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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO
AMBIENTE – PRODEMA
DISCIPLINA: Sociedade, Natureza e Desenvolvimento: Fundamentos (Módulo:
Sociedade)
DOCENTE: Dra. Márcia Leila De Castro Pereira
PERÍODO: 2019.1

ENSAIO ACADÊMICO SOBRE NATUREZA E CONHECIMENTOS


TRADICIONAIS

Discentes:
Esdras Phelipe de Oliveira Santos
Joseane de Araújo Almeida
Letícia Sousa dos Santos Ferreira
Manoel de Jesus Nunes da Costa Júnior
Neyla Cristiane Rodrigues de Oliveira

TERESINA
2019
RESUMO

O presente ensaio teve como propósito discutir sobre os conhecimentos de comunidades


tradicionais, passando por conceitos importantes, como: biodiversidade, biopirataria,
propriedade intelectual (patente) e ética. A discussão foi pautada em forma de ensaio
acadêmico a partir dos textos “O bem viver: oportunidades para imaginar outros
mundos”; “Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento” e “O sabonete da
discórdia: uma controvérsia sobre conhecimentos tradicionais indígenas”. Nesses textos
observamos a sobreposição de ideias entre os autores referentes à degradação ambiental
proveniente da “sociedade moderna” que afetam diretamente as comunidades
tradicionais. Podemos observar, ainda, a pilhagem do conhecimento tradicional e a
privatização do mesmo como forma de obter poderio do patrimônio natural, assim como
a necessidade de mudarmos a nossa relação com a natureza, buscando os princípios já
praticados pelas comunidades tradicionais. Portanto, é de suma importância o debate e o
posicionamento da sociedade como um todo frente à necessidade de repensarmos nossa
forma de interagir com a natureza. Devemos enfrentar a pilhagem do conhecimento
tradicional para impedir a privatização da biodiversidade e, consequentemente, dar a
oportunidade de um futuro mais propício às próximas gerações.

Palavras-chave: Biodiversidade. Comunidades tradicionais. Pilhagem do


conhecimento. Recursos naturais.

1 INTRODUÇÃO

Antes de ser um homem da sociedade, sou-o da natureza (SADE, 2007). Como


ser biológico, nós seres humanos passamos a interagir com a natureza desde o princípio
da nossa espécie. Tais relações foram movidas pela necessidade de sobrevivência,
fortemente pautada na cooperação intraespecífica, permitindo nossa difusão na Terra. O
conhecimento passado de geração a geração trouxe forte compreensão do meio natural.
Com isso, passamos a utilizar os recursos naturais a partir do somatório do
conhecimento das gerações anteriores: o conhecimento tradicional.
Esse conhecimento foi a nossa fonte de sobrevivência por milhares de anos até
vivenciarmos a revolução agrícola, industrial e científica, que modificaram a relação do
homem com o meio natural. Como consequência passamos a ser a maior ameaça aos
