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CONHECIMENTOS TRADICIONAIS NA CONSERVAÇÃO DA

BIODIVERSIDADE: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS

Autor principal: Timóteo Luís Simone1


Autor Correspondente: Professor Doutor Tomás Sitoe, PhD2

Mestrado em Desenvolvimento Rural, Departamento de Economia e Desenvolvimento Agrário, Faculdade de


Agronomia e Engenharia Florestal, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique

Resumo

O presente trabalho centrou-se na compreensão de como os conhecimentos e valores das


comunidades locais entendidas como capital social podem desempenhar um papel essencial na
comunicação e gestão da biodiversidade. Utilizando material bibliográfico obtido na web, verificou-
se que a conservação da biodiversidade é um desafio global e, ao longo da história, verificou-se que
as comunidades locais e indígenas desempenham papéis vitais na proteção da biodiversidade,
utilizando o conhecimento tradicional em práticas sustentáveis. Houve também exemplos notáveis
de comunidades e tribos que usaram conhecimentos e práticas tradicionais na conservação da
biodiversidade, que eram principalmente tribos e comunidades indígenas, incluindo os Maasai no
Quênia, San na Namíbia, tribos Bishnoi na Índia, pastores nômades na Mongólia, Primeiras Nações
no Canadá e comunidades indígenas no Brasil e no Peru. No entanto, estas comunidades e tribos
tinham em comum a valorização dos conhecimentos tradicionais, o reforço do capital social e a
colaboração entre todos os intervenientes, o que é fundamental para enfrentar os desafios da
conservação e promover um futuro sustentável para a biodiversidade, apesar das dificuldades
relacionadas com a propriedade intelectual e as pressões económicas.
Palavras-chaves: Biodiversidade, Conhecimento tradicional, Conservação, Experiências

Abstract

The present work focused on understanding how the knowledge and values of local communities
understood as social capital can play an essential role in the communication and management of
biodiversity. Using bibliographic material obtained from the web, it has been found that biodiversity
conservation is a global challenge, and, throughout history, it has been found that local and
Indigenous communities play vital roles in protecting biodiversity, using traditional knowledge in
sustainable practices. There were also notable examples of communities and ethnic groups that used
traditional knowledge and practices in biodiversity conservation, which were primarily Indigenous
ethnic groups and communities, including the Maasai in Kenya, San in Namibia, Bishnoi ethnic
groups in India, nomadic pastoralists in Mongolia, First Nations in Canada, and indigenous
communities in Brazil and Peru. However, these communities and tribes had in common the
valorization of traditional knowledge, the enhancement of social capital and collaboration between
all actors, which is key to addressing conservation challenges and promoting a sustainable future for
biodiversity, despite difficulties related to intellectual property and economic pressures.
Keywords: Biodiversity, Conservation, Experiences, Traditional knowledge

Novembro de 2023
timoteoluizsimone@gmail.com
1. INTRODUÇÃO

De acordo com a UNESCO, a biodiversidade é a riqueza da vida na Terra, representada pela


