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DECLARAÇÃO

FIDUCIA SUPPLICANS
Sobre o sentido pastoral das bênçãos

Apresentação

A presente Declaração aborda diversas questões que chegaram a este Dicastério tanto
nos anos anteriores quanto em tempos mais recentes. Para sua redação, conforme é
prática, consultaram-se especialistas, iniciou-se um processo adequado de elaboração
e a proposta foi discutida no Congresso da Seção Doutrinária do Dicastério. Durante
esse período de elaboração do documento, houve um diálogo constante com o Santo
Padre. A Declaração foi finalmente submetida à análise do Santo Padre, que a aprovou
com sua assinatura.

No estudo do assunto abordado neste documento, foi destacada a resposta do Santo


Padre aos Dubia de alguns Cardeais, fornecendo esclarecimentos importantes para a
reflexão apresentada aqui, sendo um elemento crucial para o trabalho do Dicastério.
Dado que “a Cúria Romana é principalmente um instrumento de serviço para o sucessor
de Pedro” (Const. Ap. Praedicate Evangelium, II, 1), nosso trabalho deve favorecer,
juntamente com a compreensão da doutrina perene da Igreja, a recepção do
ensinamento do Santo Padre.

Assim como na já mencionada resposta do Santo Padre aos Dubia de dois Cardeais,
esta Declaração mantém firme a doutrina tradicional da Igreja sobre o matrimônio, não
admitindo nenhum tipo de rito litúrgico ou bênçãos semelhantes a um rito litúrgico que
possam causar confusão. O valor deste documento, no entanto, é oferecer uma
contribuição específica e inovadora ao significado pastoral das bênçãos, permitindo
ampliar e enriquecer a compreensão clássica estritamente ligada a uma perspectiva
litúrgica. Essa reflexão teológica, baseada na visão pastoral do Papa Francisco, implica
um verdadeiro desenvolvimento em relação ao que foi dito sobre as bênçãos no
Magistério e nos textos oficiais da Igreja. Isso justifica o fato de o texto assumir a
tipologia de “Declaração”.

É precisamente nesse contexto que se pode entender a possibilidade de abençoar


casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo, sem validar oficialmente seu
status ou modificar de forma alguma o ensinamento perene da Igreja sobre o
matrimônio.

Esta Declaração também pretende ser uma homenagem ao Povo fiel de Deus, que
adora o Senhor com muitos gestos de profunda confiança em sua misericórdia e que,
com essa atitude, constantemente busca da mãe Igreja uma bênção.

Víctor Manuel Card. FERNÁNDEZ


Prefeito
Introdução

1. A confiante súplica do Povo fiel de Deus recebe o dom da bênção que emana do
coração de Cristo através de sua Igreja. Como recorda pontualmente o Papa
Francisco, “A grande bênção de Deus é Jesus Cristo, é o grande dom de Deus,
seu Filho. É uma bênção para toda a humanidade, uma bênção que nos salvou
a todos. Ele é a Palavra eterna com a qual o Pai nos abençoou ‘enquanto éramos
ainda pecadores’ (Rm 5, 8), diz São Paulo: Palavra feita carne e oferecida por
nós na cruz”.[1]

2. Sustentado por uma verdade tão grande e consoladora, este Dicastério


considerou várias questões, formais e informais, sobre a possibilidade de
abençoar casais do mesmo sexo e a possibilidade de oferecer novos
esclarecimentos, à luz da postura paternal e pastoral do Papa Francisco, sobre
o Responsum ad dubium [2] formulado pela então Congregação para a Doutrina
da Fé e publicado em 22 de fevereiro de 2021.

3. O mencionado Responsum provocou diversas e variadas reações: alguns


aplaudiram a clareza deste documento e sua coerência com o ensinamento
constante da Igreja; outros não concordaram com a resposta negativa à questão
ou não a consideraram suficientemente clara em sua formulação e nas razões
apresentadas na Nota explicativa anexa. Para atender, com caridade fraterna, a
esses últimos, parece apropriado retomar o tema e oferecer uma visão que
concilie coerentemente os aspectos doutrinais com os pastorais, pois “todo
ensinamento da doutrina deve estar inserido na atitude evangelizadora que
desperta a adesão do coração com a proximidade, o amor e o testemunho”.[3]

I. A bênção no sacramento do matrimônio

4. A recente resposta do Santo Padre Francisco à segunda das cinco perguntas


feitas por dois Cardeais[4] oferece a oportunidade de aprofundar ainda mais a
questão, especialmente em seus aspectos pastorais. Trata-se de evitar que “algo
que não é casamento seja reconhecido como tal”.[5] Portanto, são inadmissíveis
ritos e orações que possam causar confusão sobre o que é constitutivo do
matrimônio, como “união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e
uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos”,[6] e o que contradiz isso.
Essa convicção é fundamentada na doutrina perene da Igreja sobre o
matrimônio. Somente nesse contexto, as relações sexuais encontram seu
sentido natural, apropriado e plenamente humano. A doutrina da Igreja sobre
esse ponto permanece firme.

5. Essa é também a compreensão do matrimônio oferecida pelo Evangelho. Por


esse motivo, em relação às bênçãos, a Igreja tem o direito e o dever de evitar
qualquer tipo de rito que possa contradizer essa convicção ou causar alguma
confusão. Esse é também o sentido do Responsum da então Congregação para
a Doutrina da Fé, onde afirma que a Igreja não tem o poder de conferir sua
bênção a uniões entre pessoas do mesmo sexo.

