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AULA 1

TERAPIAS E TÉCNICAS
DA 3ª ONDA

Prof.ª Carolina M. Formighieri Ikeda


INTRODUÇÃO

As psicoterapias cognitivo-comportamentais são um conjunto de diferentes


correntes que apresentam, em comum, o pressuposto de que a atividade cognitiva
interfere em emoções e comportamentos. Sendo assim, podemos monitorar e
alterar essas cognições, afetando diretamente a ativação emocional e
comportamental do indivíduo.
A terceira onda aparece como um novo conjunto de terapias que sintetizam
e reformulam as gerações anteriores. Vamos, ao longo desta aula, entender o
contexto histórico das três ondas de terapias cognitivo-comportamentais,
explorando conceitos principais e contribuições pertinentes para a psicoterapia.

TEMA 1 – COMO SURGIRAM AS TERAPIAS


COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS?

A divisão de gerações ou ondas, dentro da TCC, foi proposta por Steven


Hayes, psicólogo e professor norte-americano, idealizador da Terapia de
Aceitação e Compromisso (ACT). Segundo o autor, a primeira onda é composta
pelas Terapias Comportamentais e a segunda pelas Terapias Cognitivas,
culminando no surgimento das Terapias Cognitivo-Comportamentais.
Existe certa confusão quando usamos o termo TCC. O que, exatamente,
ele define? Muito mais do que estar relacionado a uma única abordagem, ele inclui
uma família de teorias e intervenções, algumas mais tradicionais e outras mais
modernas, dentro das três ondas propostas. Começaremos com o surgimento das
terapias comportamentais.

1.1 Primeira onda: terapia comportamental

A primeira geração surgiu nos anos 1950, derivada da percepção, por


teóricos da época, de que não havia evidências empíricas na corrente
predominante da época, a Psicanálise.
Dois conceitos são fundamentais na origem das Terapias
Comportamentais, cuja influência pode ser vista ainda hoje em ferramentas
utilizadas nos processos terapêuticos. O conceito de condicionamento clássico,
apresentado por Ivan Pavlov, definia que um estímulo neutro pode ser
transformado em estímulo condicionado, que produz uma resposta condicionada.

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Seu experimento clássico com cachorros mostrou que os animais tinham a
capacidade de associar um barulho de sino à presença de comida; o toque do
sino já eliciava a salivação dos cães. Ou seja, algo que seria neutro (barulho do
sino) acabou virando um estímulo condicionado, gerando uma resposta
condicionada (salivação).
Edward Thorndike, por sua vez, desenvolveu o conceito de
condicionamento operante, mostrando de que modo consequências reforçadoras
ou punitivas contribuem para o aumento ou a diminuição de um comportamento.
O autor influenciou os estudos de B. F. Skinner e seu experimento com ratos
famintos – ao explorarem a caixa em que estão presos, os ratos aprendem que
receberão comida se pressionarem uma alavanca. Como esse comportamento foi
reforçado pela consequência, o animal aprende que, quando sente fome, basta
repetir o movimento.
Skinner acabou sendo um dos principais estudiosos da Teoria
Comportamental, cujo foco de trabalho direciona-se para o entendimento e a
modificação de comportamentos, por meio da utilização de técnicas baseadas nos
princípios de condicionamento citados anteriormente, como a dessensibilização
sistemática e a exposição. Essas intervenções mostraram-se eficazes para o
tratamento de diversas patologias, como fobias e transtornos de ansiedade.

1.2 Segunda onda: terapia cognitiva e terapia cognitivo-comportamental

A segunda geração teve uma contribuição significativa do teórico


canadense Albert Bandura, que desenvolveu a teoria da aprendizagem social,
com destaque para o papel das cognições e das emoções na aprendizagem,
considerando também o comportamento. Com base nisso, dois pesquisadores
desenvolveram teorias que conversavam entre si, e que são consideradas marcos
do surgimento das terapias cognitivas. Um deles foi Albert Ellis, que elaboro a
Terapia Racional Emotiva Comportamental; o outro foi Aaron Beck, com a Terapia
Cognitiva.
Beck trabalhava originalmente com a Psicanálise, mas percebeu que esse
método de trabalho não estava surtindo o efeito desejado com pacientes
depressivos. Então, buscou desenvolver um novo tipo de terapia, com foco na
percepção da influência dos pensamentos (que ele chamou de pensamentos
automáticos), nas emoções e nos comportamentos dos indivíduos. Assim, surgiu
a Terapia Cognitiva, ao longo da década de 60, que influenciou o cenário da