variedade de organismos, ecossistemas e processos ecológicos que sustentam a vida no planeta. No
entanto, a biodiversidade está enfrentando desafios significativos devido a factores como mudanças
climáticas, perda de habitat, poluição e exploração insustentável de recursos naturais, o que tornou a
conservação da biodiversidade numa preocupação global em que várias convenções e acordos
internacionais, como a Convenção sobre Diversidade Biológica, reconhecem a importância dos
conhecimentos tradicionais na protecção da biodiversidade (UNESCO, 2020)..
À medida que a comunidade global busca abordagens mais eficazes para enfrentar os desafios
ambientais, a integração desses conhecimentos tradicionais nas estratégias de conservação tem se
tornado uma prioridade. Este tópico é particularmente relevante no contexto internacional, onde as
experiências de diferentes nações e culturas podem enriquecer o diálogo sobre como preservar a
biodiversidade globalmente (Regó, 2008).
Os conhecimentos tradicionais representam os saberes acumulados ao longo de gerações por
comunidades indígenas, povos locais e culturas tradicionais e abrangem uma compreensão
aprofundada dos ecossistemas, das espécies, das interações ambientais, e das práticas de maneio
sustentável (UNESCO, 2020). Essas tradições podem incluir métodos de agricultura, medicina
natural, sistemas de governança ambiental e rituais culturais que desempenham um papel crucial na
conservação da biodiversidade (Vilhena, 2019). As experiências internacionais têm demonstrado
que as práticas baseadas em conhecimentos tradicionais não apenas contribuem para a protecção de
ecossistemas naturais, mas também promovem a sustentabilidade e a resiliência das comunidades
locais diante das mudanças ambientais (Carvalho & Lelis; UNESCO, 2020; Vilhena, 2019).
Além da importância dos conhecimentos tradicionais na conservação da biodiversidade, é
fundamental ressaltar o papel do capital social nesse contexto, representado pelas redes de
confiança, cooperação e compartilhamento de informações entre as comunidades locais, este
desempenha um papel crucial na promoção de práticas de conservação sustentáveis, sobre a qual a
colaboração entre os membros da comunidade, a transmissão de conhecimentos tradicionais e a
tomada de decisões colectivas fortalecem ainda mais a capacidade das comunidades locais de
proteger e preservar seus ambientes naturais (Fonseca, 2017).
Segundo Castro & Diniz (2015), ao reconhecer e valorizar o capital social e os conhecimentos
tradicionais, podemos fortalecer as estratégias de conservação da biodiversidade em todo o mundo,
e esta abordagem não apenas contribui para a protecção dos ecossistemas naturais, mas também
promove o bem-estar das comunidades locais, garantindo que as futuras gerações possam continuar
a desfrutar da riqueza da vida na Terra.

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Entretanto, a interconexão entre o conhecimento ecológico tradicional (comunitário), a capacidade
adaptativa e a resiliência em iniciativas de conservação baseadas na comunidade ainda não é bem
compreendida e não foi analisada sistematicamente até o momento (Mallén, 2013). Para Pretty &
Smith (2004) subsistem, ainda muitas dificuldades práticas e políticas, nomeadamente no que diz
respeito à necessidade de investir na formação de capital social e às muitas questões não resolvidas
sobre como o Estado vê as comunidades com poderes para tomar as suas próprias decisões.
Gomes (2010), destaca que a aplicação dos conhecimentos tradicionais e do capital social na
conservação da biodiversidade também enfrenta desafios, incluindo questões de direitos de
propriedade intelectual, perda de tradições culturais e pressões econômicas.
No entanto, Pretty & Smith (2004), sugerem que a atenção ao valor das relações sociais, sob a
forma de confiança, acordos recíprocos, regras, normas e sanções desenvolvidas localmente, e
instituições emergentes, demonstrou claramente proporcionar um dividendo de biodiversidade em
muitos contextos. Isto sugere a necessidade de combinar os elementos biológicos e sociais da
conservação.
O objectivo deste trabalho é analisar as experiências internacionais que envolvem a utilização de
conhecimentos tradicionais na conservação da biodiversidade. O preceito metodológico foi a
pesquisa bibliográfica em diferentes revistas científicas Open Access na web, utilizando o motor de
pesquisa google e Microsoft Edge.

2. Enquadramento teórico

2.1. Definição de conceitos

O conceito tradicional de conhecimento é abordado de diversas maneiras por diferentes autores, e


algumas perspectivas destacam-se (Netto, 2016). Platão, em seu diálogo Teeteto, estabeleceu a
definição clássica de conhecimento como uma crença verdadeira justificada (Netto, 2016).
Aristóteles seguiu a linha metafísica iniciada por Platão, enquanto Agostinho também aderiu a essa
abordagem. Em 1963, Edmund Gettier questionou essa definição tradicional com o problema de
Gettier, apresentando exemplos em que as condições estabelecidas não garantem conhecimento.
Cada autor interpreta e entende o conhecimento à sua maneira (Netto, 2016).
No âmbito do conhecimento tradicional ou local, diferentes interpretações também surgem. Alguns
destacam a importância dos conhecimentos locais para pesquisa e conservação, enquanto a
antropologia vê o conhecimento local como derivado do tradicional, transmitido ao longo do tempo.
Scholz et al. (2004) referem-se ao conhecimento local como "conhecimento ecológico local"
(CEL), enquanto Yli-Pelkonen & Kohl (2005) o definem como relacionado aos ecossistemas locais,
ou seja, como uma ciência natural que inclui o conhecimento de uma pessoa e um conhecimento
local mais específico (Netto, 2016).

