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da Natureza
Meio Ambiente
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Conteudista/s
Erika Fernandes Pinto (Conteudista, 2022).
Enap, 2022
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Diretoria de Desenvolvimento Profissional
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF
Sumário
Módulo 1 – Relação sociedade e natureza e os valores culturais da
natureza
Unidade 1 – A interdependência entre cultura e natureza e
os desafios da conservação..................................................................................... 6
1.1. Relações pessoas, lugares e natureza..................................................................... 7
1.2. Desafios da Conservação da natureza.................................................................... 8
Referências.............................................................................................................. 68
GLOSSÁRIO............................................................................................................... 70
Apresentação do curso
Dada a sua relevância social, não é estranho que esses aspectos sejam pouco
compreendidos e levados em consideração no campo das pesquisas e da formulação
de políticas públicas, notadamente nas estratégias de conservação da natureza?
Esses são assuntos importantes que não podem ser desconsiderados, porque a
degradação ambiental atingiu uma escala planetária. E afeta a todos!
Tais ações criam relações de afeto, de pertencimento e de cuidado por parte dos
seres humanos para com as paisagens e outros elementos da natureza.
Para alguns autores, como Verschuuren e Brown (2018), laços culturais e espirituais
estão entre os mais fortes impulsionadores e motivadores para a manutenção de
áreas naturais.
Mas afinal, o que são valores culturais da natureza? O que eles incluem?
É o que veremos na próxima unidade.
Para alterar esse cenário, é fundamental ampliar a compreensão sobre os laços que
conectam positivamente pessoas, lugares e natureza.
Como os debates sobre essa temática ainda são recentes no Brasil, esse é considerado
um conceito em construção, passível de ajustes e complementações.
Cabe lembrar, no entanto, que os aspectos que compõem valores culturais da natureza
são altamente dependentes do contexto e podem mudar ao longo do tempo. Pode
haver divergências de entendimentos entre grupos – ou entre um mesmo grupo –,
fazendo emergir questões complexas que desafiam ainda mais a gestão.
São elas:
Essas categorias não esgotam as possibilidades, de forma que não se deve deixar de
considerar outras tipologias que podem surgir em contextos específicos.
Cataratas do Iguaçu, na divisa do Brasil com a Argentina – Foto de André Dib – Acervo ICMBio
Essas são práticas que, em geral, incluem benefícios para aqueles que visitam
as áreas, os prestadores de serviços e as comunidades locais. Dependendo do
contexto, também contribuem para estimular a reflexão e a conscientização sobre a
importância da conservação da natureza.
Podem ter relação com roteiros turísticos temáticos, caminhos históricos e trilhas
de grandes travessias.
http://www.each.usp.br/turismo/livros/turismo_de_base_
comunitaria_em_ucs.pdf
Essa categoria inclui elementos das paisagens associados a fatos e eventos que:
Inclui as artes decorativas que expressam a natureza em itens feitos para uso
cotidiano ou cerimonial, como roupas, biojoias, cerâmicas, arranjos florais, entre
outros.
Essa relação humana com as áreas pode ser atual ou ancestral, devendo-se respeitar
o direito à memória e à verdade dos grupos sociais sobre os fatos históricos ocorridos
nos territórios, que podem ter levado ao extermínio ou à expulsão de parte deles.
Monte Roraima na divisa do Brasil com a Guiana e Venezuela – lugar sagrado e de referência
para os povos indígenas - foto: Yosemite / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0
• Medicina tradicional;
• Agrobiodiversidade;
• Formas de conservação, processamento e preparação de alimentos;
• Gastronomia e culinária típica;
• Artesanato e produção de artefatos, objetos utilitários e decorativos;
• Arquitetura vernacular;
• Festividades relacionadas a épocas de colheitas e safras de coleta de
produtos;
• Entre outros.
https://www.gov.br/icmbio/
pt-br/assuntos/noticias/
ultimas-noticias/icmbio-lanca-
catalogo-de-produtos-da-
sociobiodiversidade
Pedra de Xangô – lugar de referências para os povos de santo de Salvador/BA, cujo nome está
relacionado com a representação de uma divindade (Foto: Mônica Silveira – Acervo SNS Brasil).
Logo da Iniciativa sítios naturais sagrados do Brasil. Imagem: acervo pessoal: Érika Fernandes Pinto
Ainda que possa causar um certo estranhamento inicial pensar nos valores culturais
da natureza como objeto de políticas públicas, diversos estudos têm destacado
que esses aspectos estão entre as principais razões que levam as pessoas a se
importarem com a conservação.
Foi nesse contexto que o debate sobre Valores Culturais da Natureza surgiu nos
fóruns mundiais. Vamos conhecer um pouco dessa história? Esse é o tema do
próximo módulo.
