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A Educação sob o enfoque de

Emile Durkheim
Rcgianc Aparecida Atisano

2.1 Introdução
0 presente capítulo tem o objctivo de apresentar sucintamente o método cienti-
ficode Émile Durkheim e suas implicaçóes no estudo da educação. Salientamos
queo período (final do seculo XVIII) cm que o autor se dedicou a este estudo
apresentavacaracterísticas diferenciadasdo atual, sendo importante destacar
que a teoria deve ser atualizada. Este também é um item a ser abordado por
essetexto, enfatizando as condições que a sociedade da informação nos traz no
ambiente educacional, sob o ponto de vista da moral.
Para tanto, passaremos pelos conceitos defato social, solidanccladc mecânica
e solidaricdadcorgânica, para, em seguida, contextualizarmos a forma como
Durkheim analisava a educação, sem desvinculá-la da necessidade de regulação
socialemergente na sociedade da época.

2.2 Durkheim e a Sociologia


Anteriormente a Émile Durkheim (1858-1917), o filósofo Auguste Comte
(1791-1857)já preparava o terreno para o desenvolvimento de uma nova
ciência,a Sociologia. Comte fundamentou grande parte de sua teoria sob o

27
28 Sociologiae Educaçáo- Leiturase Interpretações

enfoque das ciCnc1asnaturais, ou seja, a Sociologia (Física Social) teve os seus


principtos modelados conforme uma ciência natural, da qual se utilizou a
observação empírica, com formulacócs de leis, reforçando o caráter positivista
dessa ciência (ARON, 1999, p. 65-121).
Durkheim, de certa forma, deu continuidade a esse caráter, porém,
diferenciou-se de Comte quando intentou criar uma ciência independente e
com método próprio. A maior preocupaçãode Durkheim era imprimir uma
marca especifica para a Sociologia, apresentando-a como uma ciência distinta
das outras.
Para Durkheim, a ciência positiva Sociologia apresentava-se como um es-
tudo metódico que conduz ao estabelecimento de Icis, por meio da observação
e da experimentação indireta, ou seja, desenvolvia aqui o seu método compa-
rativo. O objetivo era investigar a constituição das instituições e explicar o seu
funcionamento, visto que a Sociologia "pode chamar instituição toda a crença,
todo o comportamsnto instituído ela colctividade, sem desnaturar o sentido
da expressão; a Sociolo ia seria então definida como a ciência as Instituwoes,
de sua génese e de seu funcionamento
M, 1 7 30
Para entender as instituições, era necessário fazer a comparação entre or-
ganizaçóes sociais em seus diferentes tempos históricos, a fim de
encontrarmos
"as leis que comandam a evolução dos sistemas as
causasque-determinagv:eu
desenvolvimento e suas consequências" (TURA, 2001, p. 37-38). Dessa forma,
¯Durkheim construía a ciência social, estudando a sociedade
e seus componentes
d€Torma empirica e objetiva.
Entretanto, no momento do estabelecimento da Sociologia como ciência,
Durkheim confrontava-se com a desconfiança da sociedade científica quanto
a este novo estatuto, pois era uma ciênciajovem que não apresentava,ainda,
dados suficientemente comprováveis, nem mesmo uma teoria densa e madura.
Para tanto, Durkheim demonstrou-se, em muitos momentos, rígido às críticas
e as mudanças em sua ciência, afinal tratava-se do reconhecimento dela como
ciência específica dos fatos sociais.
Uma outra característica que foi alvo de críticas à ciência de Durkheim
refere-se a sua postura consideravelmenteconservadoraou moralizante.
Entretanto, é importante notar que o período vivenciado por Durkheim teve
forte influencia nesse aspecto, ou seja, a França, a partir de 1848, sofreu
grandes perturbações políticas e sociais 3 com os novos agentes — burguesia
e proletariado. Esse contexto permitiu que, após as turbulências,os Estados

Sugere-se a leitura do artigo de TURA,2001.


Cap2 A Educaçáo sob o enfoque de Émile
Durkhetrn 29

reivindicassemuma nova ordem social.