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Na perspectiva de Vilhena (2019), o conhecimento tradicional é o conjunto de saberes, práticas e
habilidades transmitidos ao longo das gerações por comunidades locais e indígenas, incluindo os
conhecimentos sobre plantas medicinais, técnicas de maneio de recursos naturais, rituais, histórias e
mitos relacionados à natureza.
Tabela 1: Conceitos de capital social

Autor Conceito de capital social


Bourdieu vê o capital social como um recurso que pode ser usado para obter
Pierre vantagens em uma sociedade. Ele acredita que o capital social é formado por
Bourdieu redes de relações sociais e que essas redes podem ser usadas para obter
(1986) benefícios.
Coleman vê o capital social como algo que pode gerar capital humano. Ele
James Coleman
acredita que o capital social é formado por relações de confiança e normas
(1980) compartilhadas que podem ajudar a promover a cooperação entre os indivíduos.
Putnam vê o capital social como algo que pode melhorar o desempenho de uma
Robert Putnam comunidade. Ele acredita que o capital social é formado por redes de relações
(2000) cívicas e que essas redes podem ajudar a promover a cooperação e a confiança
entre os membros da comunidade.
Francis Fukuyama vê o capital social como algo que pode promover a cooperação e a
confiança em uma sociedade. Ele acredita que o capital social é formado por
Fukuyama
normas compartilhadas e valores que podem ajudar a promover a cooperação e a
(1995)
confiança entre os membros da sociedade.

Associado ao conhecimento local e capital social surge o conceito da sociodiversidade, que segundo
Diegues (2019), refere-se à diversidade cultural, étnica e social das comunidades humanas em todo
o mundo. Na conservação da biodiversidade, a sociodiversidade reconhece que diferentes grupos
étnicos e culturais têm perspectivas, valores e conhecimentos únicos relacionados ao ambiente e à
natureza. Na perspectiva de Diegues (2019), é importante considerar a sociodiversidade ao planear
e implementar estratégias de conservação, pois as comunidades locais desempenham um papel vital
na protecção de áreas naturais.
Neste contexto, a integração da sociodiversidade e do conhecimento tradicional na conservação da
biodiversidade envolve reconhecer, respeitar e valorizar as perspectivas e contribuições das
comunidades locais, que podem incluir a colaboração com essas comunidades na gestão de áreas
protegidas, permitindo que elas continuem a usar práticas tradicionais de maneio que beneficiam os
ecossistemas (Diegues, 2019). Além disso, a pesquisa científica pode ser enriquecida ao incorporar
o conhecimento tradicional na identificação de espécies, comportamentos de animais e habitats
críticos (Diegues, Arruda, Silva, Figols, & Andrade, 2000).
Entretanto, a integração das práticas de conservação da biodiversidade com o conhecimento e as
tradições das comunidades locais e indígenas, é tratada na arena científica como sendo a
etnoconservação, uma abordagem interdisciplinar que parte do pressuposto de que o saber

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tradicional acumulado ao longo de gerações por essas comunidades desempenha um papel vital na
preservação dos ecossistemas e na protecção da diversidade biológica (Diegues, 2019).
De acordo com Diegues (2019), no cerne da etnoconservação está o reconhecimento da profunda
compreensão que as comunidades locais têm da natureza, que inclui conhecimentos sobre plantas
medicinais, métodos sustentáveis de maneio de recursos naturais, práticas de conservação
transmitidas oralmente entre outras práticas.
A etnoconservação busca integrar esse conhecimento tradicional com estratégias modernas de
conservação, visando harmonizar a protecção da biodiversidade com as necessidades e os direitos
das comunidades que dependem desses recursos, tendo como princípio fundamental a participação
activa das comunidades locais envolvendo consultas e colaborações directas com as populações
afectadas, permitindo que elas desempenhem um papel activo na formulação e implementação de
estratégias de conservação que levem em consideração suas necessidades e preocupações
específicas (Diegues, 2019).

