto das transgressões


que cresce na alma da rebeldia
Pra revolucionar a democracia

É preciso infringir a noite do silêncio


Entrar nas entranhas da alma esquecida
Acreditar no oceano da humanidade
Assim será nossa vida
Acredita na força dos esquecidos
Com armas flores e poesia.

Adilson de Apiaim
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................ 9

OCUPANDO O CAMPO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE


PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO....................................... 17
Carmem Lucia Bezerra de França
Maria do Socorro Pereira da Silva

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018).... 45
Andréia Guimarães Felipe Evangelista
Mara Franco de Sá

EDUCAÇÃO ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA


NAS ESCOLAS DO CAMPO........................................................... 75
Jânio Gomes de Carvalho
Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista

A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E


DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI
(DIOCESE DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)................................. 123
Maria das Mercês Alves De Sousa
Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
RELAÇÃO ESCOLA E COMUNIDADE

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS


CONTRIBUIÇÕES PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS
AO SEU ENTORNO..................................................................... 153
Sebastiana Sousa Evangelista
Pâmela Torres Michelette

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E


REPERCUSSÕES NA VIDA DE EDUCANDOS E DA
COMUNIDADE............................................................................ 177
Maria do Socorro P. da Rocha
Lucineide Barros Medeiros

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL DO


MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)...................................................... 207
Tatisanária Alves dos Santos
Lucineide Barros Medeiros

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES..................................... 235


APRESENTAÇÃO

E
ste livro é o resultado de diferentes vozes de educandos
e educadores que vivenciaram os processos formativos
nas trilhas do Curso de Especialização em Educação
do Campo na Universidade Federal do Piauí (UFPI) – realizado em
parceria com a Universidade Estadual do Piauí (UESPI) – Campus
de São Joao do Piauí – os quais agora se propõem a dizer/registrar
suas experiências, seus questionamentos, enfim, suas vozes, por
meio de profundas interrogações frente à realidade da educação
do campo no estado no Piauí.
Os escritores desta obra são movimentados por causas e
sonhos coletivos em torno de uma País sem exclusões e qualquer
tipo de discriminação, trazem nas suas histórias a força pulsante
da luta social em prol de uma nação em que reine a justiça social,
a igualdade econômica, política, social.
Como parte dessas aspirações coletivas, agradeço imensamente
aos camaradas o convite para prefaciar esta obra, pois ao ler os sete
artigos integrantes dela, constatei que se trata de uma obra que se
soma a tantas outras que vêm, nos últimos vinte anos, constituindo
os registros da matéria prima da educação do campo.
E por que esse fato é extraordinário? Porque é importante
lembrarmos que antes do movimento por uma educação do
campo, era raro encontrarmos na produção acadêmica brasileira
produções acerca da educação em meio rural em nosso País.
Lembro-me que para compor os textos da primeira conferência,

APRESENTAÇÃO 9
houve certa dificuldade em encontrar obras que tratassem do
tema.
Foi frente a essa dificuldade que o próprio movimento por
educação do campo produziu, em seus primeiros anos, uma
coleção intitulada Por uma educação do campo1, a fim de subsidiar os
movimentos sociais e os debates nos espaços acadêmicos. Aliás,
essa ausência nos debates e na produção atinente à educação
dos povos em meio rural evidencia como o povo do campo não
foi excluído apenas do direito à terra, mas também do acesso ao
conhecimento.
Consequentemente, isso repercutiu no impedimento de
registrarem por escrito suas histórias, suas memórias, suas dores,
seus conhecimentos e suas experiências. Por isso, este livro mostra
que a classe trabalhadora do campo, excluída historicamente dos
espaços antes reservados às elites, ao adentrar a universidade,
deixa suas marcas, seus registros, suas lutas e suas esperanças,
com vistas à construção de outro projeto histórico em nosso País.
Nesse ensejo, o silêncio está sendo rompido em várias dimensões,
e a escrita é uma delas.
O Brasil é um dos países que mais concentram a terra no
mundo. Por sinal, a luta pela terra e pela educação percorrem
a mesma trilha: assim como a questão da terra, os dados
educacionais continuam desfavoráveis à classe trabalhadora,
especialmente a do campo.
O acesso à terra e ao conhecimento para a classe
trabalhadora no Brasil, em especial a do campo, sempre ocorreu
por meio de lutas e enfrentamentos. Foi no contexto das lutas
por terra, trabalho e melhores condições de vida que homens e
mulheres do campo entenderam que a ausência de conhecimento
sistematizado fazia e faz falta em suas vidas.
Não queremos dizer com isso que o conhecimento só vem
pela escola, mas afiançamos que ela é um lugar privilegiado,

1 Coleção de cadernos intitulada Por uma educação do campo, nº 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.

10 Maria Nalva Rodrigues de Araujo Bogo


especialmente para esse fim. Nesse contexto, demarcamos as
lutas pela educação do campo no Brasil desde o fim da década de
1990, e na sequência, por políticas públicas de educação escolar
levadas a cabo pelo movimento por uma educação do campo,
logo após a realização da primeira conferência.
Posteriormente, na conquista das diretrizes de 2002 e
realização da segunda conferência, vislumbramos que o desafio da
formação dos professores do campo se colocava urgente, levando
à proposição dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo
como política nacional de formação dos educadores do campo.
Registramos a necessidade de educação escolar para os povos
do campo, mesmo entendendo que apenas o acesso à escola seria
limitado para a formação de militantes das causas sociais. Ficava
claro que sem a escola, a luta social ficaria limitada. Desse modo,
às lutas por terra, trabalho e melhores condições de vida somava-
se a educação escolar sob uma perspectiva emancipatória.
Diante de um projeto educativo emancipatório,
perguntamos: qual educador daria conta disso, e quem formaria
esse educador? Então, colocavam-se mais desafios no processo.
Nessa conjuntura, surgiram as Licenciaturas em Educação do
Campo e Cursos de Especialização em Educação do Campo,
não como dádiva do estado brasileiro, mas como fruto das
mobilizações dos movimentos sociais.
Concordamos com Molina (2010, p. 140), quando a mesma
aduz que

a participação dos Movimentos Sociais e suas lutas pela igualdade


explicita que a educação do campo não é somente um projeto
educativo, uma modalidade de ensino; ela é uma perspectiva de
transformação social, um horizonte de mudança nas relações
sociais não só no campo, mas na sociedade brasileira, projetada
pelos sujeitos coletivos de direito que a protagonizam.

A afirmação acima denota o papel da educação do campo


na elevação cultural do povo, como parte da construção do

APRESENTAÇÃO 11
projeto histórico. Isso posto, os movimentos sociais do campo
têm efetivamente lutado pelo acesso de sua base social à
educação escolar, entendendo, assim como Marx (1998, n.p.),
que a “dissolução das velhas ideias marcham juntamente com a
dissolução das condições de existência da vida”.
A partir das breves reflexões e mediante a leitura dos artigos
que compõem esta obra, podemos afirmar que o presente livro se
congrega a outra reflexões alusivas à práxis educativa no contexto
da educação do campo. Uma educação não apenas para os pobres
do campo, mas uma educação dos pobres dispostos a reagir
quanto ao seu estado de exclusão. Aqueles que frente às múltiplas
exclusões históricas a que foram submetidos, organizam-se e fazem
os devidos enfrentamentos para a superação dessa situação, por
meio da organização coletiva.
Os artigos que integram este livro discorrem sobre temáticas
vividas, constatadas, pesquisadas, discutidas cientificamente.
Não se trata de caprichos ou vaidades acadêmicas: elas provém de
uma realidade dura mas, ao mesmo tempo, encharcada de desejos
de mudanças. Isso porque os sujeitos coletivos que participam
da educação do campo não desanimam diante das dificuldades,
pois aprenderam desde cedo que o caminho é a luta social, o
enfrentamento, a esperança pulsante por mudanças.
A universidade brasileira, enquanto instituição, foi marcada
por uma concepção elitista, mas também como um campo de
disputa entre “setores que as querem conservadoras e disciplinadas
e setores que aspiram a vê-las renovadoras e até revolucionárias”
(Castro, 2009).
Nesse cenário de disputas, penso que as experiências de
formação de educadores em educação do campo compõem o
segundo grupo que, com ousadia, desafia as castas acadêmicas
e se coloca na disputa da tarefa intelectual vinculada à classe
trabalhadora, proporcionando a ela as armas científicas para
compreender a sociedade burguesa e, ao mesmo tempo, qualificar
as lutas e construir o projeto histórico de transformação.
As temáticas abordadas nos artigos que compõem esta obra
refletem sobre as trajetórias de mulheres negras na educação do
campo, passando pelo estado da arte de pesquisas em educação
de jovens e adultos na educação do campo (2015 a 2018), além
do debate sobre a música como instrumento de resistência nas
escolas do campo, somando-se às reflexões sobre a mística
da juventude em busca da liberdade e do direito como prática
educativa na CPT-PI (Diocese de Bom Jesus do Gurguéia) – força
da mística que nos anima nesta caminhada.
Na segunda parte, este livro apresenta resultados de
pesquisas sobre a educação escolar, com debate acerca da escola
rural Pedro Pereira da Silva – uma escola histórica, com mais
de seis décadas de funcionamento – e suas contribuições para
as comunidades camponesas em seu entorno, oportunizando
consideráveis reflexões sobre a importância de uma escola para
a comunidade rural. Adicionalmente, a defesa da escola faz-se
presente no debate sobre o fechamento das escolas do meio rural e
as repercussões disso na vida de educandos e da comunidade. Por
último, esta obra traz relevante discussão sobre uma problemática
silenciosa nas escolas do campo: a repetência em escolas do meio
rural do Município de Currais (PI).
Como referi anteriormente, os artigos que constituem esta
obra são fruto de pesquisas dos trabalhos de conclusão de curso,
quanto à forma, e partem de uma visão crítica da sociedade
vigente, cheia de contradições e de desigualdades, resultado
de uma estrutura injusta. Esses artigos mostram como, nesse
contexto de contradições, os movimentos sociais do campo estão
buscando possibilidades.

APRESENTAÇÃO 13
Desse modo, os textos que compõem este livro representam
uma síntese da construção cotidiana da educação do campo no
estado do Piauí. Portanto, é fruto de lutas também de docentes
que no interior da universidade, não perdem a esperança na força
do povo organizado, e como dizia Ernesto Che Guevara, vão
colorindo a universidade pública com as cores do povo camponês
e de suas diversidades. Nesse movimento dialético, as bravas
colegas professoras universitárias, junto com os movimentos
sociais, plantam as sementes de uma sociedade livre.
Por fim, esta valiosa obra, em seu conjunto, é a síntese de um
trabalho coletivo, comprometido com a reflexão crítica sobre a
formação por meio de práticas educativas escolares e não escolares
realizadas no interior da universidade. Os diálogos tecidos aqui
são reveladores do exercício da práxis educativa e social de seus
autores. Por essa razão, este livro representa um instrumento
teórico precioso para auxiliar os militantes da educação do campo,
educadores ativistas, de modo geral, nos aprofundamentos dos
conhecimentos necessários à atividade formativa.
Parabenizo esse potente coletivo da educação do campo
por essa obra coletiva que nos presenteia agora com textos tão
significativos, frutos de experiências no dia a dia da luta social,
repletos de boniteza e compromisso com os esfarrapados do
mundo.

[...] É tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde
quer que a gente vá [...]”
(Gonzaginha – Caminhos do Coração)

Teixeira de Freitas, Bahia, agosto de 2023.


Maria Nalva Rodrigues de Araujo Bogo

14 Maria Nalva Rodrigues de Araujo Bogo


OCUPANDO O CAMPO DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS
NA PROFISSÃO DE PROFESSORA NA
ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO

Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva

MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE PROFESSORAS


NA ESCOLA DO CAMPO: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA
PESQUISA

A
o discorrer sobre as narrativas e trajetórias de
mulheres negras, camponesas e professoras
que exercem a profissão docente na educação
do campo no meio rural, situamos como elas articulam as
dinâmicas de enfrentamento e afrontamento às múltiplas formas
de discriminação racial e de gênero. Nesse ensejo, procuramos
identificar o lugar da escola nessa construção, não apenas na
afirmação da identidade das mulheres negras, mas também na
profissão de professoras, em face da emergência da educação
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 17
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
para as relações étnico-raciais, enfatizando como as questões
raciais aparecem no cotidiano das professoras negras.
Para Gomes (2003, p. 170), “a identidade negra é entendida,
aqui, como uma construção social, histórica, cultural e plural.
Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de
sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si
mesmos, a partir da relação com o outro.” Isso posto, o encontro
com sua origem e sua identidade são elementos desafiadores para
mulheres negras enfrentarem o processo de constituição de sua
profissão como docente na educação básica do campo.
Por isso, delimitamos esta pesquisa a partir do seguinte
questionamento: que trajetórias as mulheres negras percorrem no
cotidiano da profissão de professora da escola básica do campo
no enfrentamento das questões raciais que envolvem o trabalho
educativo no meio rural? À vista disso, o objetivo central da pesquisa
foi analisar as trajetórias de mulheres negras professoras que
exercem o trabalho educativo nas escolas do campo, enfatizando
suas práticas de enfrentamento ao racismo na profissão, visando
à construção de uma educação emancipadora.
As mulheres negras que atuam nas escolas do campo ainda
enfrentam o patriarcado, porquanto as camponesas têm lugares
determinados pela sociedade no mundo rural do trabalho. Nesse
contexto, elas têm de superar vários desafios na constituição de
sua profissão como professoras: o patriarcado que hierarquiza
os lugares de homens e mulheres; as relações étnico-raciais entre
brancos e pretos, restando aos últimos as piores condições de
trabalho, assim como os mais baixos salários e renda inferior.
Ademais, as mulheres negras são interpeladas o tempo
todo para provar que podem e são capazes de exercer funções de
direção nos processos educativos, não apenas como professoras,
mas como gestoras de escolas básicas do campo. Tais questões

18 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
interferem nos processos de ensino, nas aprendizagens e na prática
pedagógica como dimensão coletiva do ato de educar e educar-se
na profissão docente.
Nesse itinerário, escolhemos como metodologia da pesquisa
a abordagem qualitativa como perspectiva epistemológica da
pesquisa social, que implica “os modos de fazer como algo
inseparáveis dos objetos da sua reflexão. Assim buscou entender
não o ‘porquê’ dos fenômenos, mas ocupou-se em refletir ‘como’
ou os modos através dos quais os fenômenos aconteciam e suas
relações de totalidade.” (MELUCCI, 2005, p. 8).
Essa investigação, portanto, é uma virada epistemológica
no paradigma de pesquisa social quanto às questões socialmente
construídas, cujos consensos buscam evidenciar os conflitos
impostos pelo racismo estrutural que se perpetua nas relações
de poder e as diversas formas de exclusão da população negra,
sobretudo as mulheres. Por essa razão, fizemos a escolha pela
pesquisa participante, observando que enquanto pesquisadoras,
também somos parte da observação, como mulher negra,
pertencente ao meio rural e professora da escola básica do campo.
Nesse sentido, as mulheres negras passam a percorrer e
ocupar os lugares que foram socialmente negados como espaço.
Esse cenário marca o interesse pelo tema de investigação, que se
confunde com as Trajetórias de professoras negras na profissão docente
nas escolas básicas do campo: entre enfrentamento e afrontamento, de
modo que delimitamos como lócus de pesquisa a escola do
campo José Francisco Santana, situada na comunidade rural
Brejo da Conceição, no município de Currais (PI). As mulheres
negras partícipes da investigação foram cinco professoras da
educação básica que compartilham práticas de enfrentamento ao
racismo estrutural que se reproduz ao longo de suas trajetórias
educacionais, na formação profissional e no ambiente da escola.
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 19
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
Neste artigo, organizamos a discussão em cinco seções
que incluem a introdução e a conclusão da pesquisa. Na
primeira seção, construímos marcos teóricos que referenciam a
pesquisa; na segunda, destacamos os aspectos metodológicos
e epistemológicos da investigação; posteriormente, na terceira
seção, realizamos a discussão dos dados de campo, sobrelevando
as trajetórias das mulheres negras na constituição da profissão,
no âmbito da educação do campo, à luz dos teóricos e da análise
crítica destas pesquisadoras como mulheres negras, camponesas
e professoras da escola básica do campo.

PROFISSÃO DE PROFESSORA E MULHERES NEGRAS


NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO CAMPO: CONCEPÇÕES E
FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA

As mulheres negras que atuam na educação como


professoras enfrentam vários desafios quanto à afirmação de
sua profissão, isso porque as diversas formas de discriminação
também se reproduzem na escola pública.

Essa mesma ideologia racial e de gênero não é formulada e


desenvolvida pelos professores/as e alunos/as somente no dia-
a-dia da escola. Ela está presente no desenvolvimento da carreira
docente, desde o curso do magistério, passando pelos centros de
formação, pelo curso de pedagogia, até a licenciatura. Por que?
Porque a escola não é um campo neutro onde, após entrarmos, os
conflitos sociais, raciais e de gênero permanecem do lado de fora.
A escola é um espaço sociocultural onde convivem os conflitos e
as contradições. O racismo, a discriminação racial e de gênero,
que fazem parte da cultura e da estrutura da sociedade brasileira,
estão presentes nas relações entre educadores/as e educandos/
as. (GOMES, 1999, p. 3).

Os parâmetros normativos da política educacional de


formação de professores alternam-se em conformidade com as

20 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
ideologias dos governos no Brasil. Fora da lógica racional de um
projeto de educação, a formação de professores fundamenta-se
em ideias tecnicistas e instrumentalistas do mundo eurocêntrico,
além de habilidades e competências desvinculadas das teorias
educacionais que fundamentam a construção social de uma
educação emancipatória indissociável dos direitos humanos.
A invisibilidade do direito à diversidade étnico-racial e de
gênero nega às minorias não apenas o direito à existência, mas
legitima a produção de conhecimento que inferioriza e autoriza a
discriminação, perpetuando preconceitos e suas variadas formas
de exclusão e opressão, sobretudo de mulheres negras.
As mulheres negras procuram dar o seu melhor, às vezes
para provar para a sociedade a sua capacidade e competência
profissional, e outras, para si própria, almejando alcançar seus
ideais e sonhos. Destarte, mulheres negras e professoras da escola
básica do campo passam por muitas barreiras que colocam à
prova a sua formação e sua profissão, de modo que muitas até
desistem de seus sonhos por medo de serem julgadas por sua
capacidade de conhecimento.
Nas escolas básicas do campo, as professoras negras
assumem protagonismo na implementação de projetos de
educação do campo. Essa concepção de educação ancora-se na
trajetória de mulheres negras que, em sua maioria, são oriundas
de famílias populares que moram na zona rural. Elas saem de seu
lugar de origem para centros urbanos procurando melhoria para
si e para a família, ou seja, muitas deixam suas raízes para, por
si mesmas, vencerem o preconceito e o racismo que enfrentam a
cada batalha travada durante a trajetória de formação.
A inclusão dessas professoras e mulheres negras nas escolas
básicas do campo denota um duelo contra muitos preconceituosos
que confrontam e tentam cada vez mais diminuir a capacidade
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 21
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
de conhecimento de cada uma dessas mulheres que, aos poucos,
estão aprendendo a lidar muito bem com cada ofensas raciais e
de gênero, pois são capazes de construir uma carreira profissional
de sucesso.
Por mais que muitas dessas mulheres reconheçam a sua
grandeza e capacidade de conseguir o que querem, muitas
carregam o medo de se jogar com o seu conhecimento em uma
sociedade tão racista, fazendo com que parte delas busque se
manter invisível diante de situações que elas sabem que podem
resolver, mas acabam tendo de se esconder por terem medo da não
valorização, por serem mulheres negras e até mesmo professoras
em escolas básicas do campo.
A cultura do patriarcado e do racismo impõe invisibilidade às
professoras negras, tentando limitar seus direitos continuamente.
Assim como outros profissionais afrodescendentes, que necessitam
de constantes formulações de estratégias para que alcancem
respeito como pessoas e profissionais, a luta de professoras negras
para ter acesso a um cargo de boa qualidade e ser reconhecida
pela sociedade não foi fácil, tampouco impossível.
Contudo, as mulheres negras ainda enfrentam em sua
trajetória formativa longos períodos fora da escola entre o ensino
fundamental, médio e superior, além de tentativas de conciliar
trabalho, estudo, casamento, maternidade, e ainda enfrentar o
machismo do marido.
A trajetória destas pesquisadoras participantes como
professoras negras da escola básica do campo revela sua condição
racial e gênero, e em escala profissional. Assim,

[...] refletir sobre a questão do negro não é algo particular que


só deve ser de interessar às pessoas que pertencem a esse grupo
étnico-racial ou aos militantes do Movimento Negro. É uma
questão da sociedade brasileira e da humanidade. (MUNANGA,
2006, p. 178).

22 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
Quando nos referimos às professoras negras, isso não quer
dizer que deve ser um assunto particular, como se elas fossem
um objeto de estudo e não tivessem uma opinião própria como
pesquisadoras de sua própria condição social. Percebemos que
até hoje, as professoras negras, em seu percurso até chegarem
à docência, ainda sofrem preconceitos e discriminação em seu
ambiente de trabalho. Ser mulher, sobretudo professora e negra,
representa sempre correr o risco de ser alvo de desvalorização e
não reconhecimento de sua capacidade e intelectualidade na
profissão, repercutindo em certa invisibilidade na inclusão social.
Na profissão, as mulheres negras ainda convivem com
narrativas de que devem ganhar menos que o homem ou mulher
branca, embora estejam na mesma condição de trabalho. Apesar
dessa visão patriarcal e racista, as mulheres negras continuam
lutando pela formação continuada para sua profissionalização
como professoras da escola básica do campo. Nesse sentido, os
Curso de Licenciatura em Educação do Campo são oportunidades
para ampliar a presença de mulheres negras e camponesas nas
escolas básicas do campo.
Constituem, pois, uma porta para que professoras do campo
continuem seus estudos, melhorando a qualidade da oferta da
educação do campo e no campo. No entanto, os professores do
campo enfrentam muitos desafios em sua formação. A educação
do campo tem sido um espaço de formação de jovens e adultos
do campo que vem conquistando grande espaço no mercado
de trabalho, ressignificando o potencial das mulheres negras e
camponesas no espaço acadêmico e nas ciências.
Na acepção de Rosemberg (2001), a inclusão de mulheres na
educação tem sido um grande desafio no tocante à desigualdade
de gênero, sobretudo para mulheres negras e pobres, prevalecendo,
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 23
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
ainda, a superioridade da cor em detrimento do trabalho
intelectual.
Por cúmulo, machismo, racismo e condição social interferem
sobremaneira no avanço educacional de mulheres negras e
camponesas. No pensamento dos racistas, preta é tida como uma
essência que escurece, tingindo negativamente a mente, o espírito,
as qualidades morais, intelectuais e estéticas das populações não
brancas, especialmente as negras.

FUNDAMENTOS DA PESQUISA PARTICIPANTE:


ABORDAGEM, TIPO DE PESQUISA, SUJEITOS, CONTEXTO,
INSTRUMENTOS DE COLETA E MÉTODO DE ANÁLISE DA
INVESTIGAÇÃO

A pesquisa educacional vem cumprindo um papel


fundamental na realização de estudos contextualizados na
escola, nos desafios da profissão docente, nos processos
educativos e pedagógicos dos sujeitos envolvidos na relação
ensino-aprendizagem, na atualização dos debates relacionados às
questões sociais que estão inseridas na escola, como estrutura de
organização da sociedade.
Por isso, escolhemos a abordagem qualitativa como
metodologia da pesquisa, baseado na perspectiva de Melucci
(2005) de que a pesquisa qualitativa e os seus métodos contribuem
para a redefinição epistemológica do estatuto da pesquisa social,
enfatizando os problemas que a metodologia reflexiva coloca para
a pesquisa social em seu caráter inconcluso e processual.
Salva e Martinez (2018, p. 150) afirmam que

neste sentido, a pesquisa qualitativa olha para o individual


e o coletivo, ao passo que indaga os tempos, os momentos, o
cotidiano, das pessoas e das instituições. A pesquisa educacional
de cunho qualitativo vem aos poucos percebendo a importância

24 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
de escutar as vozes dos atores que constituem os processos
educativos, como pais, estudantes e professores.

Neste estudo, as vozes de escuta enfatizam as trajetórias


das mulheres negras na constituição da profissão docente na
escola básica do campo. Assim, a pesquisa participante procura
dar visibilidade às mulheres negras e aos territórios camponeses
no encontro de saberes e formas resistência na luta pelo direito
à educação no meio rural, visto que “tudo que é observado na
realidade social é observado por alguém, que se encontra por
sua vez, inserido em relações sociais e em relação ao campo
que se observa” (MELUCCI, 2005, p. 10). Essa condição das
pesquisadoras rejeita a neutralidade e racionalidade da ciência
eurocêntrica centrada em uma relação sujeito-objeto.
Nesse itinerário epistemológico da pesquisa, compreendemos
que a condição de mulher, professora, negra e residente no meio
rural são marcas identitárias que têm sido, ao longo da formação
social do Brasil, inferiorizada pelas narrativas hegemônicas de
gênero, as quais são patenteadas pelo domínio do homem na
sociedade, pela hierarquização das profissões, relegando o mister
de professor como algo de menor importância no mundo do
trabalho, ratificado pela superioridade racial. Tal narrativa que
passou a justificar o discurso do poder branco para a escravidão
da população negra, nomeadamente das mulheres, como se a cor
da pele falasse tudo sobre nós e como se não fôssemos capazes de
atuar nas constituições de uma identidade profissional.
Ademais, soma-se às narrativas o fato de que o meio rural é
um lugar de atraso e que os camponeses não precisam de educação
para o desenvolvimento do trabalho na agricultura familiar. Nessa
acepção, “os atores sociais podem exercer influência direta na
definição do objeto de pesquisa e sobre os resultados, uma vez
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 25
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
que os mesmos não têm uma função neutra de informações para
o pesquisador.” (MELUCCI, 2005, p. 44).
O interesse por investigar as mulheres negras e sua incidência
na educação do campo tem origem no Curso de Licenciatura em
Educação do Campo, com a pesquisa de Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) intitulada Vidas Marias, Mulheres Camponesas na
Educação Superior de Licenciatura em Educação do Campo: enfrentamento e
(re) existências. Consideramos fundamental manter nosso campo de
epistemológico de pesquisa, por isso escolhemos como contexto
de investigação a escola básica do campo José Francisco Santa,
situado na comunidade rural de origem destas pesquisadoras,
escola em que trabalha a primeira autora deste texto, localizada
no Brejo da Conceição, no município de Currais, no Piauí.
A escola atualmente conta com um quadro de dezesseis
professores, sendo sete mulheres negras, atendendo a mais de
trezentos alunos da zona rural, entre crianças, jovens e adultos,
ofertando ensino nas modalidades maternal, fundamental e
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Atuando na escola há
dezessete anos, observamos que como a maioria das escolas do
campo, a escola José Francisco Santana, a exemplo das demais
instituições similares de Currais, enfrentam grandes desafios
devido à falta de responsabilidade de alguns gestores municipais.
A falta de uma política educacional de qualidade para as
escolas do campo está entre as principais questões, somando-se
a outras, a saber: estrutura física com condições precárias para
o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem; falta de
áreas de recreação adequadas; ausência de bibliotecas; salas sem
ventilação ou climatização, entre outras atinentes à estrutura
física, como demostram as Figuras 1 e 2, registradas pelas
pesquisadoras.

26 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
Figura 1 – Escola Rural do Brejo da Conceição – Currais (PI)

Fonte: dados da pesquisa (2021).

Dados da observação participante revelaram que: “de um


modo geral a estrutura física da mesma encontra-se comprometida,
pois as 6 (seis) salas de aulas nela existente não contém: iluminação
e climatização apropriada, percebemos que isto compromete na
aprendizagem dos alunos.” (DADOS DA PESQUISA, 2021). As
condições físicas da escola na atualidade estão melhores que a
estrutura anterior, pois a instituição passou por várias reformas
ao longo dos anos.

TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE


PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 27
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
Figura 2 – Sala de aula da escola do Brejo da Conceição – Currais (PI)

Fonte: dados da pesquisa (2021).

Como é possível verificar pelas imagens, a escola não


possui salas de aulas adequadas para o desenvolvimento de uma
aprendizagem com qualidade e desempenho, conforme exigido
pelos instrumentos legais de implantação da política de educação
básica do campo. Em relação aos laboratórios de informática,
funcionavam precariamente, mas no momento, não estão
operando em virtude de computadores estarem quebrados, em
virtude da falta de manutenção técnica.
No que alude ao quadro de professores, existem dezesseis
docentes, dos quais dois possuem ensino médio completo; sete
são graduados; e sete possuem pós-graduação. Quanto à relação
com a comunidade, doze moram na comunidade rural Brejo
da Conceição; um, na cidade de Currais; um, no município de
Alvorada; um, no município de Canto do Buriti; e um, em Bom
Jesus.

28 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
Seguindo a caracterização dos instrumentos de pesquisa,
optamos pela coleta de dados por meio de aplicação de
questionários semiestruturados, com questões objetivas e
subjetivas, organizados com o intuito de evidenciar as questões
raciais no contexto das trajetórias sobre como as professoras
constituem sua profissão enquanto mulheres negras.
Para a análise de dados, inspiramo-nos na epistemologia
dialética, cujo método é parte do movimento da própria pesquisa.
A perspectiva dialética contribui para uma análise mais densa
das relações sociais e do processo de estruturação do racismo
na sociedade, de modo que as conexões, os instrumentos de
levantamento das informações, o tratamento analítico e as
conclusões constituem tanto uma recusa a determinismos quanto
a suposta neutralidade científica da pesquisadora.
Dessa forma, atualiza as questões alusivas a como o racismo
tem sido um dispositivo de negação dos direitos das mulheres no
exercício de sua profissão, desprezando uma educação do campo
com a qualidade exigida nos marcos regulatórios da educação
básica e de um paradigma de formação de professores que tenha
como objetivo a educação para relações étnico-raciais e educação
para os direitos humanos no processo ensino-aprendizagem na
escola, ressignificando o sentido do educador na instituição.

NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO


DE PROFESSOR NAS ESCOLAS BÁSICAS DO CAMPO:
REALIDADES E DESAFIOS

As narrativas de mulheres negras que assumem a profissão


de professoras no meio rural são marcadas por vários obstáculos
pertinentes ao acesso à educação básica do campo e ao ingresso
ao trabalho de professoras. As narrativas constituem-se na prática
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 29
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
educativa, na relação entre alunos e professores, na vivência em
sala de aula, no fazer cotidiano das práticas pedagógicas da escola
do campo. “As narrativas contemplam histórias sobre as memórias
de identificação com o meio rural, das práticas em sala de aula e
dos processos de formação. Além disso, emergem nas narrativas
práticas pedagógicas, as quais são sustentadas pelas orientações
e experiências de professores rurais.” (CARVALHO, 2013, p. 74).
Essas narrativas estão situadas no contexto da prática
de professores das escolas do campo no Piauí, suscitadas por
uma pesquisa participante que se ocupou da avaliação sobre
professoras negras no contexto educacional e, de modo especial,
das negras que atuam na escola do campo.
Nesse ensejo, procuramos apresentar uma síntese dos
dados, entendendo que as narrativas não podem ser plenamente
contempladas em um TCC, mas esse esforço se soma pela
percepção da prática que se articula com a teoria de quem está
no cotidiano da escola do campo como professora negra, no caso
destas pesquisadoras. Com relação à primeira pergunta, sobre o
reconhecimento da cor e raça, 100% das mulheres professoras da
escola básica do campo responderam dizendo que se reconhecem
como professoras negras.
No tocante à trajetória educativa e de formação das
professoras entrevistadas, 80% mencionaram que têm trajetória
educativa na escola pública, com base de formação inicial e média
na nesse tipo de instituição, sendo que a maioria tem formação
em nível de Pós-Graduação lato sensu, representando o percentual
de 80%.
Apesar desse avanço, as mulheres negras continuam a
combater as formas de inferiorização na construção de uma
carreira profissional na educação. Para maior detalhamento das

30 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
respostas das professoras, o Quadro 1 demonstra uma síntese das
respostas obtidas nesta pesquisa.

Quadro 1 – Cor ou raça/escolaridade das professoras


Respostas das professoras entrevistas
Perguntas
P1 P2 P3 P4 P5
Qual cor ou raça? Preta Preta Preta Preta Preta
Qual seu nível de Graduação Lato
Lato sensu Lato sensu Lato sensu
escolaridade? incompleta sensu
Em que tipo de escola
você concluiu o ensino Pública Pública Privada Pública Pública
fundamental e médio?
Fonte: dados da pesquisa (2021).

Como os dados revelam, ainda há professoras que afirmam


possuir apenas a graduação incompleta, confirmando os índices
de exclusão educacional dos povos do campo quanto acesso
ao ensino superior, dadas as condições socioeconômicas para
permanência e conclusão do curso de graduação: “esses sujeitos
ainda sofrem a exclusão absoluta do acesso ao conhecimento
científico, que se consolida nos cursos de nível superior de
graduação e pós-graduação” (BATISTA; SILVA, 2020, p. 113).
No que se refere às condições socioeconômicas, os autores
atestam que

Esses dados revelam a miséria e a exclusão social do acesso aos


meios de produção e distribuição de renda dos campesinos.
Diante desse cenário, uma questão fica nos interpelando: como
é possível garantir uma vida acadêmica decente a um indivíduo
com condição de renda baixa e em situação de trabalho informal?
Por que o direto ao estudo passa a ser uma promessa dura e difícil
de ser cumprida aos sujeitos do campo? (BATISTA; SILVA, 2020,
p. 113).

TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE


PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 31
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
Esse contexto releva os desafios que os camponeses
enfrentam quanto o acesso ao direito à educação no ensino
superior. São dificuldades que se multiplicam quando se trata do
gênero feminino, pois as mulheres compartilham a vida acadêmica
com os cuidados domésticos, com os filhos, duplicando a jornada
de trabalho. Mesmo diante de tantos contratempos, para as
professoras negras que atuam nas escolas básicas do campo, o
exercício da profissão é fundamental para a afirmação de sua
identidade, como se verifica nas falas das participantes.

Para a minha realidade é uma tarefa gratificante, vez que a


maioria dos discentes também1 são da raça negra. Trabalhar com
eles é um privilégio e me alegro muito “o meu povo negro” crescer
e se destacar na sociedade atual. (PROFESSORA A).

Ser professora é muito bom, mas enfrentamos vários obstáculos


por ser negro (PROFESSORA B).

Me sinto valorizada por mim mesma, por ser mulher negra e ter
conseguido o que mais queria: ser professora, mais temos sempre
que enfrentar alguns atos e baixos mais como sou determinada
e uma guerreira que sempre vai em busca dos meus objetivos.
(PROFESSORA C).

Ser mulher negra e professora da escola básica do campo é muito


prazeroso pois adoro o que faça independentemente de minha
cor negra. (PROFESSORA D).

Me sinto feliz, por ser professora pois então me sinto valorizada


por todos os alunos, colegas. (PROFESSORA E).

A escola, como espaço educativo, favorece a constituição da


identidade das professoras negras, uma vez que ali se reconhecem
como negras ou pretas, e a escola do campo é formada por alunos
e professores que, em sua maioria, são pessoas negras.

1 Grifos das pesquisadoras.

32 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
[...] podemos concluir que a identidade negra também é
construída durante a trajetória escolar desses sujeitos. Nesse
percurso, os negros deparam-se, na escola, com diferentes
olhares sobre o seu pertencimento racial, sobre a sua cultura,
sua história, seu corpo e sua estética. Muitas vezes esses olhares
chocam-se com a sua própria visão e experiência da negritude.
(GOMES, 2003, p. 172).

A identidade negra constrói-se no contexto da profissão de


professor, ou seja, na prática educativa e pedagógica do ato de
educar e educar-se, implicando reconhecer-se como sujeito de sua
própria história, como professora negra e do campo. Contudo,
esse esforço para a afirmação de sua identidade como mulher
negra e professora é marcada por trajetórias de atitudes racistas.
Dentre as professoras negras entrevistadas, 80% afirmam
que sua trajetória educacional não foi fácil porque, infelizmente, a
discriminação ainda existe. Mas em meio a tudo o que passaram,
manifestam a satisfação da luta vivenciada por cada uma delas, pois
aprenderam a superar seus próprios medos e conseguiram pôr os
pés no chão, tornando-se professoras negras, independentemente
do que a sociedade pensa ou exige.
Algumas professoras relataram, inclusive, que durante a sua
vida profissional, aprenderam a sentir orgulho de si mesmas, por
ser docentes negras, mesmo que às vezes fossem julgadas pela
sua forma de vestir e de falar. Logo, ser mulher negra e professora
depende de muita determinação porque não é uma tarefa fácil,
mexe muito com o psicológico, requerendo muita garra para
superar tão grande discriminação, não só por ser negra, mas por
ser mulher, já que o patriarcado ainda prevalece em nosso meio,
sobretudo no meio rural. Quando indagamos sobre as práticas
de preconceitos no âmbito da escola, encontramos as respostas
descritas no Quadro 2.

TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE


PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 33
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
Quadro 2 – A prática de racismo na escola do campo e nos
processos formativos
PERGUNTAS RESPOSTAS
PI P2 P3 P4 P5
Você já sofreu algum ato de racismo na
Sim Sim Sim Sim Sim
escola?
Na escola, alguém fez alguma piada
Não Sim Sim Não Sim
relacionada à sua cor ou raça?
Nos cursos de formação de professores,
você já sofreu algum ato de racismo ou Sim Sim Sim Sim Sim
piada relacionada à sua cor e raça?
Na escola, você se sente excluída e acha que
Sim Sim Não Sim Não
isso está relacionado à sua cor ou raça?
Na escola em que você atua, já vivenciou
algum tipo de tratamento diferente por ser Não Sim Sim Sim Não
uma professora negra?
Na escola em que você atua, já sofreu algum
ato de racimo ou alguma piada relacionada Não Não Não Sim Não
à sua cor ou raça, por parte dos alunos?
Fonte: dados da pesquisa (2021).

Pela avaliação do Quadro 2, notamos que 100% das


professoras negras da escola básica do campo que participaram
da pesquisa já sofreram algum tipo de atitude racista. Esses dados
revelam uma trajetória profissional desafiadora quanto à afirmação
da identidade negra da mulher professora. Nesse contexto, elas
ainda são inferiorizadas pelo estigma de um imaginário social de
desvalorização da população negra, nomeadamente das mulheres
negras do meio rural, onde atuam como professoras.
Corroborando o posicionamento de Quadros (2015, p. 17),

as mulheres negras professoras fazem parte de grupos


socialmente desvalorizados: mulheres, negras e professoras. Que
são discriminadas pelo pertencimento étnico-racial, relegadas à
situação de vulnerabilidade socioeconômica e muitas vezes são
menos prestigiadas em sua intelectualidade e profissão.

34 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
As piadas como construção social, presentes na cultura de
interiorização da população negra, descortinam como o racismo
se perpetua na estrutura educativa da escola, com a exclusão em
razão da cor, o tratamento diferenciado – inclusive em cursos de
formação de professores. Em se tratando dessa questão, mais
de 60% das mulheres negras professoras sofreram algum ato de
racismo ou piada relacionada à sua cor e raça nesses espaços de
formação.
Essa realidade desvenda a necessidade de professoras negras
enfrentarem o tema do racismo a partir de sua profissão, em sala
de aula, nos projetos educativos da escola, na prática educativa,
notabilizando como o racismo estrutura as relações na sociedade e
se reproduz no cotidiano da escola, validando a imprescindibilidade
de problematizar a temática com os profissionais da educação e,
de modo especial, com os alunos do campo, que enfrentam várias
formas de preconceitos em razão de sua origem, de sua identidade
camponesa e de sua raça.

A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que


interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado
sobre o negro e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar
identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-
las, segregá-las e até mesmo negá-las. (GOMES, 2003, p. 172).

Percebemos que 100% das professoras negras da escola


básica do campo trabalham a temática do racismo para
conscientizar os alunos contra a discriminação, a necessidade de
cultivar valores de respeito aos direitos humanos, especialmente
da população negra, que sofreu um longo processo de escravidão
e de negação de seus direitos enquanto pessoa humana, marcado
pela interiorização de sua raça ou cor.
Sobre o desenvolvimento da temática do racismo na prática
educativa da escola do campo, as professoras negras replicaram
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 35
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
que trabalham os conteúdos das relações étnico-raciais, como
informado pela professora A: “Sim, para conscientizar os alunos
e demais da escola que trabalho que nós somos todos iguais
independente de raça e cor temos que se valorizar.” Por sua vez, a
professora B disse: “Sim, trabalho por que isso é muito importante
agente está debatendo esses assuntos que vivenciamos no nosso
dia a dia.” (DADOS DA PESQUISA, 2021).
Reputa-se inescusável trabalhar a desconstrução do racismo
situando o lugar da escola nessa tarefa educativa e socialmente
necessária, pois isso reflete diretamente na ressignificação dos
alunos na afirmação de sua identidade, uma vez que “nem sempre
os professores e as professoras percebem que, por detrás da timidez
e da recusa de participação de trabalhos em grupos, encontra-se
um complexo de inferioridade construído, também, na relação do
negro com a sua estética durante a sua trajetória social e escolar”
(GOMES, 2003, 171).
Da mesma forma que as professoras negras ao longo
de sua trajetória enfrentaram preconceitos na afirmação
de sua identidade profissional, suas narrativas pessoais são
compartilhadas pelos alunos negros que, no contexto da escola e
da sociedade, enfrentam diversas formas de preconceito em razão
de sua cor, raça e/ou etnia.
Esse cenário aponta para a importância de debater nas
escolas básicas do campo as questões étnico-raciais que encontram
respaldo legal em dispositivos constitucionais e resolutivos que
proíbem práticas racistas, inclusive tipificando-as como crimes
inafiançáveis.
Com efeito, a escola deve ser um lugar educativo no
combate às formas de preconceitos, enfatizando a necessidade de
prevalecer os direitos da população negra, o afeto e respeito pela
pessoa humana, independentemente de sua cor.

36 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
A escola tem papel crucial na inclusão da temática das
relações étnico-raciais na escola, bem como dos direitos humanos
enquanto condição de ressignificação desse espaço educativo da
vida em sociedade e de respeito à diversidade em nossa formação
em sociedade.
Nessa construção, é fundamental a afirmação da identidade
da mulher negra no processo educativo nas escolas básicas do
campo, daí porque se questionou: como se sentem nessa construção e
como tem sido sua trajetória profissional como mulher negra na sua profissão
como professora? As entrevistadas responderam:

Tem sido algo surpreendente estou aprendendo a vencer meus


próprios medos estou conseguindo cada vez mais me tornar
a mulher negra que sempre me orgulhei em ser uma boa
profissional, implica em ser uma ótima mulher para a sociedade
mesmo que sejamos julgadas por nossa forma de vestir e falar.
(PROFESSORA A).

A cada dia venho presenciando as dificuldades do dia a dia por


ser mulher negra ainda existe pessoas com pensamento muito
forte, mas eu venço e batalho: no meu mural na minha sala
eu tenho fantoche um branco e outro preto, representado eu
como diretora preta e capaz de minhas obrigações e o branco
representando secretario e assim nos tornamos uma dupla bem
qualificada e eficaz. (PROFESSORA B).

Minha trajetória profissional, como mulher negra me afetou


bastante na minha profissão. Eu particularmente ainda me sinto
muito triste por tudo que passei durante esse tempo, foi um
momento em que mais passei decepções, hoje estou tentando
apagar da minha memória um pouco de tudo que eu vive. Mas
mesmo assim ainda não conseguir me estabelecer normalmente,
espero que um dia tudo isso vai passar. Com tudo que passei,
hoje sou depressiva. E tenho medo de tudo mais estou ciente de
que isso vai passar. (PROFESSORA D).

