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UNIVERSIDADE LICUNGO

FACULDADEDEEDUCAÇÃO

Delegação de Gurúè

Licenciatura em AGE

Mugabe Alberto Manuel

Ritos de iniciação Feminina e Masculina da Zona Norte de


Moçambique

Gurúè, Outubro de 2022

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Mugabe Alberto Manuel

Ritos de iniciação Feminina e Masculina da Zona Norte de


Moçambique

Trabalho de carácter avaliativo a ser entregue na


faculdade de Educação delegação de Gurúè na
cadeira de Antropologia Cultural de Moçambique
recomendado por,
docente: dra. Maria José António

Gurúè, Outubro de 2022


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Índice

1. Introdução ................................................................................................................................ 4

1.1. Objectivos......................................................................................................................... 5

1.1.1. Objectivo geral ............................................................................................................. 5

1.1.2. Objectivos específicos .................................................................................................. 5

1.2. Metodologia ..................................................................................................................... 6

2. Desenvolvimento teórico ......................................................................................................... 7

2.1. Contextualização .............................................................................................................. 7

2.1.1. Ritos de iniciação masculina ........................................................................................ 7

2.1.2. Ritos de iniciação feminina .......................................................................................... 9

2.1.3. Casamento .................................................................................................................. 11

2.1.4. As relações sexuais ..................................................................................................... 12

2.1.5. Divórcio ...................................................................................................................... 12

3. Conclusão .............................................................................................................................. 16

Referências bibliográficas ............................................................................................................. 17

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1. Introdução

Em África no geral, e em Moçambique em particular, assiste-se um cenário onde a


maioria das pesquisas, sobretudo as que versam sobre questões de gênero, se apoiam em
quadros teóricos ocidentais sem questionar se as ontologias e epistemologias que os sustentam
explicam as endogeneidades contextuais africanas (Kisiang´Ani, 2004; Adesina, 2012). Assim
sendo, em vez de contribuir para um debate científico onde se questiona e problematiza-se o
lugar do ocidente como único produtor de teorias válidas sobre o outro não ocidental,
(Ngoenha, 1993), esses estudos acabam por deixar intacta a divisão centro e periferia, ao
reproduzir teorias ocidentais em comunidades outras com quadros normativos e simbólicos
distintos dos que norteiam as relações entre os indivíduos e seus grupos no ocidente.

Um exemplo, flagrante, da reprodução acrítica das teorias e dos conceitos cunhados


no ocidente é a visão dominante nos estudos sobre género em Moçambique, que ao
questionar as desigualdades e hierarquias na família e na comunidade o faz a partir de
binómios como público/privado, cultura/natureza, sem necessariamente explicitar que tais
binómios são construtos políticos, ideológicos e históricos que têm um contexto de produção
peculiar e um espaço sociopolítico e geográfico específico – o ocidente.

De igual modo, como ressalva Kissiang´ani (2004) esses binômios pouco explicam
outras sociedades não ocidentais, uma vez que só têm em conta a visão ocidental sobre o
mundo e, esta se reflete nas metáforas e representações que os indivíduos no ocidente fazem de
si e do outro não ocidental.

Nesta esteira de pensamento, o estudo dos ritos de iniciação feminina ou masculina,


em Moçambique, tem em vista trazer para o campo académico ontologias, cosmologias e
epistemologias nativas pouco acessíveis aos não iniciados, devido o carácter secreto e fechado
dos ritos de iniciação, sobre corpo, sexualidade, desigualdades e hierarquias comunitárias que
possam permitir redefinir e reformular o entendimento que se tem de género, enquanto
unidade analítica “destacável”, para o entendimento de hierarquia e poder nas comunidades em
Moçambique.

Os ritos de iniciação nas comunidades Ajauas, Nhandjas e Makondes explicam como

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são construídas e acessadas representações coletivas sobre categorias como corpo, mulher,
homem, casa, mais velho e mais novo, evidenciando o tipo de hierarquia e desigualdade
inerentes a cada uma das categorias, o que permite compreender para além das questões de
gênero, quais são outras relações fulcrais para estruturar e marcar o lugar dos indivíduos nas
suas comunidades ou em seus grupos étnico-linguísticos.