processos de manutenção da biodiversidade, afetada principalmente pela perda de
habitat e a extração de recursos naturais (PEREIRA; BOFF, 2013).
Por outro lado, ainda existem muitos povos que vivem de forma tradicional.
Conectados intimamente à natureza, possuem forte conhecimento e respeito ao seu
meio. Esses povos estão em conflito direto com nossa “civilização moderna”, sendo
diretamente prejudicados pelo crescimento de novas civilizações, que restringem sua
sobrevivência a pequenos refúgios (e. g., os indígenas brasileiros).
A revolução verde e a biotecnologia são exemplos de restrições pautadas na
tentativa de alimentar uma população cada vez maior. O uso de biocidas, vinculado às
modificações no DNA vegetal junto ao requerimento de patenteamento de produtos
naturais, vem prejudicando os praticantes da agricultura familiar e dando margem à
apropriação do conhecimento tradicional (LAVORATO, 2005). O sistema econômico
vigente dá poderio a grandes grupos empresariais que, por sua vez, sufocam as minorias
em busca de apropriação indevida dos recursos vegetais para produção farmacêutica e
cosmética ou pelo patenteamento desses recursos (PEREIRA; BOFF, 2013).
A luta pelos direitos de sobrevivência cultural é uma das questões mais
complexas existentes nos dias atuais, devendo ser ponto de partida para o debate
acadêmico. Pesquisas voltadas para o conhecimento tradicional são de grande
importância para o reconhecimento dos seus saberes e impedimento da biopirataria, que
consiste na exploração, manipulação, exportação e/ou comercialização indevidas dos
recursos naturais. Além disso, a luta dos povos pelo direito de uso desses recursos deve
ser assessorada por todos os setores da sociedade (Estado e população) para confrontar a
tentativa de controle exercida pelo capitalismo.
Nesse contexto, pretendemos discutir neste ensaio acerca do conhecimento
tradicional indígena com base nos seguintes textos: “O bem viver: oportunidades para
imaginar outros mundos” (ACOSTA, 2016); “Biopirataria: a pilhagem da natureza e do
conhecimento” (SHIVA, 2001) e “O sabonete da discórdia: uma controvérsia sobre
conhecimentos tradicionais indígenas” (PIMENTA; MOURA, 2010). Além disso,
destacaremos conceitos importantes tais como: biodiversidade, biopirataria, propriedade
intelectual (patente) e ética, abordados explicita ou implicitamente nos três textos.
O presente ensaio está estruturado da seguinte forma: (1) introdução – aborda o
tema de modo geral; (2) desenvolvimento – discussões acerca do tema a partir de
exemplos, comparações (semelhanças/diferenças) e citações centrais dos textos
escolhidos; (3) considerações finais – apresenta comentário pessoal em relação ao tema
e os principais resultados das discussões elencadas. Ao final do trabalho destacamos as
referências bibliográficas referidas ao longo do texto.