2.2. Etnociência e Comunidades Locais


A etnociência, como contraparte da ciência clássica positivista, se destaca por valorizar os
conhecimentos locais e tradicionais em suas pesquisas, buscando entender a relação entre seres
humanos e o meio ambiente com base nas crenças, práticas e interações comunitárias. A etnociência
utiliza a etnografia como ferramenta de registo e observação naturalista (Nascimento, 2017).
Ao longo das décadas, a etnociência se ramificou, com ênfase na etnobiologia, que inclui estudos
em etnoecologia, etnozoologia e etnobotânica. A etnobotânica, por exemplo, tem suas raízes em
registos datando de 1860 em comunidades indígenas, e se formalizou como uma área acadêmica
(Nascimento, 2017).
Nos últimos 25 anos, os estudos etnobiológicos têm evoluído metodologicamente, proporcionando
uma compreensão mais aprofundada sobre o uso de plantas em diversas culturas, contribuindo para
o avanço da etnobiologia e suas ramificações (Nascimento, 2017).
Esses estudos ao longo do tempo têm revelado a interdependência entre seres humanos e a natureza
em níveis biológicos, culturais e espirituais, destacando a amplitude de conhecimentos, práticas e
usos relacionados aos elementos naturais. O etnoconhecimento é visto como um tripé, baseado na
territorialidade e nos elementos cosmológicos, do conhecimento e das práticas de comunidades
tradicionais, que mantêm sua unidade e identidade. Esses conhecimentos têm contribuído para a
conservação e o uso sustentável dos recursos naturais (Nascimento, 2017).

2.3. Conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade


A interconexão entre biodiversidade e teorias conservacionistas é de crucial importância para a
sustentação da vida no nosso planeta. A biodiversidade abrange a riqueza de seres vivos

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provenientes de diversas origens, abrangendo tanto os ecossistemas terrestres quanto os marinhos,
bem como outros ambientes aquáticos, todos inseridos em complexos ecológicos intricados
(Diegues, 2019).
A Biologia da Conservação é uma disciplina que tem como missão abordar os desafios inerentes à
preservação de espécies raras e ameaçadas. Essa área de estudo se empenha em determinar as
estratégias mais eficazes para proteger essas espécies, conceber reservas naturais, implementar
programas de reprodução para manter a variação genética de pequenas populações e, por vezes,
conciliar preocupações de conservação quando confrontadas com as necessidades das comunidades
locais e governos (Silva, 2015).
As teorias conservacionistas desempenham um papel fundamental na compreensão e aplicação de
estratégias eficazes para a conservação da biodiversidade. Elas reconhecem a inestimável
contribuição dos conhecimentos tradicionais detidos pelas comunidades locais na protecção e
preservação da diversidade biológica (Silva, 2015).
Além disso, essas teorias consideram a estreita relação entre a diversidade cultural e a diversidade
biológica, sublinhando que os modos de vida e práticas das populações tradicionais desempenham
um papel significativo na promoção da diversificação genética das espécies. Essa ligação intrincada
entre a diversidade cultural e a biodiversidade é crucial para o desenvolvimento de estratégias de
conservação bem-sucedidas e sustentáveis (Silva, 2015).

