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QUANDO O LUTO SE TORNA UM PROBLEMA

Genivaldo Oliveira dos Santos*

A morte não é nada.


Eu somente passei para o outro
lado do Caminho.
Santo Agostinho

Resumo
O homem não foi educado para a morte, nem para perder. E quando
se encontra nessas situações não consegue passar naturalmente
pelo luto. Compreende-se o luto como manifestação pessoal de
tristeza em relação à perda de alguém ou de algo muito significativo.
É um processo que pode se tornar complicado quando essa fase de
tristeza vai além daquilo que é o habitual, permanecendo
interminavelmente numa única fase, impedindo a sua finalização e a
continuidade da vida. Assim, é hora de buscar ajuda.
Palavras-chave: Morte. Tristeza. Luto complicado. Tratamento.
Abstract
The human been was not educated to the death, neither to lose
something. When he finds himself in this looseness situation,
someone may not deal naturally with the mourning. Mourning can
be defined as a personal sadness manifestation related to the loss of
someone or a very important object that usually has a special
meaning. The mourning may become an issue when the sadness
period exceeds the habitual time, remaining in this situation and
preventing the person to finish the mourning up and also creating
difficulties to the reestablishment of the normal course of life. If this
situation is achieved, it´s time to find some help.
Key words: Death. Sadness. Complicated mourning. Treatment.