O intuito era vencer a diferenciação
que o desenvolvimento do capitalismo e das
inovaçócs tecnologicas acarretava,
conduzindo a sociedad a uma dispcrsào dos
costumes, crenças e habitos. A
busca da coesão social era necessária_paraos
Estados recuperarem a estabili-
da-dc olitica, a moral, segundo Durkhcim, possibilitaria
essa coesão, tornando
comuns, novamente, habitos, costumes e crenças,
Esse contexto contribuiu muito para o desenvolvimentoda Sociologia
e, principalmente, para as análises por ela apresentadas. Para Durkheim, o
consensoe a homogeneidade eram itens recorrentes à constituição e funcio-
namento das organizaçócs, mesmo consciente das diversidades trazidas pelos
avanços tecnológicos e pela divisão do trabalho, proporcionados pela socie-
dade industrial.
Portanto,
I o crescente individualismo que a nova ordem social propiciava c a necessidadc
de fortalecer a educação moral da juventude, como estratégiade contenção dos
individualismos e do favorecimento dos processos de humanização realizados nas
instâncias da interaçào social. Era necessário pór muita coisa em ordem e este valor
estava fortemente arraigado em sua sociologia (TURA,2001, p. 32).
Sendo assim, a escola seria uma das instituiçóes_adequadasa recuperação
i da ordem social, visto que a transmissão de conhecimentos, hábitos, crenças e
costumes por parte dos professores permitiria a constituição da moral até então
ausente na sociedade.
Além desta necessidade de regulação social, Durkheim tinha, a seu favor, no
mesmo período, a ampliação do ensino público na França (desde o século XVII)
e suas formas de administração, reforçando o papel da escola como substituta da
família e da Igreja, principalmente em relação aos conhecimentos fundamentais
para a convivência social, como: posturas, regras, direitos e deveres, obediência
a autoridades, crenças, nacionalismo etc.
Durkheim de-
Assim, dentro desse contexto e das discussõessuscitadas,
o objeto como
senvolveu a Sociologia e seu método, definindo mais exatamente
fato social. E o que veremos agora.

2.3 0 que é Fato Social?


fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o
É
uma coerção exterior: ou ainda, toda maneira de fazerque é geral na
indivíduo
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência pró-
extensão de uma
manifestações individuais (DURKHEIM,1995, p. 13).
pria, independente de suas
30 Sociologia e Educaçáo —Leituras e Interpretações

A partir dessa definição, Durkheim desenvolveu o objeto da Sociologia e


as suas condicionantes: coercitividade, exterioridade e generalidade. Sem estas
tres características, nào estaremos diante de um fato social, pois elas o compõem
e o explicam.
capitulo específi_copara a área de educação, vamos tomá-
-Ia como exemplo para entender o fato social. Para Durkheim, a educação
exerce coerção sobre os indivíduos, obrigando-os a se conformarem aos
seus conteúdos, costumes e hábitos, desenvolvidos na escola e presentes
na sociedade, isto é, para que sejamos aceitos na coletividade em que vi-
vemos, é preciso que nos adaptemos às posturas por ela demandadas. A
educação também se apresenta de forma exterior ao indivíduo, ou seja, não
cabe a ele decidir ou desejar ser educado conforme os padrões estipulados
pela sociedade, isso já foi definido antes mesmo do seu nascimento, tem
existencia própria. E, por fim, a educação tem um aspecto geral, não se
trata de um caso isolado e, sim, de um mecanismo adotado na maior parte
dessa sociedade.
O sistema educativo de determinada sociedade tem características im-
bricadas de costumes, hábitos e crenças, condizentes com a realidade social,
política, económica e cultural. Quando Durkheim o caracteriza como um
fato social, não basta observar o comportamento individual para entender
sua extensão. Ele definiu as três característicascitadas acima para que en-
tendamos que um fato social só é explicado por meio de outro fato social, a
partir da investigação das instituições e a explicação do seu funcionamento.
A educação — fato social e instituição — apresenta-seindependente dos
indivíduos, ela é uma força maior do que eles, que lhes dita comportamen-
tos exigidos pela sociedade. Note-se também que Durkheim era ciente da
importância dos indivíduos para a constituição da sociedade, do fato social
ou de uma instituição, todavia, não era a parte que lhe interessava,e sim a
influencia que o todo tinha sobre as partes, por isso, tanta enfase nas insti-
tuições e suas diretrizes.
Cada classe, com efeito, é uma pequena sociedade, e será preciso que ela seja
conduzida como tal — não como se fosse uma simples aglomeração de indivíduos
independentes uns dos outros. Em classe, as crianças pensam, sentem, agem de
modo diverso do que quando estejam isoladas (DURKHEIM,1978,p. 74).
Outro aspecto de suma importância para Durkheim era o tratamento
do fato social. A objetividade foi mais um assunto bastante debatido para o
fortalecimento da Sociologia como ciência. Toda ciência apresenta seu mé-
todo e a devida imparcialidade nas análises subsequentes. Com a Sociologia
não foi diferente, porém, ressalta-se que não estamos falando do estudo de
Cap. 2 A Educaçào sob o enfoque de
Emite Durkhejrn 31

