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Khaiya Editores & Serviços

___________________________

Estudo sobre as Percepções e Práticas Costumeiras de Maneio


da Biodiversidade nas Comunidades Adjacentes ao Monte
Namúli - Gurúè

Organização
Alexandre Dunduro / Dulce Gonzaga
Ficha Técnica:
Título
Estudo sobre as Percepções e Práticas Costumeiras de Maneio da Biodiversidade nas Comunidades Adjacentes
aos Montes Namúli.

Organização

Khaiya Editores e Serviços

Edição

Khaiya Editores e Serviços

Coordenador Editorial

Alexandre Dunduro

Revisão Científica

Dulce Gonzaga

Apoio financeiro

Design Gráfico
Khaiya Editores e Serviços

Autores
Alexandre Silva Dunduro; Anastácio Leitão Sousa, Dulce Gonzaga

Colaboração

Perito Alper Tarquinho, Marcos Cunoguomoto Júnior .

Endereço do Editor
Rua da Resistência nº1141.E/c, Maputo, Moçambique
khaiyaserv@gmail.com
Tel: +258n87 267 62 70

Moçambique, Outubro de 2016

1
A KHAIYA AGRADECE O APOIO DE:

Ecosystem Partnership Fund (CEPF)

Associação de Músicos do Gurué (AMG)

Governo Distrital do Gurué

Casa de Cultura do Gurué

2
Índice

I. Introdução ........................................................................................................ 4
1.1. Questões metodológicas ........................................................................... 5
1.2. Contexto .................................................................................................... 7

II - A Região dos Montes Namúli e a sua População ..................................... 10


2.1. Breve enquadramento geográfico ............................................................ 10
2.2.1. Relevo, geologia e clima .................................................................. 12
2.2. Condições agroecológicas ...................................................................... 14
2.3. Diversidade faunística.............................................................................. 17
2.4. Diversidade florestal ................................................................................ 18
2.5. As populações da região dos Montes Namúli .......................................... 20
2.5.1. História sobre as Origens ................................................................ 21
2.5.2. Mitologia sobre as origens ................................................................ 23
2.5.3. Organização Social ........................................................................... 27
2.5.4. Estrutura social.................................................................................. 28
2.5.5. Os ritos .............................................................................................. 29
2.5.6. O nascimento .................................................................................... 29
2.5.7. Os ritos de iniciação .......................................................................... 31
2.5.8. A Morte .............................................................................................. 33
2.6. Resumo ................................................................................................... 34

III: Saberes locais e gestão dos recursos naturais na região do Namúli .... 38
3.1. Percepções sobre a biodiversidade ......................................................... 39
3.1.1. Florestas .......................................................................................... 41
3.1.2. A relação com as águas .................................................................... 48
3.2. Acesso aos recursos naturais .................................................................. 51
3.3. O papel preponderante da “Rainha” ........................................................ 52
3.4. Mecanismos de acesso aos recursos naturais ........................................ 53
3.5.O lugar central do mito na gestão da biodiversidade ................................ 54
3.5.1. Os pactos com elementos da natureza – o caso do Nihimo ............. 55
3.5.2 A relação plural entre Montanhas e o Nihimo .................................... 56
3.5.3. Agricultura ......................................................................................... 60

Capítulo IV -Lições aprendidas e conclusões ............................................... 63


4.1. O contexto das mudanças: Modernidade e preservação ambiental ........ 63
4.2. Principais lições/ Constatações ............................................................... 65
4.3. Notas finais .............................................................................................. 66
4.4.Perspectivas ............................................................................................. 68
ANEXOS: Aspectos climatéricos .................................................................... 70

5. Bibliografia.................................................................................................... 71

3
I. Introdução

O homem e a natureza são indissociáveis, sendo praticamente impossível


compreender o homem e a natureza como elementos separados, pois, em última
instância, a natureza é o lar de todos os seres vivos do planeta terra. Entretanto,
desde os primórdios da sua existência, o homem parece relutante em não
assumir esta relação intrínseca com a mãe natureza, o que pode estar na origem
de parte dos problemas ecológicos da actualidade.

No entanto, apesar dessa relação cada vez mais difícil entre o homem e a
natureza, existem lugares, um pouco pelo mundo, onde é possível encontrar
exemplos de equilíbrio da biodiversidade. A região dos montes Namúli é um
desses casos únicos, cujas evidências constituem o objecto deste estudo.

Um dos pressupostos deste estudo é que as tradições transmitidas ao longo de


gerações, através de rituais e mecanismos de socialização próprios da cultura
local, agem como um factor regulador eficaz de relacionamento entre as
populações e o meio ambiente. No entanto, actualmente ocorrem mudanças
originadas pelas transformações sociais, políticas e económicas, entre outros
factores conjunturais (dos quais podemos enumerar: os antigos conflitos entre as
unidades político-administrativas tradicionais, a interferência da administração
portuguesa, as mudanças climatéricas, a degradação do poder de compra, o
advento de outras formas de percepção do mundo através dos sistemas de
educação nos moldes ocidentais, da implantação de seitas religiosas, bem como
da intervenção de exploradores industriais dos recursos naturais).

Todos estes factores fragilizam os sistemas tradicionalmente instituídos e


socialmente aceites e vigentes, afectando deste modo, de forma negativa, a
manutenção dos ecossistemas naturais. Como conciliar os anseios, as
necessidades cada vez mais crescentes das comunidades, progressivamente
influenciadas pela sociedade industrial, sem por em causa o equilíbrio

4
ambiental? Qual pode ser o lugar do saber local nestes processos? Eis alguns
dos paradigmas que o cenário actual suscita.

Mesmo se o estudo não pode responder integralmente a estas questões, está


claro que o desenvolvimento só é sustentável quando os beneficiários estiverem
envolvidos como agentes activos e se os seus saberes forem tomados em
consideração, evitando-se deste modo, situações em que o desenvolvimento é
sinónimo de ruptura, de novo começo, um processo alheio às populações.

A partir dos dados recolhidos, o presente trabalho combina as evidências


empíricas e científicas, estas últimas resultantes da leitura de documentos
relativos a esta temática. Deste modo, as experiências históricas estabelecidas e
culturalmente transmitidas ao longo de gerações, através da ritualização e
oralidade, com as adaptações impostas pelas circunstâncias geradas pelo
encontro de civilizações e evolução tecnológica.

1.1. Questões metodológicas

Não existem estudos dedicados as experiencias sobre o relacionamento e a


exploração dos recursos naturais pelas comunidades locais no Namúli, do
mesmo modo que são raros os trabalhos científicos nesta vertente. Com estes
factos, o processo do presente estudo adoptou o método etnográfico, que
consistiu na recolha de depoimentos e histórias de vida de membros das
comunidades da região do Namúli, mormente em Curruca e Mucunha. Foram no
total, quatro missões realizadas, sendo duas em cada uma das comunidades,
nos meses de Fevereiro e Abril de 2016, e outras tantas consagradas a
interacção com as instituições e populações na cidade do Gurué.

A definição das comunidades para a recolha de dados empíricos foi um exercício


delicado, devido a indefinição e clareza quanto ao território que constitui
efectivamente, a “região do Namúli”, ou ainda, quais são de facto, as
“Comunidades adjacentes aos Montes Namúli”. Este desafio prevalece. No
nosso entender, essa região ou comunidades deveria no mínimo, ser

5
representada pelo perímetro em volta do monte Namúli, portanto, em todo o seu
espaço concêntrico. Não foi conseguido esse facto, tendo o nosso estudo se
baseado nas comunidades mais frequentadas a partir da cidade do Gurué,
nomeadamente Curruca e Mucunha.

Outro aspecto epistemológico suscitado, foi o uso indiscriminado e recorrente da


expressão “população tradicional”, pelos nossos colaboradores e instituições
públicas e privadas durante o processo do estudo. Até certa medida, adoptamos
o conceito de população tradicional, assunto que é retomado por vários autores.1
Para alguns desses autores, o conceito de populações ou comunidades
tradicionais, e na base de estudos empíricos, têm como características, as
seguintes:

 Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os


recursos naturais renováveis a partir do qual se constrói um modo de
vida;

 Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflecte


na elaboração de estratégias de uso e de maneio dos recursos naturais.
Este conhecimento é transferido oralmente de geração em geração;

 Noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz


económica e socialmente;

 Reduzida acumulação de capital;

 Importância dada a unidade familiar, doméstica ou comunal e as


relações de parentesco ou compadrio para o exercício das actividades
económicas, sociais e culturais;

 Importância das simbologias, mitos e rituais associados a caça, a pesca


e actividades extrativas;

1
. Em conformidade com ZANONI, Magda M. et al.: «O próprio conceito de tradicional, como adjectivo de
populações moradoras de uma dada região, pode implicar uma tendência para uniformizar pessoas,
grupos e comunidades extremamente heterogéneas e pode dificultar a preensão de sua historicidade». IN:
Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 2. Op. cit. p. 48.

6
 Tecnologia utilizada relativamente simples, de impacto limitado sobre o
meio ambiente, reduzida divisão técnica e social do trabalho,
sobressaindo a transformação artesanal, onde o produtor (e sua família)
domina o processo de trabalho até o produto final;

 Autoidentificação ou identificação pelos outros de pertencer a uma


cultura distinta das demais.2

As entrevistas individuais e colectivas, a convivência com as populações durante


as pernoitas nas comunidades (noites a volta da fogueira), permitiram a colha de
dados e percepções relevantes sistematizadas no presente relatório. Os dados
assim colectados, foram complementados e nalguns casos confrontados com os
recolhidos através de entrevistas com especialistas e populares na cidade do
Gurué.

Para esse fim, foram privilegiados encontros e entrevistas com camponeses,


líderes comunitários, tradicionais e espirituais, anciãos, curandeiros (membros
ou não da AMETRAMO – Associação dos Médicos Tradicionais de
Moçambique), professores, jovens, técnicos do sector do Ambiente no Gurúè.
Com os jovens, a interacção dentro do contexto escolar, culminou com a criação
de um Círculo de Interesse em prol dos Montes Namúli, no Distrito de Gurúè,
animado essencialmente por estudantes e professores locais.

1.2. Contexto

O presente estudo foi realizado no âmbito do projecto do Fundo de Parceria para


Ecossistemas Críticos(CEPF) , tendo em vista sistematizar as experiências
práticas e saberes costumeiros da região dos Montes Namúli, sobre o uso
sustentável dos ecossistemas naturais locais, com a finalidade de criar uma
base de informação que possa sustentar a implementação eficiente e eficaz de
programas de desenvolvimento socioeconómico, assim como outras acções que

2
. DIEGUES e NOGARA (1994). Citados por ZAMONI, Magda M.; FERREIRA, Ângela Duarte D.; et. al. Op. cit. p.
48.

7
visem o aumento da renda e subsistência das comunidades de forma
ambientalmente sustentável.

A questão de conservação da biodiversidade ocupa um lugar central nos


debates nacionais e internacionais, no âmbito da luta contra a degradação dos
ecossistemas, mudanças climáticas e seus efeitos. Paralelamente, este debate
tem a particularidade de a biodiversidade condicionar a qualidade de vida das
populações, ou seja, o desenvolvimento humano sustentável.

Para fazer face a estas situações, os agentes, os profissionais e estudiosos


sobre o desenvolvimento humano têm-se empenhado na busca e
implementação de estratégias e programas para estimular mudanças de atitude,
corrigir a degradação da biodiversidade, entre outras medidas.

No entanto, como foi observado nas décadas de 1980/90, as críticas sobre as


políticas e estratégias de desenvolvimento eram devido ao facto de destas
serem aplicadas nas diferentes comunidades de forma indiferente, como se
fossem fórmulas universais e infalíveis, sem atender as especificidades
socioculturais das comunidades beneficiárias, bem como as suas experiências e
potencialidades.

Nestes casos, as comunidades locais são tratadas como meros receptores


passivos de estratégias concebidas e experimentadas em contextos muito
diferentes. O seu envolvimento e participação das comunidades locais pouco ou
nada interessou aos agentes do desenvolvimento, tão pouco a valorização e
tomada em consideração dos seus saberes e experiências.

Nesta perspectiva, o documento procura elucidar o quanto o conhecimento local


(costumeiro ou indígena) desempenha um papel crucial no incremento do
desenvolvimento social e económico harmonioso e sustentável. Na base dos
dados recolhidos e apresentados, é realizada uma modesta proposta de
princípios orientadores para a sua utilização pelos intervenientes no
desenvolvimento local no Namúli. Este é também um mecanismo de contribuição

8
para o fortalecimento das percepções sobre a importância do saber costumeiro,
concorrendo para a sua maior integração nos programas e processos de
desenvolvimento.

A expectativa é que, se um dos principais objectivos dos programas de


desenvolvimento sustentável é a provisão das necessidades básicas das
populações, para tal, é crucial o conhecimento do seu meio social e ambiental, a
sua essência filosófica, as tradições, suas práticas e suas percepções sobre o
cosmos. O presente estudo pode constituir uma contribuição para o
fortalecimento de uma nova forma de consciência cultural, ética e ambiental, e
sobretudo, fornecer o quadro geral sucinto para a tomada de decisões
estratégicas sustentáveis e adequadas aos contextos concretos.

9
II - A Região dos Montes Namúli e a sua População

O presente capítulo faz a introdução sobre a região dos Montes Namúli através
da incursão pelas suas dimensões geográfica, visando fornecer uma base de
análise da informação circunstancial relativa ao objecto do estudo a ser
desenvolvido ao longo dos capítulos subsequentes.

2.1. Breve enquadramento geográfico

O Monte Namúli localiza-se no distrito de Gurué, na província da Zambézia, na


parte setentrional de Moçambique. É o segundo monte mais alto de Moçambique
depois do Monte Binga, com 2.419 me cobre uma área 200 km 2. O distrito de
Gurué limita-se ao norte com os distritos de Malema, província de Niassa, e de
Mecanhelas, província de Nampula, ao sul com o distrito de Namarrói, este com
o distrito de Ile e Alto Molocué e a Oeste com o distrito de Milange (INE, 2012).

Com os seus 2,419 metros de altitude, o monte Namúli está situado a uma
altitude de mais ou menos 700 e 800 metros. Em conformidade com certos
autores, a área mais ampla entre os territórios que compreendem a formação
Chire-Namúli é de aproximadamente 430Km 2, com cerca de 200Km2 que
compreendem aos montes Namúli e outros picos próximos. Outras fontes
referem que à uma média de 1600 m acima do nível médio das águas do mar, o
Monte Namúli é uma "mesa" de granito no planalto, com dimensões de
50x30km.