Com efeito, este estudo antropológico dos ritos de iniciação em Moçambique pretende
trazer uma compreensão “mais nuançada, mais densa e menos sociocêntrica dos fenômenos
contemporâneos” (Peirano, 2003, p.8), mostrando que os dados etnográficos, que aqui
trago, fruto do diálogo entre antropologia e ontologias nativas, permitem expandir e
reconceitualizar teorias sociológicas contemporâneas sobre gênero.

Como se tratam de grupos étnicos complexos, que vivem na interface urbano-rural, o


conceito de ritual que uso é o utilizado por Peirano (2003), que toma em consideração a
dimensão operativa do ritual, negando definições que concebem os ritos como amorfos e
acríticos.

1.1.Objectivos

1.1.1. Objectivo geral

 Compreender as diferenciações do processo de ritos de iniciação masculina e feminina


na zona norte de Moçambique.

1.1.2. Objectivos específicos

 Identificar as fases e fachas etárias do processo de ritos de iniciação masculina e


feminina na zona norte de Moçambique;

 Descrever os procedimentos envolvidos no processo de ritos de iniciação masculina e


feminina na zona norte de Moçambique; e

 Mostrar a importância dos ritos de iniciação masculina e feminina na zona norte de


Moçambique.

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1.2.Metodologia

Para realização do presente trabalho, foi adoptado o método de pesquisa bibliográfica. A


pesquisa bibliográfica é uma das mais comuns entre os estudantes, sendo obrigatória em todos os
trabalhos científicos. Com ela, é feito uma colecta de dados a partir de artigos, livros e revistas
científicas para utilizar como citações.

Para Lima e Mioto (2007, p.32), “a pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de
procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser
aleatório”.

Portanto, esse é um dos métodos de pesquisa que serve como embasamento para todos os
assuntos pesquisados, analisando variáveis que um problema pode ter, comparando as opiniões e
teses de diferentes autores que falem sobre o mesmo assunto. Depois disso, o aluno faz as suas
análises e conclusões sobre o tema.

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2. Desenvolvimento teórico

2.1.Contextualização

Ao nascer, o bebê Macua não se encontra ainda plenamente integrado na sociedade. Seu
verdadeiro nascimento social acontece após fazer parte dos ritos de iniciação. Crianças não
iniciadas são de fato consideradas pessoas incompletas, um pouco “animaizinhos”, tanto que, no
caso de morte de um não-iniciado os ritos fúnebres serão reduzidos (um pouco como acontecia
no passado com as crianças não batizadas), (Santana, 2009).

Ambos os sexos, masculino e feminino, devem participar nos ritos de iniciação, que
podemos considerar como verdadeiros nascimentos sociais, e é somente após esta iniciação que
poderão participar dos momentos importantes da vida coletiva, tais como cerimônias, funerais e
reuniões da aldeia. As marcas deixadas no corpo do iniciado durante o ritual (circuncisão,
tatuagens, corte no clitóris) serão os sinais, sinais físicos de transformação na personalidade e no
status do indivíduo (Santana, 2009).

2.1.1. Ritos de iniciação masculina

Os ritos de iniciação masculina ocorrem normalmente durante os meses de inverno


(julho, agosto, setembro), quando não é necessário muito esforço nos campos, quando as famílias
ainda têm estoques de alimentos no celeiro e dinheiro ganhado com a colheita; os ritos de fato
requerem uma grande quantidade de dinheiro, tanto para pagar os especialistas dos rituais quanto
para pagar as festas e cerimónias ligadas aos mesmos, (Van Gennep, 1978).