2 DESENVOLVIMENTO

Desde a nossa existência, estivemos estreitamente conectados com o meio


natural. Essa conexão propiciou diretamente, por longos períodos, a satisfação das
nossas necessidades básicas e sobrevivência a partir da utilização dos recursos naturais.
Esse uso, sem dúvida causou impactos a natureza, mas em escala ínfima quando
comparada a “sociedade moderna”. Com isso, “O bem viver” de Acosta (2016) nos
permite vislumbrar uma “nova forma” de interagimos com a natureza buscando a
harmonia já presente nas mais diversas sociedades tradicionais.
Nesta obra, observamos o profundo respeito e admiração que as sociedades
tradicionais possuem acerca dos direitos da natureza, relação que deveria ser renovada e
instituída nas constituições das nações. Entretanto, infelizmente como apontado em
Pimenta e Moura (2010) o intercâmbio do conhecimento das comunidades tradicionais
para a sociedade capitalista se dá de forma complexa e muitas vezes desleal. A
pilhagem do conhecimento tradicional em voga da obtenção de produtos comerciais
coloca em risco não só as comunidades, mas a própria biodiversidade (o Capitalismo
requer a extração dos recursos em larga escala).
Nessa lógica de ideias, Shiva (2001) destaca que o patenteamento de produtos
naturais como forma de requerer o poderio ao bem coletivo, já utilizado amplamente, é
uma nova maneira de domínio de mercado, denominada privatização natural. Para a
autora a aplicação de diferentes métodos agrícolas capazes de preservar o conhecimento
tradicional sem desprezar as contribuições da ciência e o cultivo da diversidade é uma
resposta não violenta ao processo de globalização que vivenciamos.
Nos últimos anos, estamos vivendo uma crise global de grandes proporções
sociais, econômicas, políticas, éticas, ideológicas e, principalmente, ecológicas. Na
América do Sul, por exemplo, devido à gestão de governos progressistas, essa crise vem
se agravando ao longo dos anos. A fim de despertar novos olhares em prol da
conservação ambiental, Acosta (2016) destaca um conceito que se firma na vida em
comunidade, no consumo consciente e nas relações de produção renováveis,
sustentáveis e autossuficientes, visto que essas práticas tencionam o bem-estar da
coletividade, procurando frear a degradação dos recursos naturais.
Cada vez mais as pessoas começam a entender que o acúmulo de bens de
consumo deve ser reavaliado se não quisermos pôr em risco nossa própria existência.
Parte dessa sensibilização nasceu a partir da visão de mundo dos povos indígenas que
veem a importância de todos os seres, não somente o animal e o vegetal, mas também os
minerais, a água, o ar e a própria Terra. As tribos que foram vítimas do colonialismo se
encontram em situações de grande precariedade, presos pelo mito do progresso,
provocando um distanciamento de suas raízes e inviabilizando a prática dos saberes
tradicionais (ACOSTA, 2016).
Nessa perspectiva, “O Bem Viver” é uma herança dos povos da América Latina,
com suas práticas tradicionais, sustentado das experiências e conhecimentos das
comunidades indígenas. Com ele o autor não pretende inverter os papeis e impedir a
exploração dos recursos naturais, tornando a espécie humana derrotada. Trata-se de uma
harmonização com relação ao uso desses recursos, já que o acúmulo e a competição
entre indivíduos, que faz a economia girar, é a principal causa da superexploração da
natureza (ACOSTA, 2016).
Shiva (2001) destaca que a disseminação da sociedade industrial somadas à
pressão tecnológica e econômica são um dos representativos da grande crise ecológica
que vivemos. A autora pontua que a apropriação dos conhecimentos tradicionais e o uso
de plantas medicinais nos países de terceiro mundo provocam a destruição de grandes
áreas para abrigar megaprojetos, a fim de atender a demanda por moradia e alimentação.
Com isso, podemos observar que os saberes tradicionais, em sua maioria, são
apropriados apenas com a finalidade de obter lucros.
Essa oposição entre o aprender com e apropriar-se do conhecimento tradicional
pode ser observado em casos emblemáticos como a disputa pelo reconhecimento dos
Ashanikas do rio Amônia frente à ambição de pesquisadores e grandes empresas
(PIMENTA; MOURA, 2010). Nesse caso o reconhecimento da sabedoria tradicional e
os direitos reservados aos mesmos foram totalmente deixados de lado. Caso semelhante
foi apontado por Shiva (2001) na apropriação do uso do neem indiano. Em ambos os
casos, o valor da biodiversidade é destituído, passando a ser meras matérias-primas a
serem comercializadas.
A maior parte da biodiversidade da Terra está na zona tropical local de morada
de populações carentes que usam os recursos para sua sobrevivência (SHIVA, 2001).
Isso abre espaços para os seguintes questionamentos: Até onde iremos com a
privatização ao direito de uso da natureza? Em um futuro no qual o acesso aos recursos
naturais toram-se cada vez mais difíceis, devido sua disponibilidade e a regulamentação
econômica, o quanto isso poderá nos afetar futuramente? Quanto aos que não poderão
pagar? A população atual está ciente dos problemas que podem vir a partir da
privatização do direito ao uso dos recursos naturais?. Tais questionamentos nos
remetem que:
Faz-se necessário propostas específicas no que se refere à biodiversidade, ao patrimônio cultural, aos
ecossistemas, aos recursos naturais renováveis e não renováveis – e também aos conceitos sobre
responsabilidade jurídica ambiental, tanto individual como coletiva (ACOSTA, 2016, p.139).