2.4. Áreas de Conservação, Conhecimento tradicional e conservação da Biodiversidade


As áreas de conservação são mecanismos globais cruciais para a preservação da biodiversidade,
sendo estas consideradas um indicador de riqueza local, com implicações no turismo, economia e
conservação de paisagens (Fonseca, 2017). Inicialmente, o estabelecimento de parques, como o
Parque Nacional de Yellowstone em 1872, tinha objectivos cênicos e recreativos, só incorporando a
biodiversidade como meta principal no século XX (Fonseca, 2017). No entanto, a implementação
dessas áreas gerou conflitos com populações tradicionais, cujas práticas culturais e conhecimentos
transmitidos ao longo de gerações foram muitas vezes ignorados nas decisões de maneio (Fonseca,
2017).
A falta de participação efectiva das comunidades na elaboração dos Planos de Maneio contribui
para conflitos, sendo vital integrar a visão local à perspectiva científica para um planeamento mais
eficaz (Fonseca, 2017). O conhecimento tradicional dessas comunidades, baseado em observações e
práticas seculares, é crucial para a conservação da biodiversidade, fornecendo informações
detalhadas sobre fauna e flora silvestre (Fonseca, 2017).
No entanto, a ênfase no conhecimento tradicional deve considerar questões éticas e morais. No
século XIX, o interesse europeu nos recursos naturais de povos nativos do Novo Mundo visava
lucro econômico, um padrão que persiste na globalização, com conhecimentos locais sendo

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explorados para capitalização da biodiversidade (Fonseca, 2017). A protecção desses conhecimentos
não só preserva tradições, mas também contribui para o avanço do conhecimento científico,
desempenhando um papel essencial na conservação e desenvolvimento sustentável (Fonseca, 2017).
3. Resultados das experiências internacionais
A conservação da biodiversidade em todo o mundo é um desafio crucial, e muitas regiões recorrem
aos conhecimentos tradicionais para alcançar esse objectivo.
O panorama mundial evidencia que a colaboração entre comunidades locais e abordagens modernas
de conservação é essencial para a protecção da biodiversidade global. A valorização e o apoio
contínuo aos conhecimentos tradicionais são fundamentais para enfrentar os desafios e manter a
riqueza natural do planeta. A interseção entre tradição e inovação é fundamental para um futuro
sustentável, onde a biodiversidade seja preservada para as gerações vindouras (Córdula,
Nascimento, & Lucena, 2018).
De acordo com Barbosa (2018), o continente africano destaca-se pelo rico patrimônio de
conhecimentos tradicionais relacionados à conservação da rica biodiversidade que abriga diversas
comunidades indígenas e tradicionais que têm desempenhado um papel vital na conservação.
A título de exemplo, as comunidades locais, como os Maasai da Reserva de Caça Comunitária de
Siana no Quênia e os San (ou Bosquímanos) na Namíbia, exemplos notáveis da gestão comunitária
de áreas de conservação na África Oriental, onde conhecimentos e valores das comunidades locais,
representando o capital social, desempenham um papel fundamental na gestão sustentável da
biodiversidade e conservação nas comunidades Maasai na Reserva de Caça Comunitária de Siana,
no Quênia, e nos San (ou Bosquímanos) na Namíbia (IUCN, 2021)..
Nas comunidades Maasai, o capital social manifesta-se através do profundo conhecimento
tradicional sobre o ecossistema local. Os Maasai têm uma compreensão intricada das dinâmicas
ambientais, comportamento dos animais selvagens e práticas de pastoreio sustentável. Esses
conhecimentos são transmitidos de geração em geração, contribuindo para a adaptação dessas
comunidades às mudanças ambientais.
Além disso, os valores culturais Maasai, que atribuem um significado especial à fauna e flora locais,
promovem a conservação. A relação simbiótica entre os Maasai e a natureza, enraizada em suas
tradições e incentiva práticas de coexistência equilibrada com o meio ambiente.
Na Namíbia, os San têm uma relação igualmente profunda com o ambiente natural. Seu
conhecimento tradicional abrange uma compreensão íntima das plantas, animais e ecossistemas
locais. Os San possuem técnicas de caça e coleta sustentáveis, baseadas em práticas ancestrais, que
minimizam impactos negativos na biodiversidade.