As marcas do racismo, do preconceito e da exclusão são


recorrentes na vida das mulheres negras na busca por afirmação
e construção de sua vida profissional. As memórias de atitudes
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 37
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
racistas e de inferiorização são enfrentadas pelas professoras
negras acompanhadas de dores, medos e experiências negativas
quanto ao seu lugar na sociedade.

As mulheres negras em seu processo político entenderam que


não nasceram para perpetuar a imagem da “mãe preta”, fizeram
desaforos. Entenderam que desigualdades são construídas
historicamente, a partir de diferentes padrões de hierarquização
constituídos pelas relações de gênero e raça, que, mediadas pela
classe social, produzem profundas exclusões. São combinações
de discriminações que geram exclusões, tendo como explicação
a perpetuação do racismo e do machismo. (RIBEIRO, 2008, p.
988).

A profissão de professoras negras ocorre em um espaço


educativo de identidade da mulher negra e dos aprendizados que
envolvem a inclusão delas como profissionais da educação. Assim,
a presença desse segmento na educação básica abre possibilidades
sobre o lugar de fala e de práticas educativas no combate ao
racismo estrutural que penetra na sociedade e na escola.
Além do lugar de fala, atina-se para o pertencimento de
classes, uma vez que grande parte dessas mulheres provêm de
setores populares e pertencem ao meio rural, um lugar que foi e
tem sido construído socialmente como inferior, que acumula altos
índices de pessoas não-alfabetizadas. Segundo a professora C,
“não tem sido nada fácil, porque ser mulher e negra pensam que
não somos capazes e não temos direito de estar onde estamos,
para chegar aonde estou. Agora não foi fácil, mas como sou
persistente[...], principalmente por ser uma professora do campo
e por ser um concurso público.”
Essa trajetória revela o potencial de afirmação do lugar das
mulheres como protagonistas na desconstrução de interiorização
na luta pela constituição de professoras. O que cada uma dessas
professoras negras tem em comum é a força de vontade para

38 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
conquistarem o seu espaço no mundo das profissões, apesar do
racismo, uma vez que muitas têm medo de não serem aceitas por
sua cor ou até mesmo por serem professoras de escolas básicas do
campo.
Portanto, à desvalorização da capacidade das mulheres
no mercado de trabalho, especificamente das negras, soma-se
o acesso ao ensino superior tardiamente, sinalizando que a vida
acadêmica na universidade é um desafio enorme, tanto do ponto
de vista do acesso quanto e, principalmente, da permanência.
A luta das mulheres negras na constituição da profissão
passa pela difícil tarefa de concluir o curso de graduação, pois
outras jornadas de trabalho se somam ao estudo, como trabalho,
cuidados domésticos, entre outros. Apesar disso, as mulheres
negras que atuam como professoras da escola do campo têm
se ocupado da valorização de suas condições educacionais
almejando a formação continuada e afirmação de sua profissão,
superando os obstáculos e as batalhas diante da desvalorização
e do racismo que tiveram de enfrentar para serem professoras da
educação básica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços com a implantação dos marcos


regulatórios da educação do campo, para encarar a profissão,
professoras negras no meio rural ainda enfrentam vários desafios
quanto à formação humana dos camponeses nas escolas básicas
do campo.
As dificuldades do processo ensino-aprendizagem não
podem ser atribuídas como uma questão de desempenho pessoal,
mas ao conjunto de fatores que foram organizando um projeto
de educação para o campo e não uma escola do/no campo. Por
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 39
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
cúmulo, esse projeto de educação tem promovido a exclusão das
mulheres negras no acesso à formação e qualificação profissional.
O fato é que cada vez mais, as mulheres negras e professoras
do campo procuram melhorar sua atuação como profissionais,
não apenas para si, mais para a superação das desigualdades de
gênero e de raça na sociedade, a partir de práticas de enfrentamento
ao racismo e à misoginia.
Esta pesquisa demonstrou a importância de que as escolas
básicas do campo aprofundem o debate sobre as formas de
preconceito e discriminação para que alunos não se sintam
inferiores em função da cor de sua pele, tampouco em relação ao
gênero. Nessa direção, reputa-se primordial uma educação para
a relação étnico-racial e de gênero na perspectiva de superação
do racismo estrutural, do patriarcalismo e de suas narrativas de
inferiorização, no sentido de que o negro não tem valor e que não
é capaz, além de que existem lugares que as mulheres negras não
podem assumir nem estar presentes.
Dessa forma, depreendemos a necessidade de ampliar os
espaços de participação intelectual das mulheres negras na escola
básica do campo, levando em consideração que a educação é o
primeiro e principal passo para que possamos mostrar a essa nova
geração que não deve haver diferença por conta de cor, raça ou
condição social, pois apesar da diferença de cor de pele, somos
todos seres humanos.
Nesse sentido, na qualidade de pesquisadoras, percebemos
o orgulho de cada uma dessas professoras negras em cada
depoimento obtido. Além da emoção provocada por seus
testemunhos, é possível constatar, sem sombra de dúvida, a
satisfação de cada uma dessas professoras negras, e acompanhar
mais de perto cada conquista delas é gratificante.

40 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
A pesquisa indicou que as mulheres negras professoras nunca
desistiram de sua qualificação profissional, mesmo diante de
preconceitos e discriminação. Como mulher e professora negra de
escola básica do campo, a investigação possibilitou problematizar,
compreender e intervir de forma incisiva nessa realidade, por meio
de processos educativos em relação aos direitos humanos para
relações étnico-raciais e de gênero na educação do campo.
À vista disso, as professoras negras da escola básica do
campo revelaram grande satisfação por serem mulheres negras
e professoras, pois realizaram um grande sonho, apesar de sua
trajetória educacional ser marcada pelo racismo e machismo,
mas tais situações não desmotivaram a busca por uma carreira
profissional.
Nesse contexto, consideram fundamental trabalhar com
os alunos e professores os temas racismo e gênero na escola. É
oportuno ressaltar que as mulheres negras professoras estão
conseguindo superar o medo que antes existia entre elas, pois
estão mais seguras e satisfeitas como profissionais da escola
básica do campo, apesar dos desafios estruturais e pedagógicos
da educação do campo no meio rural.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Ozaias Antonio; SILVA, Maria do Socorro Pereira


da. O perfil socioeducacional dos discentes da licenciatura em
educação do campo: impasses e desafios na luta dos camponeses
pela democratização da universidade. Goiânia-GO: Editora
Phillos, 2020.

CARVALHO, N. A. de. Narrativas de professores rurais:


trajetórias e fazer pedagógico no município de Baixa Grande,
TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE
PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 41
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
Bahia. Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação,
Paulo Afonso, ano 1, v. 2, jun./dez. 2013. ISSN: 2317-9465.

GOMES, N. L. Educação, identidade negra e formação de


professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun.
2003.

GOMES, N. L. Mulheres negras e educação: trajetórias de vida,


histórias de luta. 1999. Disponível em: http://miniweb.com.br/
educadores/artigos/pdf/profas_negras.pdf. Acesso em:10 abr.
2022.

MELUCCI, A. Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e


cultura. Tradução Maria do Carmo Alves do Bomfim. Petrópolis:
Vozes, 2005.

MUNANGA, K. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global,


2006.

QUADROS, T. F. de. Vida de mulheres negras, professoras


universitárias na Universidade Federal de Santa Maria. 2015.
99 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Maria,
Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2015.
QUEIROZ, D. M. “O negro e a universidade brasileira”. Historia
Actual Online, n. 3, p. 7, 2004.

RIBEIRO, M. Mulheres negras: uma trajetória de criatividade,


determinação e organização. Estudos Feministas, Florianópolis,
v. 16, n. 3, p. 424, set./dez. 2008.

42 Carmem Lucia Bezerra de França


Maria do Socorro Pereira da Silva
ROSEMBERG, F. Educação formal, mulher e gênero no Brasil
contemporânea Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001.
DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200011

SALVA, S.; MARTINEZ, L. da S. Dos modos de viver entre a


diversidade e a universalidade a juventude na escola: narrativas
sobre o ensino médio. Cad. Pesq., São Luís, v. 25, n. 3, jul./set.
2018. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.
br/index.php/cadernosdepesquisa/article/viewFile /9956/5850.
Acesso em:

TRAJETÓRIAS DE MULHERES NEGRAS NA PROFISSÃO DE


PROFESSORA NA ESCOLA BÁSICA DO CAMPO: ENTRE 43
ENFRENTAMENTO E AFRONTAMENTO
O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA
EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015 A 2018)

Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá

INTRODUÇÃO

A
Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma
modalidade de ensino, no geral, ofertada em escolas
públicas que perpassam os níveis da educação
básica do País, tendo como público-alvo jovens e adultos que
não tiveram acesso à educação na escola convencional no ensino
fundamental e/ou médio, e aos que desejam voltar a estudar.
Em um mundo cada vez mais competitivo e globalizado, o
advento das inovações tecnológicas e de comunicação aumenta
cotidianamente a exigência por conhecimento comprovado via
processos educacionais formais, especialmente quando voltados
à qualificação profissional e inserção no mundo de trabalho.
Nesse contexto, para grande parte da população e das
empresas, entendemos que a educação é fundamental para o

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 45


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
desenvolvimento e a geração de emprego, embora esse não seja o
objetivo da educação formal, dentre cujos propósitos se destaca
o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolvendo
suas habilidades e competências.
A partir dos estágios obrigatórios supervisionados do Curso
de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências Humanas e
Sociais, observamos o quanto a EJA é importante para a formação
dos sujeitos que querem ingressar, retornar ao mundo do trabalho
ou concluir o ensino médio, pois muitas vezes, em virtude das
dificuldades em conciliar os afazeres domésticos e escolares,
tiveram de parar de estudar.
As observações realizadas remeteram-nos a pensar sobre
os diversos motivos pelos quais os jovens e adultos das classes
trabalhadoras retornam aos estudos, visto que no decorrer do
percurso escolar, tanto para os jovens das cidades quanto para os
que residem no campo, são muitos os relatos de interrupção e de
retorno à escola.
Olhando para a realidade camponesa, vemos que muitos
estudos são realizados nas escolas do campo. Desse modo, surgiu
o interesse em estudar os trabalhos produzidos, publicados e o
que as pesquisas indicam sobre o tema em questão, ou seja, a
EJA e as escolas do campo, a partir da consulta ao banco de teses
e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal
de Ensino Superior (CAPES), que é uma agência de fomento à
pesquisa brasileira que atua na expansão e consolidação da pós-
graduação em todos os estados do País, reunindo produções
acadêmicas (teses e dissertações) desenvolvidas em diversos
programas, disponibilizando as referências e os resumos das
pesquisas, bem como as pesquisas completas.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar,
a partir do estado da arte, o que se tem produzido sobre a EJA

46 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
na educação do campo no Brasil, no período de 2015 a 2018. De
modo específico, pretendemos: identificar os trabalhos sobre a
EJA na educação do campo no Brasil, no período definido para
esta pesquisa, no banco de teses e dissertações da CAPES; verificar
os temas mais frequentes abordados nos estudos; identificar os
referenciais teóricos dos trabalhos estudados; e compreender as
contribuições dos estudos sobre a temática estudada.
No que se refere à questão norteadora, partiu da seguinte
pergunta: o que as pesquisas do banco de teses e dissertações da
CAPES têm revelado sobre a EJA na educação do campo no Brasil?
Nessa perspectiva, o artigo está dividido em quatro partes. A
primeira trata do referencial teórico. A segunda, dos procedimentos
metodológicos. A terceira realiza a discussão dos dados. Por fim,
apresentamos as considerações finais.

REFLEXÕES INICIAIS SOBRE A EJA

Durante muitos anos, quando se falava em educação para


jovens e adultos, imaginava-se um grupo com características sociais
bem distintas e definidas, geralmente pessoas não alfabetizadas.
Não se levava em consideração as suas particularidades,
especificidades, sequer a sua diversidade: faixa etária, sexo, raça,
credo religioso, ocupação profissional, opção sexual, situação
social etc.
Algumas décadas atrás, essa modalidade de ensino resumia-
se à alfabetização como um processo compreendido em aprender
a ler e escrever. Todavia, na atualidade, o educador que se propõe
a trabalhar com a EJA deve refletir criticamente sobre a sua
prática, tendo uma visão ampla sobre a sala de aula e a escola
em que trabalhará, bem como sobre o que ensina, avaliando sua
prática pedagógica como um todo, uma vez que a EJA vai além da

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 47


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
escola, pois inclui a educação popular, vingando a escola e a vida
em escolas comunitárias.
Embora a EJA não seja restrita ao processo de alfabetização,
com frequência, ele constitui a primeira etapa quando se trata
dessa modalidade de ensino. Não obstante, o processo de
alfabetização não se resume apenas a juntar letras e formar
palavras, perpassa o ensino em sala de aula e os muros da escola.
É importante destacar que por ser um ato de conhecimento, a
alfabetização na EJA demanda, entre educadores e educandos,
uma relação de diálogo.
Um novo pensar sobre a EJA traz para o âmbito escolar
questões relativas ao processo histórico dos educandos, além de
ser estabelecida como uma das etapas da educação básica que
requer políticas educacionais e sociais, visto que os educandos
dessa modalidade, por integrarem as camadas mais carentes
economicamente, geralmente necessitam de políticas inclusivas
e intersetoriais para terem acesso a material didático, óculos,
alimentação no ambiente escolar, transporte etc.

A EJA e as determinações legais no Brasil

A história da EJA no Brasil é permeada pela trajetória de ações


e programas destinados à educação básica e, particularmente, aos
programas de alfabetização para o combate ao analfabetismo.
Em algumas ações para o público jovem e adulto, embora não
se constitua o objetivo principal, é possível identificar também o
incentivo à profissionalização. Por meio de leis, nomeadamente
a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) – Lei 9394/96, foi possível vislumbrar a inserção
de um direito negado a sujeitos que não tiveram condições de se
escolarizar na idade própria.

48 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
Para Sá (2016), os movimentos sociais, os sindicatos de
professores e as entidades científicas foram fundamentais para a
conquista formal de direitos à educação, visto que foram atuantes
tanto no período da Constituinte de 1986/1987 quanto nos
debates para a elaboração da LDB/1996. Nessa conjuntura, a EJA
mostra-se além de um complemento para a instrução de jovens e
adultos, mas uma forma específica para corresponder às grandes
dificuldades que esses grupos sociais possuem, inerentes às suas
condições sociais e/ou econômicas.
O governo militar organizou o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (Mobral), em 1967, um programa de proporção
nacional com o objetivo de alfabetizar funcionalmente e promover
uma educação continuada para uma ampla parcela de jovens
e adultos das mais variadas localidades do País. O Mobral
configurou-se como um programa que, por um lado, atendia aos
objetivos de dar uma resposta ao sistema escolar, e por outro, aos
propósitos políticos dos governos militares. No ano de 1985, o
Mobral foi extinto, quando o processo de abertura política do
País já estava relativamente avançado.
A Constituição Federal de 1988, promulgada no contexto
da redemocratização do País, tem como ênfase a erradicação do
analfabetismo e a universalização do ensino fundamental público
e gratuito, tornando a educação direito de todos, dever do Estado
e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao
seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação
para o trabalho (BRASIL, 1988).
Somente com a LDB nº 9.394/1996, a EJA passou a constituir
uma das modalidades da educação básica, assegurando “o direito
das pessoas jovens e adultas ao ensino foi reafirmado como

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 49


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
modalidade da educação básica, apropriada às necessidades e
condições peculiares desse grupo” (UNESCO, 2008).
Com a LDB, a EJA passou a ser concebida como uma
modalidade da educação básica, o que lhe conferiu uma
dimensão diferente, na medida em que possibilitou a superação
da concepção de oferta aligeirada, compensatória e supletiva de
escolarização.
No tocante à Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC),
assim como a EJA, vem tecendo um caminho de lutas pelo direito
à igualdade, ao acesso ao conhecimento e ao reconhecimento de
seus sujeitos. Para Caldart (2011, p. 471), ela intenta “contribuir
com a construção de processos capazes de desencadear mudanças
na lógica de utilização e de produção de conhecimento no campo”,
buscando alcançar uma educação pensada de forma que leve em
consideração as necessidades de quem vive no e do campo, tendo
em vista o seu modo de vida, os conhecimentos adquiridos com a
prática de seu meio e, principalmente, almejando uma educação
que favoreça a permanência, com qualidade, desses sujeitos em
sua comunidade.
No Art. 4º da LDB fica patente a reconfiguração do
campo da EJA por meio de sua caracterização como modalidade
de educação básica, inteiramente gratuita, tanto no ensino
fundamental quanto no médio, respeitando as necessidades e
disponibilidades dos jovens e adultos.
Paulo Freire (UNESCO, 2008) “criou uma proposta
para a alfabetização de adultos que inspira até os dias de hoje
diversos programas de alfabetização e educação popular.” Os
jovens e adultos necessitavam de uma educação que operasse na
transformação de sua realidade, e nesse contexto, a alfabetização
deveria ser vista como uma ferramenta crítica que contribuísse
para que o sujeito superasse os problemas que afetavam a sua

50 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
convivência em sociedade. Portanto, os jovens e adultos excluídos
passaram a integrar-se à sociedade a partir de métodos em salas
de aula que utilizavam a cultura a partir de sua realidade, com
discussões sobre sua experiência de vida para fossem alfabetizados.
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº
13.005, de 25 de junho de 2014, constitui um marco fundamental
para as políticas públicas brasileiras. Com vigência entre 2014
e 2024, trata-se de um documento que define compromissos
colaborativos com objetivos e metas que abrangem todos os níveis
de formação, desde a educação infantil até o ensino superior.
Suas 20 metas conferiram ao País um horizonte segundo o qual os
esforços dos entes federais devem ter como finalidade consolidar
um sistema educacional capaz de concretizar o direito à educação,
dissolvendo as barreiras para o acesso e a permanência, reduzindo
as desigualdades, promovendo os direitos humanos e garantindo
a formação para o trabalho e para o exercício da cidadania.
A propósito, a EJA está relacionada nos planos de Metas
8, 9 e 10, não podem ser analisadas separadamente, e busca
desenvolver relações sociais ligadas ao econômico, político e ao
social. A Meta 8 do PNE visa a ampliar a escolaridade média
dos jovens e adultos entre 18 e 29 anos de idade, bem como da
população residente do campo.

O acesso à educação entre os jovens que residem nas áreas rurais


brasileiras constitui um desafio significativo para o atingimento
da meta, daí ser preciso considerar as particularidades sociais
e econômicas que dificultam a ampliação na média de anos de
estudo dessa população. (BRASIL, 2014).

Por sua vez, a Meta 9 do PNE está relacionada a dois grandes


objetivos: o primeiro é elevar a taxa de alfabetismo da população e
erradicar o analfabetismo absoluto até o fim da regência no PNE;

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 51


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
enquanto o segundo é reduzir em 50% a taxa de analfabetismo
funcional.
Já na Meta 10 do PNE, a EJA tem como escopo ampliar as
matrículas da EJA no ensino fundamental e no ensino médio, na
forma integrada à educação profissional. Por sinal, a integração
da EJA à educação profissional impõe aos gestores um grande
desafio, posto que muitos educadores não estão capacitados
a lecionar para jovens e adultos. Diante dessa realidade, faz-
se necessário promover a capacitação, integração curricular e
desenvolvimento de metodologias que desenvolvam práticas
pedagógicas que estejam igualmente adequadas à infraestrutura
das escolas.
Ademais, o PNE designa estratégias que aludem ao direito
à educação e estão relacionadas às desigualdades sociais. Nessa
direção, a EJA precisa de uma atenção mais adequada pelos
poderes públicos para que sejam desenvolvidos planos de ensino
aprendizagem relacionados a cada modalidade de ensino e à
educação básica.

O ENCONTRO DE DUAS MODALIDADES DE ENSINO: A EJA E


A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Atualmente, a EJA tem cada vez menos espaços na educação


básica, pois vivenciamos o frequente fechamento de suas turmas.
No que tange a essa modalidade na educação do campo, ainda
persiste a oferta de uma educação sem práticas reflexivas e
transformadoras, sem ensino de qualidade, aspecto muitas vezes
usado como argumento para o fechamento de escolas no campo.
A educação do campo é uma modalidade de ensino destinada
às comunidades do campo, incluindo quilombolas, assentados,
caiçaras, indígenas, extrativistas, ribeirinhos, entre outros, sendo

52 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
que cada comunidade possui identidades e culturas próprias. A
educação do campo nasce do processo de luta dos movimentos
sociais camponeses que pleiteiam a reforma agrária, combinando
educação com luta pela terra e educação de qualidade, como
analisa Caldart (2012, p. 264), ao referir que “a educação do
campo, principalmente como prática dos movimentos sociais
camponeses, busca conjugar a luta pelo acesso à educação pública
com a luta contra a tutela política pedagógica do Estado [...]”.
Em alusão à EJA em escolas do campo, a concepção de
atraso é ainda mais reforçada. Dessa forma, as escolas do campo,
para alguns, são atrasadas, enquanto as da cidade são avançadas.
Porém, vemos que não há muita diferença, uma vez que as escolas
da cidade recebem os jovens e adultos do campo devido ao fato
de que algumas escolas localizadas na zona rural não têm a EJA,
daí porque a escola da cidade se vincula sendo como do campo.
Em conformidade com Araújo (2012, p. 253),

a educação de jovens e adultos no contexto das lutas sociais do


campo surge como necessidade de prosseguimento das lutas
sociais em várias dimensões desenvolvidas pelas organizações
e movimentos sociais do campo. Observando a situação do
acesso à educação de jovens e adultos no campo e nas cidades
do Brasil, constata-se um quadro de exclusão e marginalização,
evidenciando uma realidade marcadamente desfavorável à
população camponesa.

No Brasil, os direitos garantidos por lei não são suficientes


para que os jovens e adultos tenham, de fato, acesso à educação
escolar, justificando que os movimentos sociais do campo e da
cidade lutem ao longo da história para mudar essa situação.
Entretanto, os jovens e adultos do campo encontram
dificuldades para permanecer estudando, devido ao desgaste
emocional e ao cansaço físico. Nessa lógica, a obra Passageiros da
Noite, de Arroyo (2017), retrata a ida e vindas de jovens e adultos

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 53


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
do campo, sendo eles trabalhadores ou filhos de trabalhadores
que vivem um itinerário entre as idas e vindas do campo para a
cidade, e ao longo desse percurso, encontram tempo para estudar,
destacando-se que

os passageiros da noite, afirmando-se sujeitos de novas


identidades coletivas, positivas, produtoras de outros espaços
nas cidades e nos campos em suas lutas por teto, transporte,
saúde, terra, territórios, escola, transformam o mapa tradicional
e hegemônico de que são as elites, os planejadores do espaço
urbano, os donos do latifúndio que constroem os espaços e seus
significados. (ARROYO, 2017, p. 39).

Os passageiros da noite são os jovens e adultos


trabalhadores do campo que se arriscam nas estradas, muitas
vezes, com transportes precários, a fim de estudar e alcançar seus
objetivos. Falta, pois, acesso às políticas públicas e que elas sejam
efetivamente implantadas nas escolas públicas para a modalidade
de ensino da EJA, porquanto um conjunto de histórias, culturas e
identidades estão relacionados com a educação do campo.
Os trabalhadores lutam e lutaram para alcançar um grau
de igualdade e que os currículos de formação sejam diferenciados
tanto para a cidade quanto para o campo, pois o ensino de
uma escola para a outra é diferenciada. Nessa direção, o PNE
preocupa-se em melhorar a qualidade de ensino a partir de metas
que foram desenvolvidas para serem alcançadas por meio dos
jovens e adultos.
No que lhe cabe, o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA) vem mobilizando ações voltadas
à alfabetização de jovens e adultos, e complementando suas
escolaridades. O programa em epígrafe proporcionou a articulação
das universidades por intermédio das LEDOC, dos movimentos
sociais e da participação do Estado. À vista disso, o programa
propõe-se, além da formação de educadores assentados, a ofertar

54 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
a alfabetização nos anos finais do ensino fundamental e o ensino
médio para os jovens e adultos dos assentamentos, visando a
desenvolver projetos voltados para o campo, para a realidade das
comunidades e dos assentamentos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No que se refere à explicitação do período demarcado


entre 2015 e 2018 para o levantamento bibliográfico do estado
da arte, consideramos outros períodos para a realização da
pesquisa, mas em face do atual governo, ficamos receosas em
não encontrar trabalhos relacionados ao tema da pesquisa, além
do que vislumbramos a instabilidade do site da CAPES. Dessa
forma, optamos por delimitar um período menor para dar tempo
suficiente para a realização da pesquisa no site da CAPES, sem o
risco de contratempos durante a elaboração deste artigo.
O percurso metodológico consistiu na definição dos
descritores para as buscas e o refinamento da pesquisa, a partir
de critérios para a seleção no banco de dados da Capes, tendo
em vista os seguintes elementos: teses, dissertações, título do
trabalho, ano e área de conhecimento. Os termos utilizados para
identificação dos títulos foram educação do campo, escolas do campo,
evasão escolar e educação de jovens e adultos. A pesquisa foi realizada
após a delimitação das teses e dissertações, mediante uma leitura
prévia dos resumos dos trabalhos publicados.
O estado da arte é um estudo bibliográfico de caráter
inventariante que pode servir de fomento para a realização das
produções que buscam preencher lacunas detectadas no campo
de conhecimento em questão. Ao realizar as pesquisas no site
da CAPES, identificamos que nos títulos dos trabalhos estavam
explícitos os termos educação de jovens e adultos e educação do campo,

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 55


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
ou nomes de cidades do interior relacionados com as escolas do
campo. Após uma breve leitura dos resumos, verificamos que
algumas teses e dissertações não tinham relação com a EJA e
educação do campo, ainda que os títulos das teses e dissertações
fiquem bem esclarecidos.
Ferreira (2002) definiu estado da arte como estudos
bibliográficos de caráter inventariante, indicando, ainda, que
além de mapear produções teóricas de determinada área do
conhecimento, tem o objetivo de

[...] discutir uma certa produção acadêmica em diferentes


campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e
dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes
épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido
produzidas. (FERREIRA, 2002, p. 258).

A supracitada autora esclarece que se deve realizar esse tipo


de pesquisa a partir de banco de dados diferentes, como “[...] teses
de doutorado, de mestrado, artigos publicados em periódicos
e comunicação em anais de eventos, congressos e seminários”
(FERREIRA, 2002, p. 258).
Com base nos levantamentos e nas análises de pesquisas
realizadas por intermédio do banco de dados da Capes,
tencionamos identificar a trajetória das pesquisas com recorte
temporal de 2015 a 2018. Os estudos de tipo estado da arte
auxiliam na compreensão da temática EJA, educação do campo e
escolas do campo em trabalhos já realizados e publicados.
Nessa etapa, analisamos vinte e uma publicações, assim
classificadas: três teses de doutorado; dezoito dissertações de
mestrado. Tais trabalhos foram incialmente categorizados por
temporalidade, indicando maior concentração de dissertações
publicadas no ano de 2017, enquanto nos demais anos, houve

56 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
uma média de cinco publicações, cada, e no ano de 2018, uma
dissertação.
Para essa organização, categorizamos algumas palavras-
chave, de modo que pudessem abranger as pesquisas da EJA
para a busca dos dados. Ei-las: educação de jovens e adultos;
educação do campo; políticas públicas; educação popular;
Programa de Alfabetização Regular; evasão escolar; avaliação da
EJA; alfabetização de adultos; alfabetização e prática; currículos;
estudos pós coloniais; escolarização; educação profissional;
formação inicial; mercado de trabalho; PRONERA; pedagogia
da alternância; práticas educativas; profissionalização de jovens
rurais; política e educação; trajetórias de escolarização e teoria
histórico-cultural.
Em relação à localização por instituição e quantidade de
pesquisas de cada uma, temos os seguintes dados: a Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), a Universidade Federal do Pará
(UFPA) e a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP) contam com uma tese, cada; a Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) possui quatro dissertações; a Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP) conta com três dissertações;
a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e a Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) têm duas dissertações, cada; já
a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal do Pará
(UFPA) e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
contam com uma dissertação, cada.
Tais pesquisas foram desenvolvidas em diferentes
Programas de Pós-Graduação: Educação; Educação – Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares; Educação Agrícola;
EJA; Educação do Campo e Educação e Diversidade. No entanto,

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 57


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
observamos maior incidência de trabalhos na área de educação,
totalizando quinze.
Outrossim as áreas temáticas que possuem maior campo de
pesquisa, primeiramente, aludem aos programas em educação; as
demais contam com duas e uma pesquisa, cada. O desenvolvimento
de pesquisas em diferentes programas evidencia a EJA, ao situá-la
frente aos múltiplos desafios educativos que demandam diferentes
campos de conhecimento.

O QUE DIZEM OS DADOS?

Os resultados apresentados referem-se ao conjunto de


dissertações e teses da CAPES que tratam tanto da EJA quanto da
educação do campo. Diante dos dados examinados, intentamos
responder ao seguinte questionamento: o que o banco de teses e
dissertações da CAPES têm revelado sobre a EJA na educação do
campo no Brasil?
A pesquisa possibilitou traçar uma representação de
trabalhos que vem constituindo o campo das pesquisas da EJA e
da educação do campo, por meio do estado da arte, mostrando
uma pequena, mas significativa “[...] existência de um conjunto
de práticas e saberes minimamente articulados em torno de
princípios, objetivos ou outros elementos comuns” (RIBEIRO,
1999, p. 2).
Essa representação também aponta para os elementos que
requerem maior aprofundamento para buscar a construção de
fundamentos teórico-metodológicos para a EJA no Brasil.
O trabalho consistiu na análise de vinte e uma publicações
que, a princípio, tratavam da EJA e da educação do campo,
porém, após uma avaliação mais profunda das temáticas, foram
selecionadas onze publicações que estão relacionadas com

58 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
a pesquisa, e dez foram eliminadas por fugirem do contexto
proposto, ainda que os títulos das publicações tivessem relação
com a EJA e a educação do campo. Para identificação desses
temas, utilizamos como critério de seleção sua recorrência e
especificidade.
Sobre essa questão, Soares (1989, p. 16) destaca que

ao longo da análise, foram-se constituindo como temas aqueles


tópicos que apareciam com frequência e/ou revelaram um grau
de singularidade que os tornava autônomos e independente em
relação a outros tópicos. Esses critérios é que explicam por alguns
tópicos são considerados temas, enquanto outros constituem
apenas parte de um tema mais amplo.

As dissertações e teses avaliadas neste estudo são


apresentadas a partir de um código de identificação. Para os
trabalhos de mestrado, utilizamos a letra D, seguida do dia, mês e
ano em que foi defendida (ex: dissertação D20052015), seguindo
a tese o mesmo critério, adotando-se a letra T.
Dentre as temáticas mais presentes no período de 2015/2016
a 2017/2018 estão: currículo; trajetória; evasão; jovens e adultos do campo;
pedagogia da alternância e leitura e escrita. Este último referindo-se ao
estudo do letramento dos jovens e adultos, que se desenvolvem e
aprendem ao longo da vida por meio da interação social, apropriação da
cultura, independentemente da idade, trazendo consigo experiências de vida
que não são da educação básica, ou seja, o estudo desta tese trata dos jovens
e adultos que cursam o ensino superior.
Jovens e adultos do campo que estão inseridos na
universidade e querem construir uma nova realidade em diferentes
momentos de suas vidas e conseguir o tão sonhado diploma, para
buscarem novas oportunidades, procuram fazer usos da leitura e
da escrita no dia a dia para que possam assinar um documento,

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 59


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
ler e compreender a bula de um remédio, entre outros. A tese
T11122018 mostra que

a pesquisa permite concluir que o letramento estético é um


bem cultural a que crianças, jovens e adultos têm inalienável
direito e a escola e a universidade tem o dever de atentar
para o desenvolvimento de uma proposta didática voltada
à aproximação do leitor com o texto. A rigor, este estudo traz
consequências para a organização do trabalho de produção de
textos na Educação do Campo, em particular, e na educação em
geral.

Ainda sobre a temática de leitura e escrita, depreendemos uma


dificuldade frequente pelos jovens e adultos do campo inseridos
nas universidades, especialmente devido ao ensino básico, muitas
vezes ligado ao ensino tradicional, à infraestrutura e aos materiais
didáticos precários, além de metodologias inadequadas que
prejudicam diretamente o desenvolvimento da leitura e escrita.
Outro tema que merece destaque é a evasão, visto que em
quatro publicações, o termo evasão escolar se faz presente, e em
certos casos, o termo evasão vem explícito no título do trabalho,
sendo que muitas pessoas utilizam o conceito para explicar o
processo de interrupção dos estudos. Sabe-se que a interrupção
dos estudos não pode ser atribuída a causas isoladas, ou seja,
é necessário considerar as diversas necessidades pessoais dos
alunos, os fatores de natureza socioeconômica e a organização da
instituição escolar.
No entanto, a questão curricular e a metodologia utilizada
para o processo ensino-aprendizagem também contribuem para a
evasão dos alunos, como designado na dissertação D04052018:

evidencia-se, também, dentre os aspectos internos à escola,


questões significativas e desafiadoras nas trajetórias escolares
dos educandos como a questão geracional, a falta de formação
docente, a dificuldade de aprendizagem dos conteúdos, a falta
de avaliação diferenciada, a falta de currículos específicos, a falta

60 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
de recursos pedagógicos, as precárias condições do trabalho
docente e a ausência de acompanhamento escolar.

Resumidamente, os resultados das publicações sobre a


evasão escolar desnudam a realidade de escolas do campo e dos
sujeitos do campo, elencando como principais motivos para tal
situação: dificuldade de conciliar o trabalho com os estudos
(cansaço); falta de transporte público e distância da moradia em
relação à escola; dificuldade de relacionamento entre pessoas de
idades e culturas diferentes; problema de saúde e gravidez precoce
na adolescência; o patriarcado, que ainda é muito presente e está
relacionado com maridos que não deixam suas esposas estudarem
ou até mesmo mulheres que têm filhos e não tem com quem deixá-
los, pois a maioria das aulas da EJA é à noite – assim, os horários
das aulas constituem um motivo gerador de evasão.
Destacam-se dentre dos principais motivos da evasão escolar,
a metodologia docente, o despreparo de alguns profissionais
para atuar junto a essa modalidade de ensino, o currículo e o
planejamento das ações que, na maioria das vezes, são pensados
com base no ensino regular. Logo, é um desafio trabalhar com
turmas multisseriadas e com jovens e adultos em uma mesma
sala, com políticas públicas que não contemplam a diversidades e
as necessidades da EJA do campo.
A modalidade de ensino da EJA e a evasão escolar, seja nas
escolas do campo ou da cidade, não são um problema atual,
mas vem gerando discussões há anos, tanto pela falta de alunos
para completar turmas, pela carência de professores capacitados
e até mesmo material didático insuficiente, voltado para a EJA.
Vale ressaltar que a maioria das escolas do campo não oferta a
modalidade EJA, e a falta de transporte público implica a evasão
escolar, já que a maioria dos alunos não possui recursos próprios
para ter acesso à escola na cidade.

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 61


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
O tema currículo, que foi citado como um dos motivos para
a evasão escolar na dissertação D19082016, tem como foco o
currículo da escola e a formação de jovens e adultos do campo,
apontando como questão central: como o currículo da EJA
pode contribuir para a formação de jovens e adultos do campo?
De tal modo, o reconhecimento da experiência, a construção
da autonomia, a emancipação e a relação com o trabalho são
elementos essenciais para o debate da construção de um currículo
para a EJA do campo.
Então, concebemos a necessidade de elaboração de um
currículo voltado para a EJA do campo, englobando suas culturas
e diversidades, e não apenas estabelecendo uma reprodução do
ensino regular, ignorando as especificidades de seus sujeitos e
desvalorizando suas culturas.
Consoante Arroyo (2001, p. 223),

[...] a condição social, política, cultural desses sujeitos têm


condicionado as concepções diversas da educação que lhes
é oferecida. Os lugares sociais a eles reservados – marginais,
oprimidos, excluídos, empregáveis miseráveis... – têm
condicionado o lugar reservado a sua educação no conjunto das
políticas oficiais.

Nesse contexto, os mesmos currículos que são elaborados


para o ensino regular são adotados para a EJA e, ainda, para as
escolas do campo, pois não se utiliza um currículo adequado,
voltado para as escolas do campo, pensando em um currículo
de forma mais abrangente, considerando os procedimentos
metodológicos, avaliativos e as práticas pedagógicas que busquem
sempre uma aproximação entre especificidades do grupo
sociocultural e a escolarização de jovens adultos.
Como dispõe a dissertação D19082016,

62 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
é necessário abordar o campo do currículo para além das
referências escolares, as quais ainda carregam noções como
grades, conteúdos, disciplinas, cargas horárias, áreas específicas,
níveis de aprendizado, entre outros. Nesse contexto é que se dá a
tensão entre a maior ou menor regulação, autonomia e controle,
homogeneização e diversidade.

A dissertação atingiu o objetivo proposto, pois o currículo


da EJA contribui para a formação de jovens e adultos do campo,
e foram identificadas algumas propostas curriculares da EJA
elaboradas por algumas redes municipais e estaduais, embora não
tenham sido identificadas proposições elaboradas pela própria
escola a partir de seus princípios e concepções. Essa é a realidade
que as escolas do campo enfrentam, por não terem autonomia
para a elaboração de seu currículo com base na realidade dos
jovens e adultos do campo.
O tema da dissertação Jovens e Adultos do Campo engloba
práticas e reflexões sobre a escolarização, mediante questões
culturais em espaços escolares ou não, ou seja, os saberes práticos
dos sujeitos vão além da sala de aula, pois suas experiências
conseguem articular teoria e prática a partir das diferentes
dimensões da vida.
A ausência de políticas públicas voltadas para EJA do campo
demonstra a falta de interesse dos governantes em elaborar
projetos que englobem os jovens e adultos do campo, interferindo
positivamente no processo ensino-aprendizagem deles. Sobre essa
questão, a Dissertação D26052017 ressai que para “os sujeitos
jovens e adultos do campo, parece necessário não qualquer política
de EJA, mas uma política de EJA que traduza as especificidades do
campo”.
Diante do exposto, validamos que é necessário rever quais
políticas públicas englobam os sujeitos do campo, sobretudo
as políticas educacionais, sendo indispensável reconhecer a

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 63


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
importância da escola para a construção coletiva de conhecimento
pelos sujeitos, possibilitando pensar para além da escola,
abrangendo os aspectos históricos, sociais, culturais, políticos e
econômicos.
A educação do campo, por meio da pedagogia da alternância,
adotada especialmente para as Escolas Família-Agrícola (EFA)
e escolas do campo, propõe diálogos e possíveis construções
entre a teoria e a prática, ou seja, busca qualidade de vida para
os jovens do campo, por intermédio da educação. A dissertação
D31072017, em seu objetivo, pretende promover uma ação de
formação transversalizada que contribua para que os estudantes
enriqueçam os saberes – fazeres – reflexões sobre temas e práticas
importantes à profissionalização dos jovens estudantes da EFAs.
Pensar na educação do campo enseja reflexões diante das
lutas e conquistas dos povos do campo, remetendo à busca pela
qualidade de vida e por uma educação do campo que se faça no
campo e para o campo. Esse é, sem dúvida, o desejo de muitos.
Nessa direção, a dissertação D31072017 aponta que

a pedagogia da alternância oportuniza através da sua estratégia


metodológica aos estudantes a possibilidade de aplicar nas
propriedades familiares e comunidades a teoria trabalhada em
sala de aula, o que fortalece a proposta de que além da educação
escolar é preciso valorizar os saberes que os estudantes trazem
consigo e é isto que enriquece o processo de aprendizagem e
aproxima os mesmos da realidade de cada jovem e suas famílias.

Deveras, a pedagogia da alternância contribui para o


processo de profissionalização de jovens e adultos do campo, a
partir de experiências alcançadas na conciliação entre os estudos
e o trabalho, promovendo transformações profissionais nas
práticas de trabalho de campo.
O tema trajetória faz-se presente em três publicações, uma
das quais se relaciona com a trajetória do sucesso escolar de jovens

64 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
oriundos de escolas públicas que ingressaram no ensino superior,
ao passo que as outras publicações tratam da trajetória escolar de
jovens e adultos do campo e suas dificuldades.
Sabemos que os jovens e adultos oriundos de escolas
públicas que ingressam nas universidades enfrentam diversas
dificuldades. Ao abordar esse tema, a dissertação D29022016
parte do pressuposto de que

[...] a educação superior tem um papel fundamental no processo


de emancipação e na mobilidade social dos sujeitos. Portanto,
para a maioria dos jovens provenientes das classes populares a
formação em nível superior constitui a única forma de se obter
ascensão social, o que só é possível através do ingresso numa
universidade pública.

Reconhecemos a importância da educação superior em


uma universidade pública, baseada na práxis educativa e dialógica
para o enfrentamento das desigualdades sociais, visando à
construção de um sistema educacional de qualidade, que seja
acessível para todos. No entanto, um sistema educacional
que esteja comprometido com a política de cortes dificulta
a permanência dos jovens das classes trabalhadoras nas
universidades, principalmente aqueles que precisam se deslocar
de suas cidades de origem para estudar.
Entendemos que a EJA se torna significativa quando
levamos em consideração as dificuldades e a experiência de vida
dos sujeitos, construídas por meio da trajetória de escolarização
nos âmbitos sociais, culturais, ampliando as capacidades sociais
pessoais e laborais do sujeito, de forma coletiva. Nesse sentido, ao
tratar de sujeitos da EJA, é preciso apreender as necessidades e as
expectativas de escolarização, levando em conta as especificidades
desse público, precipuamente no contexto cultural em que vivemos.

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 65


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
Em uma sociedade marcada pela diversidade cultural, os
educadores ainda encontram dificuldade em manter o jovem na
escola durante todo o ano letivo, garantindo que as aulas sejam
proveitosas e dinâmicas. A sociedade rotula muito os alunos
que estão inseridos na EJA, mostrando preconceito com essa
modalidade de ensino e com os jovens e adultos do campo Essa
visão, aliada a vários outros fatores, podem interferir no processo
de aprendizagem, pois alguns jovens e adultos veem a EJA como
uma forma de acelerar os estudos, com interesse na certificação
e, principalmente, em conseguir emprego após a conclusão dos
estudos, gerando, muitas vezes, uma formação descontextualizada
da realidade dos jovens, sem auxiliá-los a refletir sobre as razões
pelas quais eles são levados a desejar um processo formativo
acelerado.
É importante sublinhar também que o processo de
juvenilização da EJA é marcado trajetórias escolares em que as
reprovações escolares são frequentes; baixo nível de escolaridade
dos pais – o que dificulta a implementação de práticas de
escolarização junto aos seus filhos; além da legislação educacional
que sugere a idade máxima para certificação em 15 anos no ensino
fundamental, definida no Art. 38 da LDB nº 9.394/96.
A desigualdade e a exclusão social nas esferas social, política
e econômica podem estar ligadas ao ensino precoce da EJA,
repercutindo na exclusão escolar, com a consequente negação
de direitos básicos, a exemplo da educação. Spósito (1999, p. 9)
analisa o destino dos jovens:

certamente os dados mais amplos relativos aos índices de


desigualdade em nossa sociedade, ao contemplarem as enormes
dificuldades de integração dos jovens brasileiros na esfera dos
direitos sociais de cidadania incluem a persistente ausência de
justiça no campo dos direitos educativos. Essa situação não é
só caracterizada pela impossibilidade de frequência à escola na
idade adequada, mas, sobretudo, pelos mecanismos perversos

66 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
intra/extraescolares que ora expulsam ou incorporam de modo
precário os jovens, acentuando as enormes distorções entre
idade/série nas diversas séries e baixos níveis de conclusão da
educação obrigatória.