*
*Licenciatura em Filosofia (Instituto de Filosofia São José - PR). Bacharel em
Teologia (Faculdade Missioneira do Paraná - FAMIPAR). Formação em
Tanatologia (Rede Nacional de Tanatologia)
Perda significativa
Toda perda de alguém significativo naturalmente faz com
que se sinta tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, medo,
fadiga. Surgem também sensações fisiológicas, como vazio no
estômago, aperto no peito, falta de ar, nó na garganta, falta de
energia, boca seca e fraqueza muscular, a tal ponto de dificultar a
distinção entre o luto natural e aquilo que excede a naturalidade,
que se denomina luto complicado.
É sabido que uma pessoa enlutada não se esquece da que
faleceu. Dependendo do significado que o falecido tinha na vida
do enlutado, cada vez mais se torna presente a memória no dia a
dia, até que a pessoa enlutada não tenha mais a necessidade de
reativar a representação do falecido com intensidade exagerada
no dia a dia.
O tema do luto não é algo muito falado, pois a perda de uma
pessoa amada é uma das experiências mais intensamente
dolorosas que o indivíduo pode sofrer. É difícil tanto para a
pessoa que vive a perda quanto para aquela que observa e nada
pode fazer, sentindo-se impotente diante do sofrimento do
enlutado, pois o único conforto seria a volta da pessoa amada.
Qualquer ajuda no momento da perda e do sofrimento é inútil.
Às vezes a falta de empatia com a dor do outro faz com que
alguns ajam com indiferença diante da morte e do sofrimento,
até que aqueles que se mostram indiferentes também sofram
perdas, tornando-se capazes de agir com mais humanidade. Além
da morte, que é uma perda real, vivenciamos perdas simbólicas
de nascimento, dia dos pais, dia das mães, dia das crianças, que
fazem o sujeito expressar seu sentimento de perda. Isso causa
ambivalência, pois nossas emoções são diversas, assim como em
situações corriqueiras, também a ambiguidade das emoções se
manifesta no luto.
O primeiro ano do luto faz também pesar a dor diante do
sofrimento, mostrando que a realidade não é igual ao passado,
principalmente em datas significativas, como de nascimento, dia
dos pais, dia das mães, dia das crianças, etc.
As datas celebradas são gotas de realidade em que não se
pode negar o sentido de perda de cada um. É importante como
se celebra isso diante da perda, a reação psicológica importante
da proximidade no hoje pontua que a morte se deu, e o enlutado
não está só lembrando datas específicas, mas as está revivendo.
O enlutado sente falta do seu ente querido e esta clareza dos
fatos ajuda no processo de luto.
Luto normal e luto complicado
Há dois tipos de experiência do luto: o luto normal, que,
depois de vivenciado, dá lugar à restauração, como procurar novo
emprego, mudar para uma nova casa, pintar o cabelo, etc.; e o
luto complicado, que consiste em não se querer mudar a
situação, isolar-se, ficar com raiva, com tristeza; Suportar o novo e
se na oscilação percebe-se a volta da perda é viver o luto normal
dentro do processo dinâmico do luto.
Deve-se observar se o enlutado permanece na perda e não
caminha para a restauração ou, ao contrário, se não quer viver a
dor da perda e vive exclusivamente a restauração. Nos dois casos
o enlutado vive o luto complicado.
O processo dual do luto faz com que rapidamente se
perceba quando o indivíduo precisa de ajuda, já que a falta de
tratamento nesse caso provoca graves problemas psicológicos e
fisiológicos impedindo que supere a perda e dê um novo
significado à sua vida.
Para melhor entender o processo do luto e perceber quando
o enlutado precisa de ajuda, deve-se compreender as quatro
fases do luto normal descritas por Bowlby (2004): fase do
entorpecimento; fase de choque, com duração de algumas horas
ou semanas, podendo vir acompanhada de manifestações de
desespero ou raiva; fase do desejo e busca da figura perdida, que
também pode durar meses ou anos; fase de desorganização e
desespero; fase de reorganização.
Tarefas do luto
A primeira tarefa do processo do luto Worden (1998) é
aceitar a realidade de que a pessoa está morta, o que uma tarefa
muito difícil, pois o enlutado precisa enfrentar a nova situação,
por saber que, embora ele queira, aquela pessoa não irá voltar.
Em alguns casos, é comum que as pessoas fiquem
chamando o nome da pessoa falecida, ou até escutem barulhos
como se ela estivesse chegando de algum lugar.
A sensação de que a pessoa não irá retornar é dura e difícil,
e a maioria dos enlutados não consegue lidar com isso. Muitos
ficam paralisados nessa primeira fase do luto, por se recusarem a
acreditar que a morte é real. Nesse estágio, é comum que persista
uma esperança no coração do enlutado da volta do ente querido.
É comum observar pessoas que mumificam objetos do falecido
na esperança de que um dia ele volte e passe de novo a usá-los. É
uma fase em que se pode encontrar pessoas que negam a
realidade da perda para se protegerem, e a morte passa a ser
vista com menos significado do que tem na verdade.
Outra maneira de a pessoa não lidar com a situação da
perda é querer excluir tudo o que tem do falecido. Isso, num
primeiro momento, ameniza a dor, como se o sobrevivente se
protegesse a da ausência de qualquer artefato que poderia
colocá-lo face a face com a realidade da perda.
Para negar a finalidade da morte, alguns recorrem à
espiritualidade, que acaba trazendo um conforto, mesmo que
superficial, do enlutado com o ente querido. Porém esse tipo de
prática faz a pessoa não elaborar a aceitação do luto, levando
meses para sentir que a pessoa querida de fato morreu.
Trabalhar a dor da perda
É certo que o processo de encarar a morte de alguém varia
bastante de um indivíduo para o outro, e em alguns casos rituais
tradicionais ajudam a elaborar a perda. Perder não é fácil,
principalmente quando não somos educados para lidar com esse
tipo de situação.