Por esta razão, normalmente se realiza o rito quando se consegue reunir na aldeia, pelo
menos dez crianças entre oito e doze anos de idade, e todos os membros das famílias dos
iniciados contribuem para os custos, (Van Gennep, 1978). O rito em si é realizado em um
pequeno campo construído para a ocasião, a pouca distância da aldeia. Durante o ritual, que dura
cerca de um mês, os iniciados não podem ter qualquer tipo de contacto com pessoas de fora do
rito e, mesmo em caso de morte de um dos iniciados, os pais serão informados somente quando
se conclui o rito.

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No início da fase preliminar são realizados sacrifícios tradicionais para antepassados
derramando farinha e bebidas alcoólicas ao pé da árvore sagrada da família ou da comunidade, se
prepara uma refeição comunitária na cabana do chefe da aldeia e todos os participantes levam
uma brasa flamejante da fogueira do chefe para acender o fogo da própria casa, (Peirano, 2003,
p.5). A este respeito, posso contar uma história: em uma aldeia onde eu trabalhava no distrito de
Pemba. O ancião da aldeia estava efetuando seus sacrifícios ao pé de uma árvore cuja casca era
completamente branca. Ele queria muito que retornassem a viver bem como se vivia antes do
colonialismo, quando uma grande plantação dava trabalho para toda a aldeia. Ele passou muitos
anos a fazer sacrifícios para criar novamente estas condições, de modo que as pessoas brincavam
que a árvore havia se tornado branca por causa dos inúmeros sacrifícios feitos com farinha
branca. (Pinho, 2012).

Uma vez chegados ao acampamento os iniciados devem fazer uma cerimônia de três dias
e três noites onde alguns bailarinos dançam o tempo todo com peles de leopardo (símbolo de
autoridade e poder) e outras peles de animais para inspirar temor, respeito e obediência na alma
dos “iniciados”, e contam histórias e lendas de pessoas, animais e natureza em geral. Após esta
fase, há uma série de testes de força, como por exemplo não vomitar uma bebida que provoca
espasmos, ou ser circuncidado. Para a circuncisão todo iniciado tem um padrinho que o
acompanha e o ajuda, (Van Gennep, 1978).

Durante a fase preliminar são proferidos insultos e injurias aos “iniciados” para torná-los
humildes e estimulá-los a corrigir-se e fortalecer-se, transmitindo-lhes ensinamentos
fundamentais como: o conhecimento popular sobre a vida e as suas fases principais, a tradição da
comunidade, a história da comunidade, lendas e personagens míticos, leis, regras e
procedimentos da sociedade, os seus direitos e os seus deveres. (Pinho, 2012).

É usada uma linguagem recitativa com aplausos e repetições, através de recitações e


performances quase teatrais, ou seja, usa-se muito o corpo como instrumento de conhecimento e
aprendizado. Para ensinar usam muito também os enigmas e as adivinhações com o apoio de
música e mímica: o conselheiro-chefe dita o ritmo da música, os dançarinos dançam, o
conselheiro canta a primeira parte da adivinhação e os outros conselheiros cantam a solução
enquanto os iniciados acompanham o ritmo batendo palmas. Além de ensinamentos teóricos

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existem também os práticos: a eles é ensinado a caçar, construir objetos e casas, e enterrar os
mortos. Durante o ritual os cabelos dos meninos são constantemente mal cortados. Devem
manter-se os mais silenciosos possível e evitar certos tipos de alimentos. (Pinho, 2012).

Os iniciados têm que passar por alguns testes de força como o tiro de lança, saber caçar,
tomar o banho de purificação no rio, etc.

Até o retorno dos iniciados os pais também precisam seguir vários requisitos como: não
se lavar, não se vestir bem, não pentear o cabelo e não ter relações sexuais.

Ao final do ritual, os iniciados recebem outro nome que indica tanto um estado
(dimensão essencial) quanto uma missão (dimensão funcional). Exemplos: Paciência, Aquele
que nega, Razão, Em Deus, Testemunha, Viu o meu sofrimento, O filho do espírito, Vigilante, O
salvador, O mestre do relâmpago, Foram escritos, O mestre do sol, Guloso. (Pinho, 2012).