No entanto, a análise só reafirma a necessidade de políticas


públicas que atendam aos interesses dos estudantes da modalidade
da EJA e contemplem os jovens para que não precisem antecipar o
processo de escolarização, permanecendo no ensino regular.
Um fator não menos importante que os outros, e que não
foi citado nas teses e dissertações, embora seja um dos motivos
para a juvenilização da EJA, é a gravidez precoce na adolescência,
pois infelizmente, mulheres com filhos não são incentivadas a
estudar, uma vez que ainda persiste a ideia de que os cuidados
com as crianças é responsabilidade materna. Essa compreensão,
em nosso entendimento, também é um dos motivos pelos quais
as jovens mães optam por acelerar a conclusão da escolarização
formal.
Impende ressaltar que as publicações, em geral, inter-
relacionam-se, ainda que abordem temáticas diferentes, com
distintos enfoques epistemológicos e metodológicos, cujos
temas compõem estudos de áreas já consolidadas nas pesquisas
em educação no Brasil, algumas das quais propõem em seus
resultados estudos mais detalhados sobre os temas e até mesmo
propostas para serem levadas adiante para a continuidade dos
estudos. É relevante frisar que as publicações atingiram o objetivo
proposto nas questões norteadoras.
Refletindo sobre teses e dissertações no contexto
contemporâneo brasileiro, a educação do campo e,
consequentemente, a EJA, vivenciam mais um desafio devido
à falta de políticas públicas, conforme citado outrora, as quais
se ampliaram com o surgimento da pandemia de Covid-19 que,
juntamente com a opção brasileira pela política de redução de

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 67


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
gastos, explicitou mais um desafio a ser enfrentado pelos jovens e
adultos do campo: o acesso à internet e aos recursos tecnológicos
para acompanhamento das aulas remotas. Com isso, em muitas
localidades, o conteúdo ficou restrito ao fornecimento de material
impresso para a realização de atividades pelos estudantes. Em
outras palavras, para os trabalhadores e seus filhos, restaram
apenas as aulas assíncronas como recurso de aprendizagem.
No que se refere à EJA, muitos jovens e adultos ficaram
desempregados e abandonaram os estudos por não terem
condições de custear as aulas remotamente, o que repercutirá em
sua formação escolar, na inserção no mundo do trabalho e na
melhoria de sua qualidade de vida.
Percebe-se que historicamente, a EJA e a educação
para os povos do campo têm papel secundário nas políticas
educacionais no Brasil. Em face dessa realidade, faz-se necessário
que os educadores compreendam as contribuições dessas duas
modalidades de ensino para que possam dar visibilidade a elas e,
quem sabe, contribuir para a mudança desse cenário.
Espera-se que os resultados aqui obtidos possam colaborar
com os estudos desenvolvidos na área da educação, em especial
com as discussões acerca da EJA e da educação do campo,
reconhecendo as trajetórias de vida dos sujeitos com vistas a uma
educação emancipadora e de qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou realizar um estudo a partir do estado


da arte das produções acadêmicas disponíveis no banco teses e
dissertações da CAPES. Na pesquisa apresentada, objetivamos
examinar o que se tem produzido sobre a EJA nas escolas do
campo Brasil, no período de 2015 a 2018.

68 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
O estado da arte é significativo para a área da pesquisa
de maneira geral, porque abrange a análise e os resultados de
vários estudos de múltiplas áreas do conhecimento, constituindo
uma rica fonte de consulta para outros pesquisadores. Assim,
esta pesquisa busca um diálogo a partir da EJA e a educação do
campo, áreas que se inter-relacionam por meio de sua prática,
ação, identidade, representação social ou mesmo na formação
dos jovens e adultos.
As dissertações e teses da CAPES que tratam da EJA e
educação do campo, tendo como temáticas currículo, trajetória,
evasão escolar, jovens e adultos do campo, leitura e escrita e pedagogia
da alternância, indicam as dificuldades enfrentadas pelos jovens e
adultos desde o ensino básico até o ingresso na universidade. As
publicações, mesmo com temáticas diferentes, designam como
ponto principal as dificuldades enfrentadas pelos jovens e adultos,
como a desigualdade social, evasão escolar e falta de políticas
públicas.
No estudo sobre a EJA no Brasil, percebemos que sua
trajetória foi marcada por muitas transformações, sobretudo
relacionadas a mudanças sociais, políticas e econômicas. Algumas
questões evidenciadas ao longo da pesquisa, enfrentadas pela
EJA, persistem na atual realidade brasileira, destacando-se,
principalmente, a ausência de um currículo e o desenvolvimento de
metodologias capazes de envolver práticas pedagógicas específicas
e adequadas para a realidade do aluno, além de formação para os
professores atuarem nessa modalidade de ensino.
Isso posto, depreendemos a necessidade de que a
educação do campo se coloque na luta pelos direitos ao saber,
ao conhecimento, à cultura produzida socialmente. A propósito,
Arroyo Caldart e Molina (2004) consideram a educação como
direito do homem, da mulher, da criança, do jovem. Desse modo,

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 69


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
a educação do campo é garantida por meio de leis que determinam
que suas práticas educacionais devem atender às necessidades
e aos interesses dos sujeitos do campo, possibilitando uma
educação de qualidade, a partir de conteúdos e metodologias que
englobem a realidade e as necessidades desses sujeitos.
Não obstante, os avanços legais não corresponderam,
efetivamente, à consolidação da política da EJA e da educação
do campo. Nesse sentido, é necessário desenvolver processos
articulados aos contextos históricos e culturais desse segmento,
a fim de garantir aos jovens e adultos do campo, o acesso, a
permanência e o sucesso no início ou no retorno desses sujeitos à
escolarização básica e ao acesso à universidade pública.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, M. N. R. Educação de Jovens e Adultos (EJA) –


Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo: Expressão
Popular, 2012.

ARROYO, M. G. A Educação de Jovens e Adultos em tempos


de exclusão. A alfabetização e cidadania, São Paulo: Rede
de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil (RAAAB), n. 11,
abril 2001. Disponível em: .http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_docman&view=download&alias=655-
vol3const-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 13 fev. 2021.

ARROYO, M. G.; CALDART, R; S.; MOLINA, M. C. (org.) Por


uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

70 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
ARROYO, M. G. Passageiros da noite: do trabalho para a EJA:
itinerários pelo direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vozes,
2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para


Assuntos Jurídicos. Lei 13.005, de 25 de junho 2014. Aprova
o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 e dá outras
providências. Brasília: DF, 2014.

CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO,


G. Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo: Expressão
Popular, 2012.

CALDART, R. S. A escola do campo em movimento. In: ARROYO,


M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Por uma educação do
campo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

RIBEIRO, V. M. A formação de educadores e a constituição


da educação de jovens e adultos como campo pedagógico.
Educação e Sociedade [on-line], v. 20, n. 68, p. 184‐201, 1999.
ISSN 0101‐7330. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/es/
v20n68/a10v2068.pdf. Acesso em: dia? ago. 2020.

SÁ, M. F. Concepções em disputa sobre educação profissional


no contexto da redemocratização brasileira. 2016. 174 f. Tese
(Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2016.

O ESTADO DA ARTE DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E 71


ADULTOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO (2015-2018)
SOARES, M. B. Alfabetização no Brasil: o estado do
conhecimento. Brasília: INEP; Santiago: Reduc, 1989. Disponível
em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484330/
Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o/f9ddff4f-1708-41fa-82e5-
4f2aa7c6c581?version=1.3. Acesso em: 9 out. 2019.

SPÓSITO, M. P. “Educação e juventude”. In: Educação em


Revista, Belo Horizonte, n. 29, p. 7-13, jun. 1999.

UNESCO. Alfabetização de jovens e adultos no Brasil:


lições da prática. Brasília, DF, 2008. 212 p. Disponível em:
http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-
books/162640por.pdf. Acesso em: 18 out. 2019.

72 Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Mara Franco de Sá
EDUCAÇÃO ENTRE O VISÍVEL
E O INVISÍVEL
A MÚSICA COMO INSTRUMENTO
DE RESISTÊNCIA NAS ESCOLAS
DO CAMPO

Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista

INTRODUÇÃO

E
sta pesquisa é resultante das reflexões elaboradas no
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado
Cultura camponesa: uma trajetória em (des)construção
(CARVALHO, 2018). Retomamos tais considerações com o intuito
de aprofundarmos o entendimento das questões relacionadas ao
campo, sobretudo no que diz respeito à tomada de consciência
de educadores que atuam em escolas do campo, Licenciaturas em
Educação do Campo (LEDOC), Escolas Família Agrícola (EFA´S),
entre outros espaços de formação/convivência, a partir da análise
dos repertórios musicais dessa modalidade educativa.
A fim de facilitar o entendimento do termo educação do campo,
consideramos necessário buscar um conceito que auxilie nessa

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 75


NAS ESCOLAS DO CAMPO
compreensão. Nesse ensejo, nada melhor que beber na fonte de
Caldart (2008), para quem, como um conceito em construção, a
expressão educação do campo nasce primeiro como educação básica
do campo, até o contexto de preparação da I Conferência Nacional
por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia,
Goiás, de 27 a 30 de julho 1998. Passou a ser chamada educação do
campo a partir das discussões do Seminário Nacional realizado em
Brasília de 26 a 29 de novembro 2002 – decisão posteriormente
reafirmada nos debates da II Conferência Nacional, realizada em
julho de 2004.
Para a referida autora, a educação do campo tem
características específicas, a saber: como prática social, deve
ser uma luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à
educação (e não a qualquer educação) feita por eles mesmos e não
apenas em seu nome; combina luta pela educação com luta pela
terra, pela reforma agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à
soberania alimentar, ao território; a escola tem sido objeto central
das lutas e reflexões pedagógicas da educação do campo, pelo
que representa no desafio de formação dos trabalhadores como
mediação fundamental; a educação do campo, principalmente
como prática dos movimentos sociais camponeses, busca conjugar
a luta pelo acesso à educação pública com a luta contra a tutela
política e pedagógica do Estado (reafirma em nosso tempo que
não deve ser o Estado o educador do povo) etc. Aliás, a susodita
autora reconhece a grande importância e o peso que a educação
do campo tem no sentido de fazer o enfrentamento na luta por
políticas públicas que garantam aos trabalhadores do campo o
direito à educação, especialmente à escola, e a uma educação que
seja no e do campo.
Dessa forma, partimos do uso da música como linguagem
a ser didaticamente explorada, levando em consideração sua

76 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
forte presença na educação do campo, sobretudo em momentos
de mística1 e nas experiências protagonizadas pelos movimentos
sociais, com vistas a analisar seus diversos aspectos constituintes e
suas relações fundamentais: letra (conteúdo); forma (som, poesia,
ritmo); e suas formas de uso (sociabilidades e mediações).
Compreendemos que as experiências de fruição musical
nos espaços de formação da educação do campo não somente
contribuem para o entendimento e a compreensão da realidade,
mas, sobretudo, para a formação integral desse ser humano,
tão complexo em todas as suas dimensões, especialmente
quanto à sua consciência e às suas emoções. Essa formação
está intimamente relacionada com os princípios defendidos pela
educação omnilateral.
A música está presente na vida das pessoas desde os
primórdios, estendendo-se ao longo da história como forma de
expressão cultural e sentimentos diversos, elemento da experiência
transcendental e instrumento de comunicação e conhecimento.
Desde tempos imemoriais até hoje, a música está presente em várias
atividades do homem, não refletindo apenas meros agrupamentos
de notas musicais ou uma expressão cultural, mas uma arte
que contribui para todo o desenvolvimento do ser humano,
aprimorando-se como linguagem em sintonia com as diversas
antropologias humanas, incluindo as culturas camponesas.2
As manifestações culturais camponesas, em suas mais
diversas expressões (ritos, festejos, celebrações, culinárias, sistemas
de trabalho), constituíram-se ao longo da história dos povos
camponeses como instrumento de transformação da natureza,
registro e apropriação dos saberes que foram sendo produzidos/

1 É uma forma de arte que se constitui na combinação de vários sons e ritmos.


2 Definida pelas tradições sociais, representação e organização rural,
comidas típicas de cada região, festas religiosas, costumes e tradição
familiar, festividades culturais como festa juninas e folclóricas.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 77


NAS ESCOLAS DO CAMPO
reproduzidos. Tais elementos são registrados em várias linguagens
comunicativas, entre elas, a arte e, em seu interior, a música.
Ao tempo em que instruíam, transformaram-se em
instrumentos de resistência contra todo tipo de opressão,
sendo capazes de registrar nessa trajetória os fatos históricos
vivenciados pelos povos camponeses, alimentando, dessa forma,
suas esperanças. Assim, por meio de suas vivências, convivências
e de suas expressões, os camponeses foram construindo o mundo
camponês, sua cultura, suas crenças, suas tradições, seus sistemas
de educação, seu trabalho etc., acumulando saberes que por
meio dessas manifestações, compunham verdadeiras dinâmicas
pedagógicas.
Como bem afirma Brandão (1984, p. 16), “por onde andei
nunca vi espaços próprios e situações formais ou escolarizadas de
ensino, mas aqui e ali encontrei inesquecíveis momentos de um
persistente trabalho pedagógico, mesmo quando aparentemente
invisível.”
Nesse contexto, a música passa a representar uma camada
complexa das experiências camponesas e instrumento relevante de
pertencimento camponês. Percebendo isso, os movimentos sociais
construtores da educação do campo, com destaque ao Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), elaboraram um
incrível repertório musical, apontando valores e intencionalidades
formativas de um campesinato3 consciente e sensível.
A educação do campo, tanto quanto o MST, busca, por
meio de suas ações, produzir uma “consciência de mudanças” nos
sujeitos envolvidos nesses processos.
Para não incorrer no erro de analisar de forma reducionista
a música como elemento pedagógico de resistência camponesa

3 É o conjunto de grupos sociais de base familiar que se dedica a atividades agrícolas,


com graus diversos de autonomia.

78 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
somente a partir do ponto de vista da letra, neste trabalho,
propomo-nos a atentar também para a sua sonoridade, sua
poesia, seu ritmo, seus modos de produção e uso, a fim de que se
perceba o que ela pode provocar em termos de ambiente social,
de sociabilidade.
Escolhemos essa manifestação cultural por acreditarmos
que a música faz parte da vida do ser humano, é a cultura do
sujeito do campo.

METODOLOGIA

A pesquisa bibliográfica é um tipo de pesquisa desenvolvida


por meio de diálogos com pesquisas já realizadas, alcançando
vários níveis. Em nosso estudo, conforme as condições objetivas
para realizá-lo, optamos por um nível mais exploratório, buscando
uma ampla abrangência de fenômenos (GIL, 2002). No presente
caso, o musical camponês, em seus vínculos com a educação do
campo.
De acordo com Gil (2002, as pesquisas exploratórias têm o
objetivo de realizar, demonstrar e transformar conceitos e ideais,
buscando a formulação de problemas mais exatos e hipóteses
que possam ser utilizados em futuros estudos. Além da pesquisa
bibliográfica, partimos da experiência deste pesquisador como
educador do campo e músico na abordagem qualitativa do objeto
de estudo proposto, ou seja, a investigação deste estudo é de
caráter qualitativo, pois se valeu de informações coletadas a partir
das referências bibliográficas, observações e vivências enquanto
alunos, além de experiências e convivências na educação do
campo.
Tomamos como principais referências para os levantamentos
bibliográficos: a música como instrumento de resistência

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 79


NAS ESCOLAS DO CAMPO
nos movimentos sociais (MST) e a música como instrumento
pedagógico de conscientização na educação do campo.
Adicionalmente, utilizamos leituras de cartilhas produzidas para
o trabalho de base do próprio MST, entre outras fontes, como
livros, artigos, dissertações, que nos ajudaram a aprofundar
as informações. De posse desses materiais, iniciamos a leitura
exploratória e detalhada, tendo em vista o levantamento e a
delimitação das informações e dos conceitos relevantes para o
desenvolvimento do trabalho.
Como referência empírica, partimos do relato de
experiências pessoais vivenciadas na LEDOC/CPCE/UFPI, EFA –
Escola Família Agrícola Vale do Gurguéia (EFAVAG) e em outros
espaços de convivência sobre educação do campo, a exemplo de
reuniões e encontros com trabalhadores sem-terra, situações em
que registramos memórias, nomes de autores e letras de músicas e
tocamos (violão) e cantamos juntos.

A CULTURA E A ARTE DA MÚSICA

O conceito de cultura, até o século XVIII, continha em si um


alcance limitado, sendo adaptado mais para a cultura de algo
específico, como colheitas, cultivo, cuidado com animais etc.
No entanto, ao longo do tempo, o entendimento sobre cultura
ampliou-se.
A luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado
de coisas, de modo que todos possam ter acesso aos diferentes
níveis da cultura de seu tempo e participar da sociedade enquanto
produtores de cultura, sendo reconhecidos e legitimados em suas
expressões. Por outro lado, visões antidemocráticas defendem que
a cultura não pode ser para todos e nem feita por todos, forjando
uma hierarquia entre o que se chamou de cultura popular e erudita.

80 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Criticando essa visão, Candido e Mengarelli (2011) comenta
que a distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve
servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se
do ponto de vista cultural, a sociedade fosse dividida em esferas
incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de
fruidores, pois uma sociedade da arte e da literatura em todas
as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável. Tal
prerrogativa tem a ver com o fato de a cultura e suas formas de
comunicação (entre elas, as artes – música, pintura, teatro etc.)
constituírem os veículos de formação humana, criticidade e
criatividade historicamente acumuladas.
Isso posto, buscamos compreender as categorias linguagem
e consciência como mediações para o próprio fazer e o fazer-se
do ser humano, utilizando para esse fim o trabalho como fator
determinante para a constituição de seu gênero. Ressalta-se que a
linguagem em geral e a linguagem em prosa e verso acompanharam
as diversas mediações iniciadas e superadas, percebidas durante a
realização desta pesquisa. Nessa direção, foi necessário entender
a categoria da mediação.
Para enfrentar o problema da necessidade, o ser humano
utiliza a imaginação para antecipar a ideia daquilo que fará ou
objetivará, sendo produzida a partir de um sistema de símbolos
compartilhados e organizados em forma de linguagem.
Deveras, a cultura produz-se a partir dessas formas de
linguagens mediadoras e da intervenção dos homens no mundo
pelo trabalho, dialeticamente – seja o trabalho material ou
o simbólico. No entanto, essa visão ampla de cultura não é
unânime, porquanto se trata de um conceito em disputa, havendo
concepções que preveem locais que também conferem estatuto de
arte a um objeto.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 81


NAS ESCOLAS DO CAMPO
Para nós, o que define um objeto de arte não é o seu lugar de
veiculação, mas se diante dela ou em seu processo produtivo, os
sujeitos podem expor anseios para ir além daquilo que se mostra
como natural e aceitável no mundo, em dada ordem social. Mais
do que entreter, a arte deve servir para questionarmos o mundo
e produzi-lo de modo diferente. Logo, cada forma de expressão
da arte revela os meandros e níveis de apropriação das classes às
técnicas, mas também aos meios de produção da vida.
Vendo isso, o conceito de arte é dinâmico, podendo variar
conforme o momento histórico e a cultura na qual está inserida.
Na medida em que o ser humano se modifica, a arte acompanha
essa transformação, inclusive expressando, nos dias de hoje, as
disputas de classe, ou seja, o que era considerado arte há um
século, normalmente, ainda o é atualmente, embora a arte dos
dias de hoje dificilmente fosse assim concebida há alguns séculos.
Por outro lado, o que hoje consideramos arte, do ponto
de vista da classe trabalhadora, pode não ser considerado como
tal para a burguesia. Há, portanto, uma disputa de legitimidade
nesse jogo de poder da sociedade de classes envolvendo a arte.
A música, dentre as manifestações culturais campesinas,
destaca-se por ser uma das práticas artísticas mais difundidas
no mundo, pelo fato de ser uma arte e um conhecimento
sociocultural, além do papel que cumpre no âmbito de diversas
sociedades ao longo da história humana, chamando a nossa
atenção. Cada civilização, cada grupo social, tem sua expressão
musical própria, possui caráter de resistência e luta, podendo
inspirar e ser ressignificada para pensar as questões sociais. Mas
pode também, assim como realizado pela indústria cultural no
mundo capitalista, ser transformada em mercadoria, a ser vendida
e comprada como meio de reificação das consciências.

82 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Existe uma forte relação entre a indústria cultural e o
modelo de educação da classe dominante: é nesse contexto que
atuam como aparelhos de hegemonia tanto a educação quanto
a indústria cultural, que ajudam a construir essa “realidade
absoluta”, onde entram em ação os meios de comunicação e as
escolas, padronizando o sentido e os papéis dos sujeitos na vida
e na história, conferindo coerência ao pensamento e valores à
classe dominante, baseados nos interesses dela, no estímulo ao
consumo e ao mercado capitalista, com o objetivo de torná-
los o pensamento e os valores (a cultura) de toda a sociedade
(ADORNO, 2001).
De todo modo, a música tem sido utilizada pelos homens e
pelas mulheres como um poderoso instrumento de comunicação,
tanto é que todo e qualquer movimento revolucionário teve e tem
sua música-tema; ademais, tem sido largamente utilizada como
instrumento de ensino e aprendizagem de diferentes áreas do
conhecimento.
Nessa perspectiva, por meio da música, é possível fazer um
resgate de fatos históricos das sociedades, mas também criar
um ambiente de aprendizagem descontraído e lúdico, ou mesmo
emotivo e chocante, podendo constituir um caminho para tornar
as aulas mais interessantes e significativas, inclusive do ponto de
vista do pertencimento camponês.
Não obstante, as escolas, assim como outros espaços de
formação e convivências, deveriam exercer esse papel fundamental,
contribuindo com o processo de construção e reconhecimento
da identidade camponesa. Mas infelizmente, a escola pensada
e construída a partir da lógica do capital como “Escola Rural”,
planejada a partir da cidade, não leva em consideração as
especificidades dos sujeitos do campo porque não é do interesse
do capital a sua emancipação.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 83


NAS ESCOLAS DO CAMPO
Em contrapartida, a “Escola do Campo”, como bem
afirmam Molina e Sá: “a concepção de escola do campo nasce
e se desenvolve no bojo do movimento da Educação do Campo,
a partir das experiências de formação humana desenvolvidas no
contexto de luta dos movimentos sociais camponeses por terra e
educação”, defendendo que essa escola deve lutar pelo “acesso ao
conhecimento e a garantia do direito à escolarização para os sujeitos
do campo” (2012, p. 324), a fim de melhorar as possibilidades de
resistência frente aos processos de desterritorialização impostos
pelo avanço do capital sobre o campo.
Nesse sentido, os documentos oficiais e autores que discutem
a educação do campo sobrelevam a necessidade de valorização
da identidade e cultura dos sujeitos do campo no trabalho
pedagógico e currículo das escolas. Essa identidade efetiva-se na
escola do campo, conforme define o Art. 2º - Parágrafo Único das
Diretrizes Operacionais da Educação do Campo:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação


às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória
coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia
disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à
qualidade social da vida coletiva no país. (BRASIL, 2002, p. 1).

Essa perspectiva implica, para os profissionais da escola, o


conhecimento e a valorização da cultura da comunidade local,
a apreensão do modo de vida dos sujeitos do campo, ou seja, a
compreensão da identidade e da produção cultural camponesa,
resultados de processos produtivos construídos historicamente
pelo trabalho no campo (FONTANA; SILVA; KARACHENSKI,
2013).
A escola do campo deve ser esse lugar que luta pela valorização
das raízes culturais dos sujeitos do campo, e é justamente aí que

84 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
a música pode dar uma grande parcela de contribuição nessa
construção e valorização da cultura e identidade dos povos do
campo – mas não é qualquer música, é imprescindível que as
escolhas levem em consideração a qualidade humanizadora que
a(as) músicas podem produzir.
A escola do campo tem assumido esse papel de grande
relevância nesse processo de aprendizagem, visto que é esse
ambiente escolar onde se produzem espaços de encontros e de
conflitos entre diferentes culturas, inclusive a cultura camponesa.
Portanto, a música como linguagem e como arte pode constituir
parte integrante nesse processo de construção.
Por sinal, a música também deita raízes em meios que
ultrapassam a pura sonoridade, na perspectiva de intersecção entre
as artes, ancorando-se, por assim dizer, em esferas que designam a
dança, a fala e a obra de arte visual. Eis algo que se torna patente
quando nos detemos no sem-número de metáforas e metonímias
comumente empregadas para caracterizar a expressão musical
(BARROS, 2012).
Dentre as diversas possibilidades de utilização da música,
podemos citar o canto coral como um veículo de disseminação de
seus benefícios, tais como: maior socialização; trabalho em equipe;
perda da timidez; auxílio na organização e sincronia no trabalho,
na comunicação, concentração e autoconfiança (CARMINATTI;
KRUG, 2010).
O canto coral é uma prática extremamente interessante,
capaz de proporcionar diversos efeitos positivos na qualidade de
vida dos envolvidos, como bem-estar psicológico, fortalecimento
da autoestima e convívio social (PRAZERES et al., 2013).
É fundamental conhecer essa diversidade, procurando
pensar a problemática da educação musical sob uma acepção
mais ampla e vasta, integrando conhecimentos e práticas diversas,

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 85


NAS ESCOLAS DO CAMPO
advindos de outras realidades e formas de pensar, propondo aos
camponeses o conhecimento dessa arte.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA NOS


MOVIMENTOS SOCIAIS – REFLEXÕES SOBRE O MST

A perspectiva revolucionária é a força motriz de que


brota o MST, trazendo no bojo de sua formação a busca pela
transformação social, por meio da democratização do acesso à
terra e aos meios de vida no campo. Com tal foco, o movimento
atua mediante diversos repertórios de ação coletiva reivindicatória,
como marchas, ocupações, fechamento de estradas, encontros,
místicas etc.
Em suas lutas para melhorar a qualidade de vida no campo,
o MST também lutou e fez parte da construção do Movimento
por uma educação do campo, participando de atos, redes e
negociações para que o Estado brasileiro reconhecesse e garantisse
a realização da educação do campo como uma modalidade
educativa.
Dessa forma, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, também conhecido como Movimento dos Sem Terra ou
MST, é fruto de uma questão agrária que é estrutural e histórica
no Brasil. Nasceu da articulação das lutas pela terra que foram
retomadas a partir do fim da década de 1970, especialmente na
Região Centro-Sul do País e, aos poucos, expandiu-se pelo Brasil
inteiro.
O MST teve sua gestação no período de 1979 a 1984,
e foi criado formalmente no Primeiro Encontro Nacional de
Trabalhadores Sem Terra, realizado de 21 a 24 de janeiro de 1984,
em Cascavel, no estado do Paraná (CALDART, 2001).

86 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Por conseguinte, com a elaboração da Constituição de
1988, ficou declarado que as terras que não cumprissem função
social deveriam ser desapropriadas (Art. 184 e 186). Por cúmulo,
esse movimento envolve a luta política de camponeses que não
possuem terra e desejam a redistribuição das terras improdutivas
do País. Para tanto, almejam, sobretudo, reforma agrária,
soberania popular e justiça social.
Em consonância com Bogo (2009), a música sempre foi um
elemento presente em todas as ações do MST, ocupando lugar
de destaque nessa organização, contribuindo de forma decisiva
em seus processos de formação e evolução. A música, no âmbito
dessa organização, passou por diferentes estágios, como produção
interna, produção externa e expansão, além de ter exercido a
função de lazer e a função pedagógica.
A música está presente no MST nos mais diversos momentos,
como: em ocupações; cursos de formação; aulas; creches;
reuniões; congressos; seminários, entre outros. Faz-se notar no
movimento desde os momentos mais descontraídos até os mais
tensos e perigosos, quando tanto homens quanto mulheres,
crianças e idosos entoam as canções do MST.
Mesmo existindo outras manifestações artísticas dentro do
movimento, como poesia, teatro, enfeixadas pelo trabalho de
brigadas do setor de cultura, a música foi o primeiro elemento
fonte de produção coletiva do MST.
No mesmo ano de fundação da organização, o movimento
lançou a fita K7 Dor e Esperança, em meados de 1985. Essa seleção
de músicas organiza a memória fonográfica do movimento,
dando dimensão aos registros e aos seus autores. Antes de iniciar
o processo de esmiuçar as primeiras canções cantadas pelo
movimento, vale a pena ressaltar que as principais referências

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 87


NAS ESCOLAS DO CAMPO
musicais dessa coleção sofrem influências da região geográfica e
dos gêneros musicais nos quais o MST se forma (o Sul do País).
Por oportuno, reputamos necessário fazer uma diferenciação
entre música caipira e música sertaneja, gêneros presentes na Região
em epígrafe e que influenciaram sobremaneira o movimento. A
música caipira transcende o universo do entretenimento musical:
suas composições trazem as vivências do dia a dia do campo,
o cotidiano de suas relações; são composições coletivas que se
originam a partir de acontecimentos e festividades repassados de
geração em geração, sendo utilizadas nas mais diversas ocasiões, a
exemplo de comemorações, trabalhos, festas religiosas, épocas de
plantações e de colheita etc. É mais do que um gênero musical: é
um elemento que está presente em todo um universo comunitário
de solidariedade, trazendo elementos históricos da cultura de um
povo, mantendo vivas as tradições e identificando comunidades.
Por outro lado, na acepção de Bogo (2009), a música sertaneja
surge como um gênero musical a partir de uma ramificação da
música caipira, mas com um diferencial: ela não está atrelada a
ocasiões especiais ou dinâmicas coletivas de composição, mas está
intimamente relacionada ao mercado musical urbano, tratando-
se, portanto, de um produto da indústria cultural. A música
sertaneja, embora em suas letras retrate o cotidiano da vida
no campo e os elementos que compõem esse espaço – animais,
plantações, estações, personagens, tipos de trabalho –, estrutura-
se como produto da indústria fonográfica brasileira que, mesmo
trazendo elementos muitos parecidos com os da música caipira,
não visam ao agrupamento das comunidades.
Muitas foram as músicas que embalaram as atividades do
movimento em seus anos iniciais, antes de surgirem as primeiras
composições. A título de exemplo, podemos citar: A Grande
Esperança, de Chico Rey e Paraná; Luar do Sertão, Catulo da Paixão

88 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Cearense, de João Pernambuco; Terra Tombada, de Chitãozinho e
Chororó; As Andorinhas, de Trio Parada Dura; Utopia, de Duduca
e Dalvan, entre outras. A produção de paródias foi outra prática
comum em encontros, congressos e reuniões etc.
Conforme dito outrora, a fita K7 Dor e Esperança foi o primeiro
passo artístico apresentando e representando o MST, bem como
a cultura daqueles que compõem o movimento. A fita original é
composta de 15 canções, como aduz Bogo (2009): “Todas elas são
uma análise da realidade, mas musicada”. Examinando a primeira
canção, A caneta quis vingança, percebemos que em sua forma, já se
inicia com a declamação de uma poesia, e na seqüência, o enredo
continua:

Depois que aquela caneta foi passear lá no sertão


E se encontrou com a enxada e fez a “tar” discussão,
“Vorto” pra sede do INCRA, sentiu forte tentação
De “vorta” um dia pra roça e pôr a enxada no chão.
Manda-a pra sofrer lá na colonização
Só pra ela ter mais cuidado e aprender a educação.

A canção segue abordando outras questões que o MST


vivenciava naquele contexto, como a discussão acerca do Plano
Nacional da Reforma Agrária (PNAR) e do Estatuto da Terra:

Se levantô uma enxada


E começo a falá
Se tu ta me procurando
Não precisa mais procurá
Eu mudei de residência
E to aqui nesse lugá
Porque o ESTATUTO DA TERRA
É a lei que faismigrá
As enxada levantaram e explicaram a situação
Nóis estamos reunidas
Fazendo uma ocupação
É a lei da REFORMA AGRÁRIA
Que dá certo em qualquer chão
Acaba com a miséria

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 89


NAS ESCOLAS DO CAMPO
E com a colonização
Você caneta orgulhosa
Leve mais essa lição
REFORMA AGRÁRIA prá enxada
E tê terra sem patrão
Volte e avise pro INCRA
Que acabe com a tapeação
REFORMA AGRÁRIA é na terra
E não na televisão.

Outra característica que marca as músicas dessa coleção é


quanto ao seu formato de gravação: eram duplas, com primeira
e segunda voz. Aliás, esse formato ficou muito popular graças à
dinâmica nas apresentações, e por criar um ambiente favorável
para a contação de “causos”, indispensáveis na animação. A
maioria das canções trazia em suas letras a temática da reforma
agrária, aliada às questões religiosas, graças a influência da
Comissão Pastoral da Terra (CPT´s) no movimento, como nas
canções Nossa oferta e Nossa situação:

Nessa mesa só comunga quem a riqueza partilha


Quem comunga e não reparte
Mente a Deus, irmão humilha
Nossa Situação.

Ofertamos irmãos a nossa vida negada


Toda a falta de pão
E nossas mãos calejadas
Ofertamos também as vidas assassinadas
A terra que é nossa mãe
Nossa força organizada
Nossa Oferta
(DOR E ESPERANÇA, 1985).

Na canção Último prazo, o autor aborda várias questões


como a aliança entre o Estado e os grandes latifundiários, a ação
de grileiros, a exploração do trabalho contra os trabalhadores
rurais e a necessidade de organização, como se percebe no trecho
a seguir:

90 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Governo cria entidades e põe pra solucionar
O problema dos sem-terra que cresce não quer parar
O que precisa ser feito é tirar desse sujeito
Direito dele mandar
Militarizar o campo querendo amedrontar
Pensando que com polícia a fome ia se acabar
O que precisa ser feito é tirar desse sujeito
Direito dele mandar
Grileiro e polícia junto faz coisa que é de assustar
Mata e prende quem trabalha
Não deixa se organizar.

Por meio das análises das canções, é possível perceber o


quanto elas estavam alinhadas com as necessidades imediatas
dos camponeses sem terra, uma vez que expressavam tudo aquilo
que o movimento buscava desde o início: a luta pela terra, pela
reforma agrária e por uma sociedade mais justa e fraterna.
Foram diversos os registros musicais organizados pelo MST
ao longo de sua caminhada. Procuraremos fazer uma descrição
seguindo uma ordem cronológica a partir do primeiro, a fita K7
Dor e Esperança:

• fita K7 Plantando Cirandas – MST, gravada em 1994, com


22 canções;
• a I Oficina Nacional de Músicos do MST, apoiada pela
Secretaria de Cultura do DF, em 1996; primeiro CD do MST,
Arte em movimento, composto por 19 canções e uma poesia,
no ano de 1998;
• outra produção do ano de 1998 foi o lançamento do CD
Plantando Cirandas II;
• o I Festival Nacional da Reforma Agrária, Canções que
abraçam os sonhos, realizado pelo MST Regional Rio Grande do
Sul, com apoio do governo daquele estado, no ano de 1999.
Como produto desse festival, foi gravado um CD, Canções

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 91


NAS ESCOLAS DO CAMPO
que abraçam os sonhos, contendo as músicas ganhadoras do
festival e outras apresentadas na ocasião;
• em 2001, o MST do estado do Pará lançou um CD intitulado
Um canto pela paz, reunindo canções de diversos artistas do
movimento e de outros movimentos;
• nos anos de 1999/2000, o MST do estado da Bahia lançou
o CD denominado Canções da Terra.
• em 2004, foi realizado, mediante parceria entre MST,
Coletivo Nacional de Cultura, Governo do Estado e
Ministério da Cultura, o Festival de Canções Latino-Americano e
Camponês, em Curitiba, no Paraná;
• em 2006, foi lançado o CD Cantares da Educação no Campo,
contendo apenas canções que falassem sobre a educação do
campo;
• em 2009, foi lançado o CD Banda de lata criança feliz, em
parceria com o Governo do Estado do Ceará, reunindo
canções de compositores do MST, músicas folclóricas de
domínio público e composições da própria Banda de Lata;
• em 2014, com o apoio do governo federal, da Petrobrás e da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO)
– Brasil foi lançado o CD Plantando Cirandas III.

É possível vislumbrar o papel motivador e o quanto a música


tem se tornado um instrumento de importância inquestionável
na tradução e expressão simbólica de luta do MST, sua utilização
nos momentos mais difíceis da organização, como em ocupações,
marchas, protestos, místicas, nas escolas. Ela não aparece somente
como um elemento de lazer, mas busca oferecer força e esperança
àqueles que em meio a tantas dificuldades, acreditam em uma
transformação social promovida pelo povo.

92 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Com o fortalecimento da organização e a influência do
que acontecia em âmbito internacional, o MST, em 1987, deu
os primeiros passos na construção e consolidação de símbolos
que representassem o movimento, como a bandeira e o hino.
Na qualidade de organização democrática, facultou a todos
os militantes participarem da escolha desses símbolos que
representam a organização e seus ideais.
A propósito, Bogo (2009) diz o seguinte:

de posse da “teoria da organização” de movimentos e lutas


internacionais, percebemos que todos portavam uma bandeira
que simbolizava os anseios de cada organização e um Hino
próprio, que sintetizava os princípios e os objetivos a serem
alcançados. No MST, em 1987, aprovamos a confecção da
bandeira e, em 1988, por meio de um concurso nacional,
compusemos e aprovamos o Hino.

Como todo e qualquer movimento revolucionário teve e tem


a sua música tema, com o MST não foi e não é diferente. A letra
da música do hino do movimento, composta por Ademar Bogo,
possui em sua essência esse caráter de resistência e luta, fazendo
um chamamento, porquanto lutar é preciso:

Vem teçamos a nossa liberdade


Braços fortes que rasgam o chão
Sob a sombra de nossa valentia
Desfraldemos a nossa rebeldia
E plantemos nesta terra como irmãos!
Vem, lutemos punho erguido
Nossa força nos faz a edificar
Nossa pátria livre e forte
Construída pelo poder popular
Braço erguido ditemos nossa história
Sufocando com força os opressores
Hasteemos a bandeira colorida
Despertemos esta pátria adormecida
O amanhã pertence a nós trabalhadores!
Vem, lutemos punho erguido
Nossa força nos faz a edificar

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 93


NAS ESCOLAS DO CAMPO
Nossa pátria livre e forte
Construída pelo poder popular
Nossa força resgatada pela chama
Da esperança no triunfo que virá
Forjaremos desta luta com certeza
Pátria livre operária e camponesa
Nossa estrela enfim triunfará!
Vem, lutemos punho erguido
Nossa força nos faz a edificar
Nossa pátria livre e forte
Construída pelo poder popular.
(BOGO; CORRÊA, 1987).

Os processos de construção do MST, da educação do campo


e da própria escola do campo estão intimamente relacionados
desde as suas origens aos dias atuais, pois ambos nascem a partir
de muitas lutas para suas implantações, as quais têm de continuar
no caminho da consolidação desses projetos. E o que se percebe
na letra, na música e no ritmo do hino MST é esse ambiente de
chamamento no tempo presente para a continuidade dessas lutas:
“Vem, lutemos” – são, portanto, projetos em construção, uma vez
que a luta é diária, é aqui, é agora.
Na luta pela construção da escola do campo, as experiências
educativas desenvolvidas pelo MST vêm contribuindo e muito na
implantação e consolidação desse modelo de educação, como
bem afirma Souza (2006, p. 57):

o MST vem sendo um dos sujeitos centrais na luta pela Educação


do Campo, pensando as áreas de assentamento e acampamentos
especialmente. Trata-se de uma proposta que tenta desenvolver
uma concepção humanista e crítica da educação, sustentada em
teorias da aprendizagem sociocultural.

A busca da classe trabalhadora pela superação do sistema


do capital teve de caminhar paralelamente ao movimento
histórico de construção da concepção de escola do campo na luta
por outro projeto de campo e de sociedade, assim, como afirmam

94 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Molina e Sá, a escola do campo “se coloca numa relação de
antagonismo às concepções de escola hegemônicas e ao projeto
de educação proposto para a classe trabalhadora pelo sistema
do capital” (2012, 324-325) caminho esse trilhado também
pelo movimento da classe trabalhadora, de modo que uma das
estratégias desenvolvidas por ambos os lados passou e passa pelas
experiências de formação humana.
Para o MST, a militância sempre teve como tarefa a formação.
Todo militante e dirigente precisa ser um formador: formação e
militância para formação. Partindo desse princípio, a música no
movimento tem-se tornado um instrumento de resistência contra
as diversas formas de opressão que os camponeses acampados
e assentados do MST vêm sofrendo. Logo, tem sido largamente
utilizada pelos militantes formadores como instrumento
pedagógico de conscientização.
Com o desenvolvimento dos cursos de formação do MST
e pelo histórico já traçado entre educação e arte, em 2006, foi
lançado o CD Cantares da Educação no Campo, contendo apenas
canções que falassem sobre a educação do campo. A montagem
foi feita com composições de militantes e artistas que apoiam a
causa da reforma agrária, tendo essa mensagem de abertura: “Na
colheita das espigas cantam homens e mulheres, na riqueza dos
saberes, em poemas e cantigas. Foram muitas mãos amigas para
esta plantação, no pulsar do coração, sob a luz dos pirilampos,
nos Cantares da Educação do Campo, o campo se faz canção.”
O MST preparou um verdadeiro documentário musical, com
16 belas canções que cantam o campo sob a perspectiva da luta,
da resistência, da conscientização etc. Canções que falam de uma
nova educação (educação do campo), de um novo jeito de educar,
que sempre é tempo de aprender e de ensinar. Seguem os títulos
das músicas que embalam esse Caminho Alternativo:

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 95


NAS ESCOLAS DO CAMPO
• A Educação do campo (Gilvan Santos);
• Sempre é tempo de aprender (Zé Pinto);
• Passos do saber (Marcinha);
• Menina do sertão (Talis Ribeiro/Alberto Oliveira);
• Samba da natureza (Lupércio Damasceno);
• Não vou sair do campo (Gilvan Santos);
• Pra vida continuar (Zé Pinto);
• Um novo jeito de educar(Cida Dias);
• Uma nova educação (Zé Cláudio);
• Caminhos alternativos (Zé Pinto);
• Pedagogia da terra (Turma José Marti – ITERRA);
• Matutanto com Maturana (Gilvan Santos);
• Canção da terra (Pedro Munhoz);
• Sonho e compromisso (Zé Pinto);
• Construtores do futuro (Gilvan Santos);
• Um canto novo (Abrão Godois).

Nessa seleção musical de Cantares da Educação do Campo uma


música específica merece ser registrada, pois ela traz em seu título
o nome desse movimento em construção, o movimento A Educação
do Campo. A canção foi composta por esse grande artista da música
camponesa piauiense: o nosso cantor e compositor Gilvan Santos.
Das dezesseis canções devidamente organizadas pelo Setor de
Educação do MST quatro são de sua autoria, a viagem por esta
música começa assim:

A Educação do Campo
A Educação do Campo do povo agricultor
Precisa de uma enxada, de um lápis, de um trator
Precisa educador pra trocar conhecimento
O maior ensinamento é a vida seu valor.

Dessa história nós somos os sujeitos


Lutamos pela vida pelo que é de direito

96 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
As nossas marcas se espalham pelo chão
A nossa escola ela vem do coração.

Se a humanidade produziu tanto saber


O rádio e a ciência e a “Cartilha do ABC”
Mas falta empreender a solidariedade
“Soletrar” essa verdade
Está faltando acontecer.

