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“Todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos livros, cedo
desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição desse tipo. Esta lacuna
na instrução só pode ser preenchida por um estudo diligente dos jogos travados
Este parágrafo introdutório do texto de Freud sobre o início do tratamento poderia ser
identificar com facilidade os mestres da clínica psicanalítica. Freud deveria ser o maior
deles e, no entanto, basta ler os casos do pequeno Hans, do Homem dos Lobos e de
Dora, para mencionar apenas alguns dos mais conhecidos, para que constatemos os
tal pelos bionianos ou winnicottianos; da mesma forma que os expoentes de cada uma
existência de mestres tornou-se incerta, para abordarmos o tema dos usos e costumes do
analista.
A prática da psicanálise tem como um de seus fundamentos mais bem estabelecidos o
no entanto, com a constância de certos usos e costumes que cada psicanalista incorpora
dos atendimentos. Mesmo as práticas clínicas instruídas pelas teorias mais críticas dos
eventuais encontros entre analista e paciente fora do consultório, entre outras, têm
também sua importância na formação de psicanalistas pelo simples motivo de que elas
têm uma incidência sobre o desenrolar da análise e podem ser determinantes de seu
explorar uma das vertentes do tema mais amplo que é a formação do analista e, ao
mesmo tempo, retomar sob uma perspectiva ainda pouco explorada a reflexão sobre a
técnica da psicanálise.
Até que ponto um psicanalista pode permitir-se adotar modos, usos e costumes que se
instância, a produzir um efeito seletivo sobre a clientela, de tal forma que a cada estilo
de psicanalista corresponderia um determinado tipo de paciente. Se por um lado é
verdade, como dissemos, que não é possível fazer o expurgo total dos efeitos
sua aparência física até os objetos de decoração de seu consultório); por outro lado é
também verdade que o analista deveria ter uma boa consciência desses efeitos e alguns
recursos para impedir que eles produzam ou alimentem resistências. Deveríamos, então,
ficar atentos aos cacoetes que balizam nossa conduta nas entrevistas preliminares?
Deveriam nossos usos e costumes sofrer alguma variação de acordo com o quadro
clínico que se apresenta, com o diagnóstico que fazemos e com os "usos e costumes"
Ao lançar mão desses recursos, ele estaria certamente tentando evitar essa espécie de
desarmá-lo, para assim preservar as cristalizações egóicas com as quais se protege. Por
outro lado, esses recursos não poderiam se tornar uma forma reativa de mostrar
Esta questão nos conduz a uma outra, mais abrangente, sobre a qual precisamos refletir
Até que ponto podemos, ainda hoje, esperar que o desenlace de uma análise coincida,
como preconizava Lacan[2], com a consumação das miragens narcísicas que alimentam
acordo com uma lógica que respeita o percurso do significante e não o dos ponteiros do
revelou-se muito pequena. Além disso, numa época, como a atual, em que a ocorrência
Não se trata então de reduzir o problema dos usos e costumes do psicanalista à questão
dos efeitos imaginários que eles podem produzir na análise. Trata-se de reconhecer que
os obstáculos ao bom andamento de uma análise são muito mais complexos e que as
marcas pessoais do analista poderão trabalhar contra ou a favor desse bom andamento.
indispensável para que uma análise aconteça, não requer que a alteridade em questão se
importa para a preservação do lugar da alteridade na análise que o paciente saiba, por
ou paulista, etc. Importa muito, por outro lado, que o analista saiba evitar que esses
dados, que podemos chamar de biográficos, impeçam ou perturbem sua própria abertura
fracasso da análise. Existe uma sólida concordância, pelo menos na psicanálise francesa,
desconhecido e neste caso uma análise torna-se possível; ou bem ele resvala para uma
psicanalista de sustentar uma abertura irrestrita aos enigmas que se originam em sua
analista, apontando para o fato de que ele jamais poderá livrar-se do trauma resultante
condução de uma análise seria então assegurar que a transferência se dê neste nível:
que lhe foi transferido pela sedução involuntária e generalizada da qual nenhuma
criança escapa. Isto significa uma transcendência daquilo que funda a relação
“plena”, na qual o analista se tornaria o depositário daquilo que o paciente supõe poder
alteridade.
ao analista a vigilância dos efeitos de suas marcas pessoais, não no sentido de querer
liquidá-las, mas no sentido de conhecer os eventuais vínculos dessas marcas com seus
gerada em cada análise. Quanto mais eles puderem alimentar o enigma, maiores as
[1]
S. Freud, (1913) “Sobre o início do tratamento (novas recomendações sobre a técnica da
psicanálise I)” in Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XII, Rio de
Janeiro, Imago, 1969, p. 164.
[2]
J. Lacan, (1954-1955) O seminário – livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
[3]
J. Laplanche, « Du transfert : sa provocation par l’analyste », in La révolution copernicienne
inachevée, Paris : Aubier, 1992.
[4]
Cf. J. Laplanche, « The drive and its source-object : its fate in the transference » in Essays on
otherness, Londres : Routledge, 1999.