ou matérias, e sim dc seres


humanos etn vida social, da qual também
fazemos parte. Entretanto, isso, para
Durkhelrn, nao deveria ser considerado,
era necessário tratar todo fato social
como "coisa". Esse termo trouxe, para o
debate, muitos questionamentos sobre
a
quando se tratava de estudar as relações possibilidade ou não dc ser objetivo
sociais e suas instituições.Durkheim
argumentava de forma bastante clara e
dc estudo não poderia depender dos convincente, afirmando que o objeto
desejos ou das prenoções do cientista, e
sim ser analisado de forma distante
das concepções e opiniões próprias. O fato
social deve ser estudado como um material
que o cientista posiciona sobre a
mesa e o observa sob diferentes perspectivas,
procurando desvendar as mais
recônditasnuances que o olho do leigo, modelado
com as prenoções existentes
na sociedade, não pode ver.

2.4 Solidariedade mecânica e orgânica


para que possamos entender os conceitos de
SolidariedadeMecânica e Orgá-
nica, precisamos nos ater, primeiro, ao conceito
de Consciência Coletiva, a qual
é definida como:
[...l o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns
à média dos membros de
uma mesma sociedade [quel forma um sistemadeterminadoque tem sua vida
própria; I Sem dúvida, ela não tem por substratoum órgão único; é, por defi-
niçào, difusa em toda extensão da sociedade (DURKHEIM,1995).
Essa consciência coletiva é determinada pela moral dominante na socie-
dade, que estipula quais são as crenças, os hábitos, os costumes e a religião a
serem cumpridos e disseminados em sua totalidade:
1...1está se intentando estudar como as coisas se dão no contexto de seu tempo e
espaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que determina
formas de ver, sentir e pensar, que são forjadas de símbolos que se imbricam na
consciência coletiva e produzem representações coletivas (TURA,2001, p. 37).
Segundo Durkheim, essa consciência pode ser encontrada em dois tipos de
organizações: mecânica e orgânica. As sociedades fundamentam-se na divisão
do trabalho, a qual se apresenta como articuladora das diferentes funções, com
o fim de harmonizar a sociedade. Ocorre uma solidariedadecom autonomia
(mecânica) e com dependência (orgânica). A diferenciação é feita pela evolução
das sociedades, pois, para Durkheim, elas passavamdas mais simples para as
mais complexas.
O termo solidariedade pode ser entendido como organização,ou seja,
primeira, e mais presente em
a forma que as sociedades se estruturaram. A
32 Sociologiae Educaçáo- Leituras e Interpretaçóes