No Brasil, por exemplo, os dispositivos jurídicos que procuram proteger os


conhecimentos tradicionais indígenas ainda são genéricos e precários, limitando-se ao
Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional
Associado (SISGEN) (Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015) e a Convenção sobre a
Diversidade Biológica (CDB). Diante disso, as cartas de privilégios e patentes não
devem ser o suficiente para se conseguir chegar a qualquer território e ali impor suas
condições, crenças e ocupação da terra, através da colonização dessas áreas (SHIVA,
2001). “Necessitamos de outras formas de organização social e práticas políticas”
(ACOSTA, 2016, p. 20).
É importante esclarecer que as comunidades tradicionais possuem muitos
conhecimentos úteis a inovações em diversas áreas, mas os conhecimentos protegidos
pela Medida Provisória n° 2.186-16/2001 são apenas aqueles que estão relacionados à
biodiversidade (SANTILLI, 2004). Segundo a autora, a CDB estabeleceu um marco na
alteração deste quadro ao reconhecer que os conhecimentos tradicionais são relevantes à
conservação da biodiversidade. No entanto, os seus recursos e os conhecimentos
tradicionais associados aos mesmos tornaram-se alvo da Biopirataria (SANTILLI,
2004). Como exemplos de Conhecimentos Tradicionais Associados podemos listar: os
métodos de caça e pesca, as técnicas de manejo de recursos naturais, conhecimentos
sobre as propriedades farmacêuticas e alimentícias de espécies animais e vegetais que
somente as comunidades tradicionais e ribeirinhas detêm.
Diante o exposto, corroboramos com a ideia de que a conservação da
biodiversidade é um produto das contribuições culturais de comunidades que respeitam
o meio ambiente e outras espécies. Comunidades nas quais que desenvolveram um
conhecimento sobre várias espécies, sendo a maneira como elas interagem entre si a
forma de por em prática um uso que se harmoniza, essencialmente, com base nos
pressupostos da conservação (SHIVA, 2001).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ser humano mantém forte relação com a natureza. É um agente ativo de


transformações sociais, culturais e ambientais, que ao longo do tempo foi modificando a
forma de tratar o ambiente. No início era mais voltada para subsistência e depois, a
utilização dos recursos naturais, passou a ter mais cunho econômico, com geração de
lucro, em uma sociedade moderna marcada pelo capitalismo. Isso proporcionou intensos
danos ambientais, como a perda da biodiversidade.
Em decorrência disso, precisamos valorizar e resgatar os conhecimentos
tradicionais, que reconhecem a importância do meio natural, suas crenças e valores, a
fim de tornar nossa relação com a natureza menos desarmônica. Uma relação que não
deve estar centrada apenas no propósito de pilhagem desses conhecimentos tradicionais
para fins comerciais, que podem causar impactos irreversíveis à natureza e às
comunidades, mas na busca pela conservação da diversidade biológica.
Nesse sentido de conservação, se dá a necessidade de refletirmos sobre essa
“sociedade moderna” voltada, principalmente, para a produção e consumo em massa.
Precisamos repensar uma “nova” forma de interagir com a natureza, seus recursos e sua
biodiversidade animal e vegetal, visando à minimização da pilhagem do conhecimento
tradicional e a privatização da biodiversidade e, consequentemente, dando a
oportunidade de um futuro mais propício às próximas gerações.
REFERÊNCIAS

ACOSTA, A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São
Paulo: Autonomia Literária. Ed. Elefante, 2016.

LAVORATO, M. L. A. Biodiversidade, um ativo de imenso valor: biopirataria,


plantas medicinais e etnoconhecimento. São Paulo, 2005.

PEREIRA, M.; BOFF, S. O. O impacto da biopirataria sobre a biodiversidade: uma


análise da legislação brasileira frente a tal prática, 2013. Disponível em:
https://www.paginasdedireito.com.br/index.php/artigos/176-artigos-out-2013/6316-o-
impacto-da-biopirataria-sobre-a-biodiversidade-uma-analise-da-legislacao-brasileira-
frente-a-tal-pratica. Acesso em: 04 jul. 2019.

PIMENTA, J. A. V.; MOURA, G. F. O sabonete da discórdia: uma controvérsia sobre


conhecimentos tradicionais indígenas. In: LIMA, E. C.; SOUZA, M. C. (Org.).
Conhecimento e Cultura: práticas de transformação no mundo indígena. Brasília:
Athalaia, 2010, p. 63-93.

SADE, M. Filosofia na Alcova. Ed. Bertrand, 2007.

SANTILLI, J. F. R. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade: elementos


para a construção de um regime jurídico sui generis de proteção. In: PLATIAU, Ana
Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias. (Org.). Diversidade biológica e
conhecimentos tradicionais. 1ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 341-369.

SISGEN - Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. Disponível em:


<http://www.mma.gov.br/patrimonio-genetico/conselho-de-gestao-do-patrimonio-
genetico/sis-gen>. Acesso em: 04 jul. 2019.
SHIVA, V. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis:
Vozes, 2001.

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