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Além disso, os valores culturais dos San, que consideram a natureza como parte integrante de sua
identidade, promovem a preservação. Essas comunidades veem a biodiversidade não apenas como
recursos, mas como membros essenciais de sua comunidade.
Em ambas as comunidades, a gestão sustentável da biodiversidade é intrinsecamente ligada ao
capital social representado pelos conhecimentos tradicionais e valores culturais. O respeito pela
natureza, transmitido ao longo de gerações, forma a base para práticas que equilibram as
necessidades das comunidades com a conservação duradoura da biodiversidade.
No entanto, na América do Norte, é retratado na publicação de Bates (2021), pela UNESCO, onde
notou-se que o uso de conhecimentos tradicionais neste continente, tem sido fundamental para a
preservação de habitats e espécies pelas comunidades indígenas, e a conservação da biodiversidade
é influenciada por uma combinação de factores, incluindo a aplicação do capital social e o
reconhecimento dos conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas como é o exemplo das
primeiras Nações no Canadá que tem sido usados conhecimentos e valores locais na gestão
sustentável da biodiversidade e conservação (Bates, 2021). As Primeiras Nações possuem um
profundo conhecimento tradicional sobre os ecossistemas locais, adquirido ao longo de gerações,
que se revela fundamental para entender e preservar a biodiversidade aquática. Essas comunidades
valorizam intrinsecamente a conexão espiritual e cultural com a natureza, motivando práticas que
visam a sustentabilidade ambiental. A gestão baseada no conhecimento tradicional inclui estratégias
para a pesca sustentável, preservação de habitats aquáticos e a promoção de práticas que garantem a
saúde a longo prazo dos rios e lagos, demonstrando uma abordagem eficaz na protecção desses
recursos naturais essenciais.
Mais ao sul do continente americano, o capital social e os conhecimentos tradicionais desempenham
papéis significativos na conservação de uma das zonas mais biodiversas no mundo, onde as
comunidades indígenas desempenham um papel crucial na conservação das florestas tropicais, onde
vários países, incluindo o Brasil e o Peru, têm parcerias com comunidades indígenas para conservar
florestas tropicais (Feldmann, 2021; Heck, Loebens, & Carvalho, 2005). Nesta região, as
comunidades locais têm se envolvido activamente na protecção de seus ambientes naturais, e
verifica-se que a construção de capital social dentro dessas comunidades é fundamental para o
sucesso das iniciativas de conservação formando-se redes de cooperação que envolvem a troca de
conhecimentos, práticas de maneio sustentável e apoio mútuo (Feldmann, 2021).
Os conhecimentos e valores das comunidades locais, representando o capital social, têm
desempenhado um papel significativo na gestão sustentável da biodiversidade e conservação tanto
no Brasil quanto no Peru.
No Brasil, por exemplo, diversas comunidades, especialmente aquelas que vivem em áreas de
biodiversidade rica como a Amazônia, detêm conhecimentos tradicionais profundos sobre plantas,

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animais e ecossistemas locais. Esses conhecimentos são essenciais para práticas de maneio
sustentável, preservação de recursos naturais e desenvolvimento de estratégias adaptativas em face
das mudanças ambientais. A relação simbiótica entre as comunidades e a natureza, muitas vezes
enraizada em práticas culturais, contribui para a conservação da biodiversidade.
Já no Peru, as comunidades locais, especialmente aquelas nas regiões amazônicas e andinas,
desempenham um papel fundamental na gestão sustentável da biodiversidade. Seus conhecimentos
tradicionais sobre a agricultura, medicina natural e práticas de conservação são valiosos para a
manutenção da diversidade biológica. A colaboração entre as comunidades e organizações de
conservação tem se mostrado eficaz na promoção de estratégias que equilibram o desenvolvimento
local com a preservação ambiental.
Em ambos os países, a valorização e integração dos conhecimentos e valores das comunidades
locais nas políticas de conservação são cruciais para alcançar práticas sustentáveis que beneficiem
tanto as comunidades quanto o meio ambiente.
Na publicação de Pattussi, et al., (2006), conta que semelhante a região da Africa Oriental e
América do Norte e Sul, na Oceânia o capital social e o conhecimento tradicional também
desempenham papéis essenciais na conservação da biodiversidade, e verifica-se que as redes de
comunidades locais e indígenas desempenham um papel crucial na gestão sustentável dos recursos
naturais e na protecção de áreas de importância ecológica). As comunidades insulares da Oceânia
têm uma forte conexão com o ambiente marinho e dependem da pesca e dos recursos oceânicos
para sua subsistência, e através de práticas de pesca sustentável e gestão de áreas marinhas
protegidas, essas comunidades contribuem para a preservação de ecossistemas marinhos, como
recifes de coral e áreas de desova de peixes (Baines, 1981). Nesta parcela do mundo, muitas
comunidades indígenas e locais têm uma conexão profunda com seus ambientes naturais,
transmitindo conhecimentos tradicionais que abrangem práticas sustentáveis de pesca, agricultura e
conservação de recursos marinhos e terrestres de geração em geração. A gestão comunitária baseada
no conhecimento local tem sido eficaz na preservação da rica biodiversidade da região,
contribuindo para a resiliência dos ecossistemas diante das mudanças climáticas e pressões
externas.
Já na Índia, isso no continente asiático, as Reservas de Biosfera e as Áreas Protegidas são
gerenciadas com a contribuição de comunidades locais, como as tribos Bishnoi em Rajasthan, e na
Mongólia, pastores nômades usam práticas tradicionais para proteger a estepe e sua vida selvagem,
constituindo desta maneira exemplos de sucesso na conservação da biodiversidade com base em
conhecimentos tradicionais, segundo o que consta na publicação do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA), que destaca o continente Asiático como o maior continente do