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época, em busca de modificações de pensamentos vistos como irracionais e/ou
negativos.
Aos poucos, diversos “cognitivistas” passaram a incorporar técnicas
comportamentais efetivas aos tratamentos de seus pacientes, construindo a
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Resumindo, o foco na cognição
somou-se ao foco nas emoções, sempre com base nos comportamentos, que são
os alvos da terapia.
Além de tomar pensamentos e crenças como objetos de estudo, a Terapia
Cognitiva de Beck também sublinhou a importância de uma relação terapêutica
colaborativa entre paciente e terapeuta, por considerar que essa dinâmica pode
auxiliar no aumento da eficácia das técnicas aplicadas.
Assim, a busca por uma prática baseada em evidências transformou a TCC
em uma referência dentro das abordagens psicoterápicas ao longo das próximas
décadas. Com o avanço da ciência e da neurociência, e a integração de
conhecimentos de outras filosofias aos processos psicoterápicos, alguns
questionamentos sobre tal visão teórica e sua eficácia levaram ao
desenvolvimento das abordagens conhecidas como de terceira onda.

TEMA 2 – TERCEIRA ONDA EM TERAPIAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS

As terapias de terceira onda sublinham a importância da visão contextual


do paciente. O contexto engloba os ambientes atuais em que a pessoa vive, como
o ambiente familiar ou de trabalho, assim como contextos da história de vida desse
indivíduo, considerando o desenvolvimento de seu aprendizado emocional. A
própria relação terapêutica se constitui como contexto a ser considerado, sendo,
em diferentes níveis, foco das intervenções. Ou seja, é fundamental entender
quais são as funções de tais cognições, emoções e comportamentos, muito mais
do que buscar uma modificação imediata.
Como veremos ao longo dos conteúdos, diversas influências colaboraram
para a visão contextual das terapias de terceira onda. Conceitos como aceitação
e mindfulness estão presentes, em diferentes níveis, nas abordagens que
veremos a seguir. Tais visões, que não são exclusivas da prática psicoterápica,
auxiliam na busca por assegurar uma maior qualidade de vida ao paciente.
Espera-se que o paciente seja capaz de entrar em contato com pensamentos e
emoções desconfortáveis, processo que pode trazer mudanças em sua vida.
Muito mais do que buscar por uma modificação do que é visto como irracional, é

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importante fortalecer uma postura de aceitação dos estados internos, de modo
que eles sejam compreendidos dentro do contexto em que aparecem. Só então
eles podem ser mudados, se for possível e necessário.

2.1 Principais abordagens exploradas na aula

As abordagens que vamos discutir em nossos encontros foram escolhidas


para garantir uma variedade de técnicas, que podem ser utilizadas mesmo que o
terapeuta não siga tal abordagem como referencial teórico principal. Lembramos
sempre que, muito mais do que saber uma técnica, é necessário que sua
aplicação faça sentido; para tal, é preciso estabelecer objetivos específicos dentro
do processo psicoterápico de cada cliente. São elas:

• Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness: protocolo que une


psicoeducação para depressão com base na Terapia Cognitiva e exercícios
de mindfulness para prevenção a recaídas de depressão.
• Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): busca pela aceitação de
estados internos, como necessários para que o indivíduo tenha ações
compromissadas, que possam direcioná-lo para uma vida que faça sentido.
• Terapia Focada na Compaixão (TFC): busca desenvolver a habilidade de
compaixão e autocompaixão, para que o indivíduo seja capaz de lidar com
dificuldades e emoções desafiadoras, principalmente a autocrítica e a
vergonha.
• Terapia Comportamental Dialética (DBT): união entre Teoria
Comportamental e princípios do Zen Budismo. Busca o equilíbrio entre
aceitação e mudança, buscando o aumento de comportamentos funcionais
e da capacidade de regulação emocional.
• Terapia do Esquema Emocional: busca entender quais são as crenças
que o indivíduo mantém sobre suas emoções, e como elas podem estar
relacionadas à desregulação emocional.
• Terapia do Esquema: identificar esquemas que influenciam na maneira
como indivíduo se relaciona e interpreta situações e estados internos;
busca entender como tais estados se relacionam com sensações
desconfortáveis e com frustrações de suas necessidades emocionais.