sociedades simples, e a mecânica. A solidariedademecanica se caracteriza


pela forte presença da consciênciacoleuva que mantém o consenso e a ho-
mogenetdade por melo da manutençao da familia.da religião, da tradição e
dos costumes, permanecendo, em geral, independente e autónoma em relação
a divisão do trabalho social. Essa autonomia na divisão do trabalho reflete a
semelhança encontrada nos diversos setorcs, não necessitando da interligação
de especialidades, ao contrario da solidariedade orgânica, caracterizada muito
mais pela diferenciação e especialização, que necessita, consequentemente,
da interdependência na divisão do trabalho. Essa interdependênciagera a
união social no lugar da tradição e costumes, porém, há um afrouxamento da
consciência coletiva, que, nesse caso, não mantem uma coesão por similitude,
e sim por inter-relação. A interdependência ocorre por meio da especializa-
çào, e é possível desenvolveruma autonomiapessoaldevido à dissoluçãoda
consciência coletiva.
A solidariedade pressupõe direitos e deveres e constitui uma função moral.
Entretanto, conforme as sociedades vão se desenvolvendo, aumentando a divi-
são do trabalho e modificando costumes e crenças, a moral sofre alterações que
propiciam um estado de desajuste,caracterizandoo que Durkheim chamaria
de "anomia"
I ...l na visão durkheimiana, as sociedades tem necessidades sociais que são materia-
lizadas na consciência coletiva. Contudo, se pode perceber, em diferentes circuns-
râncias históricas, que o aparecimento de novas necessidades sociais entra em
desacordo com o que se materializou nas consciências coletivas e nas instituições
sociais. Ou seja, no dinamismo do processo social se pode verificar a existência de
desajustes entre normas e costumes instituídos e necessidades emergentes. Estas
ultimas estão vinculadas ao progresso social (TURA,2001, p. 46).
As mudanças sociais podem partir de um subsistema específico e a consciên-
cia coletiva ainda não assimilou as novas crenças e valores referentes à mudança.
Por isso, Durkheim acredita em "uma nova moral para que a sociedade tenha
mecanismo de incorporação das novidades" (TURA, 2001, p. 47), a fim de sair do
estado de anomia. Essa nova moral fica a cargo de algumas instituições, como
a escola ou, até mesmo, o Direito. Este último se constitui para os dois tipos de
solidariedade: na mecânica, encontramoso DireitoRepressivo(DURKHEIM,
1977), próprio de uma sociedade com consciência coletiva coesa, que neces-
sita do Direito para manter a ordem social;já na solidariedadeorgânica,há o
Direito Restitutivo, característico de uma sociedade com especialidadese dife-
renciaçóes que também precisam ser reguladas socialmente, porém consciente
da não existência de uma homogeneidade, e sim de uma diversidadeoriunda
da divisão do trabalho.
Cap 2 A E docaçáo sob o enfoque de É mne Durkhelrn 33

Portanto. para Durkhclm, a sociedade apresenta instituiçOescapazes dc


regular a ordem social, sendo quc o Estado seria a primeira delas. Ele concede,
a outras instituiçóes, no caso a escola publica, o papel de transferir os valores
ctlCOS,costumes, direitos e deveres, respeitando as diferenciações constituintes
das sociedades complexas.