2 A evolução do tema no
cenário internacional
Neste módulo, veremos como o tema dos valores culturais da natureza surgiu
nos fóruns mundiais sobre políticas públicas de conservação. Conheceremos os
principais marcos e tendências do debate internacional. Além disso, vamos nos
familiarizar com o arcabouço jurídico que fundamenta essa temática globalmente
a partir de políticas que buscam valorizar uma leitura integrada da diversidade
biológica e cultural.
Apenas nas últimas décadas, esse cenário começou a mudar, com a ampliação
progressiva do reconhecimento dos múltiplos valores da natureza e das suas
contribuições diretas ou indiretas para o bem-estar e a qualidade de vida humana
nos fóruns mundiais sobre políticas públicas - incluindo aqueles sobre conservação
da natureza.
Entre elas, destaca-se a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)
e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB).
A primeira publicação de alcance mais amplo sobre a temática foi lançada pelo
United Nations Environment Programme (UNEP), em 1999.
Esse tema ganha verdadeiramente impulso quando passa a ser pauta dos congressos
mundiais sobre conservação da natureza organizados pela União Internacional
para a Conservação da Natureza (IUCN).
Isso acontece de forma mais incisiva no V World Parks Congress, promovido pela
IUCN em Durban/África do Sul, em 2003. Esse congresso, que teve como tema
“Áreas Protegidas: benefícios além das fronteiras”, foi o primeiro evento do gênero a
contar com uma participação expressiva de lideranças indígenas de diversas partes
do mundo.
Com tais iniciativas, essa problemática vem ganhando visibilidade crescente como tema-
chave nos debates internacionais, inspirando e renovando a perspectiva da aliança
com a sociedade como uma premissa para promover a conservação da natureza.
Este curso que você está realizando dialoga diretamente com essas diretivas e
representa uma importante iniciativa que vem para colaborar com a integração
dessa temática nas estratégias de conservação.
https://csvpa.org/best-practice-guidelines/cultural-and-
spiritual-significance-of-nature/
Elas vêm sendo respaldadas por algumas políticas globais que buscam fazer uma
leitura integrada entre cultura e natureza. Vamos conhecê-las?
Esse é o tema da próxima unidade.
Como vimos na unidade anterior, faz algumas décadas que o tema dos valores
culturais da natureza vem sendo debatido nos fóruns internacionais sobre políticas
públicas de conservação da natureza.
https://iucn.oscar.ncsu.edu/mediawiki/
images/c/c1/Akwe-brochure-en.pdf
https://www.cbd.int/traditional/code/
ethicalconduct-brochure-en.pdf
Apesar de ainda pouco aplicadas nos países signatários da CDB, essas diretrizes
exemplificam como os aspectos culturais devem ser considerados em intervenções
ambientais, em diálogo com os grupos sociais, internalizando em seus textos a
compreensão da relação intrínseca entre diversidade cultural e biológica.
O que você acha de conhecer melhor esses documentos para uma compreensão
mais aprofundada de como eles podem ser integrados a estratégias de conservação?
Se reconhece que, por um lado, há diversas práticas culturais que dependem dos
elementos naturais para serem expressadas. Por outro, que muitos grupos sociais
também são responsáveis por manter, manejar e promover a biodiversidade, como
ilustrado na figura a seguir:
Esse é campo de interesse crescente e cada vez mais proeminente entre profissionais
de conservação e acadêmicos.
Esse parece ser o caso do Brasil, um país que conjuga uma das maiores diversidades
biológicas do mundo a uma expressiva diversidade cultural.
Assim, apesar do amplo debate internacional sobre esses temas, ainda há muito
a trilhar para que as recomendações envolvendo os valores culturais da natureza
sejam internalizadas nas políticas nacionais.
Fonte: http://concursobrasileirodeenredos.blogspot.com/2015/07/
Aliada à exuberância natural, o país abriga uma rica diversidade cultural, formada
por mais de 300 povos indígenas, comunidades remanescentes de quilombos e
populações tradicionais, representadas por um diversificado conjunto de grupos
sociais de múltiplas origens.
Fonte: http://www.megatimes.com.br/2013/12/indio-brasileiro-historia-e.html
Quebradeiras de
Andirobeiros Vazanteiros Geraizeiros
coco babaçu
Pantaneiros
Caatingueiros Retireiros Veredeiros do Pantanal
Matogrossense
Apanhadores de
Cipozeiros da Faxinalenses dos
Flores Sempre Piaçaveiros
Mata Atlântica Campos Sulinos
Vivas
Pescadores
Ciganos Caiçaras Ilhéus
artesanais
Fonte: http://portalypade.mma.gov.br/
Sociobiodiversidade Brasileira
Boa parte desses grupos sociais enfrentaram, ao longo da história, diversas lutas
para que seus direitos territoriais e culturais começassem a ser reconhecidos no
país e para que políticas públicas direcionadas a eles fossem instituídas.
Mas ainda há muitos desafios para que essas políticas sejam de fato implementadas
e respeitadas.