Finalmente, acontece a fase de reintegração, na qual o acampamento é destruído e


queimado; os iniciados realizam um banho de purificação e voltam para a aldeia mostrando as
competências adquiridas. No final, se realiza uma refeição comunitária onde todos os membros
da família e os amigos, festejam com uma festa que dura um dia inteiro.

Até o momento do ritual as meninas vivem de forma livre, sem diferença em relação ao
sexo masculino e mantém uma relação muito forte com a mãe.

2.1.2. Ritos de iniciação feminina

Os rituais de iniciação das mulheres não são concentrados como aqueles dos homens,
mas são compostos por muitos ritos separados por longos períodos de tempo nos quais a menina
é gradualmente separada do mundo infantil e assexuado para ser agregada à sociedade como uma
pessoa adulta e como mulher, (Van Gennep, 1978).

Quando a jovem tem sua primeira menstruação, sua madrinha e outras quatro ou cinco
conselheiras começam a ensinar-lhe a noite, em sua casa, por várias semanas. Nestas sessões de
formação são ensinados o que é a menstruação e como cuidar de sua própria saúde, como se
comportar na sociedade, como se vestir em ocasiões diferentes, como conduzir uma casa, e
também se faz muita educação sexual. Nestes dias se faz muita atenção aos sonhos da iniciada:

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sonhar com um boi é um sinal de vida, enquanto sonhar com um leopardo pode ser um sinal de
morte ou desgraça, (Pinho, 2012).

Alguns meses depois desta fase preliminar as meninas têm que passar pela fase de
separação, onde permanecem por cerca de dez dias em um campo fora da comunidade, em
máxima segregação social, (Peirano, 2003, p.66). Nesta fase intensificam-se os ensinamentos,
que são transmitidos através de uma linguagem simbólica acompanhada por gestos, mímica e
dança. Os especialistas de cantos e danças usam provérbios, adivinhas e canções, as formas
literárias mais eficazes para fixar na memória os ensinamentos recebidos. Aqui, também, se faz
uso de insultos e injúrias a fim de tornar as meninas mais humildes, incentivando-as a
melhorarem sempre, (Van Gennep, 1978).

Nas meninas é deixado como marca de iniciação uma pequena incisão no clitóris (nada
chocante), são testadas suas capacidades em relação a encontrar algumas plantas medicinais, e as
inicia sexualmente explicando a anatomia de ambos os sexos, especificações técnicas, a
proibição do incesto e a regra da exogamia (proibição de casar com pessoas da mesma
linhagem); Cumpre a prática de alongamento dos lábios da vulva através de massagem feita com
óleos vegetais e unguentos, que na verdade se começa a fazer nas meninas desde pequenas,
porque acredita-se que aumenta o prazer dos homens. Porque as mulheres Macua são muito
orgulhosas de todas essas práticas e crenças, porque elas se sentem mulheres completas, que
conhecem o seu próprio corpo, com o qual têm uma relação profunda, e sabem como dar e sentir
prazer. A este respeito, recomendo a leitura do livro “Niketche” de Paulina Chiziane, traduzido
para o italiano há alguns anos; agora talvez já não se encontra mais nas livrarias, mas nas
bibliotecas certamente sim. É um romance sobre a poligamia, onde um dos personagens
principais é uma mulher Macua. Discute muito sobre sexualidade e educação sexual, (Peirano,
2003, p.23).

Perto do final desta fase são feitas pequenas tatuagens no rosto, peito, barriga e virilha.
As mulheres também recebem, nestes ritos, um novo nome que tenha significado tanto individual
como coletivo.

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Quando se sente que a jovem está pronta, se prepara uma festa em casa, com comida,
dançarinos e músicos, e a menina é apresentada pela conselheira chefe à sociedade, transformada
e com um novo nome.

2.1.3. Casamento

Na sociedade moçambicana o casamento não é um evento que acontece entre duas


pessoas, mas entre duas famílias, e isso também se aplica para a sociedade Macua. Toda a
comunidade realmente se sente envolvida em um casamento, uma vez que entra em jogo a
consistência, a reputação e o futuro de uma linhagem da sociedade em geral, (Peirano, 2003,
p.11)

Os ritos de casamentos são parte de um processo que leva cerca de um ano, e todos os
rituais que compõem este processo são considerados importantes para o mesmo.