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Além dessas abordagens, vamos estudar brevemente a Psicoterapia
Analítico Funcional (FAP), a Terapia Cognitiva Processual e a Terapia
Metacognitiva, com o objetivo de encorajar os alunos a se aprofundarem.
Considerando uma visão contextual das terapias de terceira onda, uma
capacidade se mostra essencial: observar estados internos com mais
distanciamento, “ficando” com eles por mais tempo, para entender quais as suas
funções, de modo a conseguir lidar com eles de maneira mais saudável. No
próximo tema, vamos estudar dois conceitos que proporcionam o aumento dessas
habilidades.

TEMA 3 – MINDFULNESS E ACEITAÇÃO

A TCC, no início, focava na mudança das cognições, e como esse processo


impactava diferentes comportamentos e emoções. Porém, com o surgimento das
terapias de terceira onda, surgem ideias novas, relacionadas tanto aos construtos
teóricos como às aplicações práticas.
Os conceitos de mindfulness e aceitação são utilizados em diversas dessas
abordagens. É importante destacar que muitas pessoas, quando buscam um
processo terapêutico, apresentam uma alta expectativa por mudanças imediatas.
Um relato comum entre pacientes da TCC é que eles procuram essa abordagem
em especial porque ela é vista como mais “direta”; assim, os pacientes imaginam
que não será necessário ter muito contato com aspectos emocionais. No entanto,
a integração de ferramentas de mindfulness e a busca por aceitação se
contrapõem a essa busca.
Vamos entender, assim, a ideia de entrar em contato com nossos estados
internos, sem buscar mudança imediata, pode contribuir para o alcance dos
objetivos idealizados.

3.1 Mindfulness

O conceito de mindfulness (ou atenção plena) vêm sendo amplamente


utilizado hoje em dia, quando falamos de melhoria de qualidade de vida. Apesar
de os programas e intervenções baseados em mindfulness parecerem modernos,
tais conceitos se fundamentam em práticas muito antigas, como o Budismo. Essa
filosofia busca uma outra relação com o sofrimento, trazendo a ideia de que não

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podemos evitar a dor; no entanto, podemos lidar com ela de outra maneira, para
não sofrermos.
Apesar dessa influência espiritual, é fundamental esclarecer para os
clientes, principalmente os mais céticos, que a prática de mindfulness não é algo
esotérico ou místico. A Psicologia usa entende conceito como uma habilidade de
atenção que pode ser treinada, para que o indivíduo esteja mais consciente de
seus estados internos para, com isso, desenvolver ações diferentes do que teria
feito com base em uma postura mais automática, a qual tendemos a estar mais
acostumados.
Uma definição bastante utilizada vem de Jon Kabat-Zinn, médico e
professor conhecido por trazer o mindfulness para o ocidente, com o objetivo de
auxiliar pacientes a lidarem com dores crônicas: “consciência que surge em
prestar atenção, de propósito, no momento presente, sem julgamentos” (Kabat-
Zinn, 1990, p. 3).
A partir do momento em que o indivíduo consegue desenvolver a
habilidade de voltar a sua atenção para o interno, sem julgamentos sobre o que
esses estados significam, ele pode criar uma relação com eles, diferentemente do
que normalmente experenciamos, pois temos a tendência de nos fundir com
nossos pensamentos e emoções.
Por exemplo, vamos pensar em um cliente cujas queixas podem se
encaixar em um diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior. Algumas de suas
crenças podem incluir: “nada dá certo em minha vida” ou “nunca vou conseguir
sair dessa”. Com isso, ele sente-se desanimado e triste, como esperado.
Podemos dizer que esse cliente está em um processo de fusão cognitiva com tais
crenças, pois vê tais pensamentos como um reflexo acurado de sua realidade. O
contrário disso, a desfusão cognitiva, envolve a habilidade de nos relacionarmos
com nossos pensamentos de outra forma. Eles podem ser vistos apenas como
fenômenos, que não precisam ser necessariamente verdadeiros ou significativos.
Simplificando, um pensamento é só um pensamento, e assim podemos ou não o
levar em consideração, dependendo do contexto que estamos vivenciando e de
sua função.
Nesse exemplo, tais pensamentos acabam sendo disfuncionais, pois
enquanto o cliente enxergar que eles são verdadeiros, terá dificuldades para
acolher essas emoções e entender o que realmente está acontecendo. Assim, fica
mais difícil apresentar comportamentos que se direcionem para os seus objetivos.