Sob o ponto de vista geomorfológico, o maciço de Namúli é constituído de


Rocha Granítica do tipo Porphyritic que se formaram entre 1100-850 milhões de
anos, portanto, do período pré-câmbrico. (DIA, 2009). Deste modo, o Namúli é
um maciço, com pontos mais altos, sendo os picos com maior altitude de (37 o
03'E, 15o 22'S; 2.419 metros e 2.369 metros), este, encontram-se imediatamente
ao norte da cidade de Gurué na Província da Zambézia. 3

3
. De acordo com DIA (2009), muitos dos outros domos de granito para o leste são mais como inselbergs - cúpulas altas
crescentes abruptamente de uma paisagem relativamente plana. Cerca de 50 km para o norte-oeste perto Mutuáli está o
complexo Cucuteia com uma série de picos de 1000-1900 m, e 50 km para o norte-leste, perto de Malema encontra-se o

10
A compreensão dos fenómenos em torno dos míticos montes Namúli só pode
ser efectiva a partir de uma perspectiva integrada naquela inerente as
populações do distrito do Gurué como referencia mais ampla, consociando o
cruzamento de múltiplos aspectos sociais e culturais.

Em termos de superfície, o distrito do Gurué ocupa uma área de 5.688 km2.


Localiza-se ao Norte da Província da Zambézia (Alta Zambézia). Em termos
limítrofes, ao nordeste se separa da província de Nampula, pelo distrito de
Malema, ao noroeste o distrito de Cuamba na província de Niassa, mais ao sul é
limitado pelo distrito do Ile, a Este faz limite com o distrito do Alto Molocué e,
finalmente ao Oeste faz limites com os distritos de Namarrói e Milange.

O estudo publicado pela Darwin Initiative Award (2009) faz uma descrição sobre
o enquadramento geográfico do Namúli, nos seguintes termos:

Along with other rugged hills and high ground, the Namúli complex forms part of
the watershed between the Rio Lúrio and Rio Licungo catchments, and appears
to be the largest single such massif in the country. It is essentially a complex of
graniticinselbergs ('whalebacks') or intrusions linked by a high plateau, exposed
by millions of years of subsequent erosion. Many of the other granite domes to
the east are more like inselbergs.4 (DIA (2009).

Fazem também parte deste espetáculo da natureza os rios mais imponentes da


Zambézia e de toda a Zona Norte de Moçambique. O rio Malema, o principal
curso de água que atravessa a província de Nampula, nasce no monte Namúli, e
depois segue um curso em direcção norte para acasalar com o rio Lúrio.
Seguindo para o sul, dentro da província da Zambézia, encontra-se o rio
Licungo, este também filho do Namúli, que vai desaguar no oceano Índico. Entre
outros mais de uma dezena de cursos de água partindo das vertentes do
Namúli, podemos citar igualmente os rios Luá, Cogola, e o Molocué, este último
que dá o seu nome ao distrito de Alto-Molócué,

monte Inago a 1730 m de altura, enquanto as famosas e carismáticas inselbergs perto de Ribaué medirem 150 km de
distância, na mesma direcção.
4
Junto com outras montanhas e elevações o complexo do Namúli forma parte da Bacia hidrográfica entre o Rio Lúrio e
o Rio Licungo, imergindo como o maior maciço do país. Este complexo é de granitos de "inselbergs" - elevações que
se irrompem abruptamente sobre as superfícies planas. Aproximadamente 50km para o noroeste.

11
Maciço de Namúli vista num dia chuva

2.2.1. Relevo, geologia e clima

O relevo do Gurué é essencialmente composto por zonas montanhosas e


planálticas, que corresponde à formação montanhosa Chire-Namúli. A altitude
do distrito de Gurué situa-se entre 500 a 1000m, sendo o pico mais alto do
distrito, o Monte Namúli com 1,419 metros. A região compreende áreas
peneplanáticas mais ou menos acidentados. O interesse científico, cultural e
económico foi igualmente destacado por José de Oliveira Boléo, nos seguintes
termos:

Outra região interessantíssima de estudar, sob o ponto de vista morfológico, é


a do Namúli. Esta zona montanhosa ergue-se em degraus sucessivos com os
estratos sempre inclinados para Norte. Uma falha, no sentido N-S limita, pelo
Oriente, o maciço. Por ela estende-se o vale do Mpuipui (Bua Bua), afluente da
margem esquerda do Lúrio que os ingleses chamam Bwibwi.5

Em termos geográficos, referindo-se às formações Chire-Namúli, José Boléo


sublinha que:

Para leste do Vale de Rift, do médio Chire ao Lago Chirua e entrando pelo
território moçambicano, encontram-se “The Shire Highlands” dos ingleses,
denominando nós à parte incluída no território de Moçambique “Formações-
Chire-Namúli” porque entendemos que foi o Alto Lúrio, o Luá e Licungo que
trabalharam na separação dos montes de Milange, dos Namúli. (...)

A região, acidentadíssima, apresenta picos vários excedendo os 2.000 metros,


erguendo-se de largo pedestal acima de 1.000 metros, excelente área de

5
. BOLÉO, José de Oliveira. Geografia Física de Moçambique. (Esboço geográfico). Lisboa, 1950. p. 63.

12
colonização fixa para europeus. As mais altas cotas assinaladas são as
seguintes: Namúli I (2.419 m.), Namúli II (2.376 m.), Namúli III (2.174 m.),
Mácua (2.077 m.), Currarre (2.067 m.), Mancuni (1.764 m.), Inago (1.729 m.),
Tacuane (1.679 m.), todas na zona do Gurúè. (...)6

 Geologia

Em termos geomorfológicos, existem três principais unidades de solos no Gurúè,


fazendo parte da mesma unidade geomorfológica. 7 A primeira é caracterizada
por solos vermelhos a castanho-avermelhados de textura franco-argilo-arenosa,
profundos, bem drenados e de fertilidade natural baixa e risco moderado de
erosão.

A segunda é caracterizada pela ocorrência de solos líticos castanhos, de textura


franco-arenosa, pouco profundos, excessivamente drenados e de baixa
fertilidade natural sendo a profundidade e risco de erosão as principais
limitações para agricultura. Por fim, a terceira marcadamente de solos
castanhos, profundos de textura franco-argilo-arenosa, moderadamente
drenados e o risco moderado de erosão e condições de germinação são as
principais limitações para agricultura.8

Em suma, o solo da região de Namúli é lítico do tipo franco-argilo-arenosa, cuja


cor que varia de vermelho a castanho e com uma drenagem e fertilidade
moderada. De acordo com o declive do solo (planaltos e maciços montanhosos),
este pode sofrer facilmente a erosão quando descoberto (sem vegetação),
devido a alta intensidade pluviométrica.

 Clima

A partir dos dados gerais do distrito de Gurué, pode-se inferir que o clima da
região do Namúli é tropical húmido com uma precipitação média anual de
1.995,7 mm. As chuvas ocorrem entre os meses de Outubro a Julho, podendo
prolongar até o mês de Agosto. A temperatura oscila entre 32.5º C, no mês de

6
. BOLÉO, José de Oliveira. Op. cit. p. 73.
7
Carta Nacional de Solos (INIA, 1995- Ministério da Administração Estatal)
8
. Perfil do distrito do Gurué: Província da Zambézia. Ministério da Administração Estatal (2005)

13
Novembro, a 12.3º C, no mês de Julho com uma evapotranspiração média anual
de 1,226,7 mm. O relevo é dominado pelos planaltos que oscilam entre 500 a
100 metros de altitude, e maciços montanhosos separados por zonas
peneplanálticas mais ou menos acidentadas, como é o caso do maciço de
Namúli, dai a designação de “alta Zambézia” o que justifica a existência de
muitos cursos de água (MAE, 2005).

O clima é húmido, mesotérmico moderado com escassez de queda


pluviométrica durante a época do inverno. Gurué apresenta um período seco de
aproximadamente 67 dias e 186 dias húmidos, sendo que o período chuvoso,
normalmente inicia nos finais do mês de Outubro e tem o seu término nos finais
do mês de Agosto do ano seguinte. Os níveis mais baixos de precipitação
ocorrem no mês de Setembro.9

Actualmente, mergulhado entre as extensas plantações de chá de Gurué,


Namúli é o ponto mais alto do maciço e dos cumes associados de granito
situados no norte da província da Zambeziana (MAE, 2005; Timberlake et al.,
2008). Devido a magnitude da sua escultura natural que lhe permite gerar
chuvas orográficas, o monte Namúli é uma fonte hidrológica que sustenta as
comunidades, na base da sua vasta biodiversidade faunística e florística,
incluindo algumas espécies endémicas, o que torna o Namúli apetecível a várias
visitas de curiosos e expedições científicas, destacando deste modo, a sua
importância (Dowensett-Lemaire, 2008; Timberlake et al., 2009; Cangela, 2013).

2.2. Condições agroecológicas

A agroecologia envolve métodos, conceitos e princípios que permitem uma


avaliação e maneio consciente dos sistemas naturais viradas para a produção
de alimentos.10 Em palavras mais simples, a agroecologia é a aplicação dos
princípios e conceitos da ecologia ao desenho e gestão de agroecossistemas
sustentáveis. (Gliessmann, 2001).

9
Perfil do distrito do Gurué:, província da Zambézia. Ministério da Administração Estatal (idem.)
10
. Glossário de Termos Usados em Atividades Agropecuárias, Florestais e Ciências Ambientais. Ormando, José
Geraldo Pacheco. 2006.

14
O debate sobre a agroecologia remete-nos, entretanto, ao conceito de saberes
locais na sua relação com a biodiversidade, os quais são compreendidos a partir
da abordagem multidisciplinar, envolvendo saberes da agronomia, ecologia,
economia e sociologia.

Em Moçambique, a questão da agroecologia envolve um processo de


zoneamento culminando em "zonas agroecológicas", que são regiões com
determinadas características naturais, que, pela sua natureza, indicam quais as
culturas ou actividades agropecuárias mais ajustadas para estas zonas.

A região dos Montes Namúli é neste sentido, consideradas zonas


11
agrogeológicas 1, em face da sua elevada potencialidade agropecuária. Na
verdade, as encostas do Namúli e todo o vale que perfaz o Vale do Rift,
conhecido pelo seu enorme poder em termos de riqueza de biodiversidade, de
recursos hídricos, hidrocarbonetos, fauna e flora e condições ecológicas únicas
no mundo, é uma região de beleza agroecológica inimaginável. As figuras abaixo
são um pequeno exemplo desse poder ecológico e agrogeológico da formação
Chire-Namúli.

Aspecto típico da natureza, paisagem na região dos Montes Namúli

11
. Em Moçambique há no total 10 regiões agroecológicas.

15
0 Tomate, um dos principais produtos agrícolas nas encostas do Namúli.

Quedas de água, um espetáculo frequente nas encostas do Namúli

Grande Vale do Rift (Vista do alto das encostas dos Montes Namúli)

16
Esta região, que faz parte do Planalto Norte de Moçambique (assumindo o
zoneamento oficial do IIAM), possui óptimas condições agroecológicas, que
estimulam a prática da agricultura de sequeiro para o consumo familiar, e fonte
de rendimento quer através da venda de excedentes agrícolas, quer pela
elevada capacidade de empregabilidade de pessoas na agricultura. 12

Ao longos dos últimos anos, a agricultura é progressivamente condicionada ou


caracterizada pela sazonalidade, devido a grande variação da temperatura, e
consequentemente, da precipitação atmosférica. Todavia, em termos gerais, as
condições continuam sendo apropriadas para manter níveis médios de
produção. As secas são raras com uma frequência de uma vez em cada 10
anos. (FEWS NETWORK-2014).

2.3. Diversidade faunística

Pela sua flora e fauna, a região do Namúli faz parte da lista dos ecossistemas
mais ricos e diversificados do planeta. Com efeito, esta região alberga uma
grande variedade de espécies vegetais e animais endémicas, ou seja, que não
podem ser vistas num outro lugar no mundo, compreendendo uma diversidade
de aves, insectos, em particular as borboletas, pequenos mamíferos e répteis,
das quais, algumas são endémicas para a região como legado do monte
perdido.

Importa referir que trata-se de uma fauna caracterizada essencialmente por


animais de pequeno porte 13 sendo que as últimas espécies de animais de
grande porte foram vistas entre os anos 1980-1990.14

12Moçambique - Descrição das zonas de formas de Vida. FAMINE EARLY SYSTEMS NETWORK (FEWS NET-
2014).
13
Nos vários relatos e referências bibliográficas aponta-se para a existência, no passado, talvez há uma dezena de anos,
de várias espécies animais de grande porte nesta região, dos quais se citam: Leões, elefantes, rinocerontes,
hipopótamos, tigres, entre outros, que, hoje, já não podem ser vistos. Apontam-se várias causas que podem estar na
origem do desaparecimento destes animais como o crescimento e expansão demográfica para as zonas onde
tradicionalmente estes animais habitavam (Aqui aponta-se para a expansão das zonas de cultivo pelas comunidades) e
as guerras que assolaram o país desde a década de sessenta: A guerra de Libertação Colonias e a Guerra Civil que
durou dezasseis anos.
14
Relatos da DIA (1999) referem que o último leão foi avistado pela última vez no ano de 1987 e um leopardo em
1990.

17
O estudo do DIA (1999) faz um relato exaustivo sobre as espécies de animais
dos Namúli, mais destacadamente sobre aves, fazendo uma referência especial
ao pássaro denominado Namúli Apalis, que a espécie de ave que actualmente
somente pode ser encontrada nos Montes Namúli. A par das aves, também
podem ser encontrados, como nos referimos acima, espécies de rastejantes,
insectos e anfíbios.

Diversidade faunística dos Namúli uma riqueza biológica valiosíssima

2.4. Diversidade florestal

À semelhança da fauna, a flora da região dos Namúli é bastante diversificada.


Apesar de haver uma intensa pressão sobre a vegetação em função do
incremento das actividades agrícolas, pelas comunidades adjacentes aos
montes Namúli. Parte da vegetação encontrada nas regiões dos Namúli está
imersa no interior das encostas das montanhas, actualmente quase inacessíveis.
Pode ser por essa razão que, em grande medida, a flora permanece
praticamente intacta. Um outro aspecto que pode contribuir para a fraca
intervenção humana sobre a vegetação, é o carácter sagrado de parte das

18
florestas. Em termos gerais, pode-se dizer que os tipos de flora predominantes
nesta região são:

 Florestas, bosques, zonas de pastagens, arbustos e pequenas ervas que


desabrocham nas fendas das rochas.