Para a sociedade Macua o casamento é muito importante, uma pessoa não é completa se
não se casa, é visto como um tempo de crescimento pessoal e de maior integração na
comunidade.

No casamento Macua não existe o dote (a mulher que leva consigo os bens) nem o preço
da noiva (o homem que oferece bens para a família da noiva); considera-se que com o casamento
a família da noiva enriquece porque adquire um novo membro que ajudará na casa e nos campos.

Quando os dois jovens começam a sentir atração um pelo outro, o rapaz fala com seu tio
manifestando o desejo de casar-se com a moça. O tio consulta os pais do rapaz e os anciãos da
família, depois iniciam-se as negociações com a família da moça. Essas negociações podem
durar várias semanas. Durante esse tempo, a família da moça faz pesquisas sobre a família do
moço para ter certeza de que não há laços de sangue entre eles e para verificar a reputação do
nome. Investigações terminadas e aprovado o rapaz, esse é entregue à família da moça com a
qual ele vai viver por um ano; período de teste, durante o qual vivem juntos como um casal de
fato, em todos os sentidos, (Osorio & Macuacua, 2013, p.54). O moço deve demonstrar que é um
bom rapaz, que é trabalhador, é fértil e que será um bom marido. Se um dos dois decidirem,
nesta fase, que não estão convencidos um do outro, o processo se interrompe e se separam, sem

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quaisquer consequências. Se durante o ano de teste der tudo certo, os anciãos da família irão
estabelecer a aprovação final do casamento, (Peirano, 2003, p.65)

O casamento real e verdadeiro passa por uma série de cerimônias que mudam muito de
região para região, por isso, não faz muito sentido descrever esta versão. São oferecidos, no
entanto, uma refeição comunitária, um ritual de sacrifício aos antepassados, a entrega dos
presentes aos noivos e uma festa final com canções e danças.

2.1.4. As relações sexuais

Para um casal as relações sexuais são uma fonte de união entre os cônjuges e entre estes e
os antepassados e o resto de suas famílias, entretanto há uma série de situações em que os
cônjuges não podem ter relações: durante a menstruação, após o parto até o desmame da criança,
em caso de doença, em caso de morte de um parente muito próximo, durante os ritos de iniciação
de seus filhos e durante a preparação de grandes ritos tradicionais de sacrifício, (Peirano, 2003,
p.65).

As relações extraconjugais são extremamente mal vistas e resultam na separação


temporária ou permanente do casal; são permitidas apenas nos seguintes casos: hospitalidade da
noiva (no caso de visita de um personagem muito importante, o marido oferece a sua esposa por
uma noite. Há décadas não é mais praticada); troca de esposas (dois homens muito amigos
podem decidir trocar as esposas por uma noite para pagar e reforçar ainda mais a amizade. A
troca só pode acontecer se as esposas consentirem); ajuda em caso de infertilidade (útero de
aluguel ou “doação de esperma”); relações rituais (muito raro, estabelecidas pela tradição e
geralmente envolvem apenas o chefe da aldeia), (Peirano, 2003, p.56)

Os casais adotam os seguintes métodos de controle de natalidade: abstinência periódica


(especialmente após o parto); aborto (principalmente no caso de adultério); uso de contraceptivo
natural preparado pelo especialista (digamos curandeiro, mesmo que o termo não seja correto).

2.1.5. Divórcio

Se o casal tiver divergências insuperáveis, ou em casos de infertilidade, impotência,


adultério, abortos frequentes, morte frequente dos filhos, ou maus tratamentos graves,

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normalmente procura-se encontrar soluções para estes problemas através de debates na família
ou comunidade liderada pelos chefes das respectivas famílias. Se não conseguem chegar a um
acordo, apela-se para o tribunal comunitário, presidido pelo chefe da aldeia, o qual organiza um
processo real com várias testemunhas, debates e julgamento. Caso a decisão seja pelo divórcio, o
marido volta para sua família deixando os filhos com a mulher e os dois serão livres para se casar
novamente, (Peirano, 2003, p.30).