2.5 Sociologia da Educação


Vinhamosafirmando que o Estado Cum regulador social com o Intuito de esta-
bclecer a ordem na sociedade. A educação, sendo uma das funçócs do Estado,
consequentemente,torna-se também reguladoradessa moral.
A escola aqui Capenas uma das instituições que, no processo dc divisão do
trabalho social, assume para si a tarefa especificade intermediar a coerção que
a sociedade exerce sobre o individuo, buscando completar mais rapidamente o
seu processo de socialização. Socializar C, para Durkhcim, o mesmo que edu-
car, ou seja, internalizar os traços constitutivos dos meios morais que cercam
o indivíduo (SOUZA, 1994, p. 8).
Concebendo as sociedades complexas com uma divisão do trabalho
muito mais desenvolvida do que as sociedadessimples,Durkheim entende
que as diferentes instituições da sociedade exercem suas funçõesdc forma a
integrar os indivíduos. Enquanto havia, nas sociedades simples, estruturas
pertencentes a um tipo de consciência colctiva, permitindo que ocorresse uma
coesão maior entre os indivíduos, nas sociedades complexas, com a divisão
do trabalho, não ha tanta coesão por meio da consciênciacoletiva,e sim pela
interligação necessaria entre as partes. Dessa forma, a escola apresenta-se como
uma instituição importantissima para a socializaçãoda moral primordial para
o equilíbrio da sociedade.
Essa socialização, segundo Durkheim, compõe o processo de aprendizagem
social que permite a absorção das formas de viver da sociedade, seja pensamen-
tos, atitudes, símbolos ou regras. No bojo dessa socialização,está a moral da
sociedade, a qual é constituida por alguns tipos de regras, direitos e deveres,
sistema de recompensa e castigo etc. Essa mesma moral também faz parte da
na
linha mestre de ensino nas escolas, ou seja, as praticas pedagógicas aclotadas
pertence. Os mesmos
educação não são desvinculadas da estrutura social à qual
instituiçõessociais,
principios desenvolvidos na sociedade, por meio de outras
constituição e as necessidades
são adotados na escola, a fim de acompanhar "a
último da escola como regu-
do organismo social" (TURA, 2001, p. 49). O fim
que proporcionasse a coação
ladora social é "difundir uma moral laica, racional,
social" (SOUZA, 1994, p. 8).
34 Socjologtae Educaçáo- Leiturase Interpretações

Portanto, a educação, para Durkheim, dcfme-se como:


.I a açáo exercida, pelas geraçócs adultas, sobre as gcraçócs que não sc encon-
trrrn ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar c desenvolver,
na criança, certo número dc estados físicos, intelectuais e morais, reclamados
pela sociedade politica, no seu conjunto, e pelo meio cspccial a que a criança,
particularmente, se destine (DURKHEIM, 1978, p. 41).

É nesta relação geracional de transmissão que o individuo adquirirá todos


os preceitos necessários à sobrevivência na sociedade. Existe um "património
de conhecimentos acumulados, da ciência produzida, dos sistemas de clas-
sificaçóes,de ideias, de fórmulas, de valores, de técnicas e, cspccialmente, a
linguagemprópria do grupo" que oferece suporte para a identificaçãodele
com o seu meio social. "Tudo isso resulta da cooperação, do aproveitamento
da experiência, do legado de cada geração que é conscrvado e que produzem
(sic) atributos humanos comuns" (TURA, 2001, p. 42).
Quando passamos a interpretar a sociedade moderna sob a luz da teoria
educacional dc Durkheirn, surgem questionamentos sobre a existência
desses preceitos comuns, sabendo que o desenvolvimento económico e
tecnologico dessa sociedade cria multiplicidade de ideias e costumes, o
que aparentemente demonstra uma fragilidadedo sistema de ensino como
regulador social. Há um desmembramento de princípios regulatórios,
principalmente se partirmos das concepções anteriores de moral, em que
esses preceitos se apresentam como um "ente social" de forte espectro que
influencia a todo o grupo. Hoje, parece não haver uma moral assim, de ca-
ráter rígido. Entretanto, existe uma moral nas sociedades atuais, não como
a concebíamos anteriormente (no século XVIII, segundo a moral religiosa),
e sim como uma moral fundamentada em novas concepções de mundo,
oriunda do enfoque religioso, tecnológico, racional, idiossincrático, enfim,
a moral das décadas atuais constitui-se de uma diversidademuito maior do
que a de séculos atrás.
Segundo Durkheim, o que ocorre, na verdade, é a ineficácia dos mecanismos
tradicionais, apresentando um certo desequilíbrio social. Todavia, conforme
estudos atuais, não acreditamosque aconteça uma exclusão total da moral, e
sim, como já afirmamos, há uma reestruturação dessa moral (CASTELLS,1999;
DE MASI, 2000; LIBÂNEO,2000). Princípios diferentes a compõem, principal-
mente no que se refere à nova ordem imposta pela sociedade de informação. E
claro que é possível identificar ulna "anomia", como o próprio Durkheim afir-
ma, porém, trata-se de uma fase de transição, durante a qual estamos sofrendo
alterações fundamentais em nossas atitudes, crenças, costumes, pensamentos
e representações.
Cap. 2 A Educaçáo sob o enfoque de Emile Durkhelm 35

Essa anomia, na época em que Durkheim estudava as Instituiçócs sociais,


apresentava-se como uma fragilidade da coesão social das instituições religiosas
tradicionais, por via do processo de racionalizaçãoda sociedade moderna. De
fato, esse processo é perceptivel em nossa realidade, entretanto, reafirmamos
que há uma nova constituição moral na sociedade a partir das concepções
informacionais.