Dessa história nós somos os sujeitos


Lutamos pela vida pelo que é de direito
As nossas marcas se espalham pelo chão
A nossa escola ela vem do coração.
(SANTOS, 1990).

É possível perceber claramente na letra dessa canção alguns


elementos defendidos pelo movimento da educação do campo.
Gilvan traz para a discussão que o “povo agricultor” precisa de
terra e implementos agrícolas para produzir, mas, sobretudo, de
uma educação que leve em consideração os saberes desse povo,
além de educadores que respeitem esses conhecimentos, a fim de
que construam juntos um ambiente solidário e de troca mútua.
Gilvan Santos segue por meio de suas outras canções
abordando temas relevantes a serem trabalhados em diferentes
espaços de troca de saberes, inclusive no ambiente escolar, em
sala de aula, ou em outros espaços de convivência, levantando
a bandeira da educação do campo: “Não vou sair do campo
pra poder ir pra escola, educação do campo é um direito e não
esmola”. Ainda retrata as questões ambientais e a exaltação ao
modo de vida camponesa em Matutando com Maturana: “[...] ó seu
moço eu sou do campo minha planta floresceu, aprofundou criou
raízes e o campo também sou eu [...] tô pensando numa idéia
que me disse a professora de quem zela a natureza está indo mais
além, construindo mais a vida cuidando de si também [...]”.
Gilvan Santos fecha a sua participação em Cantares da
Educação do Campo presenteando-nos com um verdadeiro hino à

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 97


NAS ESCOLAS DO CAMPO
escola do campo, pela qual devemos lutar no cotidiano de nossas
idas e vindas. Assim, ele faz um chamamento a todo e qualquer
educador/educadora do campo para serem “construtores do
futuro”: “[...] eu quero uma escola do campo que não tenha cerca
que não tenha muros onde iremos aprender a sermos construtores
do futuro”. É essa escola pensada e planejada para além do
ambiente da sala de aula.
Trilhando por essa estrada camponesa do Cantares da
Educação do Campo, muitos outros mestres cantam o campo
de forma maravilhosa, ora enaltecendo as riquezas materiais/
imateriais (música, poesia, prosa, verso etc.) do campo, ora
fazendo denúncias por meio de suas canções, em um chamamento
a resistirmos às pressões que o campo vem sofrendo ao longo
dessa trajetória de lutas de seus povos.
Zé Pinto, em Sempre é tempo de aprender, indaga: “Quem é que
tem interesse em participar, quem é que se prontifica para ensinar,
tá lançado o desafio no refrão vamos cantar, sempre é tempo de
aprender, sempre é tempo de ensinar”. Continua reforçando o
desafio da nossa missão: “pra vida continuar”, é preciso muito
mais que falar de educação, e sim “vamos fazer parceria, você
pega o violão que eu escrevo a poesia pra falar de educação nessa
nossa cantoria”.
Com isso, o autor quer nos lembrar que as cantorias,
podem, sim, ter atos educativos; podem, sim, ser um instrumento
pedagógico e, ainda, para continuarmos firmes nessa nossa
caminhada, é preciso continuar seguindo as luzes dos nossos
mestres: “[...] que Paulo Freire nos ilumine de lá, dá onde ele deve
estar com a sua pedagogia. Aqui na terra vamos lutando por ela.
Aprendendo nessa guerra soletrar cidadania”.
Muitos são os saberes que o Cantares da Educação do Campo
pode fornecer para os educadores do campo que acharem

98 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
interessante fazer uso dessa ferramenta de ensino/aprendizagem
em suas vivências em sala de aula ou em outros espaços de
convivência. Vejamos os passos que devemos seguir, segundo
Marcinha, em Passos do Saber, quando diz o seguinte: “Muitos
saberes vem do viver, quanta alegria nos traz o saber. Educar é
saber amar, uma sociedade poder transformar. Cada passo que
andar essa história vai nos dar novo tempo pra colher, aprender e
ensinar”. Os ritmos dessas canções suscitam movimentos, aqueles
que remetem às lidas, ao plantio, às colheitas, às festividades, aos
ambientes que produzem vida, saber, um modo simples de viver
aprender e ensinar etc.
Um lamento profundo brota no coração de Talis Ribeiro e
Alberto Oliveira, em a Menina do Cerrado, quanto trata da destruição
desenfreada dos Cerrados brasileiros e os impactos causados por
esse modelo de agricultura imposta pelo agronegócio, destruindo
não somente esse bioma, mas provocando profundas alterações
no modo de ser e viver dos habitantes do Cerrado, com a perda de
suas terras, suas comunidades, suas moradias, seus sonhos. Eis a
questão:

Quem é que paga pelo sonho derramado enxugue o pranto da


menina do cerrado [...] Quem é que paga pelo sonho derramado
enxugue o pranto da menina [...] e ainda chama atenção para a
violência desmedida em que vem sofrendo os povos do Cerrado
[...] Sereno da madrugada lava o sangue derramado, vento frio
do sertão no lamento pranteado. Acaba o sonho da menina do
Cerrado, abala o sonho da menina […]

Para compor melhor esse lamento e chamar a atenção do


ouvinte para as questões relacionadas aos povos do Cerrado, os
autores entoam suavemente essa canção ao som dedilhado de um
violão, com um tom de voz calmo, sereno, tranquilo, e de repente,
emitem uma mudança de tom, como que colocando à parte cada
questão abordada na canção. Ouça gratuitamente essas canções

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 99


NAS ESCOLAS DO CAMPO
do Cantares da Educação do Campo, que têm acesso livre e ilimitado
pela internet.
Com a companhia do velho violão e de outros instrumentos
de percussão feitos a partir da cabaça, muitas dessas canções
foram utilizadas como instrumento de ensino-aprendizagem nos
diversos espaços de formação dentro da LEDOC/CPCE/UFPI Bom
Jesus (PI), ora em sala de aula, ora nos momentos descontraídos
nos corredores, nos seminários integradores, tanto na UFPI
quanto nas comunidades.
Enfim, recomendamos essas músicas como instrumento
pedagógico para educadores das escolas do campo fazerem uso
em seus diversos momentos e espaços de formação, pois além de
possuírem letras recheadas de elementos discutidos e debatidos na
educação do campo, contam com ritmos variados e envolventes
– todos com uma forte ligação com o campo, o que, sem sombra
de dúvida, tornarão esses momentos mais agradáveis, facilitando
a troca de saberes.
Seguindo essa mesma linha de pensamento, a música de
Lupércio Damasceno, Samba da Natureza, já vem chamando a
atenção há muito tempo sobre a agressão desenfreada do homem
ao meio ambiente, de modo que se vê na atualidade o reflexo
dessa ação devastadora desse mesmo homem com a sua própria
casa, a mãe Gaia:

O samba pede paz pra natureza, diante de tanta avareza, de


um progresso assustador. Que em nome de uma estranha
modernidade, lança sua crueldade e provoca tanta dor. Mas
chegará o momento em que a voz pela vida calará a ambição. E
a luz de novo tempo, toda a natureza viverá em comunhão. Atrás
do ouro fere a força a terra, sangra o seio da serra e deixa uma
triste cicatriz. E tira o verde, o brilho e a beleza, destrói toda a
natureza este progresso infeliz. Mas chegará o momento [...] em
que a voz pela vida calará a ambição. E a luz de um novo tempo,
toda a natureza viverá em comunhão. Láláláiála, laiálaiá [...]

100 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
O encontro com esse Novo jeito de educar, de Cida Dias,
retoma a velha questão que envolve a educação do campo,
reforçando aquilo que defendem Caldart, Pereira, Alentejano e
Frigotto (2012, p. 264): “A Educação do Campo não nasceu como
teoria educacional. Suas primeiras questões foram práticas. Seus
desafios atuais continuam sendo práticos, não se resolvendo no
plano apenas da disputa teórica”. Logo, é preciso pôr em prática
essa vida concreta: “Um novo tempo chegou, é hora de semear.
Unindo campo e cidade no direito de estudar [...] em mãos
cadernos e lápis desenhando nova aurora, unindo a uma só voz
crianças, jovens e adultos. Educação é um direito em qualquer
lugar do mundo […]”
Continuando nessa viagem da história da educação do
campo, passando pela música de Zé Cláudio, Uma Nova Educação,
é possível perceber o quanto ela vem recheada com os elementos
básicos dessa nova educação – o que não é novo, é ancestral, a
pura essência do modo de vida camponês:

Vou regar a terra plantar uma nova leitura, desse povo que sonha
e faz, uma nova cultura. Vou ficar no campo esse é meu lugar,
lutar pela vida, dignidade conquistar. Com um novo ensinamento,
uma nova educação, que espalhe pelos campos um sentido de
união. A Educação do Campo não pode se afastar, pois a nossa
realidade é preciso ensinar. Cultivar a esperança de uma vida em
mutirão, nossos homens e mulheres, tem amor por este chão.

Vale a pena ressaltar a sensibilidade que os cantores/


compositores das canções do Cantares da Educação do Campo
buscaram criar ao cantar e tocar essas canções, em cada uma das
quais percebemos a profundidade sobre a temática discutida, de
modo que facilita a apreensão daquilo que seus autores querem
transmitir quando as contemplamos, deleitando-nos.
Há um encadeamento harmonioso, um ritmo que
acompanha cada uma delas, imprimindo o seu lugar de

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 101


NAS ESCOLAS DO CAMPO
pertencimento, suas origens etc. Belas descrições que serão mais
bem percebidas durante e depois da audição de cada uma delas, e
no caso específico, nessa canção de Zé Cláudio, Uma Nova Educação,
em que a força e o movimento envolvente do reggae4 é usado pelo
autor na defesa da educação do campo e das transformações
que ela produz, uma vez plantada e regada por esses homens e
mulheres que tem amor por esse chão.
O espírito revolucionário que precisa existir em cada educador
do campo vem por meio dessa canção libertária, Pedagogia da Terra,
do ITERRA – Turma José Marti. Vale lembrar que cada um de nós
“somos fermento nessa construção”; é preciso que cada um se
constitua o “alicerce de uma nova nação” – portanto, os ideais de
José Marti precisam também ser:

Sonho que brota da terra, regado por liberdade com crença


no ser humano, e na coletividade. Dentro da realidade ensinar
e aprender, a nossa pedagogia vai além do ABC. Pedagogia
da terra, povo do campo em ação, buscando conhecimento,
plantando educação, José Marti é exemplo nós somos fermento
nessa construção.
Pedro Munhoz, cantando a terra em Canção da Terra, faz uma
síntese do surgimento desse lugar onde se plantando tudo dá
“[...] era a Terra, Terra, Terra, Terra” [...] fala que o criador de
tudo fez e cada um tem a “missão de semear” nessa Terra; fez por
fim “a rebeldia que nos dá a garantia que nos leva a lutar, pela
Terra”, um dos motivos dessa luta constante: “[...] Mas, apesar
de tudo isso o latifúndio5 é feito um inço que precisa acabar.
Romper as cercas da ignorância que produz a intolerância, Terra
é de quem plantar, a Terra, Terra, Terra, Terra [...]

Por mais que a estrada da educação do campo seja longa,


o sonho do educador do campo deve ser ainda maior, seguindo o
que diz Abrão Godoi, em Um canto novo, que serve de motivação

4 É um gênero musical criado na Jamaica do fim da década de 1960, a partir dos


gêneros ska e rocksteady.
5 Grande propriedade rural, geralmente não cultivada e não explorada. Portanto,
representa terras com reduzido aproveitamento econômico, improdutivas.

102 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
para continuar a caminhada, uma vez que “O sonho é perto para
quem quer viver”, continuar na esperança de que

[...] um novo dia vai amanhecer” [...] onde as crianças poderão


estudar, se alimentar, brincar e ser felizes [...] onde os lixões não
serão alimentos, e o viaduto casa já não é [...] chegou a hora de
plantar escolas, cultivar sonhos de liberdade. Regar as flores do
conhecimento, águas da fonte da realidade.

O CD Cantares da Educação do Campo, apesar de trazer uma


mensagem específica, a educação, vem reforçando o quanto esse
elemento é importante para toda a sociedade, e tanto a sua falta
quanto a sua precarização atinge não somente os camponeses,
mas todos, indistintamente.
Dessa forma, apresenta diferentes trabalhadores do campo:
seringueiros, quilombolas, castanheiros, pescadores, posseiros,
homens, mulheres e crianças – múltiplos personagens na defesa da
educação do campo. Traz, ainda, grandes nomes que defenderam
uma educação crítica e de qualidade para todos os trabalhadores,
a exemplo de Paulo Freire. E reforça, inclusive, os vínculos da
educação do campo com um projeto mais amplo de campo, que
passa por reforma agrária6 popular.
Por fim, desejamos que a estrada musical do Cantares da
Educação do Campo possa oportunizar encontros maravilhosos de
educadores do campo que queiram viajar por essa seleção de
músicas recheadas de ingredientes tão necessários e indispensáveis
à construção da tão sonhada educação do campo. Que seja
uma viagem onde se permita olhar para o passado, ter uma
compreensão do presente e deslumbrar um futuro promissor para
os sujeitos do campo.

6 É a reorganização da estrutura fundiária com o objetivo de promover e proporcionar


a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra
para o cumprimento de sua função social.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 103


NAS ESCOLAS DO CAMPO
A MÚSICA COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO DE
CONSCIENTIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Percebemos a extrema necessidade de contemplar uma das


particularidades da educação do campo, que é o uso/ensino de
músicas em seus diversos espaços de formação: nos trabalhos de
formação docente; nos cursos de LEDOC, EFA’S etc. Contudo,
ainda são pouco conhecidos ou praticamente não existem,
especialmente aqui pelo sul do Piauí. Entendo, portanto, que
refletir e ampliar o nosso conhecimento acerca de diferentes modos
de inserir o uso da música como instrumento pedagógico nessas
realidades auxiliará educadores na compreensão das possíveis
relações entre a música (aquelas com qualidades humanizadoras)
e a educação do campo em escolas do campo.
Nessa direção, a música no âmbito da educação do campo
em escolas do campo pode, e muito, exercer um papel fundamental
nessa modalidade de ensino, pois permite aprimorar e facilitar a
aprendizagem dos alunos, aguçando o seu ouvir, o seu escutar etc.
A partir do momento em que os alunos passam a interagir com
a música – mas não é qualquer música, mas sobretudo aquelas
com qualidades humanizadoras –, simplifica-se a apreensão dos
conteúdos trabalhados. É por intermédio da música que eles
expressam emoções, alegrias, ritmos, criatividades e harmonia.
Por isso, a música na escola do campo deve ser vista como um
processo progressivo e permanente para que o aperfeiçoamento
seja eficaz, até porque em qualquer meio, sempre haverá diferenças
individuais e diversidade quanto às condições ambientais que são
originadas dos próprios educandos e nesse ambiente encontram
em maior número.
Vale a pena ressaltar que a prática pedagógica de trabalhar
com a música traz resultados bastante satisfatórios, pois além

104 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
de aumentar a autoestima dos alunos, desperta o interesse de
aprender. É notório o quanto a presença da música em diferentes
espaços de formação dos quais participamos contribuiu para
a criação de um ambiente harmonioso, alegre, descontraído,
participativo e educativo. Seja como monitor nos serões e nas
rodas de conversa na EFAVAG; como aluno na animação dos
seminários integradores/sala de aula; nos cafés compartilhados
da LEDOC/CPCE/UFPI; nas comunidades, experienciamos
momentos intensos e de puro alimento para o corpo, a alma e o
coração.
A música produz de forma mais simples um apego com o
conhecimento envolvendo os alunos emocionalmente e gerando
pertencimento: “a música é a luz que orienta a percepção de outro
aspecto da educação por meio dos quais todos devem participar
do processo ensino/aprendizagem, valorizando a voz daqueles
que nunca tiveram oportunidade de expressar-se socialmente”
(FREIRE, 2000, p. 63).
Os povos do campo, no decorrer da história, sempre
foram vistos no imaginário social das classes dominantes de
maneira negativa e preconceituosa. Nesse cenário, a exclusão
da classe camponesa não se restringe apenas à posse da terra,
mas, sobretudo, à sua cultura, que sempre foi marginalizada pelo
eurocentrismo que comumente dominou o Brasil. O que dizer de
Monteiro Lobato, uma respeitável figura da literatura brasileira
que, por meio de suas obras, propagou a ideia de que o caipira
(camponês) era um degenerado e sujo, em Jeca Tatu,7 quando
o autor faz a caricatura de um camponês rude e preguiçoso,
nomeando-o de a “velha praga”? (MARIANO, 2001).

7 Personagem criada por Monteiro Lobato, em sua obra Urupês, contendo 14


histórias baseadas no trabalhador rural paulista.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 105


NAS ESCOLAS DO CAMPO
Para trabalhar no processo de construção das escolas
do campo, faz-se necessário ter a percepção e a consciência da
existência desse imaginário social deturpado e negativo sobre
os povos do campo para, a partir daí, traçar estratégias capazes
de efetivamente contribuir com a desconstrução dessa realidade
imposta aos sujeitos do campo. Por conseguinte, compreendemos
que o uso da música, especialmente aquelas carregadas de temas
e questões relacionadas aos dilemas camponeses, isto é, às
propriedades de socialização, como as do Cantares da Educação
do Campo – cujas temáticas podem ser trabalhadas no contexto
escolar das escolas do campo –, auxiliam educadores na troca de
saberes e nessa desconstrução.
Nessa perspectiva, é possível pensar a música como reforço
na construção do conhecimento. Se analisarmos bem, a música
pode ser um caminho rumo a essa superação, seja por meio dos
conteúdos, dos temas das músicas, do teor cultural e sociopolítico
ou das sociabilidades que ela provoca.
Desnudamos a diversidade de temas abordados em Cantares
da Educação do Campo, que são de grande valia na assistência aos
educadores do campo em seu cotidiano de sala de aula ou em
outros espaços de convivência e de formação. Vejamos o que diz a
música de Dom e Ravel, Obrigado ao homem do campo, no sentido da
valorização desses sujeitos do campo:

Obrigado ao homem do campo pelo leite o café e o pão, Deus


abençoe os braços que fazem o suado cultivo do chão. Obrigado
ao homem do campo pela carne, o arroz e feijão, os legumes,
verduras e frutas e as ervas do nosso sertão. Obrigado ao homem
do campo pela madeira da construção pelo couro e os fios das
roupas que agasalham a nossa nação [...]

Para efeito de contextualização, levando em consideração


as origens dos alunos, reputamos válido fazer uso de músicas que

106 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
tenham a ver com a vida, com a gente, e para isso, nada melhor
que a música popular nordestina. Um bom exemplo são as poesias
transformadas em músicas do maior poeta popular do Brasil,
considerado o Porta voz do sertão, Antônio Gonçalves da Silva,
popularmente conhecido como Patativa do Assaré.
Na voz de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, suas músicas tiveram
repercussão dentro e fora do País, como a A triste partida, onde
o autor, no decorrer de seus versos, retrata o sofrimento do
nordestino, causado pela seca; a perda de suas terras; o êxodo
rural; e tantos outros temas: “[...] Nós vamos a São Paulo que a
coisa tá feia, por terras alheias nós vamos vagar, meu Deus, meu
Deus, se o sofrimento não for tão mesquinho, cá e pro mesmo
cantinho nós torna a voltar, ai, ai, ai [...]”. Portanto, trata-se de
um retrato da seca, da alma nordestina e da luta de seu povo.
O processo de formação do povo brasileiro, a partir dessa
mistura de povos distintos – como o índio, o negro e o branco,
cada um, com suas diferentes características linguísticas, culturais,
raciais etc. –, contribuiu também para essa miscigenação da
música popular brasileira. Diante dessa realidade, a música
nordestina é, igualmente, um espelho dessa miscigenação, sendo
muito diversificada e representativa dessas matrizes formadoras.
Assim, desde as suas origens, foi uma música engajada,
comprometida com a realidade de seu povo, cujas letras retratam
o cotidiano sob uma perspectiva de crítica social à desigualdade,
miséria, corrupção etc., mas também fala da sabedoria popular
e dos valores fundamentais do povo nordestino: a coragem, a fé,
a honra, a força, a esperança. Desse modo, a nossa música pode
funcionar como excelente instrumento pedagógico de ensino nas
escolas do campo, e contribuir para manter viva a identidade
cultural do povo nordestino.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 107


NAS ESCOLAS DO CAMPO
O cantor e compositor piauiense, mais precisamente de
Bom Jesus, Antônio Vieira Piauilino Neto, conhecido como
Netinho Toni, autor da música Raízes, eleita na internet o hino
contra o racismo no Brasil, é uma excelente canção de um cantor
e compositor da região para ser trabalhada em sala de aula
abordando a temática do racismo, da violência, das guerras etc.
Aliás, Netinho Toni recebeu um reconhecimento internacional,
com o Prêmio Ibero-Americano El Nevado Solidário de Oro, em
reconhecimento, principalmente, pela música em apreço:

Começou a guerra outra vez, tem cheiro de pólvora no ar, tem


mortos feridos caídos no chão, crianças chorando procuram por
irmãos. E vão esquecer, de tudo outra vez, Cristo aqui veio pra
salvar o mundo, foi crucificado sabemos de tudo. Cristo aqui
veio pra salvar o mundo, foi crucificado sabemos de tudo. E vão
esquecer de tudo outra vez, é o nosso mundo, são nossas raízes.
Bilhões mais bilhões gastados com armas, crianças nas ruas
que não tem um lar. Meninos jogados no mundo estão cheio.
Crianças que nunca tiveram um seio. E vão esquecer de tudo
outra vez. Sonhei que um dia fui acorrentado, pisado por todos
e escravizado. Sonhei que um dia fui acorrentado, pisado por
todos e escravizado. E vão esquecer de tudo outra vez, é o nosso
mundo, são nossas raízes. (TOM CLEBER, 2010).

Isso posto, a música como prática pedagógica nas escolas do


campo pode corresponder a uma ferramenta indispensável para
educadores do campo alcançarem resultados mais expressivos
com os conteúdos trabalhados. Não necessariamente o educador
do campo precisa saber cantar ou tocar algum instrumento para
trabalhar a música em sala de aula, pois o que não faltam são
recursos à sua disposição para o desenvolvimento de um bom
trabalho.
No entanto, faz-se necessário saber usá-los, conhecer o
melhor método e sempre buscar materiais de qualidade que
permitam fazer as relações com o conteúdo que vem sendo
trabalhado na escola e, da mesma forma, estabelecendo conexões

108 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
com a vida, para além da sala de aula. Reconhecemos, nesse
sentido, a necessidade de os educadores nas escolas do campo
desenvolverem parcerias com outros educadores com formação
específica em artes, a fim de aprofundar as reflexões sobre o que
está sendo trabalhado, de modo que o professor possa perpassar
os conteúdos, levando os alunos a captarem outros elementos
que não estão visíveis em um primeiro momento.
No caso da música, esses elementos são básicos: os sons, o
ritmo, a melodia, a harmonia etc., e explorar a forma como eles
aparecem na música pode facilitar a compreensão por parte dos
alunos de tudo o que o autor da canção está querendo transmitir,
daí a grande importância da presença de um professor de artes,
também na escola do campo.
Deveras, a prática de ensino de música na modalidade de
ensino Educação do Campo contribuirá para que a escola do campo,
enquanto espaço de educação, com suas especificidades, possa
debater suas questões territoriais e geográficas, suas dimensões
sociais, políticas e culturais, tendo a música com aliada nesse
processo.

EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS NA LEDOC/CPCE/UFPI, EFA


(EFAVAG) E OUTROS ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA SOBRE
EDUCAÇÃO DO CAMPO

Procuraremos, a partir deste momento, descrever o


processo de construção de nossas experiências em educação do
campo, tendo a música como elemento constituinte nos diversos
ambientes de sociabilidade nos quais vivenciamos. E nesse instante,
encaixam-se perfeitamente as palavras do rei Roberto Carlos, por
meio de sua linda música, Emoções:

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 109


NAS ESCOLAS DO CAMPO
[...] Quando eu estou aqui eu vivo esse momento lindo [...] são
tantas já vividas, são momentos que eu não esqueci, detalhes de
uma vida, histórias que eu contei aqui [...] mas eu estou aqui
vivendo esse momento lindo, de frente pra você e as mesmas
emoções se repetindo [...] se chorei ou se sorri, o importante é
que emoções eu vivi […].

As nossas experiências de fruição musical estão intimamente


imbricadas no cotidiano de nossas relações desde os tempos
de criança, quando se iniciaram os primeiros passos dessa
construção, momento em que participávamos ativamente das
atividades desenvolvidas pela Igreja Cristã Evangélica de Cristino
Castro – Piauí.
Ali se constitui o berço desse gostar musical: foi a partir das
relações desenvolvidas nesses primeiros espaços de convivência
coletiva, onde a música é um elemento imprescindível não somente
à mística das cerimônias, mas, sobretudo, é um mecanismo
facilitador à compreensão da aprendizagem, como bem afirmam
Dirlaine e Ponick (2008): “convivendo com as pessoas, aprendemos
a conhecer as pessoas, aprendemos a conhecer as características
de cada um, e também do grupo, e aprende a respeitar, e o
conhecimento é vivencia e coletividade.”
Antes de adentrarmos nos relatados de nossas experiências
de formação na LEDOC/CPCE/UFPI e EFAVAG, vale a pena
rememorar um período marcante de vivências que foram os
tempos de ensino médio no Colégio Agrícola de Floriano (regime
de internato), nos anos de 1986 a 1988. Ali se deu o meu primeiro
contato com uma educação para o campo, mas sob a perspectiva
da educação rural que, segundo Caldart, “é uma educação na
mesma modalidade da que é oferecida às populações que residem
e trabalham nas áreas urbanas, não havendo nenhuma tentativa
de adequar a escola rural às características dos camponeses ou
dos seus filhos, quando estes a frequentam [...]” (2012, p. 295) os

110 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
professores não recebem uma formação adequada para lidar com
a realidade do campesinato.
Ou seja, é vista não apenas como uma modalidade de
ensino, mas também como uma política pública que garanta
à população camponesa os mesmos direitos educacionais
assegurados à população urbana, pois se percebe que no decorrer
da história, essa modalidade educacional sempre foi deixada em
segundo plano, sem um investimento significativo por parte dos
representantes governamentais para que se estabelecesse uma
educação do campo condizente com a cultura e identidade do
povo camponês (RODRIGUES; BONFIM, 2017).
Esse modelo de escola e de educação visa, basicamente, a
atender às demandas do modo de produção capitalista. O Colégio
Agrícola de Floriano foi essa escola tecnicista sem aberturas para
as construções coletivas, tampouco para criar ambientes de
sociabilidade onde a música se transformasse em um instrumento
pedagógico de formação. Por outro lado, o ambiente escolar
(dentro e fora das salas de aula) agregou alunos, em sua grande
maioria, filhos de agricultores camponeses ou oriundos de cidades
interioranas que traziam consigo toda uma bagagem campesina,
recheada de ruralidades.
A música, especialmente para os alunos internos, passou
a fazer parte das vivências, nomeadamente nos fins de tarde e
fins de semana, quando um morrote próximo ao alojamento se
transformava em um palco onde a companhia de um violão, o
som, a poesia, os ritmos das músicas cantadas nos remetiam ao
nosso lugar de pertencimento; alimentava as nossas saudades;
mexia com as nossas emoções; trazia à tona a nossa identidade
camponesa – família, amigos e o fazer diário das atividades do
campo.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 111


NAS ESCOLAS DO CAMPO
Por outro lado, a EFAVAG, tendo como base a pedagogia
da alternância, facultou que vivenciássemos outras experiências,
sob uma perspectiva de educação que leva em consideração os
saberes e as especificidades dos sujeitos do campo, ofertando
uma formação integral e humanizadora, buscando atender às
demandas específicas da vida do aluno no campo.
A referida instituição está localizada na Comunidade Barra
do Sítio – Km 310 / BR – 135, no município de Cristino Castro – PI.
Trata-se de um estabelecimento de ensino de caráter filantrópico
e mantido pela Associação da Escola Família Agrícola Vale do
Gurguéia, em parceria com o Governo do Estado do Piauí, tendo
como área de abrangência o espaço rural dos municípios de Bom
Jesus, Cristino Castro, Santa Luz, Palmeira do Piauí e Alvorada
do Gurguéia, e como público-alvo agricultores familiares oriundos
dos municípios supracitados.
Assim, tem por finalidade desenvolver o educando,
assegurando-lhe a formação comum indispensável para o pleno
exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores, além de permitir ao aluno do
meio rural a ligação entre a escola, a família e a comunidade, por
meio da pedagogia da alternância.8
Seus instrumentos didático-pedagógicos específicos
são compostos por um plano de formação caracterizado por:
internato (sessão escolar); ação comunitária (sessão familiar/
comunidade); Planos de Formação (PF); Plano de Estudo (PE);
Folha de Observância (FO); tutoria; Colocação em Comum
(CC); Caderno de Acompanhamento (CA); Caderno Didático
(CD); visitas e viagens de estudo; serões; intervenções externas;

8 Trata-se de uma metodologia que intercala um período de convivência na


sala de aula com outro no campo para diminuir a evasão escolar em áreas
rurais.

112 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
atividade retorno, visitas às famílias e à comunidade; estágio; e
Projeto Profissional do Jovem (PPJ). Todas essas informações se
fazem necessárias para facilitar o entendimento da dinâmica de
funcionamento de uma EFA.
A nossa participação como monitor (área técnica) na EFAVAG
ocorreu justamente no seu período inicial de implantação, entre
os anos de 2008 e 2012. No começo, com muitas adversidades a
serem superadas, como a falta de energia elétrica e água que, para
chegar à escola, tinha de seguir por uma longa mangueira de uma
propriedade vizinha. Somado a isso, controlar cerca de 40 jovens
(rapazes e moças) que nunca haviam experienciado o sistema
de internato, um ambiente em construção, além de uma equipe
de monitores que não tiveram a oportunidade de, pelo menos,
adquirir noções básicas de formação na pedagogia da alternância
e em educação do campo.
Foram práticas que produziram grandes experiências na
formação de monitores e alunos. As formações começaram
acontecer tempos depois, em ocasiões pontuais, quando se
debatia a alternância e a educação rural, porquanto a educação
do campo ainda estava um pouco distante, não somente da
EFAVAG, mas também da realidade do sul do Piauí.
Por conseguinte, o contexto que se forma a partir dessas
experiências iniciais foi bastante promissor para que se construísse
um ambiente familiar. A maioria dos alunos e monitores tinha um pé
na roça, facilitando as relações no desenvolvimento das atividades
propostas pela escola. A música como prática pedagógica não
aparecia como instrumento didático no plano de formação da
escola, mas os serões, conforme descreve o regimento interno da
escola: são atividades livres e mais leves, realizadas sempre à noite.
Os serões consistem em palestras e testemunhos de pessoas
externas. Eles podem ser também compostos de atividades

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 113


NAS ESCOLAS DO CAMPO
relacionadas ou não aos planos de estudo. Geralmente, os próprios
estudantes preparam um jogral, um júri simulado, um teatro, “um
programa de rádio ou TV” abordando o PE. A programação do
serão é feita no início do ano letivo, com a participação dos jovens,
e comporta um dia para palestra; um para atividades de lazer;
um para filme e debate; outro para avaliação etc. Normalmente,
aproveitávamos os serões para criar um ambiente bem familiar,
que nos remetia a uma prática costumeira no campo: fazer
uma fogueira formando uma roda de prosa, mas era a música o
elemento que aquecia, além do fogo, as nossas relações, mexendo
com as nossas emoções, acalentando a saudade de casa.
A EFAVAG, nos primórdios de sua implantação, nasceu
em um ambiente favorável para que se consolidasse, de fato, a
pedagogia da alternância e começássemos a construção de uma
caminhada rumo à educação do campo. Nessa perspectiva,
mantinha uma associação de pais atuante, parceiros como a
Igreja Católica, contava com o apoio de instituições dentro e fora
do País, além do Estado principal. Contudo, infelizmente, para a
alternância e a educação do campo, o Estado assumiu o controle
daquela escola e de tantas outras no Piauí.
Tendo isso em vista, o grande desafio atual da EFAVAG e
das demais escolas passa por essa mudança de consciência que
levará à retomada do controle ideológico, apostando em suas
práticas e na formação dos educadores, de modo que conheçam
a trajetória de negação imposta aos sujeitos do campo e todo o
percurso atravessado pela educação do campo em seu processo
de construção, visando a compreender que o Estado é burguês e
que está a serviço do capital.
Indubitavelmente, a LEDOC/CPCE/UFPI constituiu-se em
um verdadeiro campo de experimentação tanto para professores,
quanto alunos e para a própria UFPI, uma vez que o Curso

114 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Educação do Campo (humanas e sociais, entre outros) era
algo novo, totalmente desconhecido para a grande maioria dos
envolvidos em sua construção. Com isso, mais uma vez, tivemos a
oportunidade de vivenciar experiências inéditas nessa formação.
Éramos conhecidos como as cobaias, pelo fato de integrarmos
a primeira turma do curso, além de sermos vistos e tratados pelos
demais cursos como os patinhos feios da universidade (carrega
enxada), mas fomos o primeiro curso de ciências humanas/sociais
da universidade, posto que os demais eram das ciências agrárias.
Com o passar do tempo, fomos ocupando o nosso espaço
no Campus, “na cara e na coragem”, éramos uma turma cuja
maioria dos alunos já exercia outras funções no dia a dia, como:
professores, profissionais liberais, pais, maridos e mulheres, logo,
já eram experientes nessa longa estrada da vida.
Essa labuta toda começou no ano de 2014. Foi um início
bastante difícil para todos, principalmente para os alunos, pois
já vínhamos de nossas atividades laborais e ao invés de descanso
(férias), começava o Tempo Universidade: era muita cobrança, muita
pressão, muito conteúdo condensado em um curto espaço de
tempo, pois não éramos mais alunos do ensino médio, estávamos
na universidade – diziam os professores, que traziam consigo
toda a bagagem do sistema tradicional de ensino sem analisar
o contexto, a realidade dos alunos, as suas especificidades, daí
porque muitos ficaram pelo caminho. Aos poucos, conforme o
tempo foi passando e com a chegada de novos professores, o
curso tomou cara e forma, tornando-se mais humano.
Por conseguinte, alternativas de humanização foram
surgindo, ora por parte dos alunos, ora por professores,
sobretudo aqueles que já traziam em suas bagagens ligações
com os movimentos sociais, a exemplo de igrejas (católica e
protestante), CPT etc. Aos poucos, foram sendo incorporados

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 115


NAS ESCOLAS DO CAMPO
outros elementos de sociabilidade que repercutiram em grandes
contribuições na melhoria de nossas relações e de nossas práticas,
como: café compartilhado (início do Tempo Universidade), quando
alunos e professores traziam as delícias do campo para serem
compartilhadas e degustadas tanto pelos alunos do curso quanto
pelos demais; lanche compartilhado em sala de aula, de forma
que quem tinha trazia e comia, e quem não tinha, comia também.
Outro elemento foi tomando forma e conteúdo nos encontros e
em sala de aula: a mística. Em meio a esses movimentos, a música
foi se tornando um ingrediente indispensável à harmonização do
ambiente.
Foi em um Seminário Integrador, que é um instrumento de
formação na LEDOC e na pedagogia da alternância, que nos foram
apresentadas, pela primeira vez, algumas músicas do Cantares
da Educação do Campo, quando tivemos o privilégio de ter como
palestrante Mônica Mollina, que fez uso da música A educação do
campo, de Gilvan Santos, em sua palestra, na qual fez questão de
reforçar que essa canção era de autoria de um cantor e compositor
piauiense. Isso contribuiu, e muito, para que eu pudesse procurar
conhecer melhor tais canções e passar a utilizá-las, desde então,
nos encontros formais e informais dentro e fora da universidade.
Vale a pena salientar o quanto foram enriquecedores os
momentos dos quais a música fez parte como elemento nas
místicas; nas palestras; nas apresentações; nas manifestações;
nas rodas de conversa com os amigos, no Colégio Agrícola
de Floriano; nos serões e nas cantigas em torno da fogueira na
EFAVAG; nas salas de aula; e nos corredores da LEDOC/CPCE/
UFPI etc., cadenciando, por meio de seus conteúdos (letras)
e de suas formas (sonoridade, os ritmos, a poesia), os diversos
aspectos de nossa formação, provocando e produzindo melhorias
consideráveis em nossas relações sociais, criando ambientes

116 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
favoráveis de conscientização acerca do lugar de pertencimento
daqueles que tem ou tiveram um pé no campo, resgatando em
cada um a identidade camponesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Demonstramos, por meio deste estudo, que a experiência


pedagógica de utilização da música em sala de aula influencia
positivamente no comportamento dos alunos, favorece a criação
de um ambiente de interação, comunicação e expressão de seus
sentimentos e ideias, apoiando de forma inovadora a compreensão
e assimilação dos conteúdos.
Ademais, são atividades muito prazerosas, com as quais as
aulas se tornam mais atraentes, e os conteúdos, mais assimiláveis,
pois há uma aprendizagem mútua, particularmente entre a alegria
necessária à atividade educativa e a esperança. Para além disso,
a escola do campo pode contribuir com o desenvolvimento do
aluno, a sua forma de expressão, a educação de seus sentidos,
como um ser sensível que desenvolve suas sensibilidades e mergulha
no conhecimento do mundo camponês etc.
Desejamos que os educadores do campo nas escolas do
campo possam se dedicar a fazer uso da música e de outras
manifestações artísticas (poesia, dança, teatro, pintura) com
o intuito de que as dimensões estéticas dessas manifestações
artísticas ensejem a valorização daquilo que é belo nos alunos,
dentro e fora da escola. Adicionalmente, os próprios instrumentos
musicais podem ser desenvolvidos por eles, pela família, pela
comunidade etc., de modo que a apropriação dessas manifestações
artísticas possa produzir e fazer parte em encontros e momentos
de apresentações individuais e coletivas, nas místicas e até mesmo

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 117


NAS ESCOLAS DO CAMPO
como instrumento de denúncia em ocasiões pontuais, nos mais
diversos espaços de formação e convivência.
Além dos benefícios sociais e culturais, a música pode ser
utilizada para promover a saúde física e mental, coadjuvando o
desenvolvimento integral e saudável. Portanto, é fundamental
pensar em uma educação e em uma escola que levem em
consideração os interesses e o desenvolvimento sociocultural dos
diferentes sujeitos que trabalham e vivem no campo, visto que a
educação do campo nasce com objetivo de questionar e propor
uma concepção de escola e de educação que valorize o modo de
vida camponês, onde o trabalho, a cultura, a organização social,
a luta pela terra, a história do povo ocupa lugar central nos
processos educativos.
Ao trabalhar a música nas escolas do campo, a própria escola
vai provocando uma reflexão mais crítica sobre a realidade local,
sobre a educação, sobre a falta de políticas públicas voltadas para
o campo, sobre essa longa trajetória de negação e lutas históricas
do campesinato. Portanto, é necessário lembrar que ao trabalhar
com música em sala de aula, elas estejam previamente preparadas
de acordo com os conteúdos, com os objetivos da própria escola e
mais ainda, adequadas ao contexto e à realidade dos alunos e das
comunidades, em busca de um propósito maior.
Nessa conjuntura, o MST é um exemplo, pois desenvolve
uma diversidade de experiências educativas, todas voltadas a
cumprir os objetivos defendidos pelo movimento: lutar pela terra,
pela reforma agrária, por mudanças sociais no País, como também
pela implantação e consolidação da educação do campo como
modalidade de ensino.
Estamos convencidos de que essa prática pedagógica
com a música nas escolas do campo, a partir de uma escolha
criteriosa, propicia a criação de condições favoráveis para que

118 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
os educadores do campo, especialmente os do sul do Piauí,
consigam fazer com que seus alunos assimilem essa faceta mais
cruel do sistema capitalista, em expansão em nossa região, por
meio do agronegócio9 que, além de expropriar os camponeses de
seus meios de produção/reprodução, tem extirpado dos sujeitos
do campo a possibilidade de vivenciar suas crenças, seus costumes
e suas manifestações culturais, religiosas etc., ne não somente dos
meios de produção, mas também de suas memórias, seu passado,
suas raízes, sua consciência e suas emoções.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. Sobre indústria cultural. Revista memória e vida


social: história e cultura política, v. 1, maio 2001.

BARROS, F. R. M. Ao som do emaranhamento: a música e o


discurso filosófico sobre as artes. Kriterion, Belo Horizonte, n,
125, p. 195-229, jun. 2012.

BOGO, A. O MST e a cultura. 3. ed. São Paulo: MST, 2009.

BRASIL, Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional


de Educação (CNE). Resolução CNE/CEB n. 1, de 3 de abril de
2002. Instituiu diretrizes operacionais para a educação básica
nas escolas do campo. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília
p. 32, 9 abr. 2002.

9 A junção de inúmeras atividades que envolvem de forma direta ou indireta toda a


cadeia produtiva agrícola ou pecuária.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 119


NAS ESCOLAS DO CAMPO
CALDART, R. O MST e a formação dos sem-terra: o movimento
social como princípio educativo. Estudos Avançados, v. 15, n.
43, 2001.

CALDART, R. S. Dicionário da educação do campo. São Paulo:


Expressão, 2012. 788 p.

CANDIDO, M.; MENGARELLI, R. A música na escola do campo.


Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Educação
do Campo) – Universidade Federal do Paraná, UFPR Litoral,
Matinhos, 2011. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/
bitstream/handle/1884/38473/R%20-%20E%20-%20MARIA%20
CANDIDO.pdf;jsessionid=F068E70229A7986A44CE4DF4F5F-
C1318?sequence=1. Acesso em: 22 set. 2021.

CARMINATTI, J. S.; KRUG, J. S. A prática de canto coral


e o desenvolvimento de habilidades sociais. Pensamiento
psicológico, v. 7, n. 14, 2010. Disponível em: http://portalesn2.
puj.edu.co/javevirtualoj/index.php/pensamientopsicologico/
article/view /134. Acesso em: 20 set. 2021.

CARVALHO, J. G. Cultura camponesa: uma trajetória em (des)


construção. 2018. Monografia (Licenciatura em Educação do
Campo/Ciências Humanas e Sociais) – Universidade Federal do
Piauí, Bom Jesus, 2018.

CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO,


G. (org.). Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo:
Expressão Popular, 2012.

120 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
DIRLAINE, M.; PONICK, E. Dinâmica para a diversidade. São
Leopoldo, RS: Sinoval, 2008.

FONTANA, M. I.; SILVA, E. S.; KARACHENSKI, I. B. A identidade


e cultura dos sujeitos do campo no currículo escolar. In: XI
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCARE.
Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2013.

MARIANO, N. F. Fogão de lenha, chapéu de palha: jauenses


herdeiros da rusticidade no processo de modernização. São
Paulo: USP, 2001.

MOLINA, Mônica C.; SÁ, Laís M. “Escola do Campo”. In:


Dicionário da Educação do Campo. Roseli S. C. et al (Orgs).3 ed.
Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Expressão Popular, 2012.

MST. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Cantares


da educação do campo. Setor de educação, 2006.

PRAZERES, M. M. V. et al. O canto como sopro da vida: um


estudo dos efeitos do canto coral em um grupo de coralistas
idosas. Revista Kairós: Gerontologia, v. 16, n. 4, p. 175-193,
2013. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/
article/view/19636. Acesso em: 20 set. 2021.

RODRIGUES, H. C. C.; BONFIM H. C. C. A educação do campo


e seus aspectos legais. In: XIII CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO – EDUCARE, 2017. Disponível em: https://educere.
bruc.com.br/arquivo/pdf2017/25287_12546.pdf. Acesso em: 20
out. 2021.