O Macua vive a doença como uma pausa / alteração do ritmo normal de vida e, antes de
mais nada, se perguntam o porquê dessa quebra. A doença é vivida numa atmosfera de
marginalidade e à margem, porque coloca o indivíduo fora da vida em sociedade. O processo da
doença e seus cuidados é vivido em uma atmosfera simbólica que deve ser ritualizada de formas
e em momentos apropriados, (Peirano, 2003, p.25). Os ritos de cura são necessários para
restaurar o ritmo vital e a harmonia ameaçados pela doença. A doença não é um problema físico
que abrange somente a parte superficial do homem, mas sim, toda a pessoa em todo o seu ser,
sua individualidade e sua relação com os outros. Devido a esta visão, a doença não é vista como
algo pessoal, mas algo que afeta toda a sociedade, uma vez que alguns dos relacionamentos que a
compõem são comprometidos pela ausência de um dos seus membros.

Para restabelecer sua saúde, o paciente usa as entidades fundamentais de seu mundo:
Deus, os antepassados, sua família, a sociedade. Vai fazer uso dos elementos profanos
(alimentação e higiene), dos elementos místicos (ritos, proibições, tradições e receitas) e
comunidade (a família e a sociedade). Com o apoio destes não vai se sentir sozinho e
abandonado no sofrimento.

A desgraça, sinônimo de doença para o Macua, é vista como algo que cai sobre ele
impetuosamente, como uma agressão; vem da floresta, onde tudo é obscuro, do reino dos que
praticam o mal, do espaço das trevas. A doença se esconde como os animais selvagens na mata e
fica à espera de alguém para atacar.

A doença tem sempre uma causa, que deve ser descoberta para poder ser tratada.

O procedimento inicial é pesquisar sobre os factores em duas direcções:

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O doente (alimentação errada, falta de higiene, o não cumprimento das suas funções,
violação das leis e regulamentos);

As outras pessoas (intervenção mística e acções punitivas dos antepassados, acção


maligna por parte de um agente maldoso com poderes extraordinários, inveja, ciúmes e vingança
de outros indivíduos).

Por esta razão, todas as doenças são vistas como o resultado de uma culpa. É necessário
identificar esta culpa para ser capaz de tratar a doença, mas o paciente por si só não é capaz de
descobrir esta causa oculta. É importante que durante todo este processo, o paciente não perca a
vontade de enfrentar e resolver a situação com calma, como se fosse um teste para superar.

São Propostas várias classificações de doenças de acordo com as tradições africanas e, mais
especificamente Macua; uma eficácia as subdividem simplesmente em (Peirano, 2003, p.10):

 Doenças que se originam de causas conhecidas: Para esses casos não é necessário
consultar os especialistas, porque o próprio paciente é capaz de identificar as causas e,
no máximo, pede ajuda ao médico (o curandeiro);
 Doenças que se originam de causas desconhecidas: Neste caso é necessário recorrer ao
especialista, ao investigador, o qual coloca o paciente em contacto com o mundo oculto.

Existem vários especialistas aos quais consultar no caso de doenças, dependendo do tipo,
da origem e da gravidade de uma determinada doença. Os Especialistas são pessoas com muito
conhecimento sobre a natureza, animais e coisas. Além de desfrutar de autoridades, porque a
comunidade as consente, possuem uma ciência realmente conquistada com um esforço próprio.
Geralmente levam uma vida ligeiramente ascética, (Peirano, 2003, p.11).

Eis alguns especialistas na terminologia de Macua Lomwé do Niassa (certamente em


Palma usa-se nomes diferentes, mas a essência deve ser a mesma) (Peirano, 2003, p.12):

 Nahako: individuo encarregado para descobrir o que está oculto questionando o paciente;
Ele é ajudado pelos antepassados. Não é pessoa doente que vai até ele, mas seu tio
materno, o qual explica os sintomas ao Nahako.