Este estudo não tem como enfoque a apresentação detalhado das diferentes
espécies vegetais, pelo que podemos nos socorrer nalgumas referências já
feitas em estudos passados.

19
Globalmente, podemos constatar que a vegetação acima de 1200 metros de
altitude é categorizada em seis principais grupos, a saber: i) floresta de
montanha, ii) floresta arbórea, iii) floresta arbustiva, iv) capinzal montanhoso, v)
matas estreitas ou manchas sobre as rochas emergentes, e vi) áreas cultivadas.

2.5. As populações da região dos Montes Namúli

A narrativa sobre a origem das populações que habitam as encostas dos montes
Namúli é plena de mitos diversificados, o que enriquece a própria matéria de
análise histórica. Trata-se de uma narrativa que encontra sempre um novo
ponto-de-partida em cada orador que se propõe a relatar sobre os mistérios do
Namúli. Entretanto, há unanimidade em se assumir que a vida, o homem que
governa as planícies, os planaltos e as montanhas, que exerce poder sobre as

20
florestas e sobre o mar, tenha surgido nas grutas situadas no pico mais alto da
cordilheira Chire-Namúli, o monte Namúli.

2.5.1. História sobre as Origens

O Monte Namúli é considerado epicentro do princípio da vida Humana biológica


e espiritual, particularmente para as comunidades Lomwé-Makhua que habitam
o norte de Moçambique. É também conhecido como o local onde repousam
eternamente os espíritos dos ancestrais (Makholo) daquelas comunidades.

Como testemunhos desta crença, existem no cume do Namúli, sobre a rocha,


vestígios envoltos de misteriosos (Miririmo), sob a forma de pegadas humanas
supostamente dos Primeiros Homens, uma Lagoa, Anões (Muacona kiruakavi), e
uma grande diversidade de frutas na forma selvagem, o que sugere tratar-se de
indícios de um antigo habitat humano.

De salientar que estes testemunhos só se visualizam mediante a observância de


rituais (Maqueya) prévios, realizados sob a liderança da autoridade tradicional
local, concretamente, pela Rainha. Contam as narrativas populares na região do
Namúli que, sem a sujeição a tais rituais preliminares por parte dos visitantes,
jamais se chegará ao cume do Namúli, e incorre-se ao risco de a pessoa se
perder para sempre no monte. Um outro discurso sobre os riscos que o indivíduo
poderia incorrer ao subir o Namúli sem observar as tradições locais, refere:

O castigo a quem se subir ao cimo do monte, era (como é muitas vezes, nesta
parte do mundo, o castigo de quem viola alguma regra costumeira) a pessoa
perder-se e nunca mais encontrar o caminho para casa. O que é original – e
delicioso, na minha opinião – na lenda Lomwé é a maneira como a pessoa se
perde: se o guardião eterno da montanha lá apanhar alguém, começa a falar
com essa pessoa tanto e tão depressa que a confunde completamente; e ela,
de tão baralhada que fica, nunca mais encontra o caminho de volta.

Antes da expansão do cristianismo, o culto, nas comunidades desta região do


Namúli era feito exclusivamente, através de cerimónias de invocação dos

21
espíritos ancestrais que repousam no monte Namúli, como forma de manter a
ligação entre os vivos e os mortos.

Referindo-se a história das origens dos grupos etnolinguísticos assentes em


torno dos Montes Namúli, o historiador Zacarias Ivala (1999) argumenta que a
região dos Namúli teria acolhido uma fracção de migrantes Bantu, provenientes
das regiões da África Central, num processo que terá durado desde o início da
Era Cristã, tendo se prolongado por mais vários séculos. Este movimento
migratório teve sempre o foco, toda a cadeia montanhosa, conhecida por montes
Namúli.

Os povos saídos das cavernas dos montes Namúli, teriam vivido no princípio,
num grande planalto do Namúli. Com o aumento da população, degeneraram-se
em conflitos pelo acesso e gestão dos poucos recursos existentes, culminando
com o êxodo do monte sagrado e a dispersão das populações pelas diversas
regiões das actuais províncias da Zambézia, Nampula, Niassa e Cabo Delgado,
alcançando a parte oriental da República do Malawi.

O monte Namúli é deste modo, considerado o berço mítico dos Lomwé e das
etnias correlacionadas, cuja história encerra uma concepção e construção
mitológica única e aliciante. Nessa perspectiva, certo ancião entrevistado disse:

Todos nós, descendemos duma Grande Mãe que habita(va) as montanhas do


Namúli. O nome atribuído à Grande Mãe Macua é Nipele. Nome que faz todo o
sentido...O Seio, que alimenta, que dá vida. Outro nome atribuído à Grande
Mãe seria Errukhulu (Ventre). A Grande Mãe teria enviado 4 filhos, descer o
Namúli, para humanizar os territórios a norte do rio Zambeze. Este movimento
alastrou-se desde a Zambézia, passando por Nampula, Tete, Cabo Delgado,
Niassa, Malawi até ao sul da Tanzânia.

No monte Namúli, existe um pássaro com cerca de 12 centímetros, com um


cantar divinal. Não existe em mais sítio nenhum do planeta. Chama-se Namuli
apalis. É uma espécie endémica do Namúli. Para os nativos, o Namuli apalis
representa o espírito da Grande Mãe dos Lomwé-Makuwa.

22
O conceito de Grande Mãe existe há milhares de anos. Está presente nas
primeiras civilizações humanas. Estas sociedades matrilineares conferem à
mulher um papel de relevo na sociedade, o que consubstancia a descendência
pela linha materna. É deste modo que um grupo de anciãos entrevistados
sentenciou: “Aqui, o teu sobrinho, o filho da tua irmã, é o teu herdeiro”.

Não existe consenso sobre as motivações que terão levado a essas


movimentações a partir dos Montes Namúli. No entanto, a história comum das
grandes migrações entre os povos Bantu, destaca a constante procura de zonas
aráveis para a agricultura e pastorícia, as disputas políticas e neste caso
concreto, pode-se mencionar as invasões dos Maravi e as invasões dos grupos
Nguni, naquilo que foi registado nos anais da história de Moçambique como a
guerra dos Mavitti. (Ivala, 1999).

Dentre os vários aspectos narrados pelas fontes orais, conta-se que os primeiros
povos que habitaram aquela região envolveram-se em disputas familiares, clãs
ou tribos o que terá levado provavelmente a um êxodo massivo, onde se assistiu
a dispersão progressiva de vários grupos de populações saídos do Namúli para
ocupar as planícies onde se encontram actualmente. Foi assim que, seguindo o
curso dos dois grandes rios que nascem no Monte Namúli, nomeadamente o rio
Malema e o rio Licungo, esses grupos ocuparam regiões extensas e distantes
que hoje compreendem toda a Alta Zambézia, Nampula, Niassa e Cabo
Delegado, e uma parte da actual República do Malawi, dando origem aos povos
Lomwé com variantes Macuas.

2.5.2. Mitologia sobre as origens

Os mitos são parte importante no processo de construção de identidades,


portanto uma produção social. As teorias naturalistas desenvolvidas ao longo do
século XIX, apresentam o mito como factor teórico ou contemplativo que dá
origem à ciência e consiste em tomar determinado fenómeno natural como
chave para a explicação de todos outros fenómenos 15. Uma outra concepção

15
. Dicionário de Filosofia-Martins Fontes. São Paulo; 1998.

23
não menos importante é a de Fraser e Malinowski, buscam no mito, a
justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura
de um grupo.16

No caso vertente das populações dos Montes Namúli os mitos estão presentes
nas narrativas sobre a sua origem. Trata-se de uma referência indispensável no
processo de compreensão das suas vivências. Esta referenciação aos mitos é
um facto de grande importância na construção da identidade das comunidades
Lomwé, quando elas sustentam os argumentos sobre as suas origens, sobre o
mundo, a humanidade em fim, sobre a vida.

É nessa configuração socio-antropológica que os Montes Namúli representam


para as comunidades que habitam em seu redor, o princípio da vida. "Os montes
Namúli pariram a humanidade”.

Esta crença é partilhada pelos anciãos contactados durante o decurso do


presente estudo, socorrendo-se a memória que guardam dos seus ancestrais.
Para estes, “os Montes Namúli constituem o local onde a alma, os espíritos dos
ancestrais descansam suavemente, pois é para lá onde todos os povos que ali
nasceram, retornam.

Alguns estudiosos defendem que os macuas chegaram à região onde hoje


vivem, vindos na onda das inúmeras migrações dos povos bantus, por volta do
século XI. Mas os próprios macuas não são desse parecer. Eles acreditam que
foi Deus quem os criou no monte Namúli. É o que os pais ensinam aos filhos,
empregando numerosas versões de lendas e mitos, para contar como tudo
aconteceu. Eis uma delas, contada e repetida em diversas comunidades da
região do Namúli:

"Um dia, nas entranhas do monte Namúli, Deus fez germinar homens a partir
das raízes de um embondeiro – a chamada «árvore dos mil anos», imensa."

16
. Dicionário de Filosofia (idem.)

24
"Reunidos em pequenos grupos e seguidos por animais da floresta, os
primeiros macuas conseguiram sair desse reino de trevas e chegar à luz. Uma
vez à superfície, cada grupo recebeu um nome, capaz de unir os seus
membros e torná-los irmãos uns dos outros. Foi assim que se formaram os clãs
que ocupam hoje o território macua."

"Um dia apareceu a morte e, com ela, a necessidade do casamento, para gerar
filhos que ocupassem o lugar dos mortos de cada grupo. Mas como poderia ser,
se todos eram irmãos?"

"Os anciãos reuniram-se então e tomaram uma decisão: o homem, quando


casa, passa a viver com a família da esposa, mas não tem nenhuma
autoridade sobre os seus filhos. Só sobre os filhos da sua irmã."

"Essa comunidade multiplicou-se rapidamente, tornou-se um grande grupo que


não cabia no cimo dos montes Namúli. Por isso abandonaram-na e vieram para
a planície. Mas nunca esqueceram as suas origens e ouve-se frequentemente
a frase: Miyo kokhuma o Namúli (fui gerado no monte Namúli)."

Entre as várias narrativas recolhidas, pode-se mencionar a seguinte:


"Há dois montes em Moçambique de destacada importância para as nossas
populações. Trata-se dos Montes Binga, na província de Manica e os Montes
Namúli aqui na província da Zambézia, aqui no nosso distrito." Aquele, o maior,
o Monte Binga é a mãe das gentes da zona Centro e um pouco mais para o sul
de Moçambique." E este o Namúli "pariu" as gentes da parte Norte de
Moçambique."

Ou, como é descrito por Artur (2003), citando uma fonte oral.

"No monte Namúli (lugar da antropogonia = nascimento do homem) há uma


caverna ou fenda (= matriz, seio materno); há um grande ovo, acrescentam
outros (o ovo aqui é símbolo de nascimento exemplar do mundo=cosmogonia).
Do mesmo monte nascem vários rios, há uma lagoa lá em cima (água, símbolo
de fecundidade)."

Também relatam António e Arigora (2011)17:

"Os primeiros homens depois de serem criados por Deus, nas grutas da serra
de Namúli, organizavam grandes viagens até as planícies descendo por vários
caminhos e, na medida em que iam se multiplicando iam-se repartindo, dando
origem aos vários subgrupos um dos quais os Lomwés."

Ainda no contexto da mitologia sobre as origens das populações do Namúli,


talvez valha a pena citar Artur (2003), quando refere que, tomando em
perspectiva as várias referências e factos, é pouco verossímil que se assuma
17
O Povo Macua-Lomwé da Zambézia -Pebane (2011). arigora.blogspot.com-consultado no dia 15 de Agosto de 2016.

25
apenas que as populações adjacentes aos Montes Namúli sejam apenas
fragmentos saídos da migração Bantu. Associado a esta perspectiva de Artur
(2003) a colocação de Nunes (1999) permite uma compreensão da mitologia
sobre as origens das populações do Namúli que aprofunda o debate relativo ao
surgimento das comunidades Lomwé, como pode ser observado no texto a
seguir:

"Num certo dia, nas entranhas profundas do Monte Namúli, o Criador fez
"germinar" homens a partir das raízes de um imenso embondeiro. Estes
homens, após a sua criação, reuniram-se em pequenos grupos e, seguidos por
animais da floresta partiram em direcção a luz do sol que reluzia dentre as
fendas do enorme buraco onde o Criador os fez germinar. Estava assim criado
o primeiro grupo de homens "macuas", portanto "paridos" pelo Namúli.
Chegados à superfície, cada um dos grupos recebeu um nome,18 capaz de unir
cada um dos membros e assim torná-los irmãos. Até que um dia apareceu a
morte! O susto da morte levou ao estabelecimento de laços conjugais, união de
homens e mulheres, como uma forma de, a partir deste pressuposto, garantir-
se a reprodução e, com isso garantir-se a sobrevivência do grupo. Assim, foi
decidido pelos anciãos que o homem, uma vez casado, passaria a viver com a
família de sua esposa, mas sem quaisquer autoridades sobre os seus filhos.
Apenas sobre os filhos da sua irmã. Foi assim que se deu a multiplicação dos
Emakwas, formaram um grupo numeroso no topo da montanha e, não havendo
mais espaço suficiente para todos e faltando zonas de cultivo, foram descendo
e ocupando as zonas da planície onde habitam até os nossos dias. (Nunes,
1999)19.

A existência de um “criador supremo” que terá se baseado no Namúli, aparece


com muita frequência nas narrativas sobre a origem destes povos. Esses relatos
tomam variadíssimas formas, tais como mitos e lendas, alimentando a crença
segundo a qual tudo começou lá, nos Namúli. Um facto que reforça a posição de
Artur (2003), quando este nos diz que “os Bantu não podem ser
necessariamente a única referência explicativas das origens, dentre as dezenas
de narrativas encontradas entre os populares dos Namúli. Aqui podemos notar
que, muito provavelmente, a referência aos Bantu vindos da região dos Grandes
Lagos seja uma perspectiva simplista ou inacabada, e que ignora estes saberes
bem como os assentamentos humanos anteriores as migrações Bantu, o que
pode ser um ponto-de-partida para uma discussão mais aprofundada.