2.6 Conclusão
A partir do enfoque durkheimiano, podemos entender a escola como uma das
instituiçócs primordiais para o desenvolvimentode uma consciência coletiva,
necessária para o estabelecimento do equilíbrio social. Diante dc tantas perturba-
çócs sociais oriundas dos setores económicos e políticos, presenciadas nacional
e mundialmente, entendemos que a escola, no momento, não alcança uma esta-
bilidade, e sim reproduz a multiplicidade de conhecimentos, as diferenciações
sociais de classe, os avanços tecnológicos, a profissionalização necessária para a
industrializaçãoe, consequentemente,toda a moral constituinte dessa diversi-
dade (BOURDIEU; PASSERON,1992).
O periodo é de oscilações, inclusive, pelo fato de a sociedade de informa-
cão propiciar mudanças rápidas, tanto de técnicas quanto de representações.
Um trabalho por nós desenvolvidosobre as representaçõessociais dos alunos
sobre a escola aponta para uma nova ordem que a escola está desvendando,
mas que ainda não está apta a responder,pois apenas se posiciona de forma a
atualizar seus equipamentos, pela posse do computador ou da internet, mas
ainda não desenvolve, em seus alunos, a interatividade que estas novas tecno-
logias propiciam fora da escola (ATISANO,2001).
Segundo Durkheim, a escola deveria preparar osjovens, por meio dos pre-
ceitos básicos, para a convivência na sociedade. Hoje, ela apresenta-se com esse
intuito, porém, formando-os não para a interpretaçãoe a análise critica sobre
a nova realidade, e sim como instrumentos laboriosos para a nova tecnologia.
Principalmente quando nos referimos à escola pública, que atende, em nossa
realidade brasileira, a uma parcela considerável da população, mas que, ainda,
não possui todo o equipamento quantitativo e qualitativamente necessário para
a preparação desse novo agente social.
Uma nova ordem social sendo implantada no mundo, a globalização é
um processo extensivo a todas as nações, e a escola não tem como fugir disso.
Ela tem sua participação preparatória para a inserção dos individuos nesse
contexto, entretanto, é preciso salientar a constante necessidadedos profis-
sionais da educação (professores, pedagogos, psicólogos, sociólogos etc.) de
36 Socjologta e Educação —Leituras e Interpretações

dar continuidade à fiscalizaçãodos trabalhos empenhados pelo Estado, para


que este, conforme Durkheim afirmava, cumpra seu papel de regulador social,
permitindo que não haja uso indevido da escola publica, a fim de atender a
interesses individuais.
A escola continua sendo uma instituição de importantíssimo papel na so-
ciedade, seja por scr reconhecida pela sua capacidade de instrução, seja pela sua
função socializadora. O desafio está lançado a todos nós; cumpre, devido a nossa
formação científica, apontar e efctivar as alternativas justas para o uso desta insti-
tuição secular e imprescindível para o funcionamento social.

Exercícios
1. Argumente sobre o interesse de Emile Durkheim pela educação, conforme
o contexto histórico que ele vivenciava.
2. Explique o que é fato social, utilizando a educação como exemplo.
3. Defina os conceitos de Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica.
4. Na sua opinião, qual é a aplicabilidade da teoria educacional de Durkheim
nos dias atuais?

Referências
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BOURDIEU, Pierre; PASSERON,Jean Claude. A reprodução. Elementos para uma
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LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências
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Cap 2 A Educaçáo sob o enfoque de Emile Durkhelm 37

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TURA,Maria de Lourdes Rangcl. Durkheim e a Educaçáo. In: (Org.).
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