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Ecofeminismo e Práticas Sociais das Mulheres

O ecofeminismo é um tema que tem início nos anos de 1970, sobretudo a partir
da Conferência de Estocolmo sobre meio ambiente. Tem início com um
movimento de mulheres que organizaram diversos protestos contra a
destruição do meio ambiente. Estamos nos referindo ao Movimento Chipko que
floresceu na Índia nos anos 1970, momento em que algumas mulheres
agarraram-se em árvores para impedir que estas fossem cortadas. Shiva e
Mies (1993, s.p.), assinalam dizendo que,

O movimento Chipko ficou bastante conhecido por sua


intervenção e protesto. Inspiradas pelo pacifismo de Gandhi,
mulheres indianas se uniram e abraçaram as arvores, para
impedir que fossem derrubadas e cortadas pelas madeireiras,
por conta disto, a palavra Chipko significa abraço.

O ecofeminismo é multifacetado. Possui diferentes correntes, mas sempre


envolvendo as mulheres e suas ações no campo da ecologia. Embora este
conceito tenha início no contexto das lutas ambientais, não se resume à
preservação do meio ambiente, esta é, pois, uma de suas vertentes. “Possui
diversas nuances, tanto é assim que se pode usar a expressão Ecofeminismos”
(MERCHANT, 1992, p.199).

A vertente do ambientalismo está associada à luta pelos direitos das mulheres


no contexto da luta pelos ecossistemas que sustentam a vida. Para Capra
(2004, p.27),

A exploração da natureza em particular, tem marchado de


mãos dadas com a das mulheres, que tem sido identificada
com a natureza através dos séculos. [...] . Os ecofeministas
veem o conhecimento vivencial feminino como uma das fontes
de uma visão ecológica da realidade.

Uma outra vertente do ecofeminismo é aquela associada às práticas sociais


das mulheres da floresta no contexto da Amazônia e da tríade
terra/floresta/água assinalada por Torres (2005). De acordo com esta autora,
“as práticas sociais destas mulheres se revestem de uma mística entrelaçada à
natureza terra/água/floresta, que dá significado simbólico e de gênero ao
trabalho por elas realizado (TORRES, 2017, p.46-49).
Essas mulheres assumem “responsabilidade com as formas de trato com o
meio ambiente, com os animais, as plantas, com a segurança alimentar, enfim,
com a vida do planeta” (TORRES, 2005, s.p). Trata-se de uma ação, um
projeto ético-político, “uma perspectiva de bem viver que tem nas práticas
sociais das mulheres e na sua organização política as relações com o
ecofeminismo” (TORRES, 2017, p.46-49).

As mulheres da floresta possuem uma força que vem do eterno feminino, a


energia da Pachamama, a Mãe-Terra, aquela que lhes inspira uma
espiritualidade. Ou seja, “a espiritualidade das mulheres é próxima da
espiritualidade presente na Terra” (TAVARES, 2015, p. 3).

Observe-se que o Ecofeminismo na Amazônia está ancorado a uma


cosmovisão que aponta para o fato de que os seres humanos são parte da
natureza. As práticas sociais das mulheres da floresta se dão sob os princípios
da cooperação, do cuidado com a terra, a água e a floresta, numa ambiência
de relações mútuas e de bem-viver, e na relação de afetividade com o
ecossistema. Ou seja,

Trata-se da construção de um sistema integrado e de harmonia


entre homens, mulheres e o meio ambiente [...] cuja relação é
de reciprocidade, afetividade e respeito com a natureza, vista
como teia da vida. Essa teia da vida tece a sociabilidade na
Amazônia do ponto de vista material e imaterial, numa
transcendência mística dos povos da floresta (TORRES, 2005)

Essas constatações, de acordo com Capra (2004, p.16-18), “envolvem os


aspectos de subjetividade e da alma que quer alcançar o bem estar da
existência humana, no caminho da terra sem males, bebendo na fonte do
princípio feminino”.