18
Estes nomes atribuídos a estes grupos pode ser ao que entre os Macua-Lomwé se chama "Nihimo"
19
. Nunes, Rogério. - Macuas: Filhos da Montanha. Revista Além-Mar. 1999.

26
2.5.3. Organização Social

Quanto a estrutura e ordenamento territorial, as comunidades do Montes Namúli


são associadas, por vários estudiosos, aos Makhuas, por sinal, o grupo
etnolinguístico mais estudado que os Lomwé, apesar de se reconhecer que
estes últimos é que residem ainda no berço de todas as comunidades Lomwé-
Makhua.

É deste modo que a literatura especializada refere que indivíduos Emakhuwa20


habitam, desde os tempos mais remotos, as regiões da Alta Zambézia, onde faz
parte o distrito do Gurué, a província de Nampula que, como nos referimos
acima, acredita-se que tenha sido para lá onde teriam se deslocado os
ancestrais dos montes Namúli em consequência das várias disputas sociais e
políticas, a província do Niassa mais para a zona sul, a província de Cabo
Delegado igualmente a sul, e pequenos substratos encontram-se nos países
vizinhos, como é o caso do Malawi e da Tanzânia.

Uma família típica do distrito de origem Lomwé

Um dos aspectos mais importantes quanto a organização social das


comunidades do Namúli, é a sua estrutura sociofamiliar. Das referências
bibliográficas e factos observados, constata-se que a organização deste grupo é
essencialmente matriarcal, o que quer dizer que o sistema de parentesco nestes
grupos é definido pela via materna, compreendendo, nesta forma de ser, todos
20
. Esta referência não contradiz a afirmação segundo a qual as populações da região dos Namúli é predominantemente
Lomwé. Na verdade, as poucas referências de que se tem conhecimento referem-se ao Lomwé como um subgrupo
derivado dos Emakhuwa. Portanto, para um enquadramento mais esclarecedor no concernente a organização social,
optamos em focalizarmo-nos no grande grupo Emakhuwa.

27
os indivíduos de ambos os sexos, adultos ou crianças, que descendem, por
aquela via, de uma antepassada comum.

Esta base estruturante interfere igualmente na organização dos factores de


produção, ou seja, a forma como as populações encaram e se organizam para a
produção. Concretamente, os meios de subsistência são "controlados" pela
mulher, a quem cabe o poder de todos os seus descendentes directos,
nomeadamente filhos (menores) ou filhas (independentemente do seu estado
civil) e igualmente filhos menores e filhas das suas filhas. A responsabilidade
pelas crianças, cabe ao tio materno, neste caso, um dos irmãos da mãe, mais
concretamente o mais velho.

2.5.4. Estrutura social

Nas comunidades da região do Namúli, a família é o centro de todas as relações


sociais. No entanto, existe o nihimo21 como unidade social superior, onde todos
os subgrupos étnicos encontram o seu enquadramento. O historiador
moçambicano Zacarias Ivala (1999) explica que a organização social destes
grupos da região dos Montes Namúli consistia em unidades ora pequenas ora
grandes unidades familiares (uterinas), que territorialmente se juntavam em
número variável, para constituir uma unidade política sob a égide de uma das
linhagens. Este chefe é designado por Mwene Mulupale ou Mpewe.

Ainda em conformidade com o historiador Ivala (1999), a estrutura sociopolítica


local pode ser resumida no seguinte:

1) Um mamwene mutokwene - Que é o chefe do nihimo politicamente


dominante ou dono das terras.

2) Vários mamwene - Que são independentes uns dos outros, ligados entre
si principalmente por laços matrimoniais, possuindo cada um os seus

21
. Mahimo no plural.

28
dependentes e sendo um deles o mais importante por ter sido o primeiro a
fixar-se nas terras.

Em cada caso e escalão em relação ao Mwene está associada uma figura


feminina (a pwiyamwene) e um conselho de anciãos (asitokwene - os grandes,
os notáveis) ou anamiruku (os conselheiros).

Uma família em actividades domesticas no Gurué

Esta referência a estrutura sociofamiliar das comunidades do Namúli pode não


ser exaustiva, o que poderá ser feito em estudos ulteriores de especialidade.
Assim, a estrutura acima apresentada propõe-se a ser uma ilustração sucinta
para a compreensão do objecto principal do presente estudo.

2.5.5. Os ritos

Os ritos estão intrinsecamente ligados aos mitos. Tal como o mito, os ritos
contribuem para a continuidade das diferentes formas de vivência e convivência
das comunidades. É essencialmente um mecanismo de busca de referencias
identitárias que permitem o indivíduo situar-se perante o outro, e viver em
sociedade. Os ritos são frequentes entre os povos Bantu e eles estão presentes
na vida dos indivíduos desde o seu nacimento até a morte.

2.5.6. O nascimento

O nascimento (oyariwa) é um momento de grande celebração entre as


comunidades dos Montes Namúli, acompanhada sempre por gritos de alegria

29
estridentes (elulu). Afinal, trata-se de mais um ser, um elemento que veio ao
mundo para garantir a continuidade da linhagem, do grupo, e das suas tradições.
Importa referir que a intensidade da celebração varia de acordo com o sexo da
criança recém-nascida. Tratando-se de sociedades matrilineares, a emoção será
maior quando o nado for do sexo feminino.

Este processo da vinda de um novo membro é, como todos outros momentos


importantes destas comunidades, acompanhado por anciãos. Neste caso
vertente, são as mulheres mais velhas que recebem o nome de "Namuku" que
orientam o parto, cortando o cordão umbilical e atando-o, dando o primeiro
banho que é naturalmente um mecanismo de "introdução" do novo membro junto
aos antepassados.

Crianças das comunidades adjacentes ao Montes Namuli

Pode-se afirmar que o nascimento de um bebé é dos momentos mais


complexos, olhando para o tipo de rituais que envolvem estas ocasiões. Um
desses rituais é o chamado "otxipiha moro” que em tradução directa equivale
dizer “apagar o lume”, que consiste em dar o banho ao bebé, o ritual chamado
“orapihiwa mwana”, seguido pelo corte de cabelo do mesmo “okwatxa mihi”, um
acto que significa purificação e só depois disso é que se procede com a
apresentação da criança aos demais membros da comunidade. Este processo
de rituais continua até o período de desmame, fase em que a criança beneficia
de um “banho de purificação”, e é formalmente apresentada ao Mwene e a outas

30
personalidades relevantes da sua comunidade, marcando deste modo, a
integração da criança no seio da comunidade.

2.5.7. Os ritos de iniciação

Os ritos de iniciação constituem o momento mais sublime na vida do indivíduo,


no qual se opera a transformação, a aceitação, a valorização enfim, a
possibilidade de criação de condições psicossociais para a passagem ao
estatuto de adulto, pela sua integração plena numa ordem simbólica e religiosa
específicas. O indivíduo passa, como já nos referimos acima, a conhecer os
preceitos morais, filosóficos, cosmogónicos e todos os outros aspectos
relevantes sobre a sua cultura e a sua comunidade.

2.5.7.1. "Emwali" - Iniciação de Raparigas

O ritual Emwali, ou seja, o rito de iniciação feminina, é um momento de


preparação e transição das raparigas para uma fase adulta. Na prática, as
mulheres passam por um processo de formação contínua propiciado pelo
convívio permanente com a mãe. Ela não precisa necessariamente esperar pelo
cerimonial de Emwali para começar a dominar alguns preceitos fundamentais
relativos a sua comunidade e particularmente, no que se relaciona com a sua
condição feminina. Este facto deve-se a relação íntima e insubstituível que a
mãe, na tradição Lomwé, tem para com os bebés desde o seu nascimento. Na
verdade, a educação, ou seja, os ensinamentos partem dela como a primeira
referência dos filhos na sua evolução até a adolescência.

O processo de iniciação das raparigas é gerido pelas anciãs, que aproveitam


esses momentos para transmitir os mais preciosos valores da comunidade. A
forma de vestir, de sentar, de saudar, de servir o seu esposo, como anunciar o
período de menstruação ao seu esposo, entre outros aspectos inerentes a vida
na comunidade e em comunidade. Acima de tudo, o Emwali é um mecanismo
eficaz no processo de preservação e transmissão de valores e conhecimentos
ao longo de gerações.

31
Raparigas Lomwé em actividades domésticas

2.5.7.2. O "ossileiwa" - Iniciação de Rapazes

Este momento, tal como o momento de iniciação das raparigas, significa a


transição para a vida adulta. Este processo confere ao rapaz o direito de
frequentar certos espaços anteriormente a si, vedados e actividades que só
podem ser executadas por pessoas adultas.

Á semelhança do momento em que é nascido, o rapaz em iniciação deverá ser


rapado o cabelo, o que representa uma nova vida. Este momento é na verdade
de festa, pois a família se reúne para preparar a tão almejada transformação do
menino. Posto isto, o Mwene assume as rédeas e, junto de outros membros
influentes da comunidade se deslocam para um lugar previamente identificado,
onde será realizada a cerimónia, normalmente tem sido na floresta.

Uma das marcas simbólicas da iniciação masculina é a circuncisão. Durante os


três dias, na verdade, as cerimónias antecedentes são de certa forma um
preparo para este grande momento. A circuncisão, para além de ser um
processo que marca a transição do rapaz para a fase adulta, é igualmente um
mecanismo através do qual são passadas informações importantes sobre os
aspectos mais importantes da comunidade.

32
Rapazes da comunidade de Curruca em recreio

2.5.8. A Morte

A morte encerra em si um mistério, algo que está muito para além da


compreensão do homem. O fenómeno da morte sempre preocupou a
humanidade, seja provavelmente por isso que existem no mundo, várias formas
de encará-la. Entre as comunidades adjacentes aos Montes Namúli, ou seja, as
comunidades Lomwé, a morte é considerada uma ocorrência natural pela qual o
indivíduo é chamado pelos Antepassados.

Aliás, se bem que os rituais de iniciação conferem a ascensão do indivíduo ao


estatuto social imediatamente superior, a velhice e a morte representam o
alcance dos estatutos supremos. Se o idoso ou o ancião representa a sapiência,
a morte (particularmente de um ancião) significa o chamamento do indivíduo
para o estatuto de “Antepassado” e por conseguinte, de divindade, de protector
dos vivos na terra.

Quando ocorre a morte no seio destas comunidades, é organizado um ritual no


qual as mulheres assumem um papel preponderante, nomeadamente lavar o
cadáver. Este “banho” assume aqui um significado especial pois não se trata de
apenas um mero acto higiénico, é acima de tudo um ritual sagrado pelo qual
todo defunto deverá passar.

Neste processo, o tio materno mais velho do falecido, lidera os processos


subsequentes, concretamente, a preparação das exéquias, o que inclui, por

33
exemplo, a escolha do lugar onde o cadáver deverá ser depositado, o de
concentração da comunidade, os aspectos relativos ao funeral propriamente
dito, a logística, entre outros.

Não existe um critério predefinido sobre o lugar da sepultura, mas tem de ser
sempre em lugares afastados de zonas residenciais, excepto os casos de morte
de um ancião, cujo enterro é geralmente realizado nas cercanias da sua casa. O
único aspecto comum, e fundamental, é que as campas, devem estar sempre
viradas para o Monte Namúli, na medida em que é lá onde começou a vida,
devendo ser para lá onde ela deve terminar, ou seja, é para o Namúli que o
indivíduo vai depois da morte.

A história oral indica que nalguns casos, particularmente de morte de um


ancião/a, podem ser ouvidos estrondos provenientes do monte Namúli, o que se
tem traduzido como se tratasse da “abertura de portas para a entrada da alma
do falecido”. (Ohuleliwa mulako).

Cemitério nas encostas do Namúli

2.6. Resumo

A abordagem feita acima, suscita a necessidade de clarificação de alguma


terminologia de base. Aludimos as noções de família, parentesco, clã e grupo
étnico, que consideramos relativamente complexos e por vezes controversos
nos debates e abordagens antropológicas.

34
As comunidades do Namúli constituem formações socioeconómicas que, para
além de serem caraterizadas por um modo de produção e uma base de sua
superestrutura específicas, comtemplam igualmente, formas históricas de
organização social e política, designadas ao longo do tempo, por clãs, tribos e
etnias.

O debate sobre estas últimas terminologias e sua essência, não é conclusivo.


Alguns estudiosos remetem a paternidade destas formas classificatórias, aos
sistemas coloniais particularmente em África. Outros diluem os seus pontos de
vista na dificuldade de busca de equivalentes das formas de organização social,
política e administrativa das sociedades africanas em relação aos modelos
ocidentais.

Neste âmbito, é relativamente consensual o conceito fornecido por Afanassiev,


segundo o qual, o clã designa “a comunidade de Homens unidos por certa
relação de parentesco consanguíneo e certos vínculos económicos, defesa de
interesses comuns e luta em conjunto contra as forcas espontâneas da
natureza”.22

Por outras palavras, consideramos clã, o grupo de pessoas com afinidades de


parentela unilinear, partilhando o mesmo território, unidos por relações
socialmente reconhecidas, fundadas numa linha genealógica comum
considerada real. Por seu turno, a etnia tem como base a partilha do mesmo
território, assim como da língua e da cultura. As etnias surgiram, sobretudo, da
fusão de tribos semelhantes.

Os grupos étnicos (baseados em unidades de pessoas partilhando um território,


língua e cultura específicas – daí a expressão “grupo etno-linguístico”),
distinguem-se das outras formas identitárias, pela sua base material, ou seja,
pela característica da base da sua economia natural, geralmente agrícola,
expressa por um fraco nível de divisão social do trabalho.

22
. AFANASSIEV, V. G. – Fundamentos da Filosofia. Edições Progresso, 1982. Moscovo. p. 278.

35
Na região do Namúli, o clã é chefiado por um Conselho de Anciãos do qual
fazem parte homens e mulheres, que para além da sua idade avançada, gozam
de grande prestígio na sociedade, desempenhando funções sociais,
económicas, político/jurídicas e religiosas/espirituais específicas.

É função da família enquanto fonte e vector da transmissão de sistemas de


valores e normas sociais, as suas funções económicas, de transmissão (aos
descendentes), dos traços culturais distintos, cujos elementos de preferência
como o grau de altruísmo, de aversão as diversas formas de risco, indo até as
questões de fecundidade, da participação na vida activa da sociedade, entre
outros.