Quando não há o sepultamento, é mais difícil elaborar a dor
da perda, por se viver um luto ambíguo. Para elaborar a dor da
perda, não há o tempo certo, mas é necessário fazê-lo ou a dor se
manifestará por meio de alguns sintomas ou alguma forma de
conduta inadequada. Nem todo enlutado consegue ser
moderado diante da dor da perda, alguns manifestam nesse
estágio raiva, tristeza, culpa, solidão persistente. Por isso, é
importante não permitir que o enlutado intensifique a dor, mas a
elabore de forma moderada e controlada para evitar uma
sobrecarga emocional. As perdas concretas e simbólicas nos
levam a uma motivação para vivermos melhor.
Desorganização da perda e desespero
A perda de sentido é comum ao enlutado durante a
elaboração do luto. A própria falta que faz o ente querido traz
grandes conflitos, pois qualquer coisa que o enlutado faça
sobrará a ausência e o silêncio inevitável daquele que partiu.
Pode haver a sensação de que nada mais tem valor, muitas vezes
acompanhada de um desejo de morte, pois a vida sem o outro
parece não valer a pena. Nesse período podem ocorrer distúrbios
na alimentação e no sono. Todavia, a perda é considerada como
uma crise que será enfrentada com as características que a
pessoa já possui.
Quanto mais forte o vínculo entre a pessoa falecida e o
enlutado, maior energia será necessária para o desligamento,
principalmente quando há dependência física ou psíquica em
relação ao morto, tornando a reorganização da vida ainda mais
difícil. Muitas vezes preencher o vazio da perda pode ser uma
tarefa muito penosa e alguns não conseguem fazê-la, levando a
um profundo desespero, principalmente se o relacionamento do
sobrevivente com o morto nos últimos momentos esteve
carregado de hostilidade, ressentimento e mágoa.
Os sentimentos persistem depois da morte, o que pode ser
desesperador, causando muito sofrimento ao sobrevivente e
podendo vir acompanhado de culpa, por se julgar o causador da
morte do outro. Essa desorganização prejudica as tarefas do luto,
com uma duração muito longa e características obsessivas,
configurando um luto complicado, patológico.
Continuar a vida, alguma organização
O tempo do luto é variável e em alguns casos pode até durar
anos, levando a uma profunda tristeza, desespero e desânimo
quando o enlutado recorda o morto, embora sinta isso com
menos frequência. Pode-se destacar que o traço mais
permanente no luto é o sentimento de solidão.
Na fase final do luto se processa a aceitação, que não se
pode confundir com um estágio de felicidade, mas é como se a
dor tivesse esvanecido, a luta tivesse cessado. Embora essa fase
traga novas buscas e aceitações, a saudade e a tristeza podem
retornar, tornando o processo do luto gradual e doloroso, mas
não concluído.
Podem ocorrer escolhas de baseadas na manutenção das
características do ser perdido, com as consequentes dificuldades
que tal processo acarreta. Outros permanecem sozinhos, por
acreditarem que nenhuma relação conseguirá substituir a que foi
perdida. Uma profunda tristeza é sentida quando se constata a
perda definitiva, até podendo haver a sensação de que nada mais
tem valor, muitas vezes acompanhada do desejo de morte. É
aceitável nessa etapa a pessoa pensar que a vida sem o outro não
vale a pena, pensamento que leva à constatação de que se
processa uma aceitação da perda definitiva e de que uma nova
vida precisa ser começada.
Considerações finais
A melhor forma de se dar uma resposta à morte é viver a
vida. A depressão é um sintoma do luto complicado, o quadro é
próximo ao da depressão normal, mas o luto é vivido como uma
tristeza profunda. Clinicamente não é diagnosticada
corretamente, e o agravante é que a sociedade não permite que
o enlutado expresse a sua dor.
A ditadura da felicidade própria do mundo ocidental
contemporâneo faz com que a pessoa não viva os estágios do
luto, e sua não elaboração leva o indivíduo ao luto complicado.
A morte não existe, é uma abstração, mas é um evento
pessoal e social, e o luto é um processo que tem começo, meio e
fim.
Não é permitido a alguém sentir tristeza e dor ao perder um
ente querido, há uma dificuldade de se deixar que as pessoas se
expressem e mostrem sua dor.
A morte de alguém não significa que também morramos,
mas justifica que podemos sofrer sem restrições, expressando
essa perda significativa. Alguns tentam mascarar a dor com
remédios, mas como não chorar se está doendo?
Todas as pessoas vivenciam este medo, o da mortalidade. É
paradoxal, por não lidarmos com a morte. A cultura ocidental
contemporânea nega a morte e tira a oportunidade de refletir
sobre a vida. Educar sobre a morte é uma necessidade e deveria
ser uma rotina natural. A educação que tivemos não nos permite
falar e refletir sobre a morte.
O complicado do luto é não viver as emoções
adequadamente, pois quando as pessoas sofrem perdas e
guardam seus sentimentos acabam sintomatizando, cada uma do
seu modo.
É importante verbalizar, falar da dor, expressar o sentimento,
para que o processo de luto ocorra de modo natural.
Cada um tem seu tempo, influenciado pela forma da morte, e
esse tempo deve ser respeitado.

Referências
BOWLBY,J. Apego e perda perda, tristeza e depressão, volume 3
da trilogia. 3º Edição. São Paulo Martins fontes, 2004.
FÄRBER, S. S. Da pedra à nuvem: um itinerário tanatológico à luz
da Sagrada Escritura. 214 p. Tese (Doutorado em Teologia) 
Programa de Pós-Graduação em Teologia, Faculdades EST, São
Leopoldo, RS, 2015.
KOVÁCS, M. J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 1992.
______. Educação para a morte: desafio na formação de
profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo,
FAPESP, 2003.
KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: EDART,
1977.
WORDEN,W.J. Terapia do luto. Um manual para o profissional de
saúde mental. Porto Alegre  Artes médicas, 1998.

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