A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA 121


NAS ESCOLAS DO CAMPO
SOUZA, M. A. Educação do campo: propostas e práticas
pedagógicas do MST. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

122 Jânio Gomes de Carvalho


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA
LIBERDADE E DIREITO COMO PRÁTICA
EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE DE BOM
JESUS DO GURGUÉIA)

Maria das Mercês Alves de Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista

“A mística na militância é como a força de


germinação que existe dentro das sementes”.
(Ademar Bogo)

INTRODUÇÃO

O
presente estudo tem como tema a mística, uma
prática cultural que compõe o repertório de ações
e vivências de militantes, trabalhadores, indígenas,
quilombolas, dos movimentos sociais do campo e da cidade, bem
como de pastorais sociais, no caso, a Comissão Pastoral da Terra
do Piauí (CPT-PI).
As místicas ocupam espaços nas ações espirituais coletivas
de comunidades tradicionais, das universidades, das escolas, das
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 123
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
igrejas, da rua, mas, ao longo da história, foram ocupando espaço
nos processos de organização espiritual e política, na linha da fé
crítica e libertadora no processo educacional.
Sobre a mística, Bogo (2011, p. 473) afirma que ela pode
ser compreendida como “estudo das religiões como adjetivo de
mistério, assimilado por meio da experiência da própria vivência
espiritual”. De fato, a mística representa a luta, um momento
de críticas, de denúncia, de motivações; a troca de experiências,
conhecimentos, saberes, despertando a criatividade, a ludicidade,
o teatro e a espiritualidade. Ela configura-se de acordo com as
memórias, as compreensões, o pensar, o aprender, o sentir, o que
se leva para vida como uma linguagem social, política e espiritual.
A mística está presente na vida de militantes, de agentes e
dos povos dos territórios acompanhados pela CPT-PI da Diocese
de Bom Jesus do Gurguéia, que dá sustento, transforma a luta e
a identidade, fortalecendo a resistência dos povos da terra e das
águas. A CPT-PI é uma entidade jurídica de direito privado, de
caráter religioso e filantrópico, sem fins lucrativos, com sede e foro
em Teresina, capital do estado do Piauí, filiada à CPT nacional,
que tem sede e foro em Goiânia-GO, Brasil.
A CPT-PI rege-se por Estatutos Sociais aprovados pela
Assembleia Geral Nacional, tendo suas atividades reguladas pelo
Regimento Interno. A CPT é uma pastoral ecumênica que presta
serviço educativo, de formação e assessoria junto aos povos do
campo, das águas e das florestas. Representa uma presença
solidária e afetiva, fomentando os processos de transformação
da realidade desses sujeitos por meio da autonomia dessas
populações, inspirada na teologia da libertação e na subversão
do evangelho.
No Piauí, a atuação da CPT está presente no semiárido e no
Cerrado piauiense, e é um instrumento de fortalecimento popular
que visa a contribuir com a formação dos povos e das comunidades

124 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
tradicionais. Dessa forma, atua no apoio à luta por terra, água,
direitos, justiça, igualdade e solidariedade; em defesa da vida,
dos territórios tradicionais, da regularização fundiária; na auto-
organização dessas populações; na reafirmação da identidade
desses sujeitos; na construção de uma sociedade com equidade
e justiça, em que mulheres, homens, crianças, jovens e idosos se
fazem natureza, defendem a biodiversidade e a sustentabilidade
do ambiente para a presente e as futuras gerações, inspirados na
memória de seus antepassados.
A CPT organiza-se em três eixos temáticos, a saber:
Desenvolvimento Institucional; Terra e Meio Ambiente; e Migração
e Trabalho Escravo. Nessa perspectiva, trabalha com a concepção
teológica da libertação e educação popular de camponeses, no
enfrentamento às injustiças da questão agrária, do trabalho
escravo e do avanço do agronegócio.
Com base nisso, o trabalho da CPT-PI tem sido de constante
apoio às organizações de base, como mostra o relatório de
planejamento estratégico participativo da CPT Piauí alusivos ao
período 2021/2025.

A crise econômica tem levado a um aumento crescente da taxa de


desemprego em todo país e a queda no número de trabalhadores
com carteira assinada. [...]. Além disso, sabe-se que o Estado é
um grande exportador de mão de obra barata, devido à ausência
de condições dignas de trabalho e de incentivos do governo local
para a geração de renda. Neste contexto os jovens se apresentam
como o grupo mais prejudicado e vulnerável. (RELATÓRIO DO
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARTICIPATIVO DA CPT PIAUÍ
2021, p. 13).

Este trabalho indaga sobre o caráter das práticas educativas


envolvidas nas místicas da CPT como estratégia de formação
humana dos camponeses e povos tradicionais, enquanto
protagonistas de suas próprias histórias, sua criticidade histórica,
sua união, seu pertencimento e sua elevação espiritual.
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 125
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
A área de atuação da CPT-PI é o estado do Piauí,
concentrando-se em algumas regiões onde estão localizadas
as dioceses de Teresina, Picos, Campo Maior e Bom Jesus. A
propósito, a Diocese de Bom Jesus do Gurguéia é uma abrangência
eclesiástica da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, com
sede no município de Bom Jesus, no Piauí, Brasil, tendo como
bispo Dom Marcos Antônio Tavoni.
O presente trabalho aborda a mística como prática
educativa popular fundamental da CPT-PI Diocese de Bom Jesus
do Gurguéia, que compõe o repertório de ações e vivências dos
sujeitos envolvidos com a comissão, os grupos de jovens e o
coletivo das comunidades – militantes, trabalhadores, indígenas,
quilombolas, camponeses, universitários, jovens. Nesse ensejo,
apresentamos como recorte temático A mística da juventude em
busca da liberdade e do direito como prática educativa na CPT-PI (Diocese
de Bom Jesus do Gurguéia), com o objetivo de analisar os aspectos
pedagógicos das místicas como estratégia de formação humana
(omnilateral), a partir da atuação do grupo de jovens Juventude em
Busca da Liberdade e Direitos.

REPENSANDO O PROCESSO EDUCATIVO DA MÍSTICA


COMO ESTRATÉGIA DE FORMAÇÃO HUMANA

Repensar o processo educativo da mística como estratégia


de formação humana requer pensá-la nas diversas extensões
que ela pode alcançar enquanto processo educativo, tais como
escolas, universidades, formações, ocupando os espaços da base.
Pretendemos alcançar nesse mundo novos povos pensantes, que
lutam por seus direitos, que produzem e constroem mudanças. Por
outro lado, a mística dá sequência a saberes que dão sustentação
às próprias ações.

126 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
O que compreendemos do relato dos supracitados autores é
que na militância, a mística funciona como “chamas” que mantêm
as histórias vivas, e para tais histórias se manterem vivas, é preciso
dar continuidade com essas “chamas acesas”, promovendo
o chamado e facilitando que novos militantes possam ser
protagonistas de suas próprias histórias, dentro e fora da mística.
Buscamos, pois, compreender o lugar da mística nas
práticas educativas nas resistências camponesas. Nesse sentido,
recorremos a Bogo (2012, p. 473), para quem “a mística é termo
compreendido no estudo das religiões como adjetivo de mistério,
assimilado por meio da experiência da própria vivência espiritual”.
Contudo, ele afirma que a mística, em suas manifestações
subjetivas, “ultrapassa o espectro do sagrado e introduz-se na
vida social e na luta política, sendo claramente a aproximação da
consciência do presente com a utopia do futuro” (BOGO, 2011,
p. 473).
Logo, podemos dizer que as práticas educativas estão
presentes na mística desde a sua preparação, quando as ideias vão
se formando e seu roteiro é construído, na escolha da simbologia,
na organização, na definição. Aliás, a mística causa na pessoa
uma aprendizagem de dentro para fora – quando estão sendo
pensadas e construídas as ideias – e de fora para dentro – no ato
da realização, momento em que as pessoas a realizam e podem
perceber no outro a transformação que a mística pode causar.
A educação e a mística têm papel muito importante, qual
seja de transformar, sensibilizar, despertar, inquietar e “aflorar a
humanidade que existe em cada ser humano”. A arte tem o poder
de continuar revivendo dentro do ser humano a capacidade de
perceber o seu entorno e o que dá sustento à sua existência nesse
contexto.
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 127
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
Por sinal, a escola tem papel meritório no meio social, que
é de educar, facilitar a aprendizagem e a arte – que tem como
obrigação, enquanto disciplina, a produção da cultura política
que vem a partir da educação.
A perspectiva da mística como linguagem social, política,
cultural e espiritual no repertório de ações e vivências de militantes
vai além do contexto, do protagonismo e das ações desenvolvidas
por intermédio da mística. Portanto, está no próprio mistério da
mística e em seu conjunto como um todo.
É importante sobrelevar que a origem da concepção de
educação popular

decorre do modo de produção da vida em sociedade no


capitalismo, na América Latina e também no Brasil, e emerge
a partir da luta das classes populares ou dos trabalhadores
mais empobrecidos na defesa de seus direitos, dependendo da
organização na qual se congregam, os trabalhadores chegam
inclusive a defender e a lutar pela construção de uma nova ordem
social. (PALUDO, 2012, p. 281).

Podemos dizer que a educação popular surge a partir da luta


das classes populares ou, melhor dizendo, dos trabalhadores mais
empobrecidos que lutam na defesa de seus direitos, principalmente
na luta pela construção e preservação de uma nova ordem social.
Por cúmulo, esperamos que essa nova ordem social seja em prol e
benefícios da classe trabalhadora.
Quando os povos se percebem no coletivo, deixam de ser
cada um por si e passam a ser todos por todos. Nessa direção,
para Bogo (2011, p. 22),

no momento em que a visão particular é ultrapassada, o


indivíduo já não é mais um indivíduo isolado, a coletividade
ganha importância no relacionamento. Embora os interesses
particulares continuem fortes, o relacionamento com a
coletividade apresenta-se como uma necessidade nova.

128 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Reputamos necessário destacar que o coletivo tem o papel
de formar lideranças que são capazes de promover e facilitar no
outro o desejo de liderar e fortalecer aqueles que podem agir,
pensar no e para o coletivo, como nos grupos e nas comissões
acompanhados pela CPT.
A CPT realiza o acompanhamento a grupos e comissões que
são vulneráveis e que lutam por seus direitos – por sinal, ambos
têm um papel considerável na atuação da CPT.
Segundo Bogo (2011), as experiências religiosas, desde a
Antiguidade, tratam a mística como “espiritualidade”. Tendo
em vista as vivências dos povos, a mística está presente na
espiritualidade, quando é realizado um tore, um rezo nas culturas,
nas religiões. Nessas experiências, ela aparece como atitudes
mediante as quais o ser social se sente parte, ligado ao todo que
é o cosmos. À vista disso, [...] a mística, nesse entendimento, é a
espiritualidade que acolhe e se expressa por meio da experiência
do mistério vivido concretamente. Ela dá sentido à continuidade
do existir como mediação para a realização do projeto real e
metafísico. Por essa razão, o contemplativo torna-se reflexivo da
prática insurgente (BOGO, 2011, p. 473).
Ainda sob a perspectiva da educação popular, ela “vai
se firmando como teoria e prática educativas alternativas às
pedagogias e às práticas tradicionais e liberais que estavam a
serviço da manutenção das estruturas de poder político, de
exploração da força de trabalho e de domínio cultural” (PALUDO,
2012, p. 281).
Portanto, a educação popular vai se consolidando e
ganhando controle em seu desenvolvimento, definindo-se como
teoria e prática educativas no decorrer do serviço de manutenção
das estruturas de poder político, da exploração da força de
trabalho e do domínio cultural.
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 129
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
Com as mudanças na conjuntura atual, de tomada de
direitos, negação de direitos, a própria pandemia do novo
coronavírus e o avanço das grandes propriedades, a mística
ganhou uma visão diferente, uma atuação envolvente.
Falar de educação do campo não é algo difícil de se
compreender, por ser algo que já vem sendo debatido ao longo dos
anos; é falar de uma educação voltada para os povos do campo
e no campo; é tratar das lutas e conquistas desses povos por suas
terras e seus territórios, e por sua permanência nesse território; é
abordar as lutas por políticas públicas que contemplem os povos
e as comunidades tradicionais.
Podemos, assim, reforçar que a educação do campo deve ser
contextualizada, pensada para e pelos povos do campo, para que
eles se tornem protagonistas de suas próprias histórias, possam
anunciar e denunciar as violações de seus direitos, além dos
avanços do agronegócio em seus territórios.
A mística tem uma grande relevância no meio social, visto
que sua ação possibilita anunciar, denunciar, despertar, tornar
o sujeito crítico: esse é seu papel. E para os povos do campo, a
mística é a “porta” por onde se pode ecoar a voz, tornando cada
um protagonista de sua própria história, ganhando resistência
para lutar por seu povo.
Percebemos que por meio dessas lutas, de forma explícita e
enfrentando dificuldades, constroem-se os processos pedagógicos
escolares centrados no projeto de educação do campo, projeto
necessário, inclusive, para uma educação que contemple os povos
do campo. Com lutas e determinação, conseguiremos formas que
apreciem a realidade dos povos do campo, de modo que seja uma
educação construída a partir de e para os povos do campo.
Logo, é preciso estar em uma constante construção e luta
com vistas a uma educação problematizadora para alcançar os

130 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
objetivos necessários para o alcance de uma educação que se faça
presente nas vivências e nas memórias de homens e mulheres do
campo.
Sabemos que o enfrentamento ao agronegócio nunca foi
ou será fácil, e para as famílias que sofrem diretamente, com a
degradação do ambiente, o desmatamento, a contaminação com
agrotóxicos, os descasos do governo, as violências, entre outros
tipos de consequências, essa situação é mais sofrida ainda.
Percebemos que o agronegócio vem avançando cada vez
mais, aproximando-se das áreas de plantios e até mesmo de
moradias das comunidades e dos territórios. As famílias buscam
permanecer com seus modos de vida tradicionais, o que não é
fácil, pois convivem com o medo e os desafios de consumir
alimentações com agrotóxicos, tendo em vista as práticas dos
projeteiros/fazendeiros que jogam venenos em suas lavouras e,
por meio do vento, estes chegam às casas e produções das famílias
tradicionais dos territórios.
As famílias lutam pelo título de terra e território, pela
permanência nessas terras e nesses territórios, porém, a morosidade
dos órgãos competentes é tanta que a espera se torna grande e,
muitas vezes, incerta. Todavia, a luta continua, na esperança de
conquistarem a demarcação e o título de terra de seu território.
Portanto, o que é importante, tanto quanto conseguir o título, é
a lutar dessas famílias para conseguirem os títulos coletivos, com
a consequente garantia de permanência das gerações futuras nos
territórios.
Por meio da mística, é possível denunciar práticas de grilagens
de terras, aproximação do agronegócio às famílias, a intimidação
de jagunços aos povos das comunidades tradicionais, entre
outras que prejudicam os povos, as comunidades tradicionais
e os territórios. Ademais, com a mística, pode-se dar lugar ao
protagonismo das próprias famílias das comunidades tradicionais
a favor da agroecologia, da valorização dos povos e de suas
identidades.
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 131
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
Em um processo de reinvenção do mundo, a partir da mística,
podemos promover a desconstrução do agronegócio. Pela mística,
pode-se demonstrar fatos reais de que o “desenvolvimento”
do agronegócio não beneficia nem a zona rural nem a urbana
periférica.

CARACTERIZAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA

Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizamos como


método a pesquisa qualitativa em educação, inspirada na pesquisa-
participante, partindo da experiência da autora desta pesquisa
como agente da CPT na Diocese de Bom Jesus do Gurguéia desde
o ano de 2015 e, atualmente, na Coordenação Colegiada da CPT;
mas particularmente, no grupo de jovens Juventude em Busca da
Liberdade e Direitos (JBLD) – no qual atuava na coordenação –,
que é acompanhado pelo eixo Migração e Trabalho Escravo […].
Por pesquisa-participante entendemos “que o ponto de
origem da pesquisa participante deve estar situado em uma
perspectiva da realidade social, tomada como uma totalidade em
sua estrutura e em sua dinâmica” (BRANDÃO; BORGES, 2015, p.
54).
Na pesquisa participante, o sujeito que participa como
autor da pesquisa e sujeito a ser pesquisado deve ter consciência
de que ele é a finalidade de estudo da investigação. É a partir de
sua realidade, suas vivências, suas memórias que se dá sentido à
construção da pesquisa. A pesquisa participante torna-se, pois,
necessária em determinado momento, quando as experiências do
autor da pesquisa – que é igualmente, sujeito dela – servirão como
formação educacional.
Nesse sentido, na pesquisa participante, como qualquer
outra pesquisa, o autor participante organiza e pensa não somente
para si, mas para a compreensão de quem não conhece a sua
realidade.

132 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
A mística escolhida não é mais ou menos especial que as
outras que já foram realizadas, mas, de certa forma, a escolha
foi de uma mística realizada em uma data muito especial: o Dia
Internacional da Mulher, 8 de março. Trata-se do encontro para
mulheres [...], que teve como atividades: formação para mulheres;
organização do grupo de jovens Juventude em Busca da Liberdade
e Direitos, e da Comissão de Currais, com o apoio da CPT-PI. Essa
mística teve como tema Seja uma mulher que levanta outras mulheres.
A pesquisa foi realizada tendo como referência a supracitada
mística. Os dados foram coletados a partir de entrevistas, em
trabalho de campo com dois grupos, organizados em dois espaços
diferentes, presencialmente, com a participação da autora da
pesquisa; e remotamente, por meio de grupo de WhatsApp, devido
ao atual momento de pandemia de Covid-19 e à necessidade de
distanciamento social.
Para realizar a pesquisa de campo, é preciso que o
pesquisador tenha disposição e estratégia; crie meios; defina
espaços para que possa efetivar a pesquisa. E esse contexto atual
que estamos vivenciando com a pandemia mostra que a pesquisa
de campo pode mudar conforme a situação social, as necessidades
dos sujeitos e a disposição dos entrevistados.
Para que haja essa aproximação a que o referido autor se
refere, é preciso que em dado momento, o pesquisador crie algum
vínculo de proximidade com o sujeito da pesquisa, de modo que
essa interação aconteça.
A pesquisa de campo dispõe de diferentes meios para
que o pesquisador consiga cumpri-la, a exemplo de entrevista
semiestruturada e com uso de fotos da mística pesquisada, diário
de campo etc.
O próprio tema direcionou-se aos sujeitos da pesquisa, pois
como ela tem caráter participativo, sua autora, obviamente, será
um dos sujeitos a serem avaliados. Outro aspecto que cabe realize
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 133
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
diz respeito à escolha do grupo de jovens, da camponesa e do
camponês para serem membros dos grupos a serem pesquisados.
Com isso, os sujeitos foram jovens que participaram da preparação
e ação da mística, e quem a assistiu teria de ser camponês.
Os sujeitos da pesquisa foram: uma agente da CPT-PI do
sexo feminino, na faixa etária entre 36 a 40 anos, com formação
superior completa e que mora em Currais; três membros do grupo
JBLD, todas do sexo feminino, na faixa etária de 18 a 35 anos –
sendo uma com ensino médio incompleto, uma com formação
superior incompleta e outra com formação superior completa,
das quais duas moram no assentamento e outra, em Currais; uma
camponesa do sexo feminino, na faixa etária de 36 a 40 anos,
com ensino superior completo e que mora no assentamento; e um
camponês do sexo masculino, na faixa etária de 29 a 35 anos, com
ensino médio completo e que mora em Currais.
Os sujeitos foram citados com nomes fictícios, com a
finalidade de preservar suas identidades: a agente, com o nome
de sua etnia (Akroá Gamela); as jovens, com nomes de flores (Ipê,
Caliandra e Perpétua); os camponeses, de frutos da transição da
Caatinga com o Cerrado (Araçá e Jatobá).
Para a coleta e produção de dados, realizamos entrevistas
semiestruturadas com dois grupos, com aplicação de
autoentrevista para a autora da pesquisa e entrevistas para as
jovens e os camponeses, que se constitui por um conjunto de
perguntas organizadas que devem ser respondidas livremente.
As entrevistas foram semiestruturadas. Nessa perspectiva,
recorremos às memórias da autora da pesquisa enquanto agente
da CPT, além de registros fotográficos e do caderno de campo
dela, além de entrevistas com as jovens que participaram das
místicas em diversos espaços nos quais a CPT atua, tais como o
Grupo de Combate ao Trabalho Escravo, assim como o Curso de
Pedagogia da Terra, que foi importantíssimo para as experiências

134 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
desta autora em mística de 2015 a 2019, em encontros, marchas
etc. Adicionalmente, entrevistamos pessoas que participaram
do momento das místicas, assistindo a elas, como nos casos
dos camponeses. Assim, organizamos um conjunto de fotos e
realizamos uma seleção de mística para definir qual seria utilizada
na pesquisa.
Apresentamos o objetivo proposto aos sujeitos da pesquisa,
que foi analisar o papel educativo das místicas da CPT Piauí como
estratégia de formação humana omnilateral, a partir da atuação
do grupo de jovens Juventude em Busca da Liberdade e Direito. A
propósito, a mística da qual falamos é a realizada dia 8 de março
de 2020, quando do encontro de formação com mulheres do
Assentamento Flores/Taboca e do grupo de jovens, que aconteceu
no galpão do Assentamento Flores/Taboca.
A entrevista é uma conversa a dois, em grupo, realizada
por alguém, devido a interesse em saber, coletar informações
sobre algo ou alguém. Por intermédio das entrevistas, reunimos
informações necessárias para determinada investigação, sendo
o tema fator essencial, que dá sentido ao resultado da pesquisa.
Deveras, a entrevista semiestruturada possibilita aos sujeitos da
pesquisa trazerem elementos que dão sentido às vivências do
sujeito, interligando-o com o tema em questão. Isso posto, a
entrevista foi realizada seguindo uma série de questões atinentes
às lembranças dos sujeitos da pesquisa sobre o entendimento
da mística: o que pensou, aprendeu, sentiu, o que leva para a
vida, quanto às aprendizagens adquiridas. Além disso, utilizamos
imagens mostradas para os sujeitos como método para recordar os
momentos da mística e do encontro de mulheres, como ilustrado
na sequência.
Na Figura 1, Akroá Gamela fez a abertura do encontro de
mulheres, com saudações, boas-vindas e, em seguida, a mística
foi ganhando seu espaço. Esse momento representa um dos mais
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 135
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
importantes, pois se dá início ao encontro, chamando a atenção
das pessoas para que possam participar e dar continuidade,
fazendo-se presente ativamente no encontro.
Mas para dar início ao encontro, outro momento relevante
é a preparação/ornamentação do ambiente – simbologia. A
simbologia tem uma grande importância na mística.

Figura 1 – Abertura do evento de mulheres

Fonte: arquivo pessoal da autora1.

A próxima imagem traz a representatividade dos elementos


utilizados para ornamentar o ambiente da mística, evidenciando,
também, itens que podem ser utilizados durante o evento. Cada
elemento tem importância na mística: a Bíblia representa a
fortaleza, a fé com ação, ser profético; os cartazes contêm frases
para despertar nas mulheres a sua importância e de lutarem por

1 As fotografias foram utilizadas durante a entrevista coletiva, como recursos de


memória.

136 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
seus direitos, por um espaço na sociedade, de querer andar lado
a lado com o homem nas ações; o chapéu de palha representa
o fortalecimento dos camponeses; a cabaça traduz a resistência,
a luta pelos direitos, pelo território, pelos direitos trabalhistas,
contra o aliciamento e as práticas de trabalho escravo; os tecidos
e as flores equivalem ao empoderamento das mulheres – ninguém
solta a mão de ninguém, eu quero, eu posso, eu consigo; os panfletos
simbolizam resultados – mulheres e homens protagonistas de suas
próprias histórias; finalmente, o xequerê retrata alegria, animação
na caminhada.
A simbologia também diz muito da mística, de sua
representatividade, de sua importância, da mensagem transmitida,
como ilustra a Figura 2.

Figura 2 – Simbologia da mística no encontro de mulheres

Fonte: arquivo pessoal da autora.

A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E


DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 137
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
A mística vai ganhando seu espaço no encontro, e desde o
pensar, planejar, organizar, realizar a mística constituem processos
de aprendizagem. Com base nos dados do caderno de anotações
desta autora, a mística foi iniciada com acolhida e saudação;
em seguida, foram colocadas músicas (reflexões diversas) para
tornar o momento mais agradável; depois, foi realizada uma
leitura bíblica – Eclesiástico 50, 22-24; na sequência, foi realizada
a leitura de uma mensagem para o dia das mulheres.
Passado o momento religioso, seguiu-se para ações mais
dinâmicas, iniciando-se pelas apresentações das participantes, em
círculo, passando uma flor na mão de cada uma enquanto a pessoa
dizia seu nome e um desejo para a sua vida (coletivo) e/ ou para
si e, em seguida, passava a flor adiante. Seguiu-se essa dinâmica
até que todas se apresentassem. Buscamos trazer para a mística
um momento que desse continuidade ao debate, daí porque foi
pedido para as mulheres dizerem uma palavra que representasse
algo triste e feliz em sua vida. Em seguida, foi realizada a leitura do
poema Pérolas, seguida de reflexão e questionamento.
Dando continuidade às dinâmicas reflexivas, realizamos a
dinâmicas da flor – ser mulher, sendo distribuído um papel com
o nome de várias flores e depois, a leitura de um texto, de modo
que cada “flor/mulher” tomava seu espaço junto às demais,
despertando para a necessidade de ocupar nossos espaços na
sociedade, nos diversos lugares em que queremos estar; a dinâmica
da floresta encantada – confiança, na qual a floresta representa
o lugar sagrado de desafios, de confiança, de crenças, de sentido.
Em grupo, são formadas duplas: uma torna-se um animal –
aves, enquanto a outra, de olhos fechados, é guiada pelo som; a
dinâmica do espelho – eu posso, eu quero, eu consigo – na qual
em dupla, com a mão erguida, cada mulher se tornava espelho da
outra e vice-versa, com livre escolha, uma das mulheres levantava
uma das mãos e ia fazendo gestos, enquanto a outra seguia os
gestos que eram desenvolvidos como, por exemplo, mexer a mão
para a direita/esquerda, passar entre as outras duplas, conforme a

138 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
escolha de cada uma. Essa dinâmica representa que cada uma, de
certa forma, busca ser um espelho da outra, ser um espelho para
a outra. Nessa direção, buscamos ser um espelho da/para nossa
mãe, avó, irmã mais velha, tia, amiga, autora, aquela que lutou
pelos direitos das outras, para andar lado a lado com os homens.
As dinâmicas representam alegria, força, resistência: ninguém
solta a mão de ninguém; juntas podemos mais; queremos ser as
companheiras de nossos companheiros, e não submissas a eles;
queremos os nossos direitos respeitados.
Finalizando o momento de mística e o evento com sorteio de
brindes, realizamos a entrega de lembrancinhas confeccionadas
pelo grupo de jovens e pela comissão: uma concha com uma
pérola dentro e uma mensagem e, lanches.

Figura 3 – Representação do momento da interação/


ação da mística

Fonte: arquivo pessoal da autora.

As mulheres continuam lutando por seus direitos; contra o


machismo, a violência contra a mulher, a ideologia, a opressão;
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 139
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
por seus espaços; para dizer a sua palavra; para ser protagonista
de sua própria história; pelo direito de ir e vir; pela divisão de
tarefas; pela igualdade de salário; pelo direito de andar lado a
lado; pela liberdade da mulher.
Na Figura 4, estão representadas todas as mulheres que
participaram do encontro de mulheres no dia 8 de março, Dia
Internacional da Mulher. Como havia somente um homem,
esposo de uma das participantes do evento, ele preferiu não se
fazer tão presente nas dinâmicas desenvolvidas durante a mística
e no encontro, apenas assistindo, sem envolver-se tanto.

Figura 4 – Público do encontro de mulheres

Fonte: arquivo pessoal da autora.

Por fim, apresentamos as imagens do momento de realização


das entrevistas. Na Figura 6, foi o momento da pesquisa com as
jovens do grupo de jovens Juventude em Busca da Liberdade e
Direito.

140 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Figuras 5 e 6 – Momentos da pesquisa com o grupo de jovens no
Encontro de Mulheres e com os camponeses

Fonte: arquivo pessoal da autora.

A MÍSTICA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO HUMANA: O


OLHAR REFLEXIVO DOS SUJEITOS

O ato de realização da mística dá-se por meio de um processo


educativo, desde o preparo, a organização até a ação de execução
(apresentação). Os relatos a seguir trazem as informações colhidas
de forma sintetizada, como resultado da pesquisa, a partir da
autoparticipação desta autora e das entrevistas em dois espaços
organizados durante a pesquisa.
Estabelecemos como objetivo geral analisar o papel
educativo das místicas da CPT/PI como estratégia de formação
humana (omnilateral), tendo em vista a atuação do grupo de
jovens Juventude em Busca da Liberdade e Direitos. Para tanto,
lançamos um olhar reflexivo como estratégia de formação humana,
intentando apreender a intenção, o significado e os desafios na
consolidação do potencial educativo das místicas na CPT-PI.
Segundo Akroá Gamela, a intenção da mística é formar,
informar, despertar nas pessoas a sua importância. A intenção
da mística tratada especificamente nesta pesquisa também foi de
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 141
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
mostrar o verdadeiro sentido que a arte política tem em relação à
espiritualidade, à dinâmica e à crítica do mundo.
O estágio de desenvolvimento da mística inicia-se com a
preparação (planejamento). Dessa forma, ela é estruturada com
tempo, ou seja, não é elaborada no momento de sua ação, mas,
por vezes, há mudanças no decorrer desse processo. Nesse novo
contexto de pandemia, a preparação da mística acontece por uma
pessoa, mas por outro lado, dificilmente acontece a ação somente
por uma pessoa, e por mais que todos estejam divididos em
“telinhas”, por meio de aplicativos como o Google Meet, Zoom,
entre outros, ainda assim, as místicas acontecem no coletivo.
Os relatos a seguir são das jovens que fazem parte do grupo
de jovens JBLD e participaram da preparação da mística, referentes
ao que a mística significa, o que foi mais desafiador, o que é mais
gostoso, o que lembram da mística.
Para Ipê, a mística é um momento único “em que me deixa
calma, um momento de reflexão, muito gostoso estar com outras
pessoas para saber outras experiências de vida”. Segundo Ipê, o
que pensou e/ou aprendeu desde o processo de preparação até
o momento da mística foi: “naquele dia eu aprendi o valor da
mulher, o que deve fazer, e que deve procurar sempre nosso lugar
e que mulher deve e que mulher pode sim”.
Para Caliandra, “a mística é uma forma clara, simples
e ampla de denúncia, crítica, de reflexão, de acolhimento, de
espiritualidade. [...] É uma forma da gente estar apresentando ao
mundo, às pessoas, vários temas, várias críticas de forma clara, ao
mesmo tempo de forma simples, dinâmica. A mística tem como
resultado de pesquisa a partilha, a coletividade, porque a mística
não é apenas um, a mística é coletivamente, a mística é união, a
mística é reflexão, então, isso é mais gostoso”.

142 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Para Perpétua, a memória é um fator muito importante
como resultado na mística. “A preparação foi bastante proveitosa,
pois tivemos todo aquele cuidado em ornamentar aquele lugar
para ficar bem aconchegante para acolher as mulheres. Eu pude
aprender que é possível dizer muito por meio de símbolos, por
meio de algo simples, coisas simples.
Outro ponto importante é o sentimento, é algo considerável
na mística. Portanto, assistir a uma mística é algo grandioso,
principalmente por sabermos que por meio da mística, podemos
revolucionar, denunciar, criticar, entre várias outras coisas que
podemos a partir da mística. Em seu testemunho, Ipê menciona:
“eu me sinto uma nova mulher, de saber da experiência de outras
pessoas como era e repensar sempre cada momento”.
Em seu relato, Caliandra assim se manifesta:

eu levo, eu trouxe para minha vida que ninguém solta a mão de


ninguém, que não somos apenas, para reproduzir, para estar no
pé de um fogão, podemos ser muito mais do que nos dizem que
somos, podemos ser muito além do que pensam o que pode ser,
podemos sim ocupar espaços maiores do que almejamos para
a gente, nós devemos ter uma visão de mundo amplo e claro
para nós mesmos, devemos sim, ser mulheres empoderadas,
ativas, porque somos inteligentes, não podemos aceitar violência
nenhuma contra nós.

Os próximos relatos são as memórias da camponesa e do


camponês, suas visões referentes à mística. Jatobá refere:

eu lembro de que a mística a gente tem uma boa aprendizagem


sobre a Bíblia, uma boa leitura que traz uma boa nova que cada
dia a gente vai aprendendo e se especializando em coisas novas,
brincadeira, você vai trazendo uma coisa boa para você, porque
tudo que envolve a Bíblia é boa, porque você vai aprendendo a
palavras de Deus, porque ela é uma a mensagem muito boa para
você relembrar que Ele é Deus. Aprendi que nunca iremos fazer as
coisas sozinhas, mas com a ajuda do nosso próximo, sentir que,
mesmo com a dificuldade no dia a dia, temos que brincar para
senti-la bem.

A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E


DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 143
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
O que eu aprendo, diz Araçá, “é que a gente tem que estar
participando dos encontros de jovens, para aprender e, não só
aprender, ensinar, porque como eu tenho dificuldades de se
expressar eu busco muito participar [...]”.
Ao estudar sobre a espiritualidade na mística, passamos a
conhecer um Deus que nos ensina a ter fé e ação, um Deus que
envia seu filho para libertar seu povo, um Deus Espírito Santo que
age e transforma. Portanto, para Rizzante (S/A, p. 72), conhecer
Deus como Javé significa conhecer um Deus que se revela nessa
maneira trinitária de agir: Deus que conhece e escolhe, Deus
Pai, um Deus libertador; Deus que desce junto ao povo para a
liberdade e a vida plena, Deus Filho, um Deus presença; Deus nos
envia para realizarmos este projeto, Deus Espírito Santo, um Deus
ação.
Por mais que saibamos que por meio do encontro e da mística
não conseguiremos, de imediato, fazer com que as mulheres
compreendam o seu papel na sociedade, lutando por seus direitos,
mas que possam despertar e lutar por esses direitos, aprendendo
juntas, encontros como esses são de grande importância.
É difícil definir se os caminhos que levam à mística são
fáceis ou dificultosos, pois muitas vezes, desde a mobilização até
a realização da mística, tudo se torna fácil. Mas por outro lado,
nem sempre é assim, tendo em vista a necessidade de mobilizar,
preparar, e até mesmo compreender a mensagem que se quer
transmitir com ela.
Mas uma coisa é certa: a mística desperta quem prepara e
quem a assiste, no sentido de lutar por seus direitos, como também
de tocar e mudar a realidade das pessoas, sua organização local,
seu jeito de ver o mundo, tornando-as conscientes sobre uma
reflexão crítica que dá sentido a um trabalho no coletivo.

144 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a mística como prática educativa popular


fundamental para a CPT-PI Diocese de Bom Jesus do Gurguéia
compõe o repertório de ação e vivências dos sujeitos envolvidos
com a comissão, os grupos de jovens e o coletivo das comunidades
– militantes, trabalhadores, indígenas, quilombolas, camponeses,
universitários, jovens, entre outros.
A pesquisa teve como tema A mística da juventude em busca
de liberdade e direito como prática educativa na CPT-PI (Diocese
de Bom Jesus do Gurguéia). Tivemos como objetivo analisar os
aspectos pedagógicos das místicas como estratégia de formação
humana (omnilateral), a partir da atuação do grupo de jovens
Juventude em Busca da Liberdade e Direitos. Especificamente,
objetivamos: apresentar a proposta educativa da mística,
identificando os tempos e espaços previstos para ela; descrever as
principais ações da CPT no que diz respeito à mística (identificando
como se dá o ato de planejar, organizar e realizar a mística na CPT,
como os sujeitos se envolvem com esse ato e como se preparam
para realizá-lo) no grupo de jovens; identificar a simbologia
mobilizada nas místicas, no que diz respeito à elevação do espírito
e da reflexão crítica; e avaliar os principais fatores que favorecem/
dificultam a consolidação do potencial educativo das místicas na
CPT, em termos estéticos, éticos, cognitivos e espirituais.
Seguindo tais objetivos, os dados da pesquisa indicaram que
o papel da mística foi de formar, informar e despertar as pessoas
quanto à sensibilidade artística e política para os temas sociais
do campo, que é cumprido por meio de linguagens (cultural,
política, social, artística - poesia, música, teatro etc.) que afetam
os participantes em suas capacidades de pensar e sentir.
A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E
DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 145
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
Nesse sentido, a mística mostrou um momento de
acolhimento espiritual; alegria; reflexão crítica; dinâmica;
interação; troca de saberes e esperançar, abrindo a percepção
e atenção dos envolvidos para compreenderem e envolverem-se
com o tema/problema.
Este trabalho indaga sobre o caráter das práticas educativas
envolvidas nas místicas da CPT como estratégia de formação
humana dos camponeses e povos tradicionais, enquanto
protagonistas de suas próprias histórias, com criticidade histórica,
união, pertencimento e elevação espiritual.
Portanto, repensar o processo educativo da mística como
estratégia de formação humana denota a representatividade do
modo de ser e de agir das pessoas, sobretudo de um povo em seu
contexto, seu território. Essa formação humana requer pensar a
mística nas diversas extensões que ela pode alcançar, tais como
escolas, universidades, formações, comunidades, ocupar os
espaços da base, como um processo educativo.
Em seu conjunto, a mística educa a razão, a emoção e
a corporeidade dos presentes, podendo ser vista como um
componente formativo omnilateral que interfere no modo como
lidamos com aquilo que temos, pensamos e como agimos. A
mística, no contexto de luta e educação do campo praticada
pela CPT, é um elemento indispensável na educação popular dos
camponeses do sul do Piauí, ajudando a educar esse povo para
enfrentar a lógica destrutiva do capital no campo (agronegócio),
que ameaça a vida deles e das comunidades do Cerrado piauiense.
Historicamente, a CPT sempre lutou pelo trabalho digno,
pela reforma agrária e por uma política agrícola que garanta
igualdade de oportunidades e o bem viver para a mulher e o
homem e do campo.

146 Maria das Mercês Alves De Sousa


Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
Durante a realização de uma mística, o público pode despertar
para a compreensão da importância de sua autoidentidade e,
dependendo de como foi tocada, passa a autorreconhecer sua
verdadeira origem e identidade, a defender seu povo, a fim de
ocupar os diversos espaços na sociedade, mesmo que enfrentando
diversas dificuldades.

REFERÊNCIAS

BOGO, A. Linguagem em prosa e verso: uma mediação para a


formação da consciência. UNEB. 2011.

Comissão Pastoral da Terra (CPT). Relatório do Planejamento


Estratégico Participativo da CPT Piauí, 2021.

PALUDO, C. “Educação Popular”. CALDART, R. S., PEREIRA,


I.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Org). Dicionário da
Educação do Campo. Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Expressão Popular. Rio de Janeiro, São Paulo, 2012.

A MÍSTICA DA JUVENTUDE EM BUSCA DA LIBERDADE E


DIREITO COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA CPT-PI (DIOCESE 147
DE BOM JESUS DO GURGUÉIA)
148 Maria das Mercês Alves De Sousa
Kelci Anne Pereira
Ozaias Antonio Batista
RELAÇÃO ESCOLA E
COMUNIDADE
A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA
SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA
AS COMUNIDADES CAMPONESAS EM
SEU ENTORNO

Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette

INTRODUÇÃO

O
presente trabalho faz um resgate histórico sobre a
formação da Escola Rural Pedro Pereira da Silva, na
comunidade Lourenço, município de Redenção do
Gurguéia-PI, destacando suas lutas para se manter de pé até os
dias atuais. Acredita-se que este artigo possa servir de fonte para
gerações futuras, pois para que se entenda o presente e se façam
planos para o futuro, é preciso ir além, mas também voltar um
pouco ao passado.
Entende-se que todo trabalho sobre educação do cmpo precisa
estar voltado, exclusivamente, para os interesses da comunidade
envolvida. Nesse sentido, almeja-se compreender a importância da
Escola Rural Pedro Pereira da Silva para a comunidade Lourenço

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 151


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
e para as comunidades adjacentes, enquanto conhecedores das
lutas das escolas do campo por melhorias, com a consciência de
que muitas coisas precisam melhorar e avançar.
Dessa forma, observa-se que falta interesse por parte dos
governantes para melhorias das escolas no meio rural. Como
resultado dessa falta de interesse, a referida escola é um exemplo
disso, porquanto vem lutando ao longo dos anos por reformas,
para não ser fechada.
Importante frisar que o processo de fechamento ou nucleação
escolar no Brasil, adotadono início do ano 2000 pelos governantes
estaduais e municipais “[...] consiste no agrupamentode pequenas
escolas em um outro núcleo, desativando ou demolindo as demais”
(BRASIL, 2006, p. 116).
Borges (2017, p. 309) explica que

o fechamento dessas escolas tem relação direta com a política de


nucleação, na qual os alunos passam a estudar em comunidades
rurais mais populosas (deslocamento campo-campo) ou na
sede urbana de seus municípios (deslocamento campo-cidade),
sendo levados através de ônibus ou outros meios de transporte
disponibilizados pelas prefeituras. Isso, muitas vezes, é aceito
pela população afetada a despeito dos efeitos adversos, devido
à visão urbanocêntrica predominante mesmo entre os habitantes
de áreas rurais.

Segundo o autor supracitado, esse fechamento de escolas traz


como consequência aos alunos campesinos o seu deslocamento,
seja campo-campo ou campo-cidade. Presume-se queessa situação
traz a eles certo desconforto, uma vez que a sua rotina mudará,
tendo de reformular o seu dia a dia. Por conseguinte, acabam
distanciando-se da convivência familiar,perdendo, de certa forma,
o direito à educação em seu lugar de vivência, em consonância
com sua realidade.

152 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
O motivo de escolha do tema deu-se ao perceber a
importância de abordar a formação da Escola Rural Pedro Pereira
da Silva, trazendo algumas informações pertinentes sobre o seu
histórico. Com isso, buscou-se delimitar como problemática:
quais os desafios enfrentados pela Escola Rural Pedro Pereira da
Silva em seu processo de formação e permanência?
Assim, como objetivo geral, buscou-se apresentar a história
de formação, as dificuldades e a contribuição da escola do campo
na comunidade rural. Como objetivos específicos, elencaram-se:
compreender como se deu a formação da escola na comunidade;
avaliar os acontecimentos e os problemas gerados pela nucleação
de algumas dessas escolas na comunidade; explicar a realidade da
educação na referida comunidade.
Dessa forma, o presente artigo justifica-se pelo despertar
possibilitado na trajetória acadêmica e profissional desta
pesquisadora em identificar a contribuição da Escola Rural Pedro
Pereira da Silva para as comunidades camponesas em seu entorno,
em face do fechamento de outras. Daí a importância de trilhar o
caminho de um breve histórico sobre a educação do campo para
que se possa entender mais sobre tal denominação e sobre a luta
pela elaboração e concretização de uma política pública para
educação do e no campo no Brasil.