O desenvolvimento da personalidade não ocorre num contexto muito rígido. Por


sua natureza, a família é um refúgio eterno e uma unidade sempre presente para
o indivíduo. A família e as relações familiares são eternas porque o seu fim se
situa além do horizonte. É por essa razão que mesmo em caso de morte do
chefe da família, os membros da família se reencontram e um novo patriarca
emerge e assegura a continuidade.

Como dizia certo autor a propósito da partilha de responsabilidades: - ao lado de


um chefe, um ancião ou adulto imediato assegura as funções de conselheiro.
Entre as populações, a sucessão de um chefe de família é confiada ao
descendente mais velho, procedimento que se enquadra no contexto do culto
aos anciãos, na medida em que estes são considerados como estando próximos
dos mortos, dos antepassados.

No seio da família, não existe a diferenciação entre os indivíduos, prevalecendo


a estratificação na base dos grupos de idade. Por exemplo, entre outros tantos
sinais é o facto de os homens comerem juntos e geralmente no mesmo parto. As
crianças consideram seus pais, todos os adultos da geração dos seus pais
biológicos. É por isso que a criança é acolhida em qualquer família da sua
comunidade ou sociedade, onde recebe tratamento como se de filho biológico se
tratasse.

36
Nestas comunidades, a velhice representa o alcance de um estatuto muito
importante na sociedade, a de ancião (nikholo, ou makholo no plural). Deste
modo, o nikholo é ainda, uma pessoa que granjeia do respeito de todos os
membros da sociedade, pelo facto de serem detentores de conhecimentos
amplos, experiências e memórias dos antepassados, fazendo com que as suas
opiniões sejam incessantemente requeridas e observadas.

37
III: Saberes locais e gestão dos recursos naturais na região do Namúli

A Convenção sobre Diversidade Biológica define a biodiversidade como sendo -


a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo
ecossistemas terrestres, marinhos, e outros ecossistemas aquáticos e os
complexos ecológicos de que são parte. Esta abordagem inclui:

 Diversidade dentro da mesma espécie ou diversidade genética;

 A diversidade entre espécies;

 A diversidade de ecossistemas.

A diversidade dos ecossistemas está relacionada com a variedade de habitat


(isto é, florestas, savanas, desertos, terras húmidas, rios, mares, oceanos), no
qual se encontram as espécies. Os ecossistemas são constituídos por grupos
complexos de espécies interdependentes, e que contribuem para a manutenção,
por exemplo, dos ciclos naturais de água, oxigénio, azoto, carbono, etc., mas
também para o fluxo de energia necessária para a vitalidade de todos os seres
vivos do planeta terra.

A conservação da biodiversidade é uma questão transectorial e de interesse de


todos os humanos. Por exemplo, no Namúli, ela interessa e influencia a
produção agrícola, a qualidade do meio ambiente, a cultura e a dimensão
espiritual de grande parte dos elementos de referência no Namúli, aos
académicos, as instituições de ensino, as comunidades em geral, entre outros.

Existe uma longa tradição de estudo dos ecossistemas da região do Namúli,


sendo que a pesquisa mais antiga de que a história tem memoria, foi sobre as
plantas, realizada por Joseph Last, no ano de 1887. Em 1932, teve lugar o
primeiro estudo sobre os passarinhos desta região, por Jack Vincent.23 Estas e
outras missões científicas identificaram variadíssimas espécies de plantas
endémicas que apenas o Namúli é detentor.

23
. TIMBERLAKE, Jonathan, DOWSETT-LEMAIRE, Françoise. et al. Mount Namúli, Mozambique:
Biodiversity and Conservation. Darwin Initiative Award. 2009. p. 9

38
O interesse pelas questões sobre o conhecimento local na preservação dos
ecossistemas naturais é relativamente recente, o que justifica a fraca
disponibilidade de estudos e publicações neste domínio. Por outras palavras, a
combinação entre a sociedade, a natureza e as ciências é uma realidade muito
recente.

O presente estudo poderá contribuir para o suprimento, inda que de forma muito
limitada e modesta essa lacuna, através da sistematização das experiencias das
comunidades da região do Namúli, garantem a sua subsistência económica e a
sua reprodução social, os mecanismos de transmissão dos mecanismos de
gestão sustentável dos recursos naturais, bem como as formas de adaptação a
novas realidades impostas pela natureza ou pela presença cada vez maior da
legislação ambiental promulgada pelo Estado Moçambicano.

Não se trata de um texto epistemológico de especialidade, assumido com


profundidade académica. No entanto, apresenta elementos suficiente e
criteriosamente recolhidos através de entrevistas individuais e colectivas, a
interacção com as comunidades, a observação e participação na vida
comunitária na região do Monte Namúli.

O presente capítulo pretende abordar as experiências comunitárias de gestão da


biodiversidade, constituindo deste modo, a sua súmula. É a partir da
compreensão desses saberes que se pode construir um entendimento sobre o
futuro das relações entre as comunidades dos Namúli e os seus ecossistemas
naturais.

3.1. Percepções sobre a biodiversidade

As comunidades adjacentes aos Montes Namúli têm uma relação bastante


próxima, muitas vezes sagrada, com a terra, a água, a flora e fauna, entre
outros. Aliás, é difícil encontrar uma fronteira entre o homem inserido na sua
comunidade e a biodiversidade, quando na verdade ele próprio, o homem, é

39
parte integrante deste enorme complexo natural que consubstancia a
biodiversidade.

Os traços que definem as percepções entre as populações do Namúli sobre a


biodiversidade não podem ser vistas fora do contexto da cultura e cosmogonia
dos povos Bantu no geral. Várias são as evidências de estudiosos que relatam o
cruzamento dos povos "nativos" dos Namúli e os grupos Bantu, sendo
conhecido, como já nos referimos, o que significou este cruzamento. O
historiador africano Kizerbo (2010) descreve esse fenómeno da seguinte forma:

Mesmo nas épocas pré-agrícolas e nos períodos iniciais da agricultura, os


homens levavam consigo, nas migrações ou deslocamentos, seus
instrumentos, técnicas, modos de compreender e interpretar o ambiente,
maneiras de adaptar e utilizar o espaço, etc. Carregavam também toda uma
série de atitudes e comportamentos criados a partir de suas relações com a
natureza em seus habitats de origem (…) Fenómenos semelhantes de difusão
ou de intercâmbio aconteceram em outras partes do mundo e, evidentemente,
também na África, em razão das migrações internas e externas que afectaram
esse continente. (Kizerbo, 2010).

Acreditamos que as percepções e práticas costumeiras de gestão da


biodiversidade por estas comunidades tenham sido herdadas a partir desse
amplo processo de entrosamento sociocultural com outros povos e saberes. O
que se sabe então sobre as percepções e práticas de gestão da biodiversidade?

A percepção que existe entre as populações Lomwé das regiões adjacentes aos
Montes Namúli sobre a biodiversidade, como todos outros povos Bantu, é que a
natureza e todos os seus elementos, são uma dádiva do Criador, dos
Antepassados, portanto deve-se dar o devido valor. Por conseguinte, o homem
não explora a natureza; ele é parte da natureza; por isso, todo o cuidado é
necessário ao lidar com ela. Na cosmogonia africana, tudo está interligado:
Homem e Natureza.

Apesar de a cosmogonia africana considerar a natureza numa perspectiva de


interconexão, prevalece a consciência sobre a importância da natureza e da
biodiversidade, como fonte de subsistência das comunidades. É assim, por

40
exemplo, que os recursos naturais, mais especificamente os recursos florestais
(na região do Namúli) serem dos mais procurados. Se por um lado as
comunidades sentem-se impelidas a avançar sobre as florestas em função da
necessidade de abertura de novos campos de cultivo, por outro lado, interesses
empresariais e comerciais ligados a exploração madeireira, exercem uma
pressão acrescida sobre esses recursos.

"A diversidade biológica do planeta, declarada património da Humanidade


pelas Nações Unidas e indispensável para o equilíbrio ecológico da Terra, está
em perigo: milhares de espécies correm o risco de se extinguirem se não se
controlar a exploração indiscriminada dos recursos naturais e os efeitos da
poluição ambiental.24"

O testemunho que segue, ilustra esta transformação na relação com os recursos


naturais que ocorrem actualmente nas regiões dos Montes Namúli.

"Antigamente, esta zona era povoada por nossos antepassados e sempre


reservaram as montanhas e algumas florestas para a caça. Com a entrada das
unidades de produção, nas zonas circunvizinhas da cidade para o plantio de
chá, as regiões usadas para agricultura foram ocupadas pelos proprietários da
UP4 e afectaram o gado e cavalos para pasto em quase toda a região do vale
que circunda o Montes Namúli. A população que vivia nas zonas baixas do
Murrabué foi expulsa e obrigada a procurar abrigo nas montanhas onde o gado
não podia pastar. Neste processo, cada membro da família procurava sua
porção onde pudesse viver e desenvolver a agricultura. Durante esse período,
as zonas montanhosas foram desflorestadas pela população e as baixas pelos
proprietários do gado para fazer pasto. (Nvohola Muanakansha)."

3.1.1. Florestas

As florestas são consideradas uma fonte indispensável de subsistência das


comunidades na região dos Montes Namúli. É a partir da floresta que a
comunidade busca a lenha, o único combustível para uso doméstico na
confecção de alimentos e aquecimento.

A partir da floresta, as comunidades, mais concretamente os curandeiros,


buscam plantas, raízes, frutos, folhas para o processo de cura e solução de
várias efemeridades que atormentam os membros das comunidades. É também

24
Lucas, Ana Glória – Biodiversidade em risco de extinção. Além Mar.2007

41
na floresta onde são buscados os espíritos, onde parte do contacto entre as
comunidades e os antepassados ocorrem, sendo essas florestas, apenas
algumas delas, consideradas sagradas.

O espírito que pairou, desde o tempo em que as populações foram obrigadas a


habitar a zona montanhosa, foi de que a terra foi herdada e é o nosso único
bem herdado dos nossos antepassados. Por isso o seu uso depende das
nossas necessidades. Este pensamento contribuiu para que cada pessoa fosse
a floresta como propriedade de todos, incluindo os antepassados, e não como
um bem a ser aproveitado para uso particular e exclusivo. (Nvohola
Muanakansha)

Um dos principais problemas na gestão dos recursos florestais prende-se com a


racionalização do seu uso. Na região dos Montes Namúli persiste a prática da
agricultura de subsistência, com alguns excedentes cuja venda propicia
rendimentos usados para suprir algumas necessidades das famílias.

Com a crescente procura de terra para a agricultura e aumento dos agregados


familiares, tem-se assistido ao abate indiscriminado de árvores para a abertura
de novos campos de cultivo, o que significa o desflorestamento de zonas que
historicamente foram grandes florestas e consequentemente o lar de milhares de
espécies vegetais e animais.

A floresta é a essência da natureza e por conseguinte, da biodiversidade, fonte


de subsistência, o lugar dos santuários ou rituais de evocação dos Deuses e
espíritos ancestrais. Como dissemos, anteriormente, os cemitérios se
encontram, regra geral, dentro de florestas densas, constituem o substrato

42
farmacêutico das comunidades, entre outras dimensões que revelam a
dependência das populações em relação as florestas.

Desse facto, ocorre todo o cuidado e elaboração de normas e procedimentos


doutrinais que asseguram a vitalidade das florestas, como foi dito por certo
ancião entrevistado em Curruca:

"Nos nossos dias, podemos explicar a predominância de animais de várias


espécies, a partir das condições naturais e as criadas pelas comunidades, ao
evitarem o acesso e destruição das florestas, que constituem o habitat
privilegiado dos animais selvagens. No entanto, no seio destas comunidades,
existem outras explicações que no fundo, se correlacionam com a lógica
actual."

Neste mesmo diapasão, a “Rainha” Adelina Jackson, que reside no sopé do


Namúli e responsável pelas cerimónias que antecedem qualquer visita ao cimo
do monte Namúli, enfatizou que:

"As florestas são protegidas porque é dentro delas que se realizam os grandes
rituais de interesse da comunidade, como são os casos de cerimónias de
pedido de chuvas nos raros anos em que essa necessidade se verifica, de
iniciação dos rapazes, onde se buscam alimentos como a caça, o mel, os frutos
silvestres nas épocas de carências, os cogumelos, os insectos comestíveis,
entre outros proventos da mãe natureza."

Na vida corrente, é frequente encontrar nestas comunidades, algumas árvores


na base das quais estão visíveis bilhas ou anelas de barro, vestígios de
alimentos (cereais, bebidas, utensílios de trabalho e de uso doméstico, etc.), ali
depositados. São os tais santuários. Portanto, não há um tipo único de árvore
especifico para o efeito, dependendo de cada uma das aldeias ou nihimo. É
deste modo que um grupo de membros da comunidade de Curruca, disse:

Nas proximidades das aldeias existiu sempre uma ou mais florestas onde as
grandes e mais antigas árvores servem de santuários para as cerimónias
propiciatórias de invocação aos antepassados. Para além disso, os nossos
cemitérios estão geralmente dentro de florestas densas caracterizadas por
árvores seculares, o que serve de sombra e a noite, garantem a escuridão e
sossego dos mortos. É estranho termos hoje cemitérios num espaço aberto,
com túmulos visíveis a todos que passam. Actualmente, os madeireiros
procuram e derrubam essas grandes árvores, frondosas o que entra em
contradição com as nossas tradições.

43
Então, fica claro que não é a árvore em si que é sagrada, mas sim, ela passa a
ser respeitada por ser considerado de facilitadora da comunicação com os
mortos, os antepassados.

3.1.1. Valor medicinal das plantas

Ao longo da história da humanidade, os seres humanos foram aprofundando o


estudo sobre as plantas, tendo se apercebido da importância biológica, social e
económica de uma parte considerável das plantas. Um dos aspectos, é o
potencial medicinal das plantas. Apesar deste conhecimento sobre o segredo
curativo das plantas parecer sobejamente aprofundado, as limitações neste
campo se revelam ao longo dos nossos dias, pelo que existe o consenso sobre a
necessidade de continuação dos estudos visando apurar ainda mais os
inúmeros benefícios das plantas.

A medicina botânica é uma das áreas de conhecimento privilegiado, quando se


trata de conhecimento local, com grande impacto para a vida das comunidades.
Uma das peculiaridades das colinas dos Montes Namúli, é a sua rica e
diversificada vegetal, reputada pelo seu elevado e raro valor medicinal.

Contrariamente a outras formas e bases do saber que se apresentam como


universais, o conhecimento local ou indígena é especifico e próprio a cada
cultura e a cada sociedade humana. Deste modo, podemos inferir que o
conhecimento local está alicerçado nas práticas comunitárias, nas suas
instituições e mecanismos de gestão dos recursos naturais, incluindo os rituais.