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Assim, podemos entender que uma habilidade básica da TCC, a
identificação de pensamentos automáticos e crenças, pode levar a um caminho
diferente da reestruturação cognitiva, buscando modificações nas maneiras de
pensar. Podemos auxiliar o paciente a observar suas cognições e estimular a
flexibilização psicológica, um conceito muito utilizado pela Terapia de Aceitação e
Compromisso.

3.2 Aceitação

A Terapia de Aceitação e Compromisso tem como foco principal de sua


intervenção a promoção da flexibilização psicológica, que está diretamente
relacionada à capacidade de atenção plena. Conseguimos ser flexíveis em nível
psicológico quando estamos presentes em uma situação com consciência total e
abertura para essa experiência, como ela é. Com isso, podemos buscar, por meio
das mais diversas ações, aquilo que valorizamos e que faz sentido para a nossa
vida.
Vamos explorar essa abordagem mais adiante, mas precisamos focar em
um de seus processos mais importantes, que influencia diretamente na prática
dessa flexibilização: a aceitação. Louma, Hayes e Walser (2018, p. 13) trazem a
ideia de que a vida é feita de dores, para todos nós. Não é possível viver uma vida
plena sem estarmos sujeitos a vivenciar momentos dolorosos e sentir emoções
desconfortáveis. Para sermos amados e aceitos, precisamos estar dispostos a
lidar com a possibilidade de rejeição. A escolha está em como os indivíduos lidam
com o sofrimento em resposta às diversas situações da vida; ou seja, o sofrimento
pode ser limpo ou sujo.
O sofrimento limpo é inerente à vida, considerando que todos nós
passamos por situações que fogem do que gostaríamos. O sofrimento torna-se
sujo quando, em função de não querer sofrer, acabamos sendo inflexíveis
psicologicamente, restringindo possíveis fontes de reforçamento positivo. Se
pensamos em um caso de ansiedade social, por exemplo, sabemos que
indivíduos com esse transtorno apresentam a tendência de evitar contextos
sociais por conta do desconforto causado pela ansiedade intensa. Quanto mais
essa pessoa evita tais contextos, mais ela perde oportunidades de interagir e criar
conexões significativas com outras pessoas, ficando menos ansiosa em
interações. Ou seja, a busca por evitar uma situação que traz desconforto acaba
trazendo ainda mais sofrimento.

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Uma maneira diferente de lidar com essa ansiedade estaria na
identificação, na observação dessa emoção, com o auxílio de estratégias de
mindfulness, que permitem ao sujeito sentir as sensações como elas são.
Aumentar sua capacidade de ficar com essas emoções pode fortalecer, por meio
da prática, a segurança de que ele tem capacidade de lidar com elas; com isso,
pode conseguir fazer algo que o aproxime do que deseja: amizades e conexões
com outras pessoas.
Assim, percebemos que a aceitação é um processo ativo e não passivo,
como muitos tendem a acreditar. Quando aceitamos, nos tornamos capazes de
lidar com nossas questões de uma maneira mais flexível e menos automática, o
que leva a diferentes resultados.
Podemos aproveitar o termo ondas para entender a importância das
habilidades de mindfulness e aceitação. Se pensarmos nas ondas do mar,
podemos concluir: não importa o que façamos, elas sobem, atingem um pico e
descem. De certa forma, se assimilam às emoções, pois também podemos
observar, com mais distância, seu aumento e diminuição dentro de nós, aceitando
que esse processo é esperado e buscando habilidades que nos permitam viver
uma vida significativa, incluindo a capacidade de sentir emoções desconfortáveis.