METODOLOGIA

A perspectiva metodológica deste artigo é de cunho


qualitativo. Assim, pode-se dizer que a abordagem qualitativa
ajuda na compreensão dos sentidos atribuídos aos fenômenos
estudados. Cabe salientar que tendo o questionário como
instrumento de pesquisa, caracterizou-se como qualitativa a

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 153


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
presente pesquisa devido à análise de dados ter ocorrido nesse
sentido.
Lembrando que o caminho metodológico se iniciou com
a escolha do tema, seguido da pesquisa bibliográfica, que foi
utilizada como forma de buscar fontes consideradas ricas de
dados, contribuindo sobremaneira com a compreensão da
educação do campo.
Então, lançou-se mão do questionário como instrumento
de pesquisa, devido ao enfrentamento à pandemia de SARS-
CoV-2 (Covid-19) ter inviabilizado a realição de uma entrevista
direta com os sujeitos envolvidos, lembrando que a elaboração do
questionário foi estruturada em cinco questões, todas abertas.
Para tanto, eles foram encaminhados, via WhatsApp e e-mail, para
oito professores, obtendo respostas apenas de três deles, mas que
foram relevantes para a conclusão da pesquisa.
Ressalta-se que os sujeitos que devolveram os questionários
respondidos foram um professor e duas professoras, sendo,
portanto, o sexo feminino predominante. No que alude à faixa
etária deles, varia de 50 a 65 anos. Considera-se oportuno ressair
que um dos sujeitos é “filho da comunidade”. Ademais, serão
tratados como Sujeito A, Sujeito B e Sujeito C.
Vale lembrar que os obstáculos enfrentados durante o
desenvolvimento deste trabalho, foram superados, ou seja, mesmo
com o isolamento social, quando escolas tiveram de adotar o
ensino remoto, os dados obtidos foram suficientes para alcançar
os objetivos propostos nesta pesquisa. Ressalta-se que a pesquisa
de campo na escola escolhida como lócus ocorreu em 2019, período
em que esta pesquisadora fazia parte do corpo de funcionários
da instituição. Nesse caso, deu-se antes do enfrentamento à
pandemia de Covid-19.

154 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
Destaca-se que nesse momento de pesquisa de campo,
foi realizada uma observação sobre a estrutura, a forma de
organização das turmas e uma sondagem sobre quais vizinhos
estavam sendo atendidos na Pedro Pereira da Silva, tendo esses
dados anotados em um diário de campo no ato da observação.
Sendo assim, o trabalho está dividido em tópicos e sub-tópicos,
conforme segue.

EDUCAÇÃO DO CAMPO E EDUCAÇÃO RURAL: IMPORTANTE


DIFERENCIAR

Para compreender a educação do campo, é oportuno


sublinhar que essa denominação se deu não apenas pela
localização espacial e geográfica mas, além disso, pela cultura
que a população camponesa possui, dada a diferenciação em
relação à cultura das pessoas que vivem no meio urbano.
Em conformidade com Rosa e Caetano (2008 apud
RODRIGUES; BOMFIM, 2017, p. 1376), “a educação rural era
predominantemente vista como algo que atendia a uma classe
da população que vivia num atraso tecnológico, subordinado, a
serviço da população dos centros urbanos”.
É nítido que essa educação não se preocupava com as
especificidades da população, ou seja, não valorizava a cultura
camponesa. Nesse viés, surge, em 1998, a expressão campo para
substituir o termo rural, a partir da I Conferência Nacional por
uma Educação do Campo.
Então, deduz-se que a educação do campo é aquela que
se baseia em práticas educativas e pedagógicas de acordo com
a realidade camponesa. Dessa forma, precisa levar em conta a
cultura do povo que vive no âmbito rural, bem como suas tradições.
Logo, percebe-se que ela surgiu emface dos movimentos sociais do
campo, em que os grupos buscavam uma educação harmônica
com a vida e os hábitos de alunos pertencentes à zona rural.

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 155


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
Daí, emerge uma pergunta: será que mesmo com essa
alteração, esses alunos estão tendo esse atendimento específico?
Será que esses direitos estão, de fato, sendo garantidos às escolas
do campo? Nessa perspectiva, trilharam-se os caminhos da
formação da Escola Pedro Pereira da Silva como forma de analisar
se essas prerrogativas estão sendo realmente garantidas a essa
escola rural.

A HISTÓRIA DA ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA

Apresenta-se aqui a Escola Rural Pedro Pereira da Silva,


localizada no povoado Lourenço, zona rural de Redenção do
Gurguéia – PI, a 18 km da sede, a qual, mediante o processo de
nucleação de escolas vizinhas, atende às comunidades: Taperinha,
Feirinha, Água Fria, Cacimbas, Lameirão e interiores de municípios
vizinhos, como Limoeiro, Várzea Grande, Miroró, Chapada dos
Cocos e Taboca, os quais pertencem ao município de Riacho Frio.

Figuras 1 e 2 – Prédio da Escola Rural Pedro Pereira da Silva

Fonte: acervo pessoal das autoras (2021).

156 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
Entre os anos de 2017 e 2019, as escolas dos municípios
vizinhos passaram por um processo de fechamento, tendo seus
alunos transferidos para a Escola Rural Pedro Pereira da Silva,
que hoje atende tanto à sua comunidade quanto a de municípios
vizinhos. Nesse sentido, é nítido que essa escola vem contribuindo
para a comunidade em seu entorno, emvirtude do fechamento
das demais escolas.
A referida escola tem 63 anos de existência, e no ano de
2019, contava com 125 alunos matriculados, número que em
2020, chegou a 126. Atualmente, conta com 123 matrículas
ativas. É oportuno destacar que na instituição, foram surgindo,
gradualmente, as seguintes séries: 6º, 7º, 8º e 9º anos. Hoje, a
escola consegue atender ao ensino fundamental maior completo.
É interessante mencionar que a Escola Rural Pedro Pereira
da Silva funciona atualmente com turmas multisseriadas.1 De
acordo Janata e Anhaia (2015), o multisseriado trata-se de uma
organização escolar em que alunos com diferentes idades ou séries
ocupam a mesma sala de aula, ficando sob a responsabilidade de
apenas um professor.
Ao refletir sobre turmas multisseriadas, surge uma
curiosidade: será que esses professores estão preparados para
ministrar aula em sala com alunos com níveis de aprendizagem
diferentes? Diante de tais informações, é possível perceber
que mesmo existindo a possibilidade de aprendizagem em
salas multisseriadas, há lacunas, apesar de os professores se
desdobrarem para ensinar e produzir conhecimento.

1 As classes multisseriadas são uma forma de organização de ensino na


qual o professor trabalha na mesma sala de aula com várias séries do
ensino fundamental, simultaneamente, tendo de atender a alunos com
idades e níveis de conhecimento diferentes. Disponível em: https://
todospelaeducacao.org.br/noticias/perguntas-e-respostas-o-que-sao-as-
classes- multisseriadas. Acesso em: 18 de abril de 2022.

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 157


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
No que se refere aos funcionários, a escola conta com uma
secretaria multifuncional, uma cantina e dois banheiros – sendo
um com acessibilidade. Seu espaço físico está necessitando de
reforma, pois falta espaço para os alunos fazerem suas recreações,
entre outros problemas estruturais.
Ainda com relação ao quadro de funcionários, atualmente,
a escola funciona com 12 professores, todos formados na área
em que atuam, tendo a maioria pós-graduação. A administração
conta com uma diretora, um coordenador, um monitor e uma
zeladora. Salienta-se que a maioria dos profissionais formados
que atendem na Escola Pedro Pereira da Silva, são frutos dela,
ou seja, além de serem moradores de Lourenço, são ex-estudantes
que hoje, depois de muita luta em busca de formação, estão
contribuindo com os alunos, a comunidade e a escola, mostrando
uma escola de campo tem suas peculiaridades, mas também
colabora, de certa forma, com a formação do cidadão. A escola
nunca contou com o profissional que exerce o cargo de vigia
(vigilante), deixando essa tarefa aos moradores da comunidade.
Para falar sobre a formação na Escola Rural Pedro Pereira
da Silva, importa conhecer um pouco de sua história. Segundo
relatos de moradores e professores da comunidade Lourenço,
Pedro Pereira da Silva era um senhor que chegou ao município de
Bom Jesus nos anos 1930, onde morava como agregado nas terras
de um fazendeiro. Juntamente com sua esposa e seus sete filhos, de
nomes Raimundo Pereira da Silva, José Pereira da Silva, Antonina
Pereira da Silva, Elesbão Pereira da Silva, Cezaltino Pereira da Silva
e Veríssima Pereira da Silva, o senhor Pedro Pereira, anos mais
tarde, por meio de conchavos políticos, conseguiu umas braças de
terras em lugar chamado Buriti Grande, atual Lourenço.
A Escola Rural Pedro Pereira da Silva começou a formar-se
no ano de 1958, quando o povoado Lourenço ainda pertencia

158 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
ao município de Bom Jesus.2 Um dos filhos do Sr. Pedro Pereira
casou-se com Arabela Guimarães Guerra, que assumiu o posto
de professora daquela comunidade. O local onde funcionava a
escola era apenas um galpão, mas a D. Arabela conhecida como
Belinha, lutou para a construção de um prédio escolar, pois não
queria ver seus filhos e vizinhos terem de se deslocar para outra
cidade para estudar.
Em 5 de dezembro de 1962, em Redenção do Gurguéia,
emancipada como município, surgiu a ideia de homenagear o
mais antigo morador e dono daquelas terras, o Sr. Pedro Pereira
da Silva, que concedeu o espaço para a construção da escola.
Diante do exposto, desponta uma dúvida: por que a escola
não recebeu o nome da Dona Arabela? Daí, supõe-se que no
contexto da história brasileira, havia a questão do machismo, um
preconceito expresso por opiniões e atitudes se opõem à igualdade
de direitos entre os gêneros, sendo o masculino favorecido em
relação ao feminino.
Sendo assim, a questão de a escola não ter recebido o nome
da moradora que se disponibilizou a ministrar aulas na comunidade
antes mesmo de esta contar um prédio escolar próprio, e que lutou
para que isso se tornasse possível um dia, pode estar na questão
de que apesar dos esforços feministas existentes atualmente, o
machismo pode estar presente nesse ambiente, assim como em
tantos outros.
Então, como forma de assimilar a reação dos moradores da
localidade Lourenço ao receberem pela primeira vez na comunidade
um prédio escolar, eles foram questionados sobre esse assunto.
Os sujeitos participantes da pesquisa relataram como foi receber

2 Essas informações foram repassadas pelo morador da localidade, o


professor Sr. Eleozeneo Guimarães, que conhece a história da formação da
Escola Pedro Pereira da Silva, pois mora há muitos anos na comunidade
Lourenço, e acompanhou todo o processo de formação da escola.

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 159


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
pela primeira vez uma unidade de ensino na comunidade, como
observa nas falas a seguir: “Foi o maior desenvolvimento para
os moradores desta comunidade, a construção dessa escola, pois
nem todas as famílias tinham condições de colarem seus filhos
para estudar na cidade” (Sujeito A).
A outra resposta: “A comunidade Lourenço, foi a primeira a
usufruir com a instalação da Escola Rural Pedro Pereira da Silva,
pois antes dela os estudantes da zona rural da região não tinham
acesso a uma escola” (Sujeito B). Por sua vez, o Sujeito C assim
se manifestou: “Com muita alegria, pois a comunidade já tinha
muitos moradores e precisavam de uma escola”.
Diante das falas dos sujeitos, concebe-se que a formação
da Escola Pedro Pereira representou um ganho expressivo para
a comunidade Lourenço, pois além de antes nunca ter existido
um prédio próprio, sua formação trouxe a oportunidade para
alunos cujos pais não dispunham de condições para os colocar
para estudar na cidade, pois os meios de transporte eram de difícil
acesso, levando os pais a terem de arrumar casas de parentes para
seus filhos não ficarem sem estudar. Vale ressaltar que o anseio
pela construção de um prédio escolar na comunidade era uma
luta pelo direito à educação em seu lugar de origem.
Assim, desde a sua formação, a Escola Rural Pedro Pereira da
Silva é fruto de muitas lutas, principalmente pela sua permanência
e existência nos dias de hoje. Ao longo de sua trajetória, já viveu
altos e baixos quanto ao número de alunos, pois durante muito
tempo, a escola só funcionava com os anos iniciais – chamados
séries. Quando terminava a quarta série, os pais tinham de encontrar
uma saída para seus filhos darem continuidade aos estudos, o
que levava muitos a irem morar em casas de parentes nas cidades
mais próximas, como Redenção, Curimatá e Bom Jesus, ou terem
de alugar ou comprar casas nesses locais. Contudo, isso só era

160 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
possível para aqueles que tinham parentes ou condição financeira
melhor, em comparação a outros que não dispunham de soluções
ao seu alcance.
Ao serem questionados sobre como se dava o acesso à
escola aos moradores dessa comunidade antes da instalação
dessa unidade de ensino, o Sujeito A relatou que “era muito difícil,
pois a escola funcionava em casa de família, inclusive na casa de
professores”. No relato do Sujeito A, percebe-se que o acesso à
escola era possível porque professores ofereciam sua própria casa
para que os alunos não ficassem sem estudar.
Enquanto o Sujeito B, diz que “apenas a minoria que estudava
na escola da cidade de Redenção do Gurguéia e Curimatá, isso
se tivesse parentes dispostos a recebê-los em suas casas”. Já o
Sujeito C afirmou que “era muito difícil quando não tinha escola
na comunidade, pois os pais tinham que deslocar seus filhos às
cidades vizinhas, como Redenção do Gurguéia – sede do município
– ou Curimatá para morar em casa de parentes.
Observa-se que um dos sujeitos questionados relatou a
dificuldade de alguns moradores quanto ao acesso à escola, sendo
que além de não contarem com uma escola no próprio local de
vivência, qual seja o campo, havia a preocupação sobre a aceitação
desses parentes com relação à presença dessas pessoas em suas
casas, situadas em locais vizinhos à comunidade Lourenço. Era
uma situação muito complicada, pois as famílias tinham de se
desdobrar para o sustento da casa e a manutenção de seus filhos
em outra localidade.
O que se percebe é que mesmo depois de serem beneficiados
pela escola, ainda havia a preocupação com relação ao local de
estadia de seus filhos, uma vez que mesmo tendo um prédio
funcionando, tinha o problema quanto à continuidade de séries,
pois a escola só atendia até ao 4º ano do ensino fundamental. Sendo

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 161


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
assim, para que os alunos da comunidade não interrompessem
seus estudos, os pais precisavam buscar alternativas e tentar
de alguma forma resolver essa triste situação vivida por alunos
situados no campo.
Somente em 2002, com o crescimento da comunidade e sob
reivindicação e aceitação do poder público municipal, a escola
passou a funcionar com as séries finais do ensino fundamental
maior, iniciando-se pela 5º série (6º ano), com o aumento do
número de alunos a cada ano. Em 2004, a escola já estava com a
7° série, que tinha 14 alunos, quantidade suficiente para formar a
8º série, no ano seguinte (2005). Os pais e familiares demandaram
e, no fim de 2004, a Prefeitura Municipal atendeu ao apelo deles
e com recurso próprio, anexou uma sala para funcionar a 8º série.
Aliás, a escola já chegou a operar com salas lotadas, com cerca de
18 a 20 alunos por turma.
Outro fato importante que marca a luta dessa escola
ocorreu em 2010, quando, por decisão da Prefeitura Municipal,
a instituição teve o ensino mundamental maior nucleado, e
os alunos passaram a estudar na sede do município, sendo o
transporte oferecido pelo poder público municipal. Para os cofres
públicos, era uma economia; para os pais de alunos, uma revolta e
decepção, pois em nenhum momento foram consultados, apenas
informados da mudança.
Os pais viram nessa ação um grande atraso, tanto para
comunidade quanto para seus filhos, pois na cidade, era outra
realidade: os alunos passaram a estudar em salas superlotadas,
outros não acompanharam os conteúdos, tendo como
consequência para os estudantes um ano de reprovação.
Na visão de Silva e Silva (2015, p. 2),

os movimentos sociais que lutam por uma Educação do/no


Campo, em que os seus sujeitos sejam protagonistas de suas

162 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
histórias e tenham seus saberes reconhecidos, evidenciam a
importância das (os) professoras (es) que atuem no campo de
compreenderem ‘os processos de reprodução social dos sujeitos
do campo e que se coloquem junto às comunidades rurais em
seus processos de luta e resistência para permanência na terra’.

Coaduna-se o posicionamento dos supracitados autores,


porquanto é nítida a injustiça contra a nação e a classe
trabalhadora, em especial o povo do campo, sendo que a escola
do campo é um patrimônio daquela comunidade; um símbolo
de lutas e conquistas de identidade campesina que ao longo
do tempo sofreu ameaças e retrocessos na legislação do país.
Portanto, em conformidade com Alves (2008, p. 3983),

é preciso garantir uma educação no e do campo. “No campo”


porque “o povo tem direito de ser educado no lugar onde vive”
e “Do” campo, porque o povo tem direito a “uma educação
pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada à
sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais”.

Denota-se, pois, que a luta da Escola Rural Pedro Pereira


da Silva por sua permanência se trata de uma busca de direito,
pois o povo que mora no campo precisa dessa garantia que é
um direito por lei, de serem educados no lugar de suas vivências.
Mas infelizmente, muitos campesinos ainda têm essa prerrogativa
negada.

EDUCAÇÃO DO CAMPO E SUJEITOS DO CAMPO

Dada a necessidade de compreender o processo da


educação ofertada aos sujeitos do campo ao longo da história,
reputa-se necessário fazer uma contextualização sobre a educação
do campo a partir das constituições brasileiras, pois a trajetória
da educação, principalmente nos últimos anos, buscou construir
um ensino voltado para a formação de pessoas para atuarem

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 163


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
em diferentes funções. As instituições que se localizam no meio
rural eram vistas anteriormente como lugar arcaico, de atraso, um
sistema composto por fragmentos de uma educação urbanizada.
Nesse contexto, a educação do campo em todo o Brasil
surgiu de lutas de homens e mulheres por uma educação que
considere a realidade social, econômica e política, uma educação
que visa à formação do homem do campo e a valorização de seu
espaço.
Todavia, nos anos 1950, a Campanha Nacional de Educação
Rural (CNER), juntamente com o Serviço Social Rural (SSR),
recomendaram atividades educacionais para o povo que morava
na zona rural, sendo que a intenção estava no desenvolvimento
de projetos para preparar técnicas voltadas à educação de base
rural, bem como programas que garantissem a melhoria de vida
dos camponeses.
Porém, mesmo com toda a dedicação praticada pela CNER,
não foi possível impedir o grande êxodo rural iniciado na década
de 1950, estendendo-se até os anos 1960.

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4024/61, de 1961


não houve efetiva preocupação com a educação rural e sim com
a educação urbana. A responsabilidade da educação ficou a
cargo dos municípios, o que leva a uma situação muito precária
para o sujeito do campo, pois os municípios pequenos não
tinham condições de sustentar uma educação voltada ao sujeito
do campo. As reformas da época não representaram avanços
significantes para a educação, contudo os anos 60 foi um marco
na história dos movimentos sociais articulados à educação.
Em 1964, já sob o governo militar, o Brasil opera a abertura ao
capital estrangeiro como maneira de subsidiar o crescimento
da economia, tendo os Estados Unidos como grande aliado. É
criada a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional - USAID, sendo um instrumento utilizado pelo
governo americano. (LEINEKER; ABREU, 2012, p. 6).

164 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
É notório que a visão sobre a educação rural era modernizar
o campo. Em suma, alinhar a economia brasileira, interligando-a
aos interesses do capital estrangeiro. Dessa forma, é importante
ressaltar que a Constituição é uma lei fundamental, sendo a mais
importante do País, posto que é responsável por estabelecer os
princípios básicos do ordenamento jurídico.
Deveras, a educação apresenta-se como uma ferramenta
ideológica considerável, pois representa um papel importante
na formação de novos ideais. Logo, observa-se que é contínua
a reivindicação da educação na luta por melhorias, por uma
escola pública, laica, gratuita. Nota-se que em parte, esse direito
continua sendo negado, inclusive aos homens e às mulheres que
vivem no campo.
Destarte, cabe considerar que a educação do campo é
voltada para um público-alvo específico e que, portanto, é
necessário que a educação fornecida nas escolas situadas no
campo considere a cultura e a identidade das pessoas que lá vivem,
valorizando e enriquecendo ainda mais essa cultura camponesa
que historicamente foi e ainda é menosprezada e subjugada pelas
pessoas do meio urbano (RODRIGUES; BOMFIM, 2017).
Contudo, questiona-se se a escola do campo deve ser
entendida como uma escola diferente. Para Caldart (2003 apud
BONMANN, 2015), “a escola do campo não é diferente, mas
um espaço que reconhece seus sujeitos sociais e os incorpora,
valorizando seus saberes, suas crenças, seu trabalho e sua cultura.
Admitindo que esses sujeitos possam intervir e modificar as
relações sociais de seu grupo.”
Decerto que a educação do campo não foi mencionada nas
Constituições de 1824 e 1891, mesmo sendo o Brasil um País
agrário, fato devido a um discurso republicano que colocou o
Brasil no lema de desenvolvimento e progresso.

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 165


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
Nesse sentido, o contexto da década de 1980 e início dos anos de
1990 foi marcado por alguns acontecimentos que impulsionaram
a elaboração de uma legislação nacional que garantisse o
atendimento de todas as populações e, consequentemente,
da população campesina, em seu direito a educação, a saber,
a exposição dos conflitos que vinham ocorrendo no campo, à
criação do MST, a reestruturação do Estado brasileiro para
Estado Democrático de Direito, proporcionando um campo
de debates e lutas pela educação, como um direito social, o
qual instigou os movimentos sociais do campo a colocar em
pauta o debate sobre a justiciabilidade do direito à educação
da população camponesa. (MOLINA, 2008 apud OLIVEIRA;
BOIAGO, 2012, p. 3).

Nesse contexto, a LDB 9394/96 trouxe a chave que abria o


campo do direito para os movimentos sociais reivindicarem a escola
para os sujeitos do campo. A força do MST e da sociedade civil
mostrou-se presente na LDB, bem como nas legislações vindouras,
dentre as quais destacamos: o Plano Nacional de Educação (PNE)
– Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001; e a Resolução CEB/CNE nº 1,
de 3 de abril de 2002, que institui as Diretrizes Operacionais para
a Educação Básica nas Escolas do Campo (DOEBEC) (AMBONI;
NETO, 2013, p. 2).
De acordo a Lei 10.172, de 2001 (PNE), “a escola rural requer
um tratamento diferenciado, uma vez que essa oferta de ensino
fundamental precisa chegar a todos os recantos do País”[...].

Na Resolução CEB/CNE nº 1, de 03 de abril de 2002, ao instituir


as Doebec, traz em seu Artigo 2º que elas, [...] constituem um
conjunto de princípios e de procedimentos que visam adequar
o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino
Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a
Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional
de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio na
modalidade Normal. (MEC, 2002, apud AMBONI; NETO, 2013,
p. 3).

166 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
Depreende-se que essa luta se deu devido ao fato de a
população campesina se sentir injustiçada com a forma como a
educação que lhe era oferecida.

CONSIDERAÇÕES A PARTIR DOS DADOS DA PESQUISA

Nesse tópico, será apresentado o resultado dos dados


coletados junto aos sujeitos de pesquisa, sendo descritos de acordo
com o que foi coletado, ou seja, da forma como as respostas estão
no questionário, serão transcritas, e por uma questão ética, serão
descritas as respostas em forma de citação direta.
Durante a análise de dados, envolveu-se certo confronto
entre as informações coletadas e o conhecimento que se
tem teoricamente acumulado sobre o assunto. Então, com a
consolidação de fechamento da Escola Joana Folha, na comunidade
Água Fria, e a Escola Dirceu Arcoverde, na comunidade Feirinha,
as quais não resistiram ao processo de nucleação, a Escola
Rural Pedro Pereira da Silva passou a atender às comunidades:
Taperinha, Feirinha, Água Fria, Cacimbas, Lameirão e interiores de
municípios vizinhos, contribuindo sobremaneira com a educação
do campo, acolhendo tanto a sua comunidade, Lourenço, quanto
as adjacentes.
Com isso, pode-se dizer que turmas multisseriadas
representam um dos desafios enfrentados pela Escola Pedro
Pereira da Silva, pois mesmo com alguns avanços em sua trajetória,
continua ofertando esse tipo de turma, especialmente o Jardim 1 e
2, bem como o 1ª e 2ª ano.
Sabe-se que as escolas situadas em comunidades rurais
tiveram muitos avanços. No entanto, muito ainda precisa ser
conquistado para atingir uma educação de qualidade. Então, ao
questionar qual seria a avaliação dos sujeitos participantes da

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 167


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
pesquisa no tocante aos desafios que a escola do campo precisa
superar para melhorar seus indicadores de qualidade, as respostas
foram: “Precisamos de uma unidade de ensino com boa estrutura,
e também sem multisseriado, pois é um dos grandes motivos que
atrapalham o aprendizado do aluno (Sujeito A).” Por seu turno,
o Sujeito B declarou: “na minha opinião melhorar a estrutura
física com salas mais amplas e mais ventiladas, acesso à internet
de qualidade, pois sem isso não é possível o educando, família e
educadores terem acesso às pesquisas e aulas de informática.” Já
o Sujeito C disse: “melhorar o corpo físico da escola, colocar uma
internet de qualidade para seus educandos, ventilar as salas.”
Logo, pode-se observar que apenas uma das professoras
citou a questão de salas multisseriadas, acreditando que é um dos
motivos, entre outros, que prejudica a aprendizagem dos alunos.
Autores como Alves (2008, p. 3988), Arroyo e Fernandes (1999)
defendem a organização do processo de ensino por meio de ciclos,
rompendo com o modelo de seriação urbano e desafiando as
condições adversas existentes, proporcionando formas coletivas
de apropriação do conhecimento a partir das experiências sociais
e culturais dos alunos.
Nesse viés, em conformidade com Alves (2008),

[...] apesar de boa parte da população brasileira matriculadas


no ensino fundamental serem atendidas por escolas do meio
rural, constata-se, que estas, estão em desvantagem frente
as escolas urbanas, pois em sua maioria, são escolas isoladas,
multisseriadas, em condições precárias de funcionamento,
apontando as dificuldades diárias e o descumprimento da
legislação conquistada através de lutados movimentos sociais
populares do campo, das quais determinam os parâmetros para
uma educação básica de qualidade.

Mesmo concordando com o que diz o Sujeito A, é preciso


reconhecer que as salas multisseriadas oportunizam o acesso

168 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
desses alunos campesinos à escolarização em sua própria
comunidade, e certamente, a falta de espaço físico, na Escola
Pedro Pereira da Silva, entre outros fatores, é um dos motivos
que fazem a escola ofertar turmas multisseriadas. Assim, como
relatado anteriormente sobre a luta das escolas de campo pelo
direito à educação em seu lugar de vivência, esse é o maior dos
fatores que contribuem para que esses alunos sejam atendidos
dessa forma.
Entretanto, é preciso lançar um olhar crítico para esse tipo de
turma, pois os professores ficam sobrecarregados, sem falar que a
aprendizagem acaba, de certa forma, comprometida, uma vez que
ali estão diferentes séries; diferentes idades; ritmos diferenciados
etc.
Em suma, “a sobrecarga de trabalho vivenciada pelos
docentes das escolas rurais, tendo que assumir outras funções,
prejudica sua atuação em sala de aula” ( ALVES 2008, p. 3987).
Dando continuidade às entrevistas, quando questionados
sobre como analisavam o desempenho escolar dos alunos
matriculados nas escolas da zona urbana do município com os
alunos da Escola Pedro Pereira da Silva, ao longo de sua existência,
assim responderam: “sabemos que nem todos são iguais, tem
aqueles que tem maior desempenho, aprende com mais facilidade,
outros tem mais dificuldade de aprendizagem” (SUJEITO A).
Para o Sujeito B,

analiso, não vendo a diferença ou melhor, há sim diferença,


pois, no comportamento, o aluno da zona rural especialmente
da Escola Pedro Pereira da Silva, são mais comportados, no
aprendizado vejo uma igualdade um pouco pendente. O aluno
da Pedro Pereira da Silva, tem saído muito bem no aprendizado,
com turmas pequenas eles têm ganhado conhecimentos.

Em sua resposta, o Sujeito C assim se manifestou:

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 169


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
antes era bem diferente no que diz respeito ao comportamento,
os alunos eram bem mais centrados. Quanto ao desempenho ao
longo dos anos não vejo muita diferença até porque os professores
da escola PPS, são capacitados, formados e especializados,
assim, como os da cidade.

Observa-se que o Sujeito B destaca a questão do


comportamento, fazendo relação com as turmas pequenas,
levando à compreensão de que o comportamento, muitas
vezes, depende da quantidade de alunos em determinada sala.
Analisando a fala do Sujeito C, quando trata da capacitação
dos professores, assimila-se uma contradição em relação à fala
do Sujeito A, quando declarou que o multisseriado precisa ser
esquecido das escolas do campo, exatamente pelo fato de esses
professores não serem capacitados.
Mas logo se depreende que provavelmente, a fala do Sujeito
C não levou em consideração a questão de que os professores
que atendem no multisseriado são todos formados, embora
não tenham tido uma formação específica para atender a salas
multisseriadas.
Prosseguindo com os questionamentos, os sujeitos deram
suas opiniões com relação aos impactos positivos que a escola
trouxe à comunidade Lourenço e adjacentes: “houve um grande
desenvolvimento na comunidade em geral, como também nas
comunidades adjacentes (Sujeito A).”
Em sua resposta, o Sujeito B testemunhou que

com o fechamento necessário de outras escolas na região por


falta de estrutura física, fez se necessário a junção de todas em
uma só. Isso, trouxe muita positividade quando ao aprendizado,
espaço físico, transporte escolar, merenda escolar, e um quadro
de profissionais efetivos ou não, porém, todos com graduação,
outros com pós-graduação, tornando nossos educadores
universitários, graduados ou até cursando mestrado. Então, isso
tudo é ponto positivo para a Escola Pedro Pereira da Silva e para
a comunidade.

170 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
Na acepção do Sujeito C, “[...] A escola é de grande valia para
essa comunidade, pois atende outras comunidades de municípios
vizinhos que foram nucleadas ao longo dos anos. Então, o fato
dela permanecer atuante é muito positivo.”
Em uma reflexão sobre as falas dos sujeitos no que alude ao
processo de nucleação escolar Alves (2008, p. 3986) o conceitua
como sendo “um processo no qual escolas, urbanas ou rurais, são
desativadas e os alunos desta comunidade escolar são transferidos
para outras escolas, [...] nomeadas de escolas núcleos” que, na
maioria das vezes, são urbanas.
Dessa forma, percebe-se que a Escola Pedro Pereira da Silva
tem, de fato, contribuído – e muito – com a sua comunidade
e com as adjacentes, uma vez que além de permitir o acesso à
educação a esse público, colabora para que eles não precisem
sair do campo para a cidade em busca de aprendizagem – pelos
menos aqueles que procuram estudar nos anos iniciais e finais do
fundamental.
Com isso, pode-se dizer que são muitas a contribuições que
a escola em apreço tem trazido para essas comunidades, além do
acesso à escolarização oportunizado aos filhos das comunidades
citadas anteriormente, já que a grande maioria deles está formada
e ministrando aulas na mesma escola onde recebeu sua formação,
como cidadãos críticos e produtores de conhecimentos.
Lembrando que a mesma instituição tem colaborado com a
questão da disponibilidade de transportes, fazendo diferença na
vida dos moradores dessas comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou apresentar a Escola Rural Pedro


Pereira da Silva, como forma de conhecer o seu processo de

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 171


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
formação, suas dificuldades e às contribuições à comunidade
Lourenço e às adjacentes.
Com base nas informações coletadas, apreendeu-se que a
escola é mais uma escola rural, cuja comunidade vem lutando
ao longo do tempo, desde a sua criação, por uma educação de
qualidade no lugar onde vivem.
É meritório ressair, inclusive, que além de compreender
como se deu a formação da escola avaliada, foi possível vislumbrar
as constituições e lutas por uma educação do campo, voltada à
realidade dos campesinos. Não obstante, notou-se que muitos
foram os avanços conquistados, mas apesar de tantas lutas
árduas, parte desses direitos ainda está sendo negado a esse povo.
Na concepção dos sujeitos da pesquisa, a comunidade
sofreu muito antes de ter uma unidade de ensino in loco, já que
a maioria dos estudantes tinha de se deslocar às outras cidades
para não ficar sem estudar. Dessa forma, professores doaram o
espaço de sua própria casa para ensinarem os alunos da referida
comunidade.
Observa-se, ainda, que além desses desafios, as
comunidades rurais sofrem com a nucleação de escolas, e nesse
contexto, há pontos negativos e positivos. No que diz respeito
aos pontos positivos, trazendo para a realidade da Escola Pedro
Pereira da Silva, aponta-se a questão de ela colaborar com as
comunidades camponesas em seu entorno e ter propiciado aos
alunos terminarem seus estudos, de modo que muitos deles
estão formados. Por outro lado, como ponto negativo, elenca-
se a questão das salas multisseriadas, pois mesmo sabendo
que, ao tempo que esse atendimento oportuniza aos alunos a
escolarização em seu lugar de vivência, a aprendizagem deles pode
estar sendo prejudicada, sem falar na grande carga atribuída a um

172 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
professor apenas para atender a turmas com diferentes processos
de aprendizagem.
Mas vale lembrar que apesar de na visão de alguns, o
multisseriado ser fator negativo para a aprendizagem, não
impossibilita o aluno obter êxito em seus estudos. Portanto, é
nítido a desvalorização desse direito, porquanto a educação para
os povos do meio rural tem sido negligenciada.
Dito isso, conclui-se que a inexistência ou até mesmo
a precariedade educacional traz ao povo camponês uma
desigualdade social considerada histórica. À vista disso, acredita-
se que este trabalho servirá de base para pesquisas posteriores, de
modo que o ensino rural passe a ser compreendido como tal.

REFERÊNCIAS

ALVES, V. de A. Fechamento de escolas do campo no município


de Poções – Bahia: breve estudo. Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, 2008.

AMBONI, V.; NETO, L. B. A educação do campo nos marcos


da escola pública. Disponível em: http://www.gepec.ufscar.
br/publicacoes/publicacoes-seminarios-do gepec/seminarios-
de-2013. Acesso em: 17 ago. 2021.

ARROYO, M. G.; FERNANDES, B. M. A educação básica o


movimento social do campo. Brasília, DF: Articulação Nacional
por uma Educação Básica do Campo, 1999.

BONMANN, P. A. Realidades das escolas do campo: um olhar


crítico sobre espaços físicos, descasos, construção de políticas
públicas e proposta pedagógica.Ijuí, RS, 2015.

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 173


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
BORGES, D. G. O desmonte da educação do campo no Nordeste
brasileiro: diagnóstico, mapeamento e análise do fechamento
de escolas do campo no estado do Piauí. Revista Linhas,
Florianópolis, v. 18, n. 36, p. 305-324, jan./abr. 2017.

CALDART, R. S. Educação do campo: notas para uma análise de


percurso. INEP. Panorama da Educação do Campo. Brasília, DF,
2017. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/
institucionais/estatisticas_e_indicadores/pa norama_da_
educacao_do_campo.pdf. Acesso em: 30 out. 2021.

JANATA, N. E.; ANHAIA, E. M. de. Escolas/classes


multisseriadas do campo: reflexões para a formação docente.
SciELO Brasil, 2015.

LEINEKER, M. da S. L.; ABREU, C. B. de M. A educação do


campo e os textos constitucionais: um estudo a partir da
Constituição Federal de 1934. Disponível em: http://www.ucs.
br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/
viewFile/177 2/79. Acesso em: 9 ago. 2021.

OLIVEIRA, C. M. de; BOIAGO, D. L. Bases legais para uma


educação do e no campo e as experiências educativas de uma
escola de agroecologia na região norte do Paraná. Disponível
em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/
anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/178 8/142. Acesso em: 22
jul. 2021.

RODRIGUES, H. C. C.; BOMFIM, H. C. C. A educação do campo


e seus aspectos legais. EDUCERE, 2017.

174 Sebastiana Sousa Evangelista


Pâmela Torres Michelette
SILVA, I. da; SILVA, J. F. da. Dispositivos legais para educação
do campo: o que dizem sobre formação continuada das
(os) professoras (es) dos territórios rurais? In: II CONEDU -
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Disponível em:
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2015/
TRABALHO_EV045_MD1_S A4_ID5854_15082015194518.pdf.
Acesso em: 8 ago. 2021.

A ESCOLA RURAL PEDRO PEREIRA DA SILVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES 175


PARA ASCOMUNIDADES CAMPONESAS AO SEU ENTORNO
O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO
MEIO RURAL E REPERCUSSÕES NA VIDA
DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE

Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros

INTRODUÇÃO

A
educação escolar vem integrando o processo
de formação humana no atual estágio de
sociabilidade. Assim, sua implementação repercute
nos processos de realização das dinâmicas sociais, territoriais e
econômicas, promovendo permanências e mudanças. Trata-se de
um direito legalmente estabelecido, em conformidade com o que
dispõe o Art. 205 da Constituição Federal de 1988: “A educação,
direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p.
134).

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 177


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
A escola é a agência diretamente vinculada a esse objetivo,
que também se expressa como uma necessidade, cuja dinâmica
integra a vida das comunidades e dos grupos sociais. Na presente
discussão, trazemos à cena os desafios da escola no meio rural
que, pelos marcos legais da educação do campo, devem localizar-
se, preferencialmente, no campo, visando à contextualização dos
processos de ensino-aprendizagem (CALDART, 2012).
Essa orientação, quando se trata do atendimento à
estudantes da educação básica, é reforçada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), ao afirmar no Art. 53 que esses
estudantes têm o direito de estudar próximo à sua residência.
Almejando contribuir com as reflexões que orientem ações
na efetivação desse direito é que se coloca a presente discussão,
fundamentada em pesquisa de campo, realizada no município de
Cristino Castro, situado no sudoeste do estado do Piauí, tendo
como objetivo geral analisar repercussões do fechamento de
escola do campo em uma comunidade denominada Panasco,
onde houve o fechamento da Escola Municipal de Educação
Fundamental (EMEF) Sancha Martins Benvindo. Os objetivos
específicos implicaram situar o fechamento de escolas do campo
no contexto brasileiro e piauiense, e conhecer as principais
dificuldades observadas e enfrentadas em dinâmicas pessoais,
familiares e comunitárias, em decorrência do fechamento da
escola.
O suporte dessa discussão foi encontrado em uma pesquisa
de abordagem qualitativa. Esta, de acordo com Minayo (2013),
ocupa-se do nível subjetivo e relacional da realidade social,
considerando a sua composição histórica e o universo de
significados que constituem os motivos, as crenças, os valores e as
atitudes dos atores sociais envolvidos.

178 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
Os dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas
– considerando as orientações de Gil (2008) – envolvendo
12 pessoas, dentre as quais, representantes da associação de
moradores, ex-professores, pais de estudantes, estudantes e gestor
municipal.
De modo geral, compreendemos que o fenômeno do
fechamento de escolas no meio rural interroga a política
educacional vigente e suas marcas históricas, pois necessariamente,
dialoga com as obrigações de oferta e promoção das condições
de permanência das populações do território, com os desafios
do desenvolvimento local e com as relações existentes. Daí a
importância de discutir a temática, reputando as orientações
gerais da política hegemônica e seus conflitos, com a perspectiva
de transformação social apresentada pelos movimentos sociais do
campo.
Na estrutura do artigo, após a introdução e as considerações
sobre a metodologia, são apresentados apontamentos sobre a
educação no meio rural e seus desafios históricos para, então,
tratar diretamente do fechamento de escolas do meio rural,
na relação com desafios postos pela proposta de educação do
campo, apresentando, em seguida, uma visão panorâmica sobre
o fechamento de escolas no município de Cristino Castro – PI e
elementos analíticos diretamente relacionados ao fechamento da
EMEF Sancha Martins Benvindo, tendo em vista repercussões na
vida de educandos e comunidade. Na sequência, as considerações
finais destacam como repercussão o percurso de grandes distâncias,
com mais tempo implicado em deslocamentos, gerando cansaço,
fadiga e problemas na aprendizagem, bem como a sensação das
famílias de desvalorização da comunidade.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 179


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL: DESAFIOS HISTÓRICOS E
ATUAIS

Compreender o significado do fechamento de escolas no


meio rural exige análises amplas e aprofundadas sobre uma teia
de relações que articulam educação e realidade brasileira no
modo de produção socialmente predominante, o capitalismo,
tema explorado por autores como Prado Júnior (1998), Fernandes
(2014), Martins (1997) e Marini (2014).
Tal produção evidencia que o modelo escravocrata instalado
pelos portugueses para colonizar o Brasil e outros territórios na
América Latina, África e Ásia, articula-se no Brasil à concentração
e exploração predatória dos territórios e dos recursos naturais,
ao monocultivo, à produção para exportação, em detrimento do
abastecimento interno, gerando o que Stédile (2012) apresenta
como a questão agrária.
Por sua vez, Martins (1991, p. 50) ressalta que

a questão agrária brasileira tem duas faces combinadas, a


expropriação e exploração. Há uma clara concentração da
propriedade fundiária, mediante a qual pequenos lavradores
perdem ou deixam a terra, que é o seu principal instrumento de
trabalho, em favor de grandes fazendas.

É no contexto da questão agrária que se colocam as exclusões


de setores populares do meio rural quanto aos direitos sociais
previstos em Lei, a exemplo do direito à educação escolar. Logo,
vislumbramos uma situação de violação explicitada pelos elevados
índices de pessoas não alfabetizadas, as quais se matriculam mas
não conseguem se manter na escola; e outras que se mantêm na
escola mas não dispõem de condições satisfatórias para assegurar
a sua escolarização com a qualidade necessária.