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 Mukhulukano: recebe o diagnóstico feito pelo Nahako, escolhe o tipo adequado de
medicamentos; prepara-os sob a forma de comprimido, xarope ou unguento. Além da
medicina, estabelece certas exigências e proibições que o paciente terá que observar.
Pode acontecer que a mesma pessoa desempenha ambas as funções de Nahako e
Mukhulukano.
 Namuku: oferece sacrifícios tradicionais (farinha) em favor do doente e toda a sequência
de rituais necessários indicados pelo Nahako.
 Mukhwiri: uma pessoa com poderes sobrenaturais que pode causar males (em Português
traduzida como “feiticeiro”, aquele que lança maldições);

O Mukhwiri é extremamente temido devido aos poderes extraordinários que possui e que
pode ser usado contra indivíduos e até mesmo contra toda a sociedade. Normalmente, aqueles
acusados de serem feiticeiros são pessoas anciãs (especialmente mulheres) que vivem sozinhas, à
margem da vida social, mas também podem ser pessoas comuns. Ser acusado de feitiçaria é
muito grave; incorre em represálias para os casos mais leves, multas, prisão e até mesmo em
expulsão da comunidade ou em reais linchamentos, (Peirano, 2003, p.15).

O processo de tratamento é composto pela descoberta da causa, uso dos medicamentos


indicados, banhos purificadores, as refeições familiares, sacrifícios tradicionais.

Os medicamentos, em nenhum caso, podem ser conservados se não se fez uso


completo: no caso de sobra de alguma coisa, essa deve ser conservada. O mesmo especialista
não prepara com antecedência nenhum medicamento, mas os prepara no momento.

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3. Conclusão

Os debates sobre a questão de gênero em Moçambique reproduzem estereótipos


ocidentais sobre como nascem e se edificam desigualdades e assimetrias entre homens e
mulheres, seja na comunidade, família ou nos grupos étnicos. A imagem advinda destes
concebe os homens como inflexíveis, dominadores e perpetuadores de uma ordem patriarcal.
Os mesmos debates associam a matrifocalidade ao domínio do doméstico e do familiar,
reforçando os discursos ocidentais que reduzem a mulher ao lugar de esposa, mulher e mãe.
Além disso, denunciam a subalternidade feminina e cingem a discussão sobre gênero à
existência de uma ordem androcêntrica na sociedade moçambicana. Porém, tais debates
acabam por deshistorizar a construção social das assimetrias e hierarquias na família,
comunidade e nos grupos étnicos.

Nesta esteira de pensamento, os ritos de iniciação e os arranjos sociais que se


desenvolvem em torno destes acabam por fornecer não só dados etnográficos instigantes
sobre corpo, sexualidade e assimetrias nas relações sociais, mas, também, alternativas
analíticas que podem problematizar teorias e categorias ocidentais que tendem a explicar muito
facilmente desigualdades entre homens e mulheres, tanto no ficar em casa comoem outros
domínios da vida cotidiana destes povos .

Contudo, gostaria de concluir que há mudanças que têm efeitos no sentido que as
jovens e os jovens conferem aos ritos. Refiro-me aos conflitos entre a aprendizagem nos ritos e
na escola. Se há 40 ou 50 anos era ínfimo o número de crianças que iam à escola, hoje o acesso
à escola é universal, principalmente nas primeiras classes. Devido à aprendizagem realizada na
escola, que põe em causa muitos dos mitos transmitidos nos rituais de iniciação a que se junta
os discursos dos direitos humanos e a possibilidade de acesso de rapazes e raparigas a outras
fontes de informação (que os remetem para novas relações sociais), constata-se a existência de
abalos e algumas rupturas no modelo tradicional. Estes têm como resultado a colocação de
crianças cada vez mais cedo nos ritos, e também a resistência das crianças mais velhas de
participarem nos ritos e de casarem prematuramente.

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Referências bibliográficas

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