O recurso às plantas exóticas (etno-medicina), na busca de respostas para a


manutenção da saúde nas pessoas, está presente em todas as comunidades e
sociedades humanas. Este facto está na base de todas as sinergias visando a
protecção dos ecossistemas provedores dos recursos etno-botânicos.

Ocorre igualmente, que alguns nomes atribuídos a certos indivíduos não são
obra do acaso. Em situações não raras, o nome de uma criança (particularmente
nomes relacionados com plantas, animais ou parte deles), tem paralelismo com

44
a planta, o animas ou parte dele, usada para resolver as complicações do seu
parto, ou com o nome da planta ou animal usado por um terapeuta tradicional,
para aliviar o indivíduo de uma enfermidade que poderia ser fatal.

A história sobre a génese dos nomes nestas comunidades é rica e muito


associada à natureza, o que pode estar na origem do forte pacto entre os
humanos e o seu meio natural, na região do Namúli e não só. Deste modo, num
contexto cultural em que o nascimento é um dos principais rituais do ciclo de
vida da pessoa humana, e onde não existem unidades hospitalares ou serviços
correlacionados, o indivíduo pode receber um nome consoante as circunstâncias
do seu nascimento, como por exemplo:

 Sendo numa machamba ou durante a lavoura, o indivíduo arrisca-se e


ser denominado mulima (o cultivador, ....);
 Nascendo num matagal, pode lhe ser conferido o nome de
nam’mutakwani (do mato, ....);
 Caso seja ao largo de um rio ou outra fonte natural de água, poderá ser
chamado nam’muhitxeni.
 Para uma criança nascida na estação chuvosa, ou debaixo de muita
chuva, este pode receber o nome de neepwila (o da chuva, ....);
 Aquele que veio ou vier à luz do dia durante uma viagem, portanto, num
caminho, poderá ser designado mwetcha, etc.

Enfim, é muito comum a explicação da atribuição de um nome, tendo como


base, as grandes ou menores dificuldades do parto da criança.

Importa referir que, em conformidade com a tradição, os indivíduos podem


abandonar os seus nomes, na medida em que ascendem a novas categorias
etárias, ao longo dos rituais estabelecidos pelos ciclos de vida, como é o caso da
passagem da meninice para a puberdade, onde os ritos de iniciação constituem
o principal marco.

Pode-se então, concluir que os nomes (massina – no plural; e nsina – no


singular) das pessoas plantas, animais e coisas, são reveladores de ricas
realidades históricas e circunstanciais do momento, do seu meio físico, da visão
cósmica e espiritual, das comunidades respectivas. Esta é uma enunciação do

45
quanto os nomes dos indivíduos25, dos vegetais, dos animais, estão profunda e
intrinsecamente ligados aos processos vitais das comunidades.

Como certos estudiosos defendem, com estas práticas, depreende-se que a


relação entre o homem e a natureza assume um carácter de “objecto de
pensamento”. Assim, como ficou explícito por António Alone Maia:

Sendo assim, podemos entender que os fenómenos naturais não são os que
os mitos procuram explicar, mas sim, os fenómenos naturais são aquilo por
meio dos quais os mitos tentam explicar a realidade, não de ordem natural,
mas sim de ordem lógica.26

Nesta componente do uso medicinal de plantas selvagens no Namúli, nota-se


um crescente interesse pelo seu estudo por jovens moçambicanos,
fundamentalmente no quadro dos seus trabalhos universitários de culminação
dos seus cursos de formação, como são os casos de Florino e Cornélio A. Luís
Mucaca. Como este último autor disse na sua dissertação:

A população do distrito de Gurué encontra-se como se referiu anteriormente


directa ou indirectamente relacionada com a medicina tradicional, visto que
segundo os resultados dos inquéritos feitos no âmbito deste trabalho mais de
80% da população deste distrito, independentemente do seu nível académico
tem procurado se beneficiar dos serviços da medicina tradicional em casos de
doença. A população do distrito do Gurué vive basicamente de plantas, pois na
sua biodiversidade existem inúmeras espécies vegetais devido as características
climáticas, fisiogeográficas e florestais da região.27

25
. Nomes relacionados com animais, estações do ano, dias da semana, fases da vida, circunstâncias do
parto, etc.
26
. MAIA, António Alone. Convertibilidade, relações totémicas e hermenêutica entre os Nyungwe de
Moçambique. IN: Revista de antropologia social dos alunos do PPGAS-UFSCar, v.4, no 1, Janeiro-
Junho, pp. 115-133. 2012.
27
. MUCACA, Cornélio Artur Luís. - Plantas usadas para o tratamento de algumas doenças associadas ao SIDA no
distrito de Guruè – Zambézia. Monografia Científica apresentada ao Departamento de Biologia para Tese de
Licenciatura em ensino de Química e Biologia. Universidade Pedagógica. Maputo. 2006. p. 48.

46
A planta Murama (em língua local e-lomwè), ou seja: Punica granatum (nome científico), cujas raízes
misturadas com outras plantas, serve para o tratamento de doenças de origem hídrica (diarreias).

A planta Nakhuka (em língua local e-lomwè), ou seja: Sansevieria sp. (nome científico), cujas raízes servem
para o tratamento de Problemas ou câncer da pele (Sarcoma De Kaposi)

Tendo em consideração que este tipo de informação é de difícil cedência, não foi
possível obter dados mais exaustivos. Porém, apresentamos de seguida, alguns
dos poucos outros exemplos de plantas medicinais fornecidos:

Nome Local Nome Científico Parte usada Utilidades


Mpapaya Carica papaya L. Raiz Tratamento de
diarreia
Namirimani Catharantus roseus Raíz “
L.
Mukiau Psidium guajava “
Natika Blepharis buchneri L. “
Niharapua Ozoroa paniculosa Raíz Tratamento de
gonorreia

47
Caaponga Portulaca oleracea L. “
Mukhunhupo Protorus longifolia L. Tratamento de Sífilis
Caaponga Portulaca lerácea L. “
Nsihaha Opuntia ficus-indica Tratamento Câncer
da pele
Erva gorda Bryophylum tubiflora “

3.1.2. A relação com as águas

As percepções sobre o Namúli como fonte de vida das comunidades Lomwé e


Makuwa estão igualmente associadas ao facto deste monte ser o ventre do qual
nascem inúmeros cursos de água, dando lugar a pequenos e grandes rios que
atravessam as províncias de Zambézia, Nampula e Niassa, dos quais podemos
mencionar os rios Licungo, Malema Molocué.

Facto que merece especial destaque, é de os Montes Namúli serem a nascente


de mais de uma dezena de rios e riachos, contrariamente a tendência da grande
parte dos rios em Moçambique que nascem noutros países e vêm apenas
atravessar o território moçambicano. No entanto, este grande potencial
hidrográfico em torno do Namúli, não oferece condições para o desenvolvimento
de outras actividades como a pesca, a navegação fluvial devido ao caracter
muito acidentado do relevo. Estas e outras actividades análogas são realizadas
em lagoas e nos poucos trechos em que os rios seguem em terras de planície.
Grosso modo, em mais 70%, estes do percurso destes rios é feito numa rota
montanhosa com elevadas inclinações. No entanto, são um factor importante
para a produção agrícola e representam um enorme potencial para a construção
de barragens.

48
Se bem que vários rios nascem nas encostas dos inúmeros montes que
perfazem o maciço de Namúli, não existe uma relação espiritual forte com estes
rios que ali nascem. Os rituais que são característicos nesta região, por
exemplo, raramente são feitos nos rios ou em lagoas. Existe porém, como
excepção, um lugar sagrado que é mencionado com muita frequência nos
diálogos junto das comunidades, trata-se de uma pequena queda de água na
encosta do Monte Namúli. As comunidades acreditam que as águas daquele
lugar têm o poder de curar enfermidades e tem a força de abençoar os que lá
visitam.

Há relatos de visitantes vindos da Tanzânia e do Malawi bem como de outras


províncias do país, para beber e banhar-se das águas daquele local. Alguns
deles são médicos tradicionais que procuram essas águas para a sua posterior
utilização em rituais. Fala-se igualmente de seitas religiosas que realizam, com
regularidade anual, grandes cerimónias juntando seus crentes.

Ao longo dos cursos dos rios, em zonas mais planas, as comunidades


aproveitam as águas para actividades hodiernas, nomeadamente a pesca de
pequeníssima escala, com uso de anzois, redes tradicionais e armadilhas de
fabrico local. Não poucas vezes, e para fazer face ao caracter rochoso das
profundezas dos rios para onde se abriga o peixe e outras espécies lacustres,
recorre-se ao envenenamento circunscrito das águas.

49
As práticas e proibições em torno dos rios e fontes dos cursos de água estão
associadas ao facto de estas serem a matriz da qual nasceram todos os
antepassados das comunidades Lomwè que habitam a região do Namúli. É
assim que, mesmo sem explicar a lógica dos procedimentos, um grupo de
anciãs entrevistadas disse:

O local onde sai a água que escorre permanentemente nas vertentes do


Namúli, é uma verdadeira fonte das nossas vidas e não podemos ter acesso,
do mesmo modo que protegemos as matrizes onde nascem as crianças, o que
permanece segredo das mães e adultos. Não é permitido lá chegar sob a pena
de nunca poder regressar a casa. Por isso, a vegetação é densa nesses
lugares, pois ninguém mexe.

Referindo-se ainda as nascentes dos rios e nos cursos de água, o grupo de


senhoras rematou ainda:

Não mergulhamos as panelas usadas ao lume na água dos rios, principalmente


nas nascentes. A maior parte dos utensílios da cozinha, incluindo os pratos são
lavados fora das aguas correntes dos rios, porque a água do Namúli purifica; e
não são esses instrumentos que devem ser purificados. Isso pode acontecer
com os jovens durante os ritos de iniciação, cujos acampamentos são
invariavelmente instalados junto aos rios, bem como outros rituais. Por falar
disso, não é por acaso que durante o ritual contra as pragas, por exemplo, as
amostras das pragas apanhadas são lançadas ao rio, para que os espíritos
ancestrais ajudem a eliminar todas pragas e outros males.

50
Os cursos de água possuem hoje múltiplas utilidades, algumas das quais atentam as prescrições
tradicionais e legais:
Em cima, cascatas como atrativo contemplativo e turístico; em baixo a esquerda, lavando roupa e pescando
com uso de rede mosquiteira; a direita, banhando-se.

Depois do lume, os utensílios jamais serão mergulhados nas águas dos rios ou lagoas.

3.2. Acesso aos recursos naturais

O processo de organização social e gestão dos recursos naturais é feita de


forma participativa, seguindo preceitos tradicionais socialmente aceites. Na
verdade, a ideia de que os recursos naturais são uma dádiva dos Deuses, dos
Antepassados, remete a todos os membros da comunidade, ao dever e respeito
dos espaços, lugares e recursos naturais. O processo de gestão colectiva dos
recursos naturais segue um padrão similar, portanto vamos nos deter no recurso
terra - que é secularmente, fonte de disputas e rivalidades entre indivíduos e
comunidades.

51
A terra ou os recursos naturais estão ligados aos núcleos familiares que dão
corpo a comunidade. É neste sentido que a terra, por exemplo, é identificada
com erukulo ou nloko e a sua gestão cabe aos anciãos.

Como é feita essa correlação? O Direito de aproveitamento e utilização dos


recursos naturais é obtido através da filiação do indivíduo a uma determinada
família. Isto acontece porque é regra nas sociedades matrilineares, que o
homem, atingindo a maioridade, se move da sua comunidade para fixar-se na
aldeia dos pais da sua esposa. Para o efeito, o historiador moçambicano
Zacarias Ivala (1999) explica de forma detalhada nos seguintes termos:

O homem, ao sair do seu grupo materno para se filiar no outro por meio do
casamento, adquire neste último direito de uso e exploração dos recursos,
enquanto a ele estiver ligado. Mas os seus direitos efectivos permanecem
sobre a terra da sua matrilinhagem, para onde a qualquer momento e por
qualquer circunstância, poderá regressar. Verifica-se, portanto que as parcelas
da terra identificadas com determinada matrilinhagem, dentro de um
determinado território são contínuos.

3.3. O papel preponderante da “Rainha”

Existe, entretanto, a figura da Rainha - "apwiyamwene a nihimo" - que é uma


entidade central na organização político-administrativa tradicional dessas
comunidades locais. Todo o processo de acesso aos recursos e obtenção de
direitos de utilização ou uso da terra são por ela outorgados. A figura do Mwene
(posteriormente designado Régulo), assumida geralmente apenas por homens, é
praticamente inexistente. Estes e os Chefes do Posto Administrativo e de
Localidade exercem e representam apenas o poder formal, se bem que no
passado, a génese desta entidade esteve associada aos interesses da
administração colonial.

A Rainha que vive nas proximidades do Monte Namúli (a montanha-mãe), na


comunidade de Mucunha, pelo poder sobejamente reconhecido, faz com que
todos os assuntos de importância social e colectiva na comunidade, passar por
si, cabendo-lhe a resolução de conflitos e tomada de vereditos respeitados e
cumpridos por todos os membros da comunidade.

52
Tanto o poder e a influência da Rainha, quanto as dinâmicas sociais locais,
estão intrinsecamente ligados aos Antepassados, de quem se reconhece a
dádiva. A terra, os recursos naturais no geral tendo já sido de pertença de um
parente, ela passa de geração em geração. Naturalmente que este legado é de
conhecido e reconhecido por todas outras famílias e comunidades, o que limita
as possibilidades de conflitos pela posse da terra.

Actualmente, o acesso aos recursos como a terra para a prática agrícola, a


floresta para extração da madeira e fauna para a caça e pesca não depende de
autorização de nenhuma entidade local. O controlo não é prestado aos naturais
daquela região porque eles herdaram a terra dos seus antepassados.

3.4. Mecanismos de acesso aos recursos naturais

Contrariamente ao que se tem deixado entender, as intervenções que sejam de


cariz económico e social das sociedades tradicionais28 representam um perigo
ínfimo sobre o meio ambiente. Um vasto conjunto de práticas costumeiras entre
mitos, tabus e outras formas de interdição culturalmente estabelecidas, são
responsáveis pela manutenção do equilíbrio ambiental.