180 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
A falta de condições e de oportunidades tem levado a um
processo de intensificação da busca por outras alternativas,
geralmente redundando em migrações forçadas em direção aos
centros urbanos, onde o lugar reservado para esses retirantes
termina sendo as periferias, igualmente desprovidas de direitos
básicos.
O observatório socioeconômico da Universidade de Passo
Fundo afirmou que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) estimou que entre 2015/2020, poderia ocorrer o fim do
êxodo rural no Brasil, não por causa da fixação de população na
zona rural, mas porque aproximadamente 90% da população já
estaria vivendo nas áreas urbanas.1
Além disso, parte considerável da população residente na
zona rural já se encontra em ocupações não agrícolas, atuando
como serventes de pedreiro, motoristas, entre outras. Essa
situação parece avançar na direção do que estimou o IBGE, pois
de acordo com dados de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD), 84,72% da população brasileira já vivia
em áreas urbanas. Porém, o quadro não é idêntico em todas as
regiões brasileiras: no Nordeste, por exemplo, a população rural é
superior à media brasileira, chegando a 73,12%.2
Apesar dessa singularidade regional, o projeto do agronegócio
ajustado ao capitalismo neoliberal impõe uma crescente
desigualdade em todos os territórios, bem como dos territórios
entre si, como se pode observar na relação entre os meios rural
e urbano. “Este modelo agrícola, denominado agronegócio é a
expressão da expansão capitalista no campo apropriando-se cada

1 Disponível em: http://observatorio.upf.br/index.php?option=com_content&vie


w=article&id=67%3Aexodo-rural&catid=16%3Aforum-agronegocio&Itemid=26.
Acesso em: 22 jul. 2021.
2 Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/
populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.html. Acesso em: 22 jul. 2021

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 181


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
vez mais das terras do latifúndio, considerado uma irracionalidade
dentro do sistema capitalista devido sua lógica rentista” (ROOS,
2012, p. 03).
No meio rural, essa desigualdade reproduz-se pela
dependência imposta aos setores populares em relação aos
grupos concentradores de riqueza que, na atualidade, são
nacionais e estrangeiros, beneficiados com acesso facilitado às
terras produtivas; crédito; infraestrutura para a produção de
determinados produtos atraentes ao mercado. Isso repercute na
extração elevada de recursos naturais; alteração das características
morfológicas do territórios; imposição de modos de vida;
rebaixamento do valor do trabalho dos camponeses e agricultores
familiares;3 e produção de desenraizamento.
Desse modo, o desenraizamento e a expulsão são condições
indispensáveis à consolidação do projeto do agronegócio no meio
rural, ou seja, há um interesse do capital em separar o camponês
da terra como mecanismo de ampliação de seu poder e controle.
A propósito, Martins (1991, p. 46) ressalta que quando o capital
se apropria da terra, está “transformando em terra de negócio, em
terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se
apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho.”
Assim, a agricultura camponesa e familiar ficam
marginalizadas, perdem a sua importância histórica, dando
vazão à lógica do atraso e do despovoamento, e à não adoção
de tecnologias apropriadas, de crédito e promoção de políticas
públicas que promovam emancipação. Essa situação leva-nos a
compreender que as migrações ocorrem pela negação de direitos,
pela falta de oportunidade e pela busca de melhoria de vida que,
na atualidade, dão lugar ao avanço dos grandes negócios no meio

3 Ver a distinção entre camponeses e agricultores familiares em Fernandes (2014).

182 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
rural e contribuem para aprofundar a separação histórica entre
campo e cidade.
Nesse contexto, encontra-se o fenômeno do fechamento
de escolas do meio rural, articulada a outras medidas e omissões
que atuam diretamente relacionadas à área da educação,
configurando o modelo de política educacional vigente, com
baixos financiamentos; exigências de suporte tecnológico; ações
de formação de professores situadas preponderamente nas
cidades; escolas com infraestrutura precária; entre outros fatores
que pesam na promoção da prática do fechamento de escolas.
Assim, é possível afirmar que o agronegócio e a política
educacional vigente se interligam e funcionam juntas para o
cumprimento do mesmo objetivo final, que é a concentração de
riquezas em determinados territórios, por meio de certas atividades
de favorecimento a grupos restritos. Nessa via, é possível afirmar
que o fechamento das escolas do campo não ocorre por acaso, ao
contrário: é funcional à lógica do agronegócio.
No entanto, apesar dessa ofensiva, a situação também gera
resistência: “os movimentos camponeses ao rejeitarem o modelo
de agricultura imposto pelo agronegócio têm se constituído
como protagonistas na recriação e na garantia de existência do
campesinato” (ROOS, 2012, p. 04). Por isso, a seguir trataremos
da proposta da educação do campo na relação com o fenômeno
do fechamento de escolas.
Ressaltamos, antes de prosseguir, que discutir o fechamento
de escola não é um exercício fácil, pois falta transparência nas
decisões que levam à consumação desse ato. Geralmente, quando
as comunidades tomam conhecimento, a decisão já está tomada
e sem atendimento às exigências legais. Comumente, a situação
alternativa apresentada ao fechamento é a nucleação, sob o

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 183


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
argumento de ser a solução possível para garantir as matrículas e
permanência das crianças na escola.
Há um discurso padrão que geralmente envolve os seguintes
aspectos: as escolas fechadas não contavam com as condições
físicas adequadas para o seu funcionamento; o número de
alunos era muito pequeno para manter a escola funcionando; e
as despesas envolvidas com o funcionamento não compensam,
quando comparadas ao número de alunos. Apesar do peso dado
aos argumentos, é necessário sondar esse discurso, verificando o
que ele evidencia e o que esconde.

FECHAMENTO DE ESCOLAS DO MEIO RURAL E DESAFIOS


DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Diante do crescente fechamento de escolas, o movimento


em defesa da educação do campo conseguiu, graças à pressão
exercida, a aprovação de uma lei que dificulta o fechamento
dessas instituuições. Trata-se da Lei 12.960, de março de 2014,
que altera o Art. 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB
nº 9394/96). No parágrafo único do Art. 1º, está escrito que

o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombola será


procedido de manifestação do órgão normativo do respectivo
sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada
pela secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto
da ação e a manifestação da comunidade escolar. (BRASIL,
2014).

No entanto, de modo geral, essa lei não vem sendo observada


e a situação envolvida nesse processo é bastante grave, como
ilustra o Quadro 1.

184 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
Quadro 1 – Escolas rurais fechadas no Brasil (2008-2017)
ANO RURAL
2008 3.689
2009 5.247
2010 4.894
2011 4.131
2012 3.032
2013 4.358
2014 4.084
2015 4.128
2016 2.307
2017 -
Fonte: CGPEC/SECADI.

Apesar do quadro preocupante apresentado acima, não é


possível negar que a Lei, em si, representa um avanço, por tratar-se
de um instrumento de luta que pode ser utilizado no enfrentamento
ao fechamento das escolas ou à reabertura daquelas que foram
fechadas indevidamente.
A Lei 12.960/2014 é, ainda, um modo de fazer cumprir o que
consta no Art. 205 da Constituição Federal de 1988, segundo o
qual a educação é posta como direito de todos e dever do Estado e
da família. No inciso I do Art. 206, alude-se ao direito à “igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola”, enquanto
no Inciso VII, à “garantia de padrão de qualidade” (BRASIL 1988,
p. 134), ou seja, não se trata somente de assegurar a escola e a
vaga, mas também garantir a permanência com qualidade.
Considerando que o direito é para todos, cabe perguntar:
como o município de Cristino Castro vem tratando o princípio da
igualdade de condições e qualidade de acesso e permanência aos
estudantes do campo? Essa pergunta tornou-se importante no
contexto deste trabalho porque percebemos, independentemente

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 185


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
de investigação sistemática, que há um número considerável de
escolas que foram fechadas nos últimos anos no País, assim como
no município em apreço.
Não obstante, essa realidade é marcante no conjunto da
realidade brasileira. A partir da década de 1970, foi difundido o
discurso de construção de escolas como promessas de campanhas
eleitorais e parte de planos de governos; foram criadas as redes
públicas de ensino para a educação básica, primeiramente a cargo
dos estados, e mais recentemente, com parte da responsabilidade
repassada aos municípios.
Os dados dos censos escolares revelam que o atendimento
em muitos municípios brasileiros avançou bastante, havendo até
casos de universalização. Contudo, como a população continua se
reproduzindo, estaríamos no momento de conservação e elevação
do padrão de atendimento escolar para manter as condições de
acesso e assegurar as condições de atendimento com qualidade.
Sem embargo, não é isso que está acontecendo, pois
conforme destacado anteriormente, há um processo de exclusão
e desenraizamento dos setores populares do meio rural que
se mantém, apesar das mudanças de governos e da adoção de
algumas políticas.
Refletindo sobre esse fenômeno, Caldart (2003, p. 70)
salienta que

toda vez que a escola desconhece ou desrespeita a historia de seus


alunos, toda vez que se desvincula da realidade dos que deveriam
ser sujeitos, não os reconhecendo como tal, ela escolhe ajudar a
desenraizar e a fixar seus educandos num presente sem laços. E se
isso acontecer com um grupo social desenraizado ou com raízes
muito frágeis, isto quer dizer que estas pessoas estarão perdendo
mais uma de suas chances (e quem garante que não a última?)
de serem despertadas para apropria a necessidade de voltar a ter
raiz, a ter projetos do ponto de vista do ser humano isto é muito
grave, é violentamente desumanizador.

186 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
Percebemos que os educandos do campo quando vão
estudar na cidade, acabam experienciando um conflito cultural
e nesse processo, a cultura urbana facilmente se estabelece e se
sobrepõe. Essa compreensão perpassa o movimento da educação
do campo, aí porque a luta pela educação do campo passa pela
ampliação não apenas da escolarização, mas também de escolas
no meio rural, favorecendo a afirmação de condições de vida e de
desenvolvimento territorial, com a criação de oportunidades.
É por isso que, segundo Arroyo, Caldart e Molina (2004, p.
151-152), “a luta passa a ser por educação no e do campo; no:
o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; do: o povo
tem direito a uma educação resultante das reivindicações dos
processos formativos, vinculada à sua cultura e às necessidades
humanas e sociais.
Por isso, a proposta tem a denominação de educação do campo,
porque tem como ponto de partida a realidade das pessoas que
vivem no território camponês, compreendendo-as como agentes
de um processo próprio, em interação com seus ambientes de
vida, de trabalho e de cultura local. No entanto, para que essa
dinâmica se realize, é necessário construir um suporte de políticas
públicas, mas isso requer decisões e definição de prioridades, e
pelo que se observa a partir da realidade histórica, as prioridades
na macropolítica brasileira não incluem a educação do campo e
o seu ideário.
O processo de construção da política de educação do
campo como parte da política educacional brasileira encontra
amparo na LDB 9.394/96, quando estabelece a educação como
direito de todos e quando reconhece o direito à educação dos
povos que vivem na zona rural, afirmando que deve ser adequada
às necessidades desse meio, como se pode observar no texto do
Art. 28:

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 187


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas
de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação
às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização
escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à
natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996).

Apesar disso, foi necessário os movimentos sociais realizarem


pressão para que no ano de 1998 se criasse o primeiro programa
governamental com uma política de educação específica para os
povos do campo: o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA). A partir daí, foi possível inaugurar uma
experiência por meio da qual os estudantes do campo passaram a
ter uma proposta de educação que dialoga com a sua realidade,
possibilitando criar bases para o desenvolvimento desse território.
Essa experiência ensejou outras, como a criação das Licenciaturas
em Educação do Campo em universidades públicas do País.
Essa educação diferenciada, enraizada, pode transformar
a vida não só dos estudantes, mas também das famílias e da
comunidade, qualificando-os para a valorização da cultura e dos
costumes. Por conseguinte, toda a comunidade ganha horizontes
com vistas à construção de uma libertação da realidade histórica
de exclusão a que vem sendo submetida.
Em consonância com Paulo Freire (2014), esse processo de
construção da escola e das pessoas é transformador; ele lembra
que a educação não transforma o mundo, mas transforma pessoas
que podem transformar o mundo. Porém, na contramão dessa
compreensão, um conjunto de ações e de omissões demonstram
não ser esse o caminho que vem sendo trilhado historicamente.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), somente em 2014, foram
fechadas mais de 4.084 escolas no Brasil. A mesma fonte afirma

188 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
que no Nordeste, “a Bahia é o estado que aparece em primeiro
lugar, com 872 escolas fechadas; em segundo, o Maranhão, com
407; e o Piauí em terceiro; com 377 escolas fechadas.” (NUNES,
2017, p. 150).
No ano de 2014, o município piauiense de Cristino Castro
contribuiu para a composição desse quadro, com o fechamento
de duas escolas do campo, de modo que o município tem os
maiores percentuais de repetência e evasão dentre os que formam
o Território de Desenvolvimento “Chapada das Mangueiras”,44
situado na macrorregião Cerrados, com 38,8% de repetência e
25,3% de evasão.
Repetência, evasão e fechamento de escolas são fenômenos
que se combinam. Geralmente, o último é apresentado como
consequência dos outros dois. O que não se diz é que a permanência
do estudante na escola depende de determinadas condições que,
no caso da escola do campo, têm sido negadas historicamente.

FECHAMENTO DE ESCOLAS EM CRISTINO CASTRO (PI)

Vale ressair que o fechamento da EMEF Sancha Martins


Benvindo não é um fenômeno isolado no contexto da educação
do meio rural brasileiro, tampouco no âmbito do município de
Cristino Castro.

4 4
De acordo com a regionalização do estado do Piauí, constante na Lei nº
6.967/2017.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 189


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
Figura 1 – Escolas fechadas no município de Cristino Castro – PI

Fonte: arquivo pessoal das autoras (2020).

O Quadro 2 mostra uma visão geral das escolas que foram


fechadas no município examinado, no período compreendido
entre 2013 e 2014.

190 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
Quadro 2 – Escolas fechadas no Município de Cristino Castro
ESCOLAS COMUNIDADES Nº DE FAIXA ETÁRIA E NÍVEL DE
ANOS
FECHADAS AFETADAS ALUNOS ENSINO

De 4 a 10 anos – anos
iniciais do ensino funda-
Panasco, Angical
Sancha Ben- mental
I e II e Umburana, 35
vindo
Paquetá
De 29 a 40 anos – ensino
fundamental (EJA)
De 4 a 7 anos – educação
2013
infantil e 1º ano do ensino
São Francisco fundamental
Barra do Sítio 8
de Assis
De 4 a 5 anos – educação
infantil
Josefa Martins De 4 a 5 anos – ensino
Sossego 7
de Brito infantil
Umbelina José De 11 a 16 anos – anos fi-
Palestina 48
de Sousa nais do ensino fundamental
2014 De 4 a 11 anos – anos
Manoel Duarte Santa Clara 26 iniciais do ensino funda-
mental
Fonte: elaborado pelas autoras (2020).

Notamos que de 2013 a 2014, foram fechadas cinco escolas


no município, apesar de contarem com um número significativo de
estudantes. Nas três primeiras, os estudantes foram remanejados
para a cidade no processo de nucleação campo-cidade; já as outras
duas remanejaram para uma comunidade maior no processo de
nucleação campo-campo.
Nos anos de 2015 a 2017, não houve escolas do meio
rural fechadas no município, mesmo porque quase não existiam
escolas funcionando, restando somente três. Como consequência
desse processo, podemos citar as distâncias que passaram a
ser percorridas, conforme destacam os sujeitos da comunidade
Penasco que concederam entrevistas para a pesquisa.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 191


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
O Quadro 3 apresenta um demonstrativo dessa situação,
considerando a realidade que envolve algumas das escolas
fechadas, ressaltando que as crianças das comunidades Panasco,
Angical I e II e Umburana têm idade entre 4 e 10 anos, e as da
Barra do Sítio, de 4 a 7 anos.

Quadro 3 – Distância que separa estudantes da escola que


frequentam
LOCALIDADES AFETADAS DISTÂNCIA PARA ESCOLAS (Km)
Panasco 20
Angical I 24
Angical I I 28
Barra Do Sítio 15
Sossego 12
Palestina 15
Santa Clara 12
Umburana 35
Ansseada 30
Fonte: elaborado pelas autoras (2020).

Torres, Silva e Moraes (2014 apud BORGES 2017, p. 308)


lembram, inclusive, que o fechamento de escolas do campo pode
ter impactos na qualidade da educação, na qualidade de vida e
na territorialização dos povos camponeses, constatação que será
demonstrada adiante.
De acordo com o Quadro 3, a distância percorrida pelos
alunos para chegar até a escola é muito grande. E quando esse
dado é analisado ao lado de outros fatores, podemos concluir
que contribui para o insucesso escolar e a piora das condições de
vida dos responsáveis, que em entrevista realizada na comunidade
Panasco afirmaram que enquanto os filhos não chegam da escola,
não acaba a preocupação.

192 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
No processo de nucleação campo-campo, um dos maiores
problemas são as estradas ruins, muita lama, areia e buracos que
acabam deixando as viajem dos estudantes bem mais cansativas,
além das longas distâncias das comunidades até a escola.

FECHAMENTO DA EMEF SANCHA MARTINS BENVIDO


E REPERCUSSÕES NA VIDA DOS EDUCANDOS E DA
COMUNIDADE

Ao constatar que o fechamento de escolas representa uma


situação grave e complexa, observamos o mérito de compreender
como ela repercute na vida das pessoas e da comunidade. Nesse
sentido, avaliamos a situação da comunidade Penasco, onde se
situa a EMEF Sancha Martins Benvindo, atualmente fechada.
A comunidade Panasco, que teve a sua escola fechada, cujas
consequências são submetidas à análise neste artigo, está situada
no município piauiense de Cristino Castro. O seu povoamento
foi iniciado em 1898, quando Raimundo Ribeiro da Silva se fixou
no local conhecido como Catinga de Porco. Ele trazia da cidade
baiana de Lapa uma imagem do Senhor Bom Jesus da Lapa,
doando-a à capela local. Quatro anos depois, Bom Jesus da Lapa
passou a ser o padroeiro da localidade, que passou a denominar-
se Nova Lapa.
O território é banhado pelo Rio Gurguéia, e isso facilitou o
desenvolvimento de atividades agropecuárias. Em 1953, pela Lei
Estadual nº 895, o lugar foi desmembrado do município de Bom
Jesus e elevado a município, recebendo a denominação de Cristino
Castro, em homenagem ao primeiro industrial estabelecido na
região. Chegou ao ano de 2010 com a população estimada em
9.981 habitantes, sendo 2.720 (27,2%) residentes no campo
(BRASIL, 2010).

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 193


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
Em 2018, o PIB per capita era de R$ 9.800,11. Entre
outras riquezas, no município há uma enorme quantidade de
poços jorrantes que estão espalhados pela cidade e zona rural,
promovendo forte potencial turístico, que conta com uma
infraestrutura instalada, com hotéis e pousadas que recebem
muitos turistas que vêm a Cristino Castro apreciar as águas,
gerando renda para a população local.
De acordo com dados do Censo Escolar, Cristino Castro
contava com 13 escolas públicas no ano de 2020, sendo três
localizadas na zona rural. Elas contavam com quatro matrículas
em creche; 45 na pré-escola; 133 nos anos iniciais do ensino
fundamental; 97 nos anos finais do ensino fundamental; 0 no
ensino médio e na Educação de Jovens e Adultos (EJA); e 4 na
educação especial (QEDU, 2020).
No município, há apenas uma escola que além de situada no
meio rural, também trabalha com as orientações da educação do
campo, considerando o projeto político-pedagógico construído
pelos movimentos sociais do campo, como referido outrora: trata-
se da Escola Família Agrícola do Vale do Gurguéia, que desenvolve
a pedagogia da alternância. As demais escolas do campo,
assim como a escola EMEF Sancha Martins Benvindo, quando
funcionava, não contemplava o projeto político-pedagógico
da educação do campo, que implica um compromisso com
fundamentos orientados por princípios específicos que podem
encontrados na produção da articulação por uma educação do
campo (SILVA JÚNIOR; BORGES NETTO, 2011).
As informações que passaremos a apresentar sobre a EMEF
Sancha Martins Benvindo estão baseadas em entrevista realizada
junto a uma professora que trabalhou nessa escola até o seu
fechamento, e em seguida, aposentou-se, e dão conta de que a
escola foi construída no ano de 1992. Localizada na BR 135, na

194 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
comunidade Panasco, conta com uma área geográfica de 1.566
hectares, ficando a 18 km da cidade. Na comunidade, residem
100 famílias.
No ano de 2005, teve início o assentamento Trombetas, que
foi construído em terras que já pertenciam ao governo, no caso,
ao Departamento de Obras Contra a Seca (DNOCS). Para criar
o assentamento, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) escolheu 62 famílias que não tinham moradias
próprias para participar da criação do Projeto de Assentamento,
e posteriormente, passaram a ter a posse da terra para morar,
plantar e criar seus animais. Apesar disso, a comunidade sempre
teve muitas dificuldades de acesso à àgua e, consequentemente,
cultivo dos alimentos.

Figura 2 – EMEF Sancha Martins Benvindo

Fonte: arquivo pessoal das autoras (2020).

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 195


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
Quando a EMEF Sancha Benvindo funcionava, contava com
cinco turmas: duas de educação infantil; duas dos anos iniciais
do ensino fundamental; e uma turma de EJA. Essa escola foi
inaugurada em 1992 e fechada em 2014, tendo, portanto, 22 anos
de funcionamento. A instituição atendia, em média, de 30 a 37
alunos, servindo a seis comunidades. Possuía duas salas de aula;
um pátio coberto; um banheiro localizado do lado de fora do
prédio da escola – bastante precário, contando com apenas um
vaso sanitário, sem água encanada e sem porta. Ademais, havia
seis pessoas no corpo docente e no corpo administrativo; um vigia;
um zelador; uma merendeira; não havia laboratório, biblioteca,
antena parabólica, internet, quadra, refeitório, acessibilidade
arquitetônica e nem contava com projeto politico-pedagógico.
O fenômeno que passamos a analisar, o do fechamento, foi
acompanhado de outro ato, o da nucleação, e a junção dos dois
resultou em consequências diversas, especialmente no tocante ao
desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes, em razão dos
desgastes, pois passavam a realizar longas viagens diárias para
chegarem até a escola, além de enfrentarem trechos perigosos, no
caso dos que trafegavam pela BR 135, que antes de ser finalizada,
era popularmente conhecida como “rodovia da morte”.
Também em depoimento, uma professora que trabalhava
nessa escola relatou que os meninos da comunidade e foram
para a cidade não conseguiram avançar nos estudos, pois eles
aprendiam mais na escola da comunidade, o que facilitava o
acompanhamento dos pais, que participavam e contribuíam
muito para o desenvolvimento escolar dos filhos. De acordo com
ela, havia uma ligação muito positiva entre a escola e as famílias.
Esse tipo de ação envolve questões locais e relacionadas às
dinâmicas administrativas, mas também ao modo dominante de
promoção da educação escolar no meio rural, que não aposta

196 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
no enraizamento na relação das pessoas com seus territórios,
fazendo com que se afirme um determinado tipo de escola, de
formação e de educando – conforme Caldart (2003), promotor
de desumanização.
A seguir, trazemos a situação de ex-estudantes da Escola
Sancha Benvindo, que por motivos de cuidados éticos, terão seus
nomes omitidos e serão denominados com letras maiúsculas do
alfabeto, indicação numérica ou indicação da função exercida. A
estudante A, de 46 anos, reside na comunidade desde 2003, e não
está estudando atualmente por não ter escola na comunidade.
Fazia a 3ª série no programa de EJA, à noite. Para tanto, fazia o
percurso de casa para a escola em dez minutos, e relatou que não
estava estudando por falta de oportunidade, tendo em vista que a
escola fechou. Além disso, mencionou o problema de baixa visão,
que tem marido e filhos para cuidar e que por ter de se deslocar,
não foi possível se manter estudando. Ao ser questionada se o
fechamento da escola trouxe prejuízos, respondeu: “sim, muitos
para todos da comunidade, principalmente alunos e pais”.
A estudante B, de 49 anos, reside na comunidade desde de
2001. Deixou de estudar, fez a 2ª série, levava 15 minutos de casa
para a escola e estava satisfeita com o ensino. Estudava à noite,
e entre as maiores dificuldades identificadas, citou os serviços de
casa e filhos, “pois tenho muitos, são nove”.
Quando questionamos sobre o porquê de os estudantes
da zona rural serem levados a estudar na cidade, ela disse que
é “porque o prefeito não quer”. Ao ser indagada sobre o porquê
de não estar estudando, esclareceu: “porque não temos mais
a escola”. Diante da pergunta se gostaria de voltar a estudar,
respondeu: “com certeza, tenho vontade de ajudar os meus filhos
nas atividade da escola, muitas vezes eles levam tarefas sem fazer
por não saber ensiná-los me sinto triste de não pode ajudá-los”.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 197


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
Sobre os prejuízos, disse que são

muitos, porque quando a escola funcionava nos participávamos


das reuniões da escola, tudo que acontecia com os nossos
filhos agente sabia, agora como eles estudam na cidade muitas
vezes nem vou as reunião pois não tenho dinheiro para pagar
passagem. Quando essa escola fechou estudava só da daqui
de casa 6 pessoas eu e 5 filhos, eu fiquei muito triste quando
disseram que iam mandar os meninos pra cidade. (ESTUDANTE;
MÃE B, 2021).

O estudante C, de 15 anos, estudava na EMEF Sancha


Martins Benvindo, e residia na Umburana. No momento da
entrevista, estava estudando na 3ª série, na Escola Davi Campo,
situada na zona urbana. Contou que pela manhã, levava cerca de
45 minutos de casa para a escola. Quando perguntamos se está
satisfeito com a sua escola, relatou: “sim, a escola da cidade é
muito boa”. Sobre as maiores dificuldades para estudar, disse:
“não consigo resolver as atividades que os professores mandam
pra casa”. Questionamos também se na escola há estudantes da
cidade e da zona rural, ao que ele respondeu que sim, e como os
demais, disse que os estudantes da zona rural estudam na cidade
porque na zona rural não tem escola.
Diante da pergunta se gostaria de estudar perto de sua casa,
respondeu que sim: “ficaria perto da minha casa e não ia precisar
acordar cedo”. Ainda sobre as dificuldades de estudar longe de
casa, citou a “demora pra chegar”, relatando que além de ter que
acordar mais cedo, sai sem comer, e diz: “ainda bem que na escola
tem lanche”. No que se refere aos prejuízos, declarou que “seria
bom se arrumassem a escola daqui. Botasse internet aí ia ficar
bom pra nos”.
Já o estudante D, de 13 anos, da 2ª série, morador da
Umburana, igualmente está estudando na Escola Davi Campos
pela manhã e leva 45 minutos para chegar à escola. Ele considera-
198 Maria do Socorro P. da Rocha
Lucineide Barros Medeiros
se satisfeito com o estudo em sua escola, e quanto às dificuldades
enfrentadas, relata: “não consigo responder as tarefas que a
professora manda para casa e a minha mãe não consegue me
ajudar”. Além disso, disse que gostaria de estudar perto de casa, e
não sabe se o fechamento da escola trouxe prejuízo.
Adicionalmente, entrevistamos representantes da Associação
Comunitária dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do
Assentamento Trombeta (ATRUAT). A associada 1, de 39 anos,
vice-presidente da associação, onde atua há 12 anos, disse que sua
atividade já variou entre os cargos de presidente, vice-presidente
e tesoureira. Quando perguntamos se ter escola na comunidade
é importante, ela respondeu que “sim, porque tendo escola na
comunidade as crianças não precisam se deslocar até a cidade
para estudar”. Na questão se o fechamento da escola trouxe
prejuízo, ela respondeu: “sim, se a escola tivesse funcionando, a
comunidade teria mais visibilidade e desenvolvimento, sem falar
na preocupação que os pais têm quando os filhos saem para a
escola na cidade”.
À associada 2, de 33 anos, atua há dois anos na presidência
da associação, perguntamos se concorda que é importante ter
escola na comunidade, ao que ela respondeu que é,

porque tudo fica mais fácil com uma escola na comunidade. A


daqui só não funciona porque o prefeito não quer, alegou não
ter aluno suficiente porém isso e mentira sabemos que temos
muitas crianças que poderiam estudar aqui principalmente os
menores de 7 anos, quando a escola da comunidade fechou a
minha filha estudava aqui na comunidade eu ia levar e trazer ela
na escola todos os dias, pra mim o fechamento da escola trouxe
prejuízo. Uma escola na comunidade facilita a participação dos
pais na vida escolar dos filhos, sem a escola as crianças têm que
se deslocar para a cidade em ônibus lotados correndo risco de
vida, alguns vão em pé por não ter lugar suficiente para todos
sentados.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 199


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
Ao argumentar sobre como a comunidade se posicionou
diante do fechamento da escola, a associada 2 revelou que “a
gente tentou impedir o fechamento mais o ex-gestor alegou que os
alunos eram poucos e a prefeitura não tinha condições de manter
a escola funcionando, fizemos abaixo assinado, que pena que não
adiantou não tivemos os direitos dos nossos filhos respeitados”.
Uma das pessoas entrevistadas fez uma narrativa que foi
confirmada por outras, de que um dos responsáveis por procurar
o secretário de educação do município obteve como resposta
que era uma norma do Ministério da Educação (MEC) e que
não poderiam fazer nada, pois a decisão já estaria tomada. Foi
diante dessa informação que a comunidade resolveu fazer um
documento de abaixo-assinado.
Sobre a questão se a escola pode contribuir com o
desenvolvimento das famílias e da comunidade, a associada 2
disse que

sim. Contribui e muito para o desenvolvimento geral. Hoje


já temos na nossa comunidade professores formados em
licenciatura em educação do campo pela Universidade Federal do
Piauí e que não estão tendo oportunidade de exercer a profissão
porque não temos uma escola ativa, se a escola funcionasse esses
professores inclusive eu poderia trabalhar aqui e contribuir para o
desenvolvimentos da comunidade. (ASSOCIADA 2, 2021).

Também foram realizadas entrevistas com o ex-secretário de


educação do município e o atual gestor na época da pesquisa, a
quem perguntamos qual a visão sobre o fechamento das escolas
do campo; como vê a educação escolar que atualmente existe no
município; se adotou alguma determinação para fechar escolas
do meio rural; caso tenha determinado, por qual motivo; e se há
previsão de reabertura de alguma escola fechada.
O ex-secretário é especialista em Matemática e atuou, em
2016, durante 12 meses como gestor. Ele falou sobre como vê a

200 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
educação atualmente: “vejo como uma situação péssima para
o município”. Segundo ele, a educação é “uma saída para os
estudantes mudarem de vida”. Ao ser questionado se adotou
alguma medida para o fechamento de escolas, respondeu que não.
O secretário de educação em exercício é formado em
Educação Física e tinha, à época da entrevista, 11 meses na
gestão. Ele afirmou que considera que alguns casos “devem
ser revistos, juntamente com políticas públicas que garantam a
permanência do homem do campo no campo.” Sobre a educação
atualmente existente, respondeu: “a educação está mais voltada
para a formação psicossocial e deixando a desejar na formação
específica”. A respeito de ter ou não tomado decisão de fechar
escolas, disse que “não; é uma política que ocorreu em gestão
anteriores”. Ao ser indagado se pretende reabrir escolas fechadas,
ele respondeu que não, que “a secretaria está estudando algumas
possibilidades que dependem da demanda, principalmente na
Educação Infantil”.
Como podemos observar, os secretários entrevistados se
declaram não responsáveis pela determinação de fechamento
das escolas e parecem atribuir a decisão a outros agentes da
gestão. Apesar disso, é possível compreender que ao assumirem a
secretaria de educação do município, não tomaram providências
para que essas escolas fossem reabertas. Quanto à possibilidade
de reabertura, o gestor estabelece relação com a demanda, embora
tenha sido observado na pesquisa a existência de procura. Em
pesquisa de levantamento na comunidade Panasco, identificamos
que havia 15 crianças de 3 a 6 anos que poderiam estar estudando
na escola que se encontra fechada, e que todas essas crianças
estão estudando na creche da cidade.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 201


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que alcançamos os objetivos estabelecidos


para esta discussão. Ainda que tenhamos enfrentado algumas
limitações para alcançar um número maior de pessoas entrevistadas,
em razão do período pandêmico, foi possível delinear um quadro
de respostas que explicitou as principais repercussões provocadas
pelo fechamento da escola na vida dos estudantes, das famílias e
da comunidade.
Identificamos que o fechamento das escolas no meio rural
do Brasil ocorre rapidamente em determinado período, deixando
uma parcela de estudantes sem escola, e mesmo havendo
mecanismo legal para coibir esse processo, não há a devida
observação dos gestores, tampouco a fiscalização necessária. Os
dados analisados ratificaram que a comunidade não foi ouvida,
não indicando, pois, acordo com a gestão, ou seja, a lei que
dificulta o fechamento das escolas do campo não foi respeitada.
Verificamos que o fechamento de escola desencadeia um
conjunto de repercussões que podem levar à desistência, mesmo
havendo nucleação, pois em casos em que os educandos conseguem
continuar frequentando, há o risco evidente de desenraizamento,
ao mesmo tempo em que são necessários grandes sacrifícios dos
estudantes e de suas famílias – nem sempre suportáveis.
Foi o que se constatou com o fechamento da EMEF Sancha
Martins Benvindo, que além de provocar os prejuízos relatados
individualmente e pelas famílias, representa perdas para a
comunidade, que deixou de ter um equipamento público que foi
instalado com investimentos da população. Ademais, a escola é
parte fundamental no processo de afirmação dos direitos para
que as famílias permaneçam no campo e criem condições de

202 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
contribuir com o desenvolvimento da política de assentamento e
da reforma agrária.
Quanto ao rendimento dos educandos, as respostas dos
estudantes indicam que houve queda: cinco deles afirmaram que
piorou, além de alegarem as dificuldades de acompanhar e fazer as
atividades; no casos dos pais, geralmente citaram o problema das
distâncias. Por sinal, todas as pessoas entrevistadas, com vínculos
direto com a comunidade, querem que a escola seja reaberta. Vale
ressaltar que no período da pandemia, quando as escolas do meio
rural no município de Cristino Castro enviavam atividades para
as residências dos estudantes, a questão das distância também se
tornou um problema para professores e gestores de escolas.
Pode-se dizer, finalmente, que a luta por uma educação
do campo precisa ir além da afirmação de mecanismos legais.
Sabemos que muitos passos foram dados, os quais trouxeram
alguns avanços importantes, mas agora precisamos garantir que a
lei seja cumprida, daí porque é imprescindível que continuemos a
cobrar de nossos representantes a viabilização desses direitos, por
meio da realização de políticas públicas capazes de transformar
essa realidade a partir de ações concretas que contemplem a
educação do campo e seus sujeitos.
Esperamos que os resultados deste artigo contribuam para
que os leitores, de forma crítica, tenham uma visão sobre como o
fechamento de escolas do campo dificulta a vida dos estudantes
camponeses e assim, possam colaborar para a mudança dessa
realidade.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Por uma


educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 203


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
ARROYO, M. G. Outros sujeitos, outras pedagogias. 2. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

ARROYO, M. G. Políticas de formação de educadores do campo.


Caderno Cedes, Campinas, v. 27, n. 72, p.157-176, maio/ago.
2007.

BORGES, D. G. O desmonte da educação do campo no nordeste


brasileiro: diagnóstico, mapeamento e análise do fechamento
de escolas do campo no estado do Piauí. Revista Linhas,
Florianópolis, v. 18, n. 36, p. 305-324, 2017.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República dos


Estados Unidos do Brasil (5 de outubro de 1988). Brasília, DF:
Senado Federal: Subsecretaria de Edições Técnicas, 2006. 364 p.
(Coleção Constituições Brasileiras, v. 3).

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.


2010. Cristino Castro. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.
br/brasil/pi/cristino-castro/historico. Acesso em: 13 jul. 2021.

BRASIL. Lei n 9.394/96: estabelece diretrizes e bases da


educação nacional. MEC: Brasília, 1996. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 13 jul.
2021.

BRASIL. Presidência da Republica. Casa civil. Subchefia para


assuntos jurídicos. Lei nº12.960, de 27 de março de 2014.
Brasília, 2014.

204 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
CALDART, R. S. Escola do campo em movimento. Currículo sem
Fronteiras, v. 3, n. 1, p. 60-81, jan./jun. 2003. p. 60-81.

CALDART, R. S. Educação do campo. In: CALDART, R. S. et al.


Dicionário da educação do campo. 1. ed. Rio de Janeiro; São
Paulo: Expressão Popular, 2012.

FERNANDES, B. M. Cuando la agricultura familiar es


campesina. In: HIDALGO, F.; HOUTART, F.; LIZÁRRAGA, P.
(ed.). Agriculturas campesinas en Latinoamérica: propuestas y
desafíos. Quito: Editorial IAEN, 2014. p. 19-34.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 57. ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 2014.

GIL, C. A. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo:


Atlas, 2008.

MARINI, R. M. Subdesenvolvimento e revolução. 5. ed.


Florianópolis: Insular, 2014.

MARTINS. J. de S. Exclusão social e a nova desigualdade. São


Paulo: Paulus, 1997.

MARTINS, J. de S. Expropriação e violência: a questão política no


campo. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1991.

MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa


qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2013.

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO MEIO RURAL E REPERCUSSÕES 205


NA VIDA DE EDUCANDOS E DA COMUNIDADE
NUNES, R. B. Entre baixões, chapadas e cerrados: uma
cartografia da educação do campo no sul do Piauí. In: NUNES,
R. B. (org.). Experiências, realidades e contextos da educação do
campo do sul do Piauí. CRV, 2017. p. 19-40.

PRADO JÚNIOR, C. História econômica do Brasil. São Paulo:


Brasiliense, 1998.

ROOS, D. A disputa pelo território: agricultura camponesa


versus agronegócio nos assentamentos do centro-sul
paranaense. In: XIII JORNADA DO TRABALHO, UNESP,
Presidente Prudente, 2012.

SILVA JÚNIOR, A. F. da; BORGES NETTO, M. Por uma educação


do campo: percursos históricos e possibilidades. Entrelaçando -
Revista Eletrônica de Culturas e Educação, ano 2, n. 3, p. 45-60,
nov. 2011.

206 Maria do Socorro P. da Rocha


Lucineide Barros Medeiros
REPETÊNCIA EM ESCOLAS
DO MEIO RURAL DO MUNICÍPIO
DE CURRAIS (PI)

Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros

INTRODUÇÃO

A repetência escolar é um dos assuntos mais preocupantes


dentre os problemas educacionais brasileiros. Diante dessa
realidade, resolvemos, em um processo de pesquisa, enfrentar o
seguinte problema: como se apresenta a situação da repetência
em escolas do meio rural no município de Currais – PI? Então,
definimos como objetivo geral colher dados sobre o desempenho
de estudantes em escolas do meio rural desse município, tendo
a especificidade da repetência escolar. Os objetivos específicos
consistiram em situar o fenômeno da repetência escolar no
contexto da realidade educacional brasileira e piauiense; identificar
o contexto geral da repetência no meio rural do Piauí; e conhecer a
situação do fenômeno no município piauiense de Currais.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 207


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Esse tema tornou-se relevante no contexto de experiências
de realização de práticas pedagógicas e estágios promovidos no
processo de formação no Curso de Pedagogia, na modalidade
educação do campo, quando iniciamos o estudo sobre a temática,
que apresentou alguns desafios envolvidos na presente discussão.
Sobre a construção metodológica da investigação que
fundamentou a discussão, foi realizada uma pesquisa de
abordagem qualitativa e quantitativa. Esta, segundo Minayo
(2016, p. 20), abarca, em complementaridade, duas dimensões:
a quantitativa, que aborda o fenômeno a partir da região “visível,
ecológica, morfológica e concreta”, e a abordagem qualitativa,
que “aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações
humanas, um lado não perceptível e não captável em equações,
médias e estatísticas”. Então, abrigada por essa perspectiva,
“interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.”
(MINAYO, 2001, p. 22).
O conjunto de fenômenos humanos que se buscou apreender
na pesquisa é entendido aqui como parte da realidade social,
e leva em consideração que o ser humano e as instituições têm
a faculdade de agir e operar mudanças. Esse processo também
é marcado pelo modo de construção e compartilhamento do
pensamento e das interpretações sobre a realidade. Nesse sentido,
implica esforço de apreender múltiplas dimensões em permanente
movimento.
Do ponto de vista da produção dos dados, realizou-se uma
pesquisa documental que, consoante Gil (2002, p. 46), muito
se assemelha à pesquisa bibliográfica, tendo como diferença
essencial entre ambas a natureza das fontes: enquanto a pesquisa
bibliográfica se utiliza, fundamentalmente, das contribuições de
autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental lança
mão de materiais, realizando algum tipo de tratamento analítico

208 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
ou reelaborado-os de acordo com os objetos da pesquisa, de modo
que o documento não fala por si, mas a partir da interpretação
que lhe é atribuída, ancorada em determinada base teórica e
epistemológica.
A atualidade da situação da repetência evidencia-se,
principalmente, no fato de que ano após ano, a problemática
reverbera no âmbito das escolas públicas e privadas. Na presente
discussão, focamos a realidade que se processa em escolas públicas
situadas no meio rural, compreendendo que elas carregam
especificidades e agravantes, sobretudo relacionados a problemas
socioeconômicos, culturais e geográficos.
De modo mais ampliado, a discussão recai sobre a realidade
da educação básica, particularmente considerando os anos iniciais
e os anos finais do ensino fundamental. Esse nível de escolaridade
também revela elementos específicos para compreensão, pois
representa, ao mesmo tempo, um momento de continuidade da
socialização iniciada na infância e na educação infantil, e o início
da fase de formação de grupos de pertencimento e de avanço
na apreensão de conteúdos sistematizados que influenciarão
as escolhas pessoais e profissionais. Outrossim, é um período
de desenvolvimento das condições psicossociais, intelectuais e
identitárias. Isso posto, é muito importante que esse processo flua
em ambientes e situações de acolhimento, valorização e incentivo
às descobertas que geralmente implicam múltiplas tentativas.
Assim, a avaliação, enquanto parte do acompanhamento e
da orientação do adolescente e/ou do jovem é fundamental, não
devendo ser resumida à aplicação de provas voltadas a testagens
baseadas em referenciais externos aos interesses e às necessidades
do estudante, mas em um processo que associe individualidades,
subjetividades e objetividades existentes nas dinâmicas sociais,
com suas exigências, seus provimentos e suas negações. Logo,

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 209


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
deve trazer a ideia de um olhar sobre seres em processo de
formação continuada em situação complexa, aberta e que envolve
responsabilidade social.
Este artigo está estruturado a partir de alguns passos:
inicialmente, apresenta-se uma discussão geral sobre a repetência
no contexto da educação brasileira e piauiense; na sequência,
sobre a repetência escolar no meio rural; por fim, promove-se a
análise dos dados sobre a situação do município de Currais – PI,
em diálogo com a cultura escolar da reprovação e da repetência,
tendo em vista os prejuízos sofridos por estudantes, famílias e
comunidade como expressão de um processo histórico de exclusão
que se mantém com forte manifestação no meio rural.

A REPETÊNCIA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


E PIAUIENSE

É importante compreender a problemática da repetência


escolar situando-a no contexto geral em que ela acontece e se
reproduz, pois não se trata de um fenômeno isolado na vida
de uma pessoa ou nos dados estatísticos de uma escola ou do
sistema educacional, mas de uma situação que envolve dinâmicas
individuais, comunitárias e sociais – daí a relevância de entender
como ela se processa.
De modo geral, é possível afirmar que a repetência escolar
tem causas variadas, a exemplo das relacionadas às condições
socioeconômicas, culturais, geográficas, à baixa qualidade do
ensino-aprendizagem, entre outras, ou seja, é uma realidade
multifatorial e multidimensional que envolve uma complexidade
de questões, remetendo à adoção de providências concretas
voltadas às situações locais, globais, estruturais e conjunturais.

210 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
A reprovação, de acordo com Arroyo (2004), consiste em
um traço cultural incorporado à tradição e aos valores sociais,
por isso não é fácil superá-la, pois implica mudança nesses valores
e na compreensões sobre o papel político e social da escola, bem
como do ensino-aprendizagem.
Trata-se de uma compreensão que se instalou como se
fosse natural, de que depois de determinado período de trabalho
escolar, umas pessoas sigam adiante e outras fiquem para trás, de
modo que chega a ser uma exigência social que a escola mostre
publicamente esses dois grupos e que isso, em certas situações,
seja associado à competência institucional.
Quantas vezes não nos deparamos com listas publicadas nos
locais mais visíveis da escola informando aqueles que passaram
de ano e os que o repetirão? Curioso é que isso é comunicado
como se fosse possível um ano ser repetido, como se cada ano não
fosse um novo ano, o processo ensino-aprendizagem não devesse
ser contínuo e lugar em que as pessoas vão se encontrando,
identificando-se, precisando de mais ou de menos ajuda para
seguir.
Freitas (2002, p. 311) destaca que a escola foi posta na
sociedade como agência mediadora entre hierarquias econômicas
e hierarquias escolares, e vice-versa: “[ ...] Não há que esquecermos
que a própria forma escolar ensina um certo sentido de ‘ordem’,
uma certa ‘posição nas relações de poder’, independentemente
da aprendizagem do seu conteúdo em si (disciplinas)”. Ressalta,
ainda, que não por acaso, o acesso à escola amplia-se em conjunto
com o controle do Estado sobre o aparato escolar.
Vale salientar que a problemática da reprovação é muito
mais marcante nos grupos menos favorecidos, tanto na formação
socioeconômica quanto política e cultural. Dessa forma, crianças,

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 211


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
adolescentes e jovens pobres e negros das periferias urbanas e do
meio rural são muito mais atingidos (ARROYO, 2004).
O controle social e institucional é fundamental para que
a escola cumpra o papel que lhe é reservado em cada momento
histórico, atendendo às necessidades impostas pelos interesses
econômicos que, por sua vez, definem, em última instância, a
política educacional. Isso posto, apesar do que está assegurado
nas leis e nos planos educacionais, os resultados mostram-se
sempre insatisfatórios, em termos de aprendizagem e fluxo escolar
(SANTOS, 2019a, p.18).
De fato, o que acontece é que vão sendo formados dois
grupos: o dos competentes e, por isso, promovidos; e o dos
incompetentes e, por consguinte, retidos, reprovados. Mas foram
reprovados em quê? Em tudo o que se passou durante aquele
período letivo? Não conseguiram aprender nada? Professores e
gestores conseguiriam responder a essas perguntas, ou apenas
conseguem mostrar provas corrigidas com tinta vermelha, c
cortado e outras marcas? O que essas provas dizem sobre o modo
com os estudantes foram acompanhados, sobre como foram
ouvidos e ajudados em suas dificuldades? Sobre as limitações da
escola e de seus professores? Acerca de seus rumos pessoais de
aprendizagem, sobre como isso se relaciona a desejo e interesse
de aprender?
Há situações em que professores e gestores escolares
chegam a apresentar a lista de estudantes reprovados como
troféus; em outras, como castigos exemplares. Uma questão que
se evidencia a partir desse quadro é: que tipo de reflexão essa
situação vem suscitando no processo ensino-aprendizagem; no
processo de aperfeiçoamento da cultura escolar; no processo
de desenvolvimento humano; no processo de avaliação, de
criatividade, de aposta nas capacidades das pessoas?