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mundo, e que abriga uma rica diversidade de ecossistemas e espécies, onde os conhecimentos
tradicionais são amplamente utilizados na conservação da biodiversidade.
Os Bishnoi têm uma longa tradição de conservação ambiental, com práticas que refletem uma
profunda conexão espiritual com a natureza. Suas crenças religiosas, que enfatizam a coexistência
harmoniosa com o meio ambiente, influenciam diretamente suas atividades diárias. Essa abordagem
inclui a proteção de árvores, plantas e animais em sua região.
Os Bishnoi adotam práticas sustentáveis de agricultura, preservam recursos naturais e desencorajam
a caça indiscriminada. A protecção das árvores é especialmente notável, e os Bishnoi são
conhecidos por abraçar e proteger activamente as árvores, mesmo em situações de confronto com
autoridades locais. Essas práticas têm contribuído significativamente para a preservação da
biodiversidade local, incluindo flora e fauna.
Além disso, a transmissão intergeracional desses valores e conhecimentos assegura a continuidade
dessas práticas de conservação. A forte coesão social e o comprometimento comunitário entre os
Bishnoi fortalecem a eficácia dessas medidas de conservação, exemplificando como o capital social
desempenha um papel fundamental na gestão sustentável da biodiversidade nessa comunidade
específica em Rajasthan.

4. Considerações finais

De modo geral, cada continente apresenta abordagens únicas para a conservação da biodiversidade,
mas todos compartilham a importância da cooperação entre comunidades locais, governos e
organizações de conservação. O capital social desempenha um papel vital na criação de parcerias
eficazes, e a combinação de conhecimentos tradicionais e modernos tem sido fundamental para
proteger a rica diversidade biológica em todo o mundo. Essas estratégias refletem a influência das
características culturais, geográficas e ecológicas de cada continente na conservação da
biodiversidade.
Além disso, destaca-se a reverência à natureza e a crença de que os seres humanos são guardiões da
terra e do mar, presentes nas tradições culturais e espirituais de muitas comunidades. Essas
convicções inspiram práticas de protecção da natureza e evidenciam como os aspectos culturais e
espirituais podem ser aproveitados para a conservação.
Portanto, as lições aprendidas enfatizam a necessidade de uma abordagem holística para a
conservação da biodiversidade, incluindo a integração dos conhecimentos tradicionais, o
fortalecimento do capital social e a colaboração de todas as partes interessadas. Reconhecer e
valorizar o papel das comunidades locais e indígenas, bem como as tradições culturais e espirituais,
é essencial para enfrentar os desafios da conservação e garantir um futuro sustentável para a
biodiversidade.

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5. Referências bibliográficas

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