TEMA 4 – COMENTÁRIOS SOBRE A DIVISÃO DAS TCCs EM ONDAS E VISÃO


INTEGRATIVA

Como vimos até agora, a divisão das terapias cognitivo comportamentais


em ondas auxilia na organização dessas diversas terapias, que se encaixam
dentro do modelo da TCC, mas com diferenças em relação à integração de outros
conceitos para o entendimento do funcionamento humano.
Porém, essa divisão não é universalmente aceita por todos os teóricos. Um
argumento frequente que desaprova o uso da ideia de ondas parte do princípio de
que tal termo sugere que cada uma dessas gerações representa uma evolução
em relação à anterior. Sendo assim, alguns profissionais interpretam que as
terapias de terceira onda são consideradas mais evoluídas, por serem a onda
mais atual; consequentemente, terapias anteriores seriam ultrapassadas.
É importante refletir sobre essa crítica, principalmente considerando que o
foco principal da nossa aula são as terapias da terceira onda. Talvez uma maneira
mais produtiva de pensar essas diversas abordagens seja por uma visão
integrativa.
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4.1 Visão integrativa

Uma questão frequente nos cursos de graduação em Psicologia é a busca


por uma abordagem teórica que possa direcionar o raciocínio do futuro psicólogo
clínico. Para o estudante, muitas vezes, esse é um momento que gera ansiedade,
considerando o número de abordagens existentes.
Uma visão que pode auxiliar os estudantes, e que está em alta quando
refletimos sobre as abordagens, é buscar maior integração. Muito mais do que
focar em vestir a camisa exclusiva de uma única abordagem, e sentir que precisa
fazer parte desse time para o resto da carreira, podemos pensar no que
exatamente cada abordagem pode oferecer, principalmente para o
desenvolvimento de habilidades e intervenções, buscando determinados
objetivos.
O que isso significa na prática? É importante, sim, ter uma abordagem de
maior identificação, que paute nossa postura como terapeutas, de acordo com o
que acreditamos e com base em evidências. Essa abordagem “principal” pode
direcionar a conceitualização do caso e futuras intervenções, da forma como
estamos acostumados. Contudo, podemos tornar o processo terapêutico mais rico
quando estamos abertos para o que outras abordagens podem oferecer.
Com isso, aparece a importância da conceitualização de caso,
independentemente da abordagem de escolha do clínico. Uma vez que tenha uma
visão clara e coerente do funcionamento de seu cliente, mapeando crenças,
emoções e comportamentos, e entendendo possíveis diagnósticos, pode passar
a beber de outras fontes, explorando técnicas e conceitos de outras visões, que
conversem com o objetivo do caso. A visão integrativa estimula um terapeuta mais
aberto às contribuições de diversas linhas teóricas, ao invés de limitar-se a uma
única abordagem.
Nas abordagens da terceira geração, essa perspectiva está sempre
presente. A Terapia Comportamental Dialética (DBT) integra conhecimentos da
Terapia Comportamental com conceitos do Zen Budismo. A Terapia Focada na
Compaixão (TFC) explora conceitos de psicologia evolucionista, neurociência,
Teoria do Apego, entre outros. A Terapia do Esquema (TE), além de ter uma base
cognitivo-comportamental, também explora conceitos da Teoria do Apego, da
Gestalt e das teorias Construtivista e Psicanalítica para enriquecer a sua prática.