No entanto, esta conclusão não é de todo consensual. Certas correntes de


opinião consideram que as medidas emanadas destas práticas, são
fundamentalmente conservacionistas do que propriamente medidas de uso
sustentável. Todavia, acreditamos que, independentemente da sua
racionalidade29, elas têm um efeito positivo na manutenção da biodiversidade. É
isto que alguns autores designam de cultura ambiental, como foi apresentado
por Bernardo Ferraz:

Com a introdução desta noção, postulamos intuitiva e implicitamente, a


existência de práticas ambientais ao longo dos tempos das sucessivas
gerações, isto é, existe uma cultura ambiental. Isto pressupõe, por sua vez, que
estejamos a admitir a existência de uma educação tal que transmitiu

28
. Consideramos sociedades tradicionais, aquelas que possuem um limitado nível tecnológico de produção.
29
. No sentido em que muitas vezes, é apontada a alegada falta de explicação convincente e científica para
algumas das práticas.

53
conhecimentos e habilidades que determinam e influenciam as pessoas nas
suas atitudes.30

Nas comunidades do Namúli, a transmissão do conhecimento sobre o


relacionamento com o meio ambiente ao longo de gerações, o que permite a
prevalência de práticas de compromisso de preservação e o uso racional dos
recursos naturais, o que permite a subsistência das próprias comunidades.

Neste processo, o chefe da comunidade – o Mwene, ou o chefe de um clã


específico, tem um papel crucial na redistribuição dos recursos, através do
controlo e consentimento do acesso à exploração dos recursos naturais. Outra
entidade que, social e tradicionalmente lhe é assentido o direito ao acesso aos
recursos naturais, particularmente os ambientais, é o curandeiro (médico
tradicional), à quem se reconhece igualmente, o conhecimento do segredo
medicinal das espécies, bem como os aspectos sagrados da comunidade.

3.5.O lugar central do mito na gestão da biodiversidade

Considerados há muito tempo como antagónicos, mito e filosofia protagonizam


atualmente uma (re)conciliação. Desde os primórdios, a Filosofia, busca do
saber, é entendida como um discurso racional que surgiu para se contrapor ao
modelo mítico desenvolvido na Grécia Antiga. A palavra mito é grega e significa
contar, narrar algo para alguém que reconhece a personalidade que profere o
discurso como autoridade sobre aquilo que foi dito.

Mito são narrativas utilizadas pelos povos gregos antigos para explicar, tanto os
factos da realidade, como os fenómenos da natureza, as origens do mundo e do
homem, que não eram compreendidas por eles. Os mitos envolvem muita
simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis. Todos estes
componentes são misturados a fatos reais, características humanas e pessoas
que realmente existiram.

30
. FERRAZ, Bernardo. Cultura e Meio Ambiente. Comunicação do Presidente da Comissão Nacional do
Meio Ambiente. 1a Conferência Nacional sobre Cultura. Doc. 17/CNC/93. Maputo, 1993. p. 3.

54
Um dos objetivos do mito é transmitir conhecimentos e explicar factos que a
ciência ainda não tenha explicado, através de rituais em cerimónias, danças,
sacrifícios e orações. Um mito também pode ter a função de manifestar alguma
coisa de forma forte ou de explicar os temas desconhecidos e tornar o mundo
conhecido ao Homem.

No entanto, acontecimentos históricos podem se transformados em mitos, se


tiverem uma simbologia muito importante para uma determinada cultura. Os
mitos têm caráter simbólico ou explicativo, são relacionados com alguma data ou
uma religião, procuram explicar a origem do homem por meio de personagens
sobrenaturais, explicando a realidade através de suas histórias sagradas. Assim,
importa distinguir que um mito não é um conto de fadas ou uma lenda.

3.5.1. Os pactos com elementos da natureza – o caso do Nihimo

Para certos autores como Lévi-Strauss, os rituais são compostos por dois
mecanismos estruturais básicos de funcionamento: a fragmentação e a
repetição:

Os rituais executados repetidamente, conhecidos ou identificáveis pelas


pessoas, concedem uma certa segurança. Pela familiaridade com as
sequências nos rituais, sabemos o que vai acontecer, celebramos nossa
solidariedade, partilhamos sentimentos, enfim, temos uma sensação de coesão
social. Sem a repetição dessas experiências, muitos significados poderiam ser
esquecidos com o decorrer do tempo. Ao se repetirem, mantêm e estabelecem
uma coerência dentro da cultura e ao mesmo tempo ajudam-na a funcionar
harmonicamente.31

Existem muitas designações distintivas de grupos sociais humanos que


dificilmente encontram o seu equivalente em língua portuguesa. Uma delas é a
de nihimo, a qual nos permitimos de traduzir para o topónimo Clã32. Definições
de vários autores convergem quanto ao significado de Clã, assumido como
sendo, no sentido lato,

31
. LÉVI-STRAUSS, Claude.1978, p. 27.
32
. O conceito de Clã confunde-se com o de Linhagem, e numa outra estância, com o de Etnia (que designa,
em geral, o grupo de pessoas pertencentes a uma herança cultual comum).

55
Um grupo de famílias unidas por laços de parentesco reais (na base de um
antepassado comum), ou fictícios, onde a unidade do grupo é geralmente
simbolizada por um totem, sendo igualmente circunscrito a um território
determinado.

No entanto, como acontece para o caso das comunidades da região do Namúli,


é também de consenso o princípio segundo o qual o clã não é universalmente
associado a um totem, representando assim, uma relação de parentela real ou
mítica. É essencialmente a relação mítica que regula as relações baseadas no
clã na região do Namúli, como veremos adiante.

Esta forma de geração de relações entre os membros de uma comunidade tem a


vantagem de, apesar da sua afectação a um determinado ponto geográfico, o clã
conserva a sua identidade mesmo nas circunstâncias em que se observa uma
dispersão geográfica dos seus membros.

3.5.2 A relação plural entre Montanhas e o Nihimo

Já referimos que todo o território do distrito do Gurué é fortemente planáltico,


com predominância de formações montanhosas. As montanhas fazem parte dos
recursos mais importantes para as comunidades do Namúli, pelo menos, sob o
ponto de vista de preservação de valores culturais. É praticamente indissociável
a relação entre essas comunidades e as montanhas. As montanhas são pontos
de referência espiritual e cultural, o que se reflecte em parte, no facto de os
nomes atribuídos a cada formação montanhosa não ser aleatória. Basta
observar, por exemplo, que o nome de cada uma das montanhas corresponde
ao nome de um Nihimo.

O Monte Namúli é assim considerado a montanha-mãe. As comunidades


entendem que os antepassados, ao descerem do pico do Namúli, estando
envolvidas em disputas, foram ocupar zonas próximas aos grandes picos
circunvizinhos, formando o seu nihimo e as montanhas dessa forma eram uma
referencia geográfica importante, uma forma de protecção contra os ataques de
comunidades rivais, na medida em que a partir do cimo das colinas e montanhas
era factível visualizar a aproximação de perigos e facilmente poder repelir.

56
Monte Malessane, cujo nome está associado ao nihimo A-malessani.

O Nihimo congrega todos os indivíduos que provêm da mesma linha materna e


que tenham um antepassado mítico comum. Há para cada nihimo, uma
explicação sobre a sua origem, no entanto nem sempre fácil de decifrar a sua
dimensão mitológica. Por exemplo, o historiador Ivala (1999) argumenta que a
pertença ao nihimo adquire-se, normalmente, pelo nascimento, permanecendo
para toda a vida.

Se bem que no passado, devido a fraca mobilidade das pessoas, e porque estas
deveriam se confinar em espaços territoriais específicos, quer por razões de
segurança contra os ataques de outros grupos humanos, quer como forma de
distinção da família alargada, o referencial geográfico do nihimo assumia uma
importância vital. É daí que cada uma destas unidades sociais estava ligada a
um elemento ou lugar geográfico, como por exemplo, uma montanha, um rio,
uma planície, entre outros.

Eis a denominação dos Mahimo na Região dos Montes Namúli, no Gurúè:


 Amalowa, Antopa, Amuyeva, Amalikani, Asopa, Amarrupala, Aphoreni, Alikonha,
Amalopi, Aphoreni, Amalessani, Amavele, Alukasi, Amarekoni, Aphoreni,
Alaponi, Axiconi, Amirole, Aluwero, Arope, Aselexe, Amattuwa, Amaale, Amikasi,
Amukovo, Ayaaxe, Amirapwa, Amitthemani, Amarevoni, Amurripa, Amukuvolani,
Amakulusa, Amivoni, Amivothe, Anwatta, Amirasi, Amokoni, Amkwitha,

57
Amukhewela, Amulai, Anyarini, Antapa, Anronha, Amuyema, Amuroka, Aneela,
Ananyatto, Amurenkana, Amuraha, Amwipasi, Amusoma.

A sistematização dos mahimo acima é aleatória, não obedeceu a qualquer


ordem de importância de um nihimo sobre o outro. Aliás, não existe um nihimo
que seja mais importante que o outro, mesmo se alguns possuem efectivos
populacionais maiores que outros. Sabe-se por exemplo que nesta região dos
montes Namúli, o nihimo mais numeroso é Amalowa, que é o da Rainha
responsável pelos rituais propiciatórios e que condicionam o acesso ao cimo do
monte Namúli.

Se bem que as comunidades destas regiões foram pouco estudadas, a escassa


literatura existente a seu respeito e que se acha disponível, denota acentuado
grau eurocêntrico, o que justifica a grande preocupação em rescrever a quase
totalidade das áreas de conhecimento sobre a vida dos povos africanos, em
geral. Note-se também que esse facto decorre da inexistência de estudos
sistematizados sobre o conhecimento local de gestão dos ecossistemas
naturais.

Tratamos aqui, de aspectos cruciais intrínsecos à cultura das comunidades do


Namúli, que podem ajudar a compreensão da sua visão do mundo, mesmo se
nalguns casos, podem nos parecer desprovidos de sentido. Partimos da
constatação de que as comunidades têm consciência das incertezas e riscos
ambientais, pelo que existe o consenso de que os recursos naturais são finitos, e
que o seu uso insustentável pode perigar a subsistência e a reprodução social
da própria comunidade e das gerações futuras. Por isso, observamos que a
exploração dos recursos florestais é condicionada a uma compensação através
da reposição das espécies, principalmente as vegetais ou arbóreas.

A partir da essência da tradição das comunidades do Namúli, denotamos que as


origens mitológicas dos grupos sociais e de famílias alargadas, estão associadas
à história original e mitológica no Namúli, a qual se expande por todas outras
montanhas relativamente pequenas, que constituem a “formação montanhosa
Chire-Namúli”.

58
Ocorrem de facto, montanhas em toda a parte alta ao norte do noroeste da
província da Zambézia, efectivamente no distrito do Gurúè, as quais estão
associadas ao Namúli, de entre as quais podemos respigar como exemplos, os
montes: Morresse, Malessa, Mirole, Maloa.

São estas formações montanhosas, subsidiárias do Namúli, cuja denominação


coincide com os nomes das identidades linhageiras locais.

Essa coincidência remete à abordagem sobre a questão do totem, na medida


em que se estabelece um verdadeiro pacto entre os indivíduos e o animal ou o
objecto totémico, numa relação que que transcende os cuidados de protecção
das espécies. Nesta perspectiva da existência de relações totémicas, é
frequente dizer-se que:

 A-malowa, são tribos que se consideram descendentes de um


antepassado comum, situado, no âmbito da mitologia local, no monte
Maloa. Daí que a própria expressão a-maloa significa: os de Maloa, os da
família Maloa. Estes adoptam o monte Maloa como berço da sua
linhagem, e por conseguinte, lugar mítico e sagrado. É o seu elemento
totémico, ao qual dedicam respeito protegem todas as espécies ali
existentes. Nas interpelações e formas de saudação do quotidiano, é
comum as pessoas se dirigirem umas às outras usando expressões
como: Mooni a-amaloa; ou Mooni a-nammaloa.

 A-Malessa, refere-se aos vinculados ao monte Malessani.

 A-Mirole, relativos aos que reclamam suas origens mitológicas no monte


Mirole, e assim sucessivamente.

Como referimos a certo momento, as relações entre ada uma destas unidades
sociais e identitárias culminam com as acções de protecção daquelas
montanhas, tomadas aqui como objectos totémicos.

59
3.5.3. Agricultura

A produção agrícola é a principal actividade de rendimento e subsistência das


populações da região do Namúli. Assim sendo, a agricultura é uma das
principais formas de uso dos recursos naturais, pelo que a análise das principais
etapas e técnicas da produção agrícola contribui para a compreensão de um
aparte considerável dos aspectos da preservação da natureza.

Apesar de os recursos naturais (incluindo a terra), não serem propriedade dos


indivíduos ou exclusivamente do chefe (o Mwene), o sistema de produção na
região do Namúli faz entender que se trata de uma sociedade a exploração dos
ecossistemas está assente na noção de propriedade colectiva dos recursos
naturais, donde se extraem os proventos para a subsistência das comunidades.

Pelas limitações técnicas, a agricultura é essencialmente manual, recorrendo ao


desbravamento de florestas, as queimadas e com observância do pousio de
terras, mecanismo que garante a reposição dos nutrientes naturais dos solos.
Estas práticas são evidentes num contexto de disponibilidade de vastas áreas
para a lavoura, o que era possível em tempos de fraca densidade populacional.

Este cenário veio a alterar-se de forma progressiva, a partir da década de 1920


sensivelmente, quando iniciou o processo de colonização agrícola impulsionada
pela administração colonial portuguesa, através da introdução da economia de
plantações baseada no cultivo e manufactura de chá no Gurúè, a implantação de
pastagens, quiçá na região do Namúli.

Na prática, assistiu-se desde então, a expropriação de terras aráveis nos vales e


baixas encostas, melhor desservidas pelos cursos de água, dos nativos para os
colonos, com a finalidade de introdução de modos de produção industriais. Foi
deste modo que populações autóctones inteiras foram repelidas para as colinas
do Namúli, em terrenos de difícil acesso, onde tiveram que se adaptar a nossas
exigências dos solos e condições dos ecossistemas.

60
Por outras palavras, o crescente aumento da densidade populacional na regiões
mais próximas ao Namúli, ou ainda, nas suas colinas, representou a
necessidade da ampliação significativa de terras cultivadas e a consequente
redução de áreas de floresta natural, tendo engendrado ainda, mudanças
significativas no cenário agrário

Naturalmente, este facto terá incrementado novas formas de tensões e conflitos


internos, particularmente no que concerne o acesso e uso da terra e outros
recursos ambientais locais, bem como se regista de forma tacita, a diferenciação
da sociedade.