212 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
A avaliação vem sendo uma espécie de instrumento a
viabilizar os objetivos de exclusão pela reprovação: primeiramente,
promove a seleção e a classificação hierarquizada de modo que
os estudantes vêm ao longo de um período letivo postos em
uma escala de sucesso ou de fracasso; na sequência, dá-se um
processo de legitimação dessa exclusão, em que a pessoa excluída
se convence de que é culpada pelo seu fracasso e daí em diante,
aceita, juntamente com a família e os outros grupos sociais, que
não pode seguir adiante. Então, ao invés de a avaliação cumprir
seu papel no processo identificar dificuldades e indicar medidas
para saná-las, denota classificação e exclusão.
Assim, percebe-se que há a necessidade de mudar a concepção
sobre o papel da avaliação. Deve-se partir da premissa que todos
podem seguir juntos, muito embora em situações diferentes de
aprendizagem e, por isso, carecendo de atenção diferenciada.
Portanto, cabe adotar uma postura e prática avaliativa de modo
que os esforços se voltem para a valorização de todos os avanços
apresentados pelos estudantes, aliando avaliação qualitativa e
avaliação quantitativa (SANTOS, 2019a, p. 92).
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), da série compreendida entre 2010 e 2016,1 evidenciam
a situação de reprovação no ensino fundamental no estado do
Piauí, como se pode verificar no Quadro 1. Antes, importa
salientar que o estudante é considerado reprovado quando não
alcança resultados que permitam o seu avanço para a etapa ou
ano seguinte, e assim, não fica inapto a matricular-se neste.

1 Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/lista_tema.aspx?op=2&no=9.


Acesso em: 20 ago. 2021.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 213


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Quadro 1 – Percentual de reprovação no ensino fundamental
na rede pública do Piauí (2007-2016)
Piauí 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Taxa 16,9 16,4 14,4 13,2 12,8 13,5 12 12,4 11,1 11,5
Fonte: IBGE/INEP/Censo Escolar (2021).

Como se pode verificar, a taxa de reprovação no ensino


fundamental é alta e modifica-se pouco no período de dez anos. O
IBGE explica que os primeiros debates sobre a ampliação do ensino
fundamental para nove anos ocorreram em 1996, abrangendo
a faixa etária de 6 a 14 anos, quando da discussão e aprovação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº
9.394/1996. Dez anos depois, em fevereiro de 2006, foi assinada
a Lei nº 11.274, que em seu Art. 5º, estabeleceu o prazo até 2010
para a implementação da obrigatoriedade do ensino fundamental
e da pré-escola.
O ensino fundamental tem como objetivo, de acordo
com essa determinação: i) o desenvolvimento da capacidade de
aprender, tendo como meio básico o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo; ii) a compreensão do meio natural e social,
do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que
se fundamenta a sociedade; iii) o desenvolvimento da capacidade
de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
habilidades, e a formação de atitudes e valores; iv) o fortalecimento
dos vínculos da família, dos laços de solidariedade humana e da
tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
A seguir, o Quadro 2 mostra dados sobre a taxa de
reprovação, considerando as duas etapas do ensino fundamental.

214 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
Quadro 2 – Taxa de reprovação nos anos inicias e anos finais
do ensino fundamental na rede pública do Piauí (2007-2016)
PIAUÍ /EF 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Anos iniciais 18,3 17,4 15 13 11,8 12,4 9,8 11 10 10,2
Anos finais 14,7 15 13,4 13,5 14,3 14,8 14,7 14,2 12,5 13,3
Fonte: IBGE/INEP/Censo Escolar (2021).

Considerando-se os anos iniciais e anos finais do ensino


fundamental, concebe-se que a realidade dos anos iniciais, a partir
do ano de 2013, ganha uma melhoria, mas ainda se mantém em
situação preocupante; e nos anos finais, há praticamente uma
constância. A menor taxa da série nos anos iniciais foi de 9,8, no
ano de 2013; mas chegou a alcançar 18,3 em 2007, ou seja, no
primeiro ano da série. Porém, chegou a 2016 ainda representando
10,2. Nos anos finais, no ano de 2007, a taxa foi de 14,7, e chegou
ao ano de 2016 a 13,3, isto é, houve queda de somente 1,4 ao
término do 10º ano da série.
Conforme destacado anteriormente, a realidade da
reprovação leva a outras, dentre as quais está a distorção idade-
série. O IBGE produziu nota explicativa ressaltando que no caso
brasileiro, no sistema educacional seriado, reputa-se a idade de 7
anos como a adequada para o ingresso no ensino fundamental.
Assim, tem-se um referencial de idade para analisar se há ou não
distorção, e uma das causas para que ela aconteça é a reprovação.

Quadro 3 – Distorção idade-série no ensino fundamental na rede


pública do Piauí (2007-2010)
Piauí 2007 2008 2009 2010
Taxa 43,3 44,2 29,6 33,4
FONTE: IBGE/INEP/Censo Escolar (2021).

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 215


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Observa-se que houve uma diminuição na distorção, embora
alcance mais de um terço dos estudantes do ensino fundamental no
Piauí. Logo, tem-se um efeito cascata: a reprovação gera distorção
e estas podem ocasionar várias situações, incluindo o abandono
escolar – que se define na base de dados a partir da assiduidade
alcançada pelo aluno, em função de parâmetros legais, durante
ou ao término do período letivo. O IBGE publicou que no ano
de 2020, o Piauí ocupava o 6º lugar em distorção idade-série no
ensino fundamental, no conjunto dos 27 estados.

Quadro 4 – Abandono escolar no ensino fundamental na rede


pública do Piauí (2007-2010)
Piauí 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Estadual 7,9 7,9 6,2 4,5 3,4 3,6 2,9 3,1 2,6 2,6
Municipal 6,1 5,7 4,7 4 0,5 0,3 0,3 0,2 0,2 0,1
Fonte: IBGE/INEP/Censo Escolar (2021).

Como se pode vislumbrar, há uma queda substancial na


taxa de abandono, especialmente nas redes municipais, onde
atualmente se concentra a maior parte dos estudantes do ensino
fundamental. Todavia, essa leitura não pode ser desvinculada
da situação do financiamento, diante da qual manter crianças e
adolescentes na escola representa para os municípios, na política
de fundo, com dinâmica distributiva, ter acesso a mais recursos
financeiros.
Diante dessa realidade, denota-se a necessidade de adoção
de medidas locais específicas, no sentido de combater a evasão,
que também repercute no cenário da repetência. No entanto, esse
quadro não pode analisado sem levar em consideração a dimensão
da qualidade – o que não será possível nos marcos deste trabalho.
Sem embargo, sobre esse assunto, Freitas (2002, p. 302)
acentua que

216 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
as dificuldades para assegurar a melhoria da qualidade na
escola advêm da própria concepção de escola que se tem e de
como se concebe a possibilidade de aumentar essa qualidade
atualmente: por adição de controle sobre a escola (especialistas
supervisionando professores, controle do currículo, avaliação
interna e externa) e por adição de tecnologia (treinamento,
equipamentos, infra-estrutura etc.). Esta é a forma mais
“avançada” pela qual o capitalismo consegue imaginar a “escola
de qualidade”. Ela é herdeira de como ele vê a melhoria nas
outras instituições sociais, em especial nas empresas – troca da
base tecnológica e da forma de gestão da força de trabalho.

Frente a essa situação, Santos (2019b, p. 45), ao analisar a


experiência do estado de Minas Gerais, destaca que oferecer novas
oportunidades para a realização de provas não é suficiente, pois
não resolve a questão das carências, que exigiria “apoio individual
e/ou coletivo para esses alunos que, por si sós, não conseguem
superar as dificuldades acumuladas em seu percurso escolar”.
Complementarmente, salienta que a superação dessa cultura
requer ação coletiva e democrática.
Por sua vez, Santos (2019b, p. 84) conclui “que a melhoria
dos indicadores da escola, ou seja, a melhoria da qualidade da
educação envolve vários fatores”. Por cúmulo, requer a adoção de
um conjunto de ações que possibilitem a “mudança da cultura da
repetência como prática pedagógica e melhoria da aprendizagem
do aluno e, consequentemente, seu rendimento e fluxo”. E lembra
que “a parceria dos pais é de fundamental importância para que
a escola avance.”
No entanto, em oposição a ações desse tipo, amplia-se o
controle antidemocrático das dinâmicas escolares e, além disso,
são adotados mecanismos de ameaças diversas – explícitas e/
ou veladas –, o que pode levar à diminuição da segurança e da
autoconfiança do estudante, colocando-se na contramão dos
objetivos educacionais formalmente e publicamente afirmados,
que buscam sempre a inclusão e a superação das exclusões.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 217


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Nessa discussão, evidencia-se a realidade existente e que
perdura há muito tempo, mas, ao mesmo tempo, pretende-
se chamar a atenção para o fato de que se está diante de um
fenômeno que pode ser superado. Então, o intuito é colaborar
para a busca de caminhos que levem a essa situação desejada e
necessária.
Esse propósito leva ao encontro da proposta da educação
do campo, um fenômeno recente na política educacional brasileira
que já se encontra em disputa, e para realizar-se como projeto,
necessariamente, deve ter como ponto de partida a escola existente
no meio rural, e buscar a sua superação. Por isso, é oportuno
considerar algumas características da escola rural.

Para isto é preciso começar pela identificação do sujeito à que


ela se destina. De modo geral, o destinatário da educação rural é
a populaçãoAgrícola constituída por todas aquelas pessoas para
as quais a agricultura representa o principal meio de sustento”
(PETTY; TOMBIM; VERA, 1981, p. 33). Trata-se dos camponeses,
ou seja, daqueles que residem e trabalham nas zonas rurais e
recebem os menores rendimentos por seu trabalho. Para estes
sujeitos, quando existe uma escola na área onde vivem, é oferecida
uma educação na mesma modalidade da que é oferecida às
mesmas populares que residem e trabalham nas áreas urbanas
não havendo, de acordo com os autores, nem uma tentativa de
adequar a escola rural às características dos camponeses ou dos
seus filhos, quando estes a frequentam. (RIBEIRO, 2012, p. 293).

O Movimento da Educação do Campo posiciona-se contra


essa realidade e aposta em sua transformação, daí porque
propõe a educação do campo como alternativa (CALDART, 2012;
ARROYO, 2004).

218 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
REPETÊNCIA ESCOLAR NO MEIO RURAL E DESAFIOS DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO

É importante considerar que a escola e o processo educacional


se reproduzem na relação com as pessoas, suas identidades, seus
modos de vida e seus territórios. Assim, quando se destacam
determinados territórios e grupos sociais, fica nítido que a escola
tem a atribuição de promover o ensino-aprendizagem, mas
também o processo de superação de desigualdades históricas. Por
isso é que a partir da segunda metade dos anos 1990, a educação
do campo foi inscrita pelos movimentos sociais do campo na cena
educacional brasileira como estratégia de superação da exclusão
educacional, voltada à construção de um projeto de justiça social
para o campo.
A propósito, Caldart (2012, p. 257) salienta que

a Educação do Campo, sem se deslocar do movimento especifico


da realidade que a produziu, já pode configurar-se como
uma categoria de análise da situação ou de práticas e políticas
de educação dos trabalhadores do campo, mesmo as que se
desenvolve em outros lugares e com outras denominações,
indicadas por seus sujeitos ou pelas transformações em curso em
algumas praticas educativas concretas e na forma de construir
políticas de educação.

A construção da educação do campo compõe o processo


de lutas sociais que no Brasil se articularam nas resistências
contra violências no campo: desde o processo de colonização e
de escravismo; passando pelo movimento das Ligas Camponesas;
atravessando a ditadura civil-militar e a sua superação; a
elaboração e aprovação da Constituição de 1988; a implantação
do neoliberalismo no Brasil – cenário em que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza ocupações de terra
como parte do processo de resistência contra as violências que

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 219


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
atingem os setores populares do meio rural, historicamente, e
denuncia a negação do direito à educação e à escola.
A estratégia utilizada pelo MST voltou-se, primeiramente,
para a produção de experiências que servissem como referencial
para reivindicar a escola necessária, e a partir daí, a experiência foi
sendo construída na dinâmica da organização, ao mesmo tempo
em que era apresentada como proposição de política pública.
Nesse processo, outros movimentos e outras instituições foram
sendo envolvidos, formando-se o Movimento por uma Educação
do Campo.
Por sinal, Caldart (2012, p. 259) sobreleva que

a realidade que produz a Educação Campo não é nova, mas ela


inaugura uma forma de fazer seu enfrentamento. Ao afirmar a luta
por políticas públicas que garantam aos trabalhadores do campo
o direito à educação, especialmente à escola, e a uma educação
que seja no e do, os movimentos sociais interrogam a sociedade
brasileira: por que em nossa formação social os camponeses
não precisam ter acesso à escola e a propalada universalização
da educação básica não inclui os trabalhadores do campo?
Uma interrogação que remete à outra por que em nosso pais foi
possível, afinal, constituir diferentes mecanismos para impedir
a universalização da educação escolar básica, mesmo pensada
dentro dos parâmetros das relações sociais capitalistas.

A lógica que comanda esse processo, que é orientado por


interesses capitalistas, é a mesma que assegura a repetência
escolar, e na escola do meio rural, ela ganha ainda mais força,
pois conforme já destacado, soma-se a várias carências impostas
– internas e externas à escola.
Em pesquisa realizada por Santos (2019, p. 33) sobre o
assunto, foi evidenciado, com base em dados coletados junto a uma
escola do meio rural, que as causas da repetência mais relatadas
pelos sujeitos dizem respeito à prática docente, à participação dos
estudantes e à falta de conhecimento da realidade para tê-la como

220 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
ponto de partida. Os dados também indicaram problema em
relação à prática escolar e docente, descontextualizada, em que
faltam métodos diferenciados, especialmente com estudantes que
têm maiores dificuldades com conteúdos trabalhados de forma
tradicional, baseado somente no livro didático.
Contudo, essas explicações representam, na verdade, a
existência de outros fatores não evidenciados, tais como: falta
de professores do campo atuando nas escolas; problemas na
formação inicial e continuadas dos docentes; desvalorização no
tocante às condições de trabalho, salário e carreira; ambiente
escolar pouco atraente aos estudantes; falta de infraestrutura
de apoio pedagógico; dificuldades de acompanhamento por
parte dos pais, que geralmente têm baixa escolaridade; e na raiz
disso tudo, a falta de decisões e ações que superem esse quadro
histórico.
Dados do Censo Escolar, conforme referido, revelam a
gravidade do problema da repetência, da reprovação, da distorção
idade-série e do abandono. Outra categoria destacada no Censo é
o rendimento escolar, também conhecido como fluxo escolar, formado
a partir da compreensão de que os estudantes matriculados
podem ser aprovados, reprovados ou abandonar os estudos.
A partir daí, pode-se calcular o rendimento, que consiste no
resultado da soma de estudantes em cada uma destas situações.
Observando-se a série compreendida entre 2017 e 2020,
considerando-se a realidade da escola do meio rural do estado do
Piauí, tem-se a seguinte situação disposta no Quadro 5.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 221


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Quadro 5 – Rendimento na escola do meio rural na
rede pública do Piauí (%)
Rendimento Escolar 2017 2018 2019 2020
Reprovação anos iniciais EF 10,2 9,9 7,6 0,5
Reprovação anos finais EF 11,9 11,8 8,3 0,5
Reprovação EM 5,8 9,1 7,2 2,0
Abandono anos iniciais EF 1,3 11 0,8 0.9
Abandono anos finais EF 4,1 3,9 2,7 2,1
Abandono EM 16,7 14,7 13,0 7,8
Aprovação anos iniciais EF 88,5 89,0 91,6 98,6
Aprovação anos finais EF 83,9 84,3 88,9 97,4
Aprovação EM 77,5 76,2 79,8 90,2
Fonte: INEP/Censo Escolar (2021).

A partir da observação produzidas por Santos (2019b),


depreendeu-se que o problema da repetência escolar
também pode estar relacionado à prática escolar e docente
descontextualizada, daí porque é importante que sejam
trabalhados métodos diferenciados, nomeadamente com aqueles
que têm maiores dificuldades. Os conteúdos, quando trabalhados
de forma tradicional, não contribuem para o desenvolvimento,
principalmente quando o professor faz uso somente do livro
didático e de tarefas produzidas tanto pela escola quanto por ele
mesmo.

REPETÊNCIA ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)

Currais é um município brasileiro localizado no sudoeste


piauiense. Pertence à região do Alto Médio Gurguéia, dista 649

222 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
km da capital e tem uma área territorial de 3.156.657 km². Sua
população estimada em 2021 foi de 4.982 pessoas.2
No Censo do IBGE de 2010, a população estimada era de
4.704 pessoas, tendo uma densidade demográfica no memso ano
de 1,49 hab/km². No ano de 2018, o Produto Interno Bruto (PIB) per
capita era de R$ 55.151,51, enquanto o índice de Desenvolvimento
Humano (IDHM), apurado em 2010, era 0,542 (BRASIL, 2010).
De acordo com dados do Censo Escolar, o município
de Currais tem a situação sobre a matrícula geral delineada no
Quadro 6.

Quadro 6 – Matrícula total do Piauí e da rede municipal de


Currais – PI (2008-2019)
Ano Matrícula Total Matrícula Municipal
2007 1.594 1.504
2008 1.617 1.544
2009 2.220 2.110
2010 2.273 2.152
2011 2.247 2.081
2012 1.735 1.472
2015 1.588 1.323
2014 1.602 1.343
2015 1.512 1.343
2016 1.623 1.319
2017 1.655 1.351
2018 1.356 1.233
2019 1.339 1.201
Fonte: Laboratório de Dados Educacionais, a partir dos microdados do Censo
Escolar/INEP.

2 Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pi/currais/panorama. Acesso


em: 20 ago. 2021.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 223


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Como se pode deduzir, há uma diminuição no número de
matrículas, tanto no estado do Piauí quanto no município de
Currais. Na sequência, o Quadro 7 revela o número de matrículas
em escolas do meio rural no município de Currais – PI, nos anos
iniciais do ensino fundamental, considerando os tipos de área
territoriais observados no Censo: assentamento, terra indígena e
de remanescente de quilombos.

Quadro 7 – Matrícula na rede escolar do meio rural pública


municipal de Currais – PI (2007-2019)
Ano Matrícula Total
2007 458
2008 540
2009 781
2010 900
2011 752
2012 606
2015 461
2014 527
2015 517
2016 477
2017 431
2018 359
2019 310
Fonte: Laboratório de Dados Educacionais, a partir dos microdados do Censo
Escolar/INEP (2020).

De acordo com dados do Censo Escolar apurados pela


plataforma QEdu, 12 escolas da rede municipal do meio rural de
Currais – PI participaram do Censo Escolar de 2020, das quais
quatro participaram do exame Prova Brasil.

224 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
Quadro 8 – Escolas municipais do meio rural
de Currais – PI (2020)
Escola municipal do meio rural Nível/modalidade
Pré-escola, creche, anos inicias e anos finais do
EM de laranjeira
EF, EJA
GE Francisco Gabriel Pré-escola, anos inicias e anos finais do EF
UE João Martins de Sousa Anos iniciais e finais do EF
GE João Pinheiro Pré-escola, anos inicias e anos finais do EF, EJA
GE Joaquim Fernandes de Castro Pré-escola, anos inicias e anos finais do EF, EJA
Pré-escola, creche, anos inicias e anos finais do
UE Jorge Rodrigues dos Santos
EF, EJA
Pré-escola, creche, anos inicias e anos finais do
GE José Francisco Santana
EF, EJA
Pré-escola, creche, anos inicias e anos finais do
UE Marco Antônio Arantes
EF, EJA
GE N. S. Aparecida Anos iniciais e anos finais do EF
GE Odonel da Costa Rosal Pré-escola, anos iniciais e anos finais do EF
EM Santo Antônio Pré-escola, anos iniciais e anos finais do EF
EM São Marcos Pré-escola, anos iniciais do EF e EJA
Fonte: QEdu (2021).

Tomam-se as escolas que participaram do exame Prova


Brasil como referência para situar o próximo passo, no qual se
descortina a realidade das quatro escolas para analisar a situação
de rendimento escolar, por ser a que mais se aproxima do problema
da repetência. Considera-se, nesse contexto, que ela se realiza
por uma conjunção de problemas, como reprovação, distorção
idade-série e abandono escolar. Assim, primeiramente, destaca-se
a situação de reprovação em escolas do meio rural no Município
de Currais, como ilustra o Quadro 9.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 225


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Quadro 9 – Percentual de reprovação em escolas públicas
municipais do meio rural em Currais – PI
ANO/NÍVEL 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Anos iniciais 14,7 23,4 14,7 12,7 9,3 14,3 16,9 11,7 16,3 8,6
Anos finais 4,6 15,5 13,4 8,5 17,6 13,6 9,6 9,1 2,8 9,7
Fonte: Qedu.

Assim como no Piauí, em escolas do meio rural de Currais,


a situação da reprovação persiste, sendo maior em quase todo
o período analisado nos anos iniciais do ensino fundamental, o
que leva a deduzir que parte considerável dos estudantes pode
abandonar a escola antes de ingressar nos anos finais do ensino
fundamental. Assim, é importante conhecer os dados sobre a
taxa de abandono, tendo em vista a sua relevância no ciclo da
repetência.
Vale considerar que as notas explicativas do Censo Escolar
informam que a taxa acima de 5% indica a necessidade de definir
estratégias para conter o avanço da evasão; acima de 15%, a
situação indica que é preciso intervir no trabalho pedagógico o
mais rápido possível, pois muitos estudantes poderão ficar fora
da escola. Ressaltam, inclsuive, que índices altos de reprovação ou
abandono escolar podem aumentar a distorção idade-série.

Quadro 10 – Taxa de abandono escolar na rede publica


municipal do meio rural de Currais – PI
ANO/NÍVEL 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Anos iniciais 3,4 22,9 4,7 5,4 3,1 3,1 15,5 2,8 5,0 2,3
Anos finais 4,3 23,5 23,3 3,7 6,9 4,4 16,4 8,8 11,0 4,6
Fonte: QEdu (2021).

Considerando a realidade geral das escolas do meio rural,


toma-se uma situação mais particular: a de reprovação nas quatro

226 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
escolas da rede pública municipal dos anos iniciais e finais do
ensino fundamental, sendo três rurais e uma urbana. Na sequência,
são apresentados os dados sobre evasão nas mesmas escolas,
escolhidas por terem dados disponibilizados na plataforma de
busca, em razão de terem participado da Prova Brasil, conforme
explicado anteriormente.

Quadro 11 – Taxa de reprovação nos anos iniciais do ensino


fundamental em escolas da rede municipal de Currais – PI
Escola municipal
Localização Nível/modalidade 2016 2017 2018 2019
do meio rural
Pré-escola, anos
GE Francisco
Rural iniciais e anos 26,3 20,1 29,2 10,6
Gabriel
finais do EF
Pré-escola, creche,
UE Jorge Rodrigues
Urbana anos iniciais e anos 12,5 4,8 10,1 2,6
dos Santos
finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
GE José Francisco
Rural anos iniciais e anos 17,1 20,0 10,8 8,0
Santana
finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
UE Marco Antônio
Rural anos iniciais e anos 19,1 9,9 9,5 7,0
Arantes
finais do EF, EJA
Fonte: Qedu.

Examina-se como as taxas de reprovação são mais elevadas


nas escolas situadas no meio rural, e o mais preocupante é que
para parte da população, isso não parece um problema. Sobre essa
questão, Jacomini (2010, p. 899) avulta que estando arraigada
na cultura escolar, a reprovação entrou no imaginário de muitos
pais/mães e estudantes como algo vinculado a uma “segunda e
garantida oportunidade de aprender; acreditam também que a
reprovação é uma medida importante para pressionar os alunos a
estudar, contribuindo para a aprendizagem”.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 227


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
Tal impressão, do ponto de vista do real, mostra-se
equivocada, pois segmenta etapas, hierarquiza estudantes e em
quase nada repercute positivamente na aprendizagem, que deve se
dar como processo contínuo e permanente, avaliado e orientado,
de acordo com as necessidades existentes.

Quadro 12 – Taxa de reprovação nos anos finais do ensino


fundamental em escolas da rede municipal de Currais
Escola municipal do
Localização Nível/modalidade 2016 2017 2018 2019
meio rural
Pré-escola, anos
GE Francisco Gabriel Rural inicias e anos finais 21,9 0,0 0,0 0,0
do EF
Pré-escola, creche,
UE Jorge Rodrigues
Urbana anos inicias e anos 17,6 11,0 8,0 5,0
dos Santos
finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
GE José Francisco
Rural anos inicias e anos 9,3 2,5 0,0 7,1
Santana
finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
UE Marco Antônio
Rural anos inicias e anos 8,3 19,5 1,4 12,4
Arantes
finais do EF, EJA
Fonte: QEdu (2021).

Como se pode apreender, a situação das três escolas do


meio rural de Currais não se afasta da geral existente no Piauí: a
reprodução persiste, com exceção de uma escola que indica uma
disparidade em relação às demais; a última escola constante no
Quadro 12, U.E Marco Antônio Arantes, chegou a 2019 com alta
taxa de reprovação.
Vale destacar que a percepção equivocada de que a
reprovação é uma necessidade igualmente alcança o imaginário
dos estudantes: a maioria vê como algo necessário à escolarização
e, em certo sentido, bom, porque “ajuda os alunos que não
sabem”. “É bom porque se a gente repetir, tais mais uma chance

228 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
de aprender”; “Para poder ajudar aos alunos que não sabem, que
não aprenderam”. Na opinião desses estudantes, a reprodução é
um meio para garantir a aprendizagem, por isso não deve deixar
de existir (JACOMINI, 2010, p. 899).
A refedida autora enfatiza que o processo ensino-
aprendizagem é marcado por objetivos estruturados nas ações
de determinado período, que precisa ser flexível e relacionado
a condições favoráveis em sala de aula, na escola, na família na
comunidade. A seguir, apresentam-se dados sobre a evasão nas
mesmas instituições.

Quadro 14 – Evasão nos anos iniciais do ensino fundamental em


escolas da rede municipal de Currais
Escola municipal
Localização Nível/modalidade 2016 2017 2018 2019
do meio rural
Pré-escola, anos
GE Francisco
Rural inicias e anos finais 10,5 0,0 1,6 1,8
Gabriel
do EF
UE Jorge Pré-escola, creche,
Rodrigues dos Urbana anos inicias e anos 12,8 8,7 3,2 3,2
Santos finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
GE José Francisco
Rural anos inicias e anos 5,6 1,1 6,0 0,0
Santana
finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
UE Marco
Rural anos inicias e anos 6,6 0,0 0,0 0,0
Antônio Arantes
finais do EF, EJA
Fonte: QEdu (2021).

Os dados indicam que a UE Marco Antônio Arantes zerou


a evasão entre 2017 e 2019, uma situação singular, se comparada
às demais escolas, apesar de que o GE Francisco Gabriel também
zerou no ano de 2017, porém em seguida, voltou a apresentar tal
fenômeno. A evasão é uma situação cada vez mais indesejada pelos

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 229


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
gestores, não exatamente pelo que representa em si, em termos de
exclusão, mas geralmente pela necessidade de manter o número
total de matrículas no município estável, considerando a política
de repasses de recursos federais que tem o número de matrícula
como principal referencial na definição do cálculo.

Quadro 15 – Evasão nos anos finais do ensino fundamental em


escolas da rede municipal de Currais – PI
Escola municipal
Localização Nível/modalidade 2016 2017 2018 2019
do meio rural
Pré-escola, anos
GE Francisco
Rural inicias e anos finais 12,5 8,6 3,0 0,0
Gabriel
do EF
UE Jorge Pré-escola, creche,
Rodrigues dos Urbana anos inicias e anos 28,1 15,3 5,2 3,0
Santos finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
GE José Francisco
Rural anos inicias e anos 2,3 3,3 15,7 9,0
Santana
finais do EF, EJA
Pré-escola, creche,
UE Marco
Rural anos inicias e anos 21,7 0,0 4,3 1,4
Antônio Arantes
finais do EF, EJA
Fonte: Qedu.

Visualiza-se que entre os anos 2016 e 2017, há uma diminuição


e somente em uma das escolas, no ano de 2018, a evasão foi
elevada, inclusive nesse caso, mais que nos anos anteriores – são
situações que só poderiam ser explicadas com o suporte de outra
estratégia metodológica.
Conforme já mencionado antes, a evasão e a repetência
são fenômenos interligados que se retroalimentam e produzem
consequências que se espalham no processo geral de escolarização,
reforçando a exclusão social. No entanto, a evasão consiste no
momento em que mais se evidenciam as consequências de um

230 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
processo de ensino-aprendizagem deficiente. No meio rural, essa
situação expressa mais do que problemas da escola em si, pois traz
consigo uma carga de negações existentes no processo histórico,
como dito em outro momento.
Aliás, a repetência se expressa como um indicador de
ineficiência grave no fluxo escolar, e

embora a verdadeira dimensão desse problema só transpareça


quando se consideram os custos financeiros para a sociedade.
Uma recente estimativa do Banco Mundial aponta que o Brasil
gasta mais de 11 bilhões de reais por ano com estudantes que
repetem de ano, o que corresponde a 12% do total das despesas
no ensino básico. (BRUNS; VANS; LUQUE, 2012 apud ANJOS;
MIGUEL, 2020, p. 898).

Não é possível afirmar qual é realmente o quadro de


repetência em cada uma das escolas, pois não se teve acesso a esses
dados. Contudo, tendo em vista a realidade atinente à reprovação,
é possível inferir que a repetência persiste, com poucas exceções.
Não é excessivo lembrar que a repetência traz impactos negativos
não só para o aluno, mas para a própria família, possibilitando o
desinteresse em continuar os estudos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do processo de conhecimento que esta busca


favoreceu, apresenta-se uma discussão que considera as realidades
vivenciadas por estudantes no meio rural, buscando fundamentos
no contexto histórico e motivos que os levaram à repetência. O
trabalho foi desenvolvido a partir do questionamento: como se
apresenta a situação da repetência em escola do meio rural no
município de Currais – PI?
Diante disso, analisou-se o desempenho escolar em escolas
do meio rural de Currais, tendo em vista a realidade da repetência

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 231


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
e os objetivos específicos de situar o fenômeno da repetência
escolar no contexto da realidade educacional brasileira e piauiense;
identificar o contexto geral da repetência no meio rural do Piauí;
e conhecer a situação do fenômeno no município piauiense de
Currais.
Os objetivos foram alcançados, embora com algumas
lacunas, considerando a impossibilidade de acesso a dados na
secretaria das escolas no período da pesquisa, devido às restrições
impostas em virtude da pandemia de Covid-19. Mas ainda assim,
foi possível identificar, com base em dados quantitativos de Censos
do IBGE e escolar, o cenário geral que envolve a questão da evasão
no meio rural, evidenciando o caso do município de Currais. Este
não foi tratado como estudo de caso, porquanto não se trata de
uma singularidade, uma vez que a situação se repete com a mesma
gravidade em vários outros municípios do Piauí e do Brasil.
Percebeu-se que a repetência escolar vem se realizando como
um ciclo que mobiliza muitas situações diretamente relacionadas
a ela, e outras que funcionam como repercussões, a exemplo
da autoestima, das percepções sobre competência e qualidade
escolar, entre outras. É notável que há um número considerável
de crianças e adolescentes que passam pelo constrangimento
de serem taxadas de repetentes e, muitas vezes, no ano seguinte,
não contam com a atenção que mereceriam para terem suas
dificuldades superadas.
Concluiu-se que houve queda nos índices de evasão, contudo,
os indicadores de reprodução continuam elevados, o que levou
a inferir que a situação da repetência persiste. Essas situações
também denotam que há necessidade de adoção de estratégias
para conter não somente o avanço da evasão escolar, mas superar
essa barreira, sob pena de continuar inviabilizando a qualidade
educacional necessária a um desenvolvimento includente e
humanizado.

232 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
Portanto, a realidade geral das escola é preocupante para o
desenvolvimento educacional e, de modo especial, a da escola do
meio rural, por somar varias situações de exclusões históricas. A
repetência e a reprovação não podem ser vistas como uma situação
normal para a aprendizagem do estudante, principalmente
quando se trata de estudantes do meio rural.

REFERÊNCIAS

ANJOS, I. B. dos; MIGUEL, J. R. Evasão e repetências escolares:


desafios de consequências sociais imprevisíveis. Rev. Mult. Psic.,
v. 14, n. 51, p. 895-907, jul. 2020.

ARROYO, M. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos


e mestres. Petrópolis: Vozes, 2004.

CALDART, R. S. Educação do campo. In: CALDART, R. S.;


PEREIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (org.).
Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo: Expressão
Popular, 2012.

FREITAS, L. C. de. A internalização da exclusão. Educ. Soc.,


Campinas, v. 23, n. 80, p. 299-325, set. 2002. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 15 ago. 2021.

GIL, A. C. Como elaborar projeto de pesquisa. 4. ed. São Paulo:


Atlas, 2002.

BRASIL. IBGE. Currais. 2010. Disponível em: https://cidades.


ibge.gov.br/brasil/pi/currais/panorama. Acesso em 28 ago. 2021.

REPETÊNCIA EM ESCOLAS DO MEIO RURAL 233


DO MUNICÍPIO DE CURRAIS (PI)
JACOMINI, M. A. Por que a maioria dos pais e alunos defendem
a reprovação? Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 141, p. 895-919,
set./dez. 2010.

MINAYO, M. C. de S.; FERREIRA, S.; GOMES, R. (org.). Pesquisa


social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

MINAYO, M. C. de S. (org.). Pesquisa social. Teoria, método e


criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

RIBEIRO, M. Educação rural. In: CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.;


ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Dicionário
da educação do campo. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio; São Paulo: Expressão Popular, 2012.

SANTOS, T. A. dos. Repetência escolar nas séries iniciais em uma


escola que atende estudantes do campo. Monografia (Trabalho
de Conclusão de Curso de Licenciatura em Educação do Campo)
– Universidade Estadual do Piauí, UESPI, Teresina, PI, 2019.

SANTOS, R. K. dos. Desenvolvimento da educação e a cultura da


repetência: desafios da pepetência ao PNE e IDEB. Dissertação
Programa de Pós-graduação profissional em gestão e avaliação
da educação pública. Juiz de Fora, 2019.

SILVA, C. M.; FERNANDEZ, A. (org.). Metodologia da pesquisa


em educação do campo: povos, territórios, movimentos sociais,
saberes da terra, sustentabilidade. Vitória: ES: UFES: Programa
de Pós- Graduação em Educação, 2009.

234 Tatisanária Alves dos Santos


Lucineide Barros Medeiros
SOBRE AS AUTORAS E
OS AUTORES

Andréia Guimarães Felipe Evangelista


Licenciada em Educação do Campo (Ciências Sociais e Humanas)/
UFPI-CPCE. Especialista em Educação do Campo/UFPI-CPCE.
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Unicesumar.

Carmem Lucia Bezerra de França


Licenciada em Educação do Campo (Ciências Sociais e Humanas)/
UFPI-CPCE. Especialista em Educação do Campo/UFPI-CPCE. Fez
um trabalho de final de curso intitulado “Vidas Marias, mulheres
camponesas no curso superior de Licenciatura em Educação do
Campo: enfrentamentos e re(existencias)”.

Jânio Gomes de Carvalho


Licenciado em Educação do Campo (Ciências Sociais e Humanas)/
UFPI-CPCE. Especialista em Educação do Campo/UFPI-CPCE.
Foi educador popular no contexto da Escola Família Agrícola
Vale do Gurguéia (EFAVAG). Atua como articulador cultural em
comunidades camponesas localizadas no sul do Estado piauiense.

Kelci Anne Pereira


Graduada em pedagogia e em comunicação social; especialista
em comunicação popular e comunitária; mestre e doutora
em educação. Foi consultora do MEC/Secad/Unesco no

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES 235


âmbito da Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de
Alfabetização e EJA e coordenou projetos de extensão e pesquisa
ligados às temáticas educação popular e trabalho associado
em assentamentos rurais, pela Incoop e pelo Niase da UFSCar.
Atuou nos cursos de especialização em “Educação de Jovens e
Adultos” (UFSCar) e em “Educação do Campo e Agroecologia”
(USP/ENFF), integrando as equipes de docentes convidados
e a coordenação político-pedagógica dos cursos. Foi docente
da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) da UNB/
FUP e, desde 2017, é professora da LEdoC da UFPI/CPCE. Tem
experiência nos temas: educação do campo; economia solidária;
agroecologia; teatro político. É membro programa de extensão
e pesquisa Terra em Cena (UnB) e do Núcleo de Agroecologia e
Artes do Vale do Gurguéia (NAGU). Coordena a”Escola de Teatro
Político e Vídeo Popular do PI - Cenas Camponesas”. Faz parte
do grupo de pesquisa “Terra em Cena: teatro, audiovisual na
educação do campo” e do “Núcleo de Pesquisas e Estudos com
Comunidades Camponesas” (Diretório de grupos do CNPq).

Lucineide Barros Medeiros


Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí
(1998), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Piauí
(2004) e Doutorado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
- UNISINOS (2010); durante um semestre letivo (2009/1) esteve
integrada às atividades acadêmicas do Doutorado em Educação
da Universidad Pedagógica Nacional da Colômbia. É Professora
Adjunta, Dedicação Exclusiva, da Universidade Estadual do Piauí
- UESPI. Integra o Programa de Pós-graduação Interdisciplinar
em Sociedade Cultura da UESPI. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Movimentos Sociais e Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: Educação Popular,
Educação do Campo, Educação e Participação Popular.

236
Mara Franco de Sá
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do
Pará (1995), especialização em Educação e Problemas Regionais
pela mesma universidade (1996), mestrado em Educação pela
Universidade de Brasília (2000) e doutorado em Educação pela
Universidade Federal de Goiás (2016), com período sanduíche na
Universidade de Lisboa (2015). Atualmente é professora adjunto
da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na educação
básica e no ensino superior, atuando principalmente nos seguintes
temas: Sociologia da Educação; Trabalho e educação; Metodologia
de pesquisa; políticas educacionais; currículo integrado (EJA e
Educação profissional); fundamentos da educação de jovens e
adultos.

Maria das Mercês Alves de Sousa


Graduada em Pedagogia da Terra (UESPI). Especialista em
Educação do Campo/UFPI-CPCE.

Maria do Socorro P. da Rocha


Teóloga pela Faculdade de teologia Hokemah Fateh. Licenciada em
Educação do Campo (Ciências Sociais e Humanas)/UFPI-CPCE.
Especialista em Educação do Campo/UFPI-CPCE. Atualmente
é agente de saúde na zona rural de Cristino Castro (PI). Atuou
na educação do campo como professora do nível médio nas
disciplinas Sociologia, Filosofia e Geografia e no nível fundamental
nas turmas de EJA nas disciplinas de História e Geografia.

Maria do Socorro Pereira da Silva


Professora Adjunta Universidade Federal do Piauí (UFPI)
na graduação no Curso de Licenciatura em Educação do
Campo(LEDOC) e Professora do Programa de Pós-Graduação

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES 237


em Políticas Públicas (PPGPP - UFPI). Doutora em Educação
(UFPI) com Doutoramento Sanduíche no Centro de Estudos
Sociais (CES) na Universidade de Coimbra (UC) em Portugal.
Especialização em Docência do Ensino Superior, graduação em
Licenciatura em Pedagogia e Bacharelado em Administração.
Atualmente, na UFPI, desenvolve Pesquisa com bolsa na área
da Política de Estruturação e a Desinstitucionalização do
Pronera FASE II; na Extensão coordena o Projetos de Extensão
Universidade Popular e no Ensino Coordena a primeira Latu Sensu
com a Especialização em Educação do Campo da UFPI. Investiga
as áreas da Educação, Educação Popular, Educação do Campo,
Formação de Professores, Prática Pedagógica, Prática Educativa,
Ciência Descolonial, Universidade, Metodologias Participativas,
Investigação-Ação Participante, Política de Educação,
Globalização Colonial, Estado. Políticas Públicas. Coordena o
Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação, Ciência
Descolonial, Epistemologia e Sociedade (NEPEECDES). Autora
de Livro: Educação popular, pedagogia participante e incidência
política da escola de formação Quilombo dos Palmares (EQUIP)
no nordeste brasileiro; O perfil socioeducacional dos discentes da
licenciatura em educação do campo: impasses e desafios na luta
dos camponeses pela democratização da universidade.

Ozaias Antônio Batista


Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Humanas
da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e no
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas
(PPGCISH/UERN). Doutor em Ciências Sociais (UFRN). Mestre e
Licenciado em Ciências Sociais (UFRN). Pesquisador do Grupo de
Pesquisa Mythos-Logos: imaginário e parcerias do conhecimento
(UFRN), do Grupo de Pesquisa do Pensamento Complexo

238
(GECOM/UERN) e do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão
em Educação, Ciência Descolonial, Epistemologia e Sociedade
(NEPEECDES/UFPI). Membro da Escola de Teatro Político e Vídeo
Popular “Cenas Camponesas” (UFPI/UFERSA). Possui experiência
como professor no ensino médio, superior e educação a distância
nas disciplinas de Sociologia, Ciências Sociais e Educação. Tem
interesse por atividades de pesquisa, ensino e extensão que
abordem os seguintes temas: ciências sociais e educação; cultura
e imaginário poético.

Pâmela Torres Michelette


É professora Doutora, na área de História, na UFPI ( Universidade
Federal do Piauí), já foi professora da LEDOC/ UFPI/CCHL
(Licenciatura em Educação do Campo), entre os anos de 2013-
2021 e atualmente está lotada no Campus Ministro Petrônio
Portella-Teresina-PI, no departamento de Métodos e Técnicas do
Ensino.

Sebastiana Sousa Evangelista


Licenciada em Educação do Campo (Ciências Sociais e Humanas)
/UFPI-CPCE. Especialista em Educação do Campo/UFPI-CPCE.

Tatisanária Alves dos Santos


Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia, Modalidade
Educação do Campo (Campus Poeta Torquato Neto/UESPI).
Especialista em Educação do Campo/UFPI-CPCE.

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES 239

Você também pode gostar