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Ou seja, é essencial manter uma consistência teórica. Buscar uma visão
integrativa jamais irá implicar em usar de tudo um pouco, sem coerência ou lógica
para os objetivos daquele caso. Quando pensamos em técnicas, por exemplo,
precisamos tomar cuidado para aplicá-las, pois apesar de serem muito efetivas,
podem simplesmente não funcionar e, dependendo do caso, até desregular o
paciente. O que indica o sucesso da aplicação de uma técnica é o quanto ela faz
sentido para o que o terapeuta busca como intervenção naquele momento.
Ao longo dos conteúdos, vamos ver exemplos dessa visão integrativa na
prática, de modo a entender de que modo as técnicas de uma abordagem podem
estar a serviço de intervenções em outras abordagens. Mas antes, vamos
entender como outro aspecto essencial do processo terapêutico recebe um
destaque especial, em especial quando falamos de terapias da terceira onda.

TEMA 5 – RELAÇÃO TERAPÊUTICA

A relação terapêutica é outro fator importante quando falamos de processos


terapêuticos bem sucedidos. Além do conhecimento teórico e prático sobre
técnicas e intervenções eficazes, precisamos estar atentos à nossa postura como
terapeutas dentro do processo, e à forma como desenvolvemos um
relacionamento saudável com o paciente.
Gilbert e Leahy (2007, p. 20) trazem um conceito de Hipócrates, filósofo da
Grécia Antiga, que “sugeria que a relação entre médico e paciente era um ponto
chave no processo de cura”. No campo da Psicologia, a visão psicanalítica, ainda
segundo os mesmos autores, “trouxe o terapeuta como uma ponte entre o
consciente e o inconsciente do seu paciente, para que este pudesse trazer tais
conceitos à tona”. Para alcançar tal propósito, era importante que o terapeuta
tivesse uma postura mais neutra durante o processo.
A mudança dessa visão em psicoterapia foi trazida inicialmente por Carl
Rogers, que destacou a importância de prover condições para que os pacientes
possam achar uma maneira de se curar. Uma relação terapêutica boa, para ele,
é aquela que auxilia e estimula o paciente por meio de acolhimento e empatia. Os
estudos de Rogers foram inspiradores para o olhar das terapias de terceira onda,
pela forma como pensa a relação terapêutica.
Já Beck, com a Terapia Cognitiva, trouxe a ideia de uma relação
terapêutica colaborativa, que busca facilitar a descoberta guiada e investigar, junto
com o paciente, pensamentos e crenças para a sua modificação. Ou seja, a

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importância da relação terapêutica está, entre outros aspectos, em facilitar a
adesão das técnicas e a melhoria dos sintomas do paciente.

5.1 Relação terapêutica como intervenção

As terapias da terceira onda, por outro lado, buscam aprimorar outros


aspectos da relação terapêutica e entendê-la como um contexto capaz de
contribuir com a mudança do cliente “ao vivo”, ou seja, durante as próprias
sessões. A Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) é um dos principais exemplos
disso. Ela entende que, por sermos seres sociais, muito da nossa evolução se
baseia em relações interpessoais. Quando olhamos para a história de vida dos
pacientes, percebemos que muitas das questões vivenciadas hoje, e que são alvo
de mudança, estão baseadas na relação com o outro, como traumas, negligência,
frustrações do atendimento de necessidades emocionais etc. Sendo assim, a
própria relação terapêutica pode ser usada para a mudança comportamental,
considerando que se trata de uma relação entre duas pessoas, de modo que o
terapeuta pode intervir nos comportamentos apresentados no aqui e agora. Para
a FAP, a relação terapêutica é o principal foco da intervenção.
Outro exemplo é a Terapia do Esquema, que traz a ideia de que os
esquemas são ativados inclusive na relação com o terapeuta. Vamos entender
mais sobre os esquemas mais para frente; por ora, vamos focar no exemplo a
seguir. O esquema de arrogo/grandiosidade caracteriza-se por um indivíduo que
se sente superior aos demais, acreditando que deve levar vantagens por conta
disso. Na terapia, esse esquema pode ser ativado no paciente quando o terapeuta
se atrasa, por exemplo, por julgar que ele deve ser considerado uma prioridade
para esse profissional; muitas vezes, o paciente acredita ser “especial e
diferenciado”.
Uma vez que esse esquema apareça durante a sessão, é importante que
o terapeuta busque pontuar e discutir essa ativação com o paciente, de modo
apropriado. Esse esquema é validado, ou seja, existe uma razão para ele ter sido
desenvolvido, mas também é preciso mostrar o impacto que ele causa no outro –
nesse caso, o terapeuta. Ou seja, a própria relação terapêutica pode ser alvo de
intervenção do profissional, buscando reduzir a ativação esquemática. Por
exemplo, ele pode abordar como se sente ao perceber que o cliente age com
superioridade, mostrando que assim ele acaba diminuindo a possibilidade de se
ter relações saudáveis, pois a maioria das pessoas vai se sentir desconfortável ao