6. É importante destacar que, especialmente no caso do rito do sacramento do


matrimônio, não se trata de qualquer bênção, mas do gesto reservado ao
ministro ordenado. Nesse caso, a bênção do ministro ordenado está diretamente
ligada à união específica de um homem e uma mulher que, com seu
consentimento, estabelecem uma aliança exclusiva e indissolúvel. Isso permite
destacar o risco de confundir uma bênção, dada a qualquer outra união, com o
rito específico do sacramento do matrimônio.
II. O sentido das diversas bênçãos

7. A resposta do Santo Padre mencionada acima, por outro lado, nos convida a
fazer o esforço de ampliar e enriquecer o sentido das bênçãos.

8. As bênçãos podem ser consideradas entre os sacramentais mais difundidos e


em constante evolução. Elas conduzem a perceber a presença de Deus em
todos os eventos da vida e lembram que, mesmo no uso das coisas criadas, o
ser humano é convidado a buscar a Deus, a amá-Lo e servi-Lo fielmente.[7] Por
esse motivo, as bênçãos têm como destinatários pessoas, objetos de culto e
devoção, imagens sagradas, lugares de vida, trabalho e sofrimento, frutos da
terra e do esforço humano, e todas as realidades criadas que remetem ao
Criador e que, com sua beleza, O louvam e O abençoam.

O sentido litúrgico dos ritos de bênção

9. Do ponto de vista estritamente litúrgico, a bênção exige que o que está sendo
abençoado esteja de acordo com a vontade de Deus expressa nos
ensinamentos da Igreja.

10. As bênçãos são celebradas pela fé e são ordenadas para a glória de Deus e o
benefício espiritual de seu povo. Como explica o Rituale Romano, “para que esse
propósito seja mais evidente, por antiga tradição, as fórmulas de bênção têm
principalmente o objetivo de dar glória a Deus por seus dons, pedir suas graças
e derrotar o poder do maligno no mundo”.[8] Portanto, aqueles que invocam a
bênção de Deus através da Igreja são convidados a intensificar “suas
disposições, deixando-se guiar por essa fé para a qual tudo é possível” e confiar
“nesse amor que impulsiona a observar os mandamentos de Deus”.[9] Por isso,
se, por um lado, “sempre e em toda parte se oferece a oportunidade de louvar,
invocar e agradecer a Deus por meio de Cristo, no Espírito Santo”, por outro
lado, a preocupação é que “não se trate de coisas, lugares ou contingências que
estejam em conflito com a lei ou o espírito do Evangelho”.[10] Esta é uma
compreensão litúrgica das bênçãos, uma vez que se tornam ritos oficialmente
propostos pela Igreja.

11. Com base nessas considerações, a Nota explicativa do citado Responsum da


então Congregação para a Doutrina da Fé lembra que, ao invocar uma bênção
sobre certas relações humanas por meio de um rito litúrgico específico, é
necessário que o que está sendo abençoado seja capaz de corresponder aos
desígnios de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo
Senhor. Por esse motivo, visto que a Igreja sempre considerou moralmente
lícitas apenas aquelas relações sexuais vividas dentro do matrimônio, ela não
tem o poder de conferir sua bênção litúrgica quando esta, de alguma forma,
possa oferecer uma forma de legitimação moral a uma união que pretenda ser
um matrimônio ou a uma prática sexual extra-matrimonial. A substância desse
pronunciamento foi reiterada pelo Santo Padre em suas Respostas aos Dubia
de dois Cardeais.

12. Também é necessário evitar o risco de reduzir o sentido das bênçãos apenas a
esse ponto de vista, pois isso nos levaria a exigir, para uma simples bênção, as
mesmas condições morais que são solicitadas para a recepção dos
sacramentos. Esse risco exige que essa perspectiva seja ampliada ainda mais.
De fato, há o perigo de que um gesto pastoral, tão amado e difundido, seja sujeito
a muitos pré-requisitos de natureza moral, que, ao pretender um controle,
poderiam obscurecer a força incondicional do amor de Deus sobre o qual se
baseia o gesto da bênção.

13. Nesse sentido, o Papa Francisco nos exortou a não “perder a caridade pastoral,
que deve percorrer todas as nossas decisões e atitudes” e a evitar “ser juízes
que apenas negam, rejeitam, excluem”.[11] Respondamos então à sua proposta
desenvolvendo uma compreensão mais ampla das bênçãos.

As bênçãos na Sagrada Escritura

14. Para refletir sobre as bênçãos, reunindo diferentes perspectivas, precisamos nos
deixar iluminar, antes de tudo, pela voz da Sagrada Escritura.

15. “Que o Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça resplandecer o seu rosto
sobre ti e te conceda graça. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê paz” (Nm
6, 24-26). Essa “bênção sacerdotal” que encontramos no Antigo Testamento,
precisamente no livro dos Números, tem um caráter “descendente”, pois
representa a invocação da bênção que desce de Deus para o homem: ela
constitui um dos textos mais antigos de bênção divina. Há então um segundo
tipo de bênção que encontramos nas páginas bíblicas, aquela que “sobe” da