Nesse contexto, ressurgem grupos sociais que, apesar de novos para a sociedade
brasileira em geral, sempre estiveram presentes em diversos recantos do país.
Um processo que contribui para trazer para o campo das relações políticas a
complexidade identitária da diversidade de grupos sociais formadores da sociedade
nacional.
Vamos refletir sobre isso começando por entender as interfaces desse tema com
algumas legislações brasileiras. Esse é o tema da próxima unidade.
Para tanto, o Poder Público dispõe de uma série de instrumentos de gestão, tais
como o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a fiscalização ambiental,
a realização de estudos prévios de impacto ambiental, programas de Educação
Ambiental e a criação de espaços territoriais especialmente protegidos.
Assim, um meio ambiente sadio e equilibrado não pode ser entendido somente
como busca por um status aceitável quanto à integridade do meio físico. Deve ser
considerada a integridade do conjunto de significados que a natureza representa
para os diversos grupos formadores da sociedade nacional.
I – as formas de expressão;
Diante desse contexto, o artigo 216 da Constituição Federal representou uma grande
conquista de movimentos sociais e intelectuais brasileiros que lutavam para que
a perspectiva de outros grupos formadores da sociedade nacional também fosse
considerada nas políticas patrimoniais.
Isso levou à ampliação da noção de patrimônio cultural para incluir também bens
intangíveis ou imateriais. Além disso, influenciou as políticas ambientais, dando
maior visibilidade à cultura dos povos tradicionais.
Fonte: https://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao
Geoglifos – AC
Fonte: Acervo IPHAN – Foto Diogo Gurgel http://
portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/822822
Há mais de dois mil bens tombados como patrimônio cultural pelo IPHAN no Brasil,
além de outros reconhecidos no âmbito estadual ou municipal. (Acesse o link: http://
portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126 - A lista dos bens tombados no Brasil.
A proteção desses valores é regida pelo Decreto nº 3.551 de 2000 - que instituiu o Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial, criou o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial (PNPI) e consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR).
Busca-se criar oportunidades para que os grupos reflitam sobre as mudanças que estão
ocorrendo nas suas referências culturais, lembrando que as culturas são dinâmicas, e as
transformações são próprias de qualquer contexto social (ISA, 2013).
Cachoeira de Iauaretê - Lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e
Papuri - um lugar de referência fundamental para os povos indígenas que habitam
a região de São Gabriel da Cachoeira/AM.
Para conhecer melhor esse cenário, o ICMBio vem realizando algumas ações que
visam embasar a elaboração de um programa para integrar valores culturais na
gestão de UC e a formulação de diretrizes institucionais para tratar a temática.
Vamos conhecê-las na próxima unidade.
Adotou como linha mestra a ideia de que, para muitos grupos sociais, a natureza
está associada também a aspectos da sua história, memória e identidade, que, como
vimos ao longo deste curso, envolvem saberes e práticas que conformam ligações
culturais imateriais ainda pouco compreendidas e consideradas nas estratégias de
gestão ambiental.
As abordagens incluem:
Vamos construir juntos esse caminho de integração dos valores culturais da natureza
nas estratégias de conservação?
Para isso, é preciso estar atendo para a multiplicidade de significados que a sociedade
atribui às áreas naturais e começar a “usar essa linguagem” nas estratégias de
conservação.
Isso inclui não apenas reconhecer, valorizar e proteger os significados culturais das
paisagens, mas também promover práticas positivas de interação com as áreas
naturais, pautadas no resgate da conexão positiva entre sociedade e natureza e no
respeito à diversidade de olhares e crenças.
Por isso, para salvar a biodiversidade do planeta é preciso, antes de mais nada,
“reflorestar os corações humanos!”, de forma que as pessoas voltem a se importar
com o que acontece com a natureza e com os diversos seres que nela habitam.
Desafiador, não?
Esse curso é apenas um pontapé inicial para uma mudança de mentalidade em prol
de uma visão mais integradora da conservação da natureza.
Até Logo
BROSIUS, J. P., 2004. Indigenous Peoples and Protected Areas at the World Parks
Congress. Conservation Biology 18(3):609-612
HARMON, D. & PUTNEY, A. D. The full values of parks: from economics to the
intangible. Maryland: Rowman and Littlefield, 2003.
POSEY, D. A. (Ed). Cultural and Spiritual Values of Biodiversity. Nairobi, Kenya, and
Rugby, UK: United Nations Environmental Program and Practical Action Publishing.
1999.
VERSCHUUREN, B., et al. Sacred natural sites conserving nature and culture.
Earthscan, 2010.
WILD, R.; MCLEOD, C. (Ed.). Sacred Natural Sites: Guidelines for Protected Area
Managers. Gland, Switzerland: IUCN. Best Practice Protected Area Guidelines Series
no. 16. 2008. Disponível em: https://cmsdata.iucn.org/downloads/pa_guidelines_016_
sacred_natural_sites.pdf.