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ser colocada como inferior. A partir dessa intervenção, feita durante a sessão, o
paciente tem a oportunidade de generalizar essa percepção para outras relações,
observando o impacto dessa postura em suas relações, de modo a fazer
mudanças de vida efetivas.

5.2 Habilidades do terapeuta

Voltando à teoria de Rogers, o autor destaca a importância de validação e


empatia para as relações terapêuticas. Gilbert e Leahy (2007, p. 15) definem a
validação como “achar a validade no sentimento do outro, ou seja, entender o
porquê que o outro sente o que sente”. Considerando que as emoções são parte
essencial do entendimento do cliente, precisamos aprender a lidar com elas
durante a própria relação terapêutica. Habilidades de validação do terapeuta
acabam ajudando o cliente a se sentir mais à vontade para trazer e sentir emoções
durante a sessão. Apesar de muitos associarem a terapia com ativações
emocionais, como chorar, muitos pacientes podem ter visões disfuncionais sobre
as suas emoções, o que faz com que tenham medo ou busquem evitar a
expressão emocional ao máximo.
Entendendo esse aspecto, somos levados a perceber que muitas das
habilidades do profissional para promover a relação terapêutica buscam garantir
que a terapia seja um ambiente seguro para cada paciente. A própria ideia
de sigilo está relacionada com a segurança, pois a garantia de que tudo que o
paciente disser ficará entre ele e seu terapeuta faz com que ele se sinta à vontade
para expressar o que mais o afeta.
Além disso, o terapeuta, quando se torna uma figura confiável e estável,
proporciona sensação de segurança para o paciente. Para que consiga ter essa
postura, é essencial que o terapeuta entenda seu próprio funcionamento – daí a
importância de fazer terapia e buscar a supervisão de outro profissional.
Continuando com o exemplo citado anteriormente, a postura superior e
arrogante de um paciente com esquema de arrogo/grandiosidade pode ativar os
esquemas do próprio terapeuta, como defectividade/vergonha. Esse esquema faz
o indivíduo sentir-se defeituoso em algum aspecto, seja por conta de
características físicas ou por questões internas. Sendo assim, um terapeuta com
esse esquema ativado pode se sentir inferior e deixar-se manipular por esse
cliente. Quando isso acontece, a relação terapêutica não está sendo segura e
saudável para nenhum dos lados, pois há reforço da ativação esquemática dos

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dois. Se o terapeuta entende e percebe a sua ativação esquemática, pode retomar
sua postura terapêutica e considerar a situação de maneira mais distanciada,
mostrando para o cliente como seu comportamento o afeta, o que leva à ideia de
que o seu funcionamento pode mudar, levando a uma vida de conexões
emocionais mais saudáveis.

FINALIZANDO

Assim, finalizamos esta aula. Mais adiante vamos abordar em detalhes


conceitos teóricos e práticos das abordagens da terceira onda, assim como
exemplos de práticas integrativas.

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REFERÊNCIAS

GILBERT, P.; LEAHY, R. Introduction and overview: Basic issues in the


therapeutic relationship. In: _____. The Therapeutic Relationship in the
Cognitive Behavioral Psychoterapies. United States: Routledge, 2007. p. 15-
20.

KABAT-ZINN, J. Full Catastrophe Living: Using the wisdom of your body and
mind to face stress. United States: Delta, 1990.

LUOMA, J. B.; HAYES, S. C. WALSER, R. D. The focus of ACT and its six aspects.
In: _____. Learning ACT 2nd edition: an acceptance and commitment therapy
skills training manual for therapists. United States: Context Press, 2018. p. 13-36.

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