O princípio feminino mencionado por Capra pode ser visto, também, como
“força criativa” e se faz presente na diversidade da vida. Possui como
característica a criatividade, a produtividade, a conexão entre todos os seres
vivos. Shiva (1991, p.77), chama a atenção para o fato de que,

O princípio feminino recupera a mulher, o homem, e as formas


criativas de se perceber [...], para assim, olhar a natureza como
um organismo vivo, já em relação ao homem, o princípio
feminino situa novamente a ação e a atividade em função de
criar sociedades que promovam a vida e não a sua redução
[...].

Deve-se reconhecer, que, o princípio feminino, assenta-se numa expansão de


consciência, o entendimento de que as mulheres possuem uma relação
simbólica com a terra, na medida em que ambas são procriadoras e geradoras
de vida. Torres (2017, p.48), assinala dizendo que “as mulheres falam ao
mundo, comunicam suas existências por meio de suas práticas, com
procedimentos ético-políticos em torno do paradigma da casa comum [...], uma
convivência saudável e solidária nessa Casa-Mundo que é comunitária
(comum) [...]”. A autora está se referindo à relação das mulheres com o planeta
Terra.

Dentre as mulheres que desenvolvem práticas sociais mais populares estão as


parteiras, benzedeiras, rezadeiras, agricultoras, ceramistas, oleiras, artesãs,
xamãs, pescadoras, as meliponicultoras, as quebradeiras de coco de babaçu
dentre outras. Conforme Tavares (2015, p.3),

As práticas sociais dessas mulheres advém dos saberes


ancestrais (que as tornam curandeiras, rezadeiras, parteiras,
dentre outros), valorizados em função de uma relação com a
natureza, a partir de cotidianos em comunidades pequenas e
com caráter transformador de relações sociais.

O ecofeminismo destaca também a práxis da libertação e a construção de


novas cosmologias na medida em que o planeta é considerado um ser vivo, e
que seus elementos estão em interação. No âmbito destas discussões as
mulheres são tidas como importantes aliadas para a busca do desenvolvimento
sustentável. Conforme Torres (2019, s.p),

A forma pela qual as mulheres se relacionam com o ambiente


natural mostra que elas próprias têm como ponto de referência
as suas próprias vidas, ou seja, os papéis que elas
desempenham na reprodução social, cultural e biológica tem
implicações na questão ecológica, na medida em que as suas
interrelações sociais articulam e engendram práticas políticas
de sustentabilidade ambiental [...].

Deve-se reconhecer, por fim, que a relação de intimidade entre a mulher e a


natureza é simbiótica do ponto de vista das construções simbólicas. Elas
possuem uma energia do eterno feminino que lhes confere significado em suas
práticas sociais, como é o caso das parteiras, que utilizam seus dons naturais e
os saberes tradicionais para contribuir com o nascimento de uma nova vida.

REFERÊNCIAS

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. São Paulo: Cultrix, 2004.

MERCHANT, Carolyn. Radical Ecology: The Search for a liveable world. New
York: Routledge, 1992.

SHIVA, Vandana. Monocultivos y biotecnologia (amenazas a la


biodversidad y la supervivência del planeta) (trad. Ana E. Guyer).
Montevideo: Instituto del Tercer Mundo, 1991.
SHIVA, Vandana; MIES, Maria. Ecofeminismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.

TAVARES, Manuela. Ecofeminismo (S). Centro de documentação e Arquivos


Feministas. 2015. Disponível
em:http://www.cdocfeminista.org/index.php/pt/arquivo/66-ecofeminismo-s.
Acesso em: 05/01/2021.
TORRES, Iraildes Caldas. As novas Amazônidas. Manaus: Editora da
Universidade Federal do Amazonas, 2005.

TORRES, Iraildes Caldas. Gênero e ecoteologia na Amazônia: as práticas


sociais das mulheres na floresta. Brasília (DF), 2017.

TORRES, Iraildes Caldas. Mulheres, a Amazônia e o bem viver: A convivência


saudável do gênero feminino com a Casa-Mundo. Publicado em: Amazônia
Latitude. 2019. Disponível em:
https://amazonialatitude.com/2019/08/09/mulheres-a-amazonia-e-o-bem-viver/.
Acesso em: 07/01/2021.

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