Do ponto de vista da produção e de produtividade da agricultura, observaram-se


reduções drásticas, bem como a diminuição da qualidade dos solos, como por
exemplo,

"Dificuldade da manutenção da habitual (tradicional) rotação de campos de


cultivo pelo sistema de pousio. O suprimento desta dificuldade passou
inicialmente, pela redução do período do pousio ou repouso dos terrenos, de
uma media de três anos, para um ano, sendo que actualmente, torna-se
impensável o repouso dos solos. É sabido que num contexto de produção onde
os fertilizantes artificiais não são conhecidos, a limitação das possibilidades de
pousio contribui significativamente para a redução da fertilidade dos terrenos.33"

De facto, a crescente presença de novos produtores ou exploradores de


recursos naturais, têm introduzido mudanças por vezes radicais, na estrutura e
formas de funcionamento das comunidades. Sabe-se que os novos exploradores
de recursos ambientais, cuja lógica económica esteve sempre assente em
princípios fundiários, marginalizando economicamente as comunidades locais.

Para o combate a erosão e o maior aproveitamento das vertentes das colinas,


que são geralmente de inclinação acentuada, as comunidades desenvolveram
técnicas apropriadas, como foi referido pela Rainha Adelina Jackson:

"Desde muito tempo que as zonas baixas para o cultivo não oferecem espaço
para acolher mais pessoas que pretendem desenvolver a agricultura, cultiva-se
também nas partes inclinadas das colinas. Basta cultivar em roda, na forma de

33
. Nestes casos, ocorre a fraca acumulação de biomassa vegetal, o é apenas possível com o pousio.

61
escadarias ou canteiros, a água das chuvas não consegue arrastar as areias.
Para além disso, essas escadarias são acompanhadas por plantas, geralmente
feijões e outras leguminosas."

Ao mesmo ritmo, foram-se alterando progressivamente, as visões e mecanismos


de relacionamento entre as pessoas e o seu meio ambiente natural e,
concomitantemente, a degradação de ecossistemas locais.

62
Capítulo IV -Lições aprendidas e conclusões

4.1. O contexto das mudanças: Modernidade e preservação ambiental

Muitas vezes e de forma errónea, a modernidade é considerada o oposto a


tradição, como se esta última não contivesse elementos da modernidade, ou
seja, modernos. Ainda, é comum associar a modernidade aos centros urbanos e
por conseguinte, opor a modernidade ao rural.

Deste modo, pode ser por isso que a modernidade, ao querer satisfazer as suas
crescentes necessidades, é responsabilizada a acção negativa de destruição da
natureza, como foi expressamente por Castells (1999), nos seguintes termos:

"Um signo dessa representação é a forma como construído o conceito de


desenvolvimento, isto é, como sinónimo de crescimento económico,
submetendo os recursos naturais à lógica da apropriação do sistema industrial,
tanto capitalista quanto estatista."

Qualquer que seja o caso, no computo geral, podemos observar nos dias que
correm, que as dinâmicas sociais e económicas influem de forma substancial, na
aceleração da degradação ambiental, em duas dimensões essenciais:

 tanto do ponto de vista de recursos naturais, o que se manifesta no


esgotamento de recursos não renováveis, na poluição dos recursos
hídricos bem como do ar, na destruição da biodiversidade;

 quanto no que se refere a aspectos sociais, como é o caso da


concentração da riqueza em algumas pessoas e países, o
recrudescimento da pobreza numa grande franja de pessoas e países.34

Na sua essência, o presente projecto visa a conservação da biodiversidade dos


montes Namúli, através da valorização do conhecimento e práticas locais nesse
sentido. É assim que o presente estudo responde a necessidade de recolha e
sistematização de forma compreensiva dos saberes costumeiros, ou seja,

34
. ZANONI, M. M. et al. Preservação da natureza e desenvolvimento rural: dilemas e estratégias dos agricultores
familiares em áreas de protecção ambiental. IN: Desenvolvimento e Meio Ambiente, no 2. pp. 39-55. Jul./Dez. 2000.
Editora da UFPR.

63
transmitidos ao longo das gerações pela tradição, em prol dos ecossistemas,
enquadrando-se no princípio segundo o qual:

"A conservação do meio ambiente requer a compreensão das interações entre


a natureza e a sociedade humana, a fim de repertoriar e encorajar a
continuidade de experiencias sustentáveis.35"

No entanto, o mesmo autor denuncia a falta do conhecimento sobre o modo


como as populações locais usam os recursos naturais na região do monte
Namúli; a não existência de registos sobre o uso das espécies florestais pelas
comunidades locais. Este tipo de conhecimento dos recursos naturais pelas
comunidades locais pode ser de capital importância para a elaboração de futuras
políticas e planos de conservação da biodiversidade.36

Os estudos em botânica realizados na região do Namúli, permitem afirmar que


este monte constitui um verdadeiro abrigo espécies vivas raras e únicas no
planeta terra, grande parte delas prevalecendo desconhecidas pelas ciências de
especialidade. É deste modo que cientistas e conservacionistas de várias partes
do mundo consideram o Namúli como um verdadeiro nicho em termos de
biodiversidade, e oportunidade como exemplo para a nova visão de preservação
dos ecossistemas, integrando as aspirações e as necessidades das
populações.37

35
. ESTEVES, Flavia. The Lost Mountain Project – Phase II Report: Preliminary Findings on Biodiversity Assessment,
Namúli. p. 1.
36
. Ibidem, p. 2.
37
. The Lost Mountain Project – Namúli Mountain, Zambézia: Baseline Study on the Management of Natural Resources
in Curuca Community, Namúli, District of Gurúè, Zambézia Province. p. 1

64
4.2. Principais lições/ Constatações

1) A região dos montes Namúli encerra-se uma grande singularidade quer na


perspectiva cultural quer no que diz respeito a preservação da biodiversidade.
No entanto, prevalece ainda um mundo desconhecido diante dos grandes
círculos científicos e centros de tomada de decisão.

2) Existe uma apatia entre as comunidades adjacentes aos Montes Namúli e os


elementos da Natureza característicos da região. Este sentimento é mais
perceptível na cidade do Gurué, particularmente entre a população mais
jovem, o que pode contribuir para a ausência de denúncias de crimes
ambientais e outros males contra a natureza.

3) Devido ao crescente número de visitantes na região, vai crescendo o receio e


o sentimento de medo entre as comunidades locais que, inquietos perguntam-
se sobre: “O que há de tão bom lá na montanha”? Por outro lado, cresce o
receio de o Monte e toda a sua riqueza lhes ser "roubada".

4) Há um avanço significativo dos campos de produção sobre as zonas onde


anteriormente não se julgava que as comunidades cultivassem. Essas zonas
são geralmente encostas das montanhas, portanto zonas consideradas de
alta fertilidade. A abertura de novos campos de produção significa a ameaça
constante dos ecossistemas críticos. Diante desta situação a questão que se
loca é a seguinte: como garantir que a comunidade continue a praticar a
agricultura para a sua subsistência ao mesmo tempo que toma devidas
precauções para a preservação da biodiversidade?

5) As comunidades encontram nos recursos naturais a sua única forma de


sobrevivência. É trabalhando a terra que conseguem produtos para
comercializar, é caçando que conseguem garantir uma ementa que propicie a
variação na sua dieta. Os outros sectores, como é o comércio é praticamente
inexistente.

65
4.3. Notas finais

O conceito “Natureza” inclui elementos naturais que, agindo, em conjunto,


favorecem ou restringem, estimulam ou dificultam a presença e a actividade
humana num determinado lugar ou superfície terrestre.

A satisfação das crescentes necessidades das pessoas e da sociedade,


depende dos diferentes recursos naturais, a partir dos quais obtemos uma
grande variedade de serviços. As acções de sensibilização de crianças e jovens,
deve permitir a percepção clara e objectiva, relativamente a forma de
funcionamento da sociedade humana em geral, e a sua em particular. Portanto,
a sensibilização deve estimular o indivíduo para a participação plena e activa na
vida da comunidade. Partimos do pressuposto que ao longo da história da sua
existência, o ser humano vem provocando danos sobre o meio ambiente natural,
bem como o meio criado por ele próprio.

O estudo analisou o preservacionismo nas comunidades da região do Namúli, ou


seja, a concepção estabelecida pelas pessoas, as formas de representação
simbólica, bem como o tipo de relações que estes mantêm com a natureza.
Essas construções ideológicas, os saberes, as práticas costumeiras, podem
possuir ou não alguma racionalidade, mas o mais importante foi o registo dos
seus impactos na preservação da natureza e da biodiversidade em geral.

É neste quadro que se insere a prevalência de lugares, rios, florestas e lagoas


sagradas, as criações mitológicas que regulam o acesso de certos espaços e
recursos, práticas essas que fazem parte das acções de regulação e
preservação do meio ambiente, permitindo deste modo, o florescimento dos
ecossistemas, da biodiversidade e a realização da vida humana. Apesar da
acção humana relativamente forte nalgumas áreas, as florestas apresentam em
geral, uma grande diversidade de espécies arbóreas, as quais mantêm, até certa
medida, um equilíbrio com o ambiente, o que é fundamental para a vida dos
seres vivos.

66
Com efeito, os sistemas costumeiros nas comunidades da região do Namúli,
relativos a protecção ambiental, permitem a contenção do processo de
degradação dos recursos naturais, num pacto em que a sociedade e a natureza
estão intimamente ligados, não havendo distanciamento de um e do outro
elemento. Tudo acontece como se o princípio ou no subconsciente das
populações estivesse claro que o fim da biodiversidade implica o fim da
comunidade, ou melhor, a extinção da espécie humana. É essa dimensão de
consciência que pode diferenciar a cultura nestas comunidades do Namúli, e a
cultura talhada nos moldes ocidentais e assente nos primores capitalistas – a
busca incessante do lucro.

O estudo do totemismo ou das relações totémicas pode ser fundamental para a


percepção das interações entre os humanos e o seu meio natural na região do
Namúli, na medida em que é inquestionável a coexistência de nomes de
animais, de coisas, de plantas, enfim, de tabus com semelhanças nas formas
que regulas as proibições no âmbito das relações no seio das sociedades
humanas. Aqui reside em grande medida, a pertinência de estudos nesta área
de conhecimento.

O processo de envolvimento da comunidade local na gestão dos recursos


naturais, desencadeado pelas autoridades estatais e algumas iniciativas da
sociedade civil, tem permitido as pessoas locais, a apropriação e uma
experiência valiosa no processo de planeamento e gestão.

Este facto permite, em certa medida, o desenvolvimento participativo genuíno,


rompendo-se com os antigos métodos usados pelos actores e agentes de
desenvolvimento, assente em princípios orientadores diretivos, pondo em
segundo plano, as experiências e saberes das comunidades beneficiarias dos
programas de desenvolvimento.

No entanto, apesar de se registar ainda a predominância de vegetação primária


e mesmo a secundária, as queimadas, o desflorestamento, a actividade agrícola
imprevidente, a sistemática monocultura, a fraco domínio de técnicas agrícolas

67
em terrenos declivosos, bem como a exploração florestal protagonizada pelo
sector empresarial desde o período colonial, estão na origem da degradação
acentuada ou a gradual esterilidade dos solos e dos ecossistemas na região do
Namúli.

Se bem que o nível de degradação de ecossistemas na região do Namúli não é


critico, mercê do respeito dos preceitos tradicionais, o Estado elaborou e está a
implementar em colaboração com a sociedade civil, politicas de protecção
ambiental específicas, bem como a adesão a regulamentação regional e
internacional, que é importante fazer com que as comunidades se apropriem e
se assegure uma implementação plena e eficaz.

4.4.Perspectivas

 A região do Monte Namúli é tradicionalmente uma área com elevado


potencial agrícola altamente produtiva, sendo por isso, o centro de
realização de uma grande variedade de fins económicos.

 A diversificação de actividades económicas dentro da região do Namúli é


fundamental para a prossecução das actividades de subsistência, de
forma sustentável na região.

 Necessidade de elaboração de um Plano de Gestão para o


Desenvolvimento da Região do Namúli, instrumento que poderá indicar as
actividades económicas chaves e com efeitos multiplicadores.

 Um dos desafios de peso é a manutenção das práticas de utilização das


terras agrícolas nos moldes tradicionais é importante para manter a
biodiversidade da região e garantir a preservação do carácter único dos
ecossistemas locais.

 A agricultura é a mais importante actividade económica no Namúli,


seguindo-se a silvicultura. Nessa perspectiva, é importante que
intencionistas e outros profissionais trabalhem com a comunidade local,
tendo em vista introduzir alternativas económicas para as comunidades e

68
intervenientes externos, bem como mecanismos para o aumento da
produtividade, sem afectar negativamente os recursos ambientais e
culturais locais.

 Uma acção prioritária na região dos Montes Namúli é que seja


considerada uma zona de conservação especial. Ao se proceder desta
forma será possível assegurar que as espécies endémicas da região
permaneçam em segurança. Por outro lado vai permitir uma melhor
articulação entre as comunidades e a vida biológia da região dos Montes
Namúli.

 É preciso estimular projectos de eco-turismo. Projectos desta natureza


permitem que as comunidades encontrem formas alternativas de
subsistência por um lado e, por outro lado, assegura um maior sentido de
pertença do espaço e consequentemente a predisposição do membro da
comunidade em fazer a sua parte para proteger a biodiversidade.

69
ANEXOS: Aspectos climatéricos

O clima é tropical. No inverno existe muito menos pluviosidade que no verão. A classificação do clima é Aw
de acordo com a Köppen e Geiger. Gurúè tem uma temperatura média de 22.2 °C. A pluviosidade média
38
anual é 1857 milímetros.

Gráfico de temperatura

O mês mais quente do ano é Outubro com uma temperatura média de 24.8 °C. Em Julho, a temperatura
média é 18.0 °C, que pode ser considerada a temperatura média mais baixa de todo o ano.

Tabela climática

A tabela mostra que a diferença entre a precipitação do mês mais seco e do mês mais chuvoso é de 335
milímetros. As temperaturas médias, durante o ano, variam 6.8 °C.

Gráfico climático

A partir dos dados acima, depreende-se que a maioria da precipitação cai em Março, com uma média de
355 milímetros. Note-se também que a precipitação do mês Setembro é de 20 milímetros, que é o mês
mais seco.

38
. http://pt.climate-data.org/location/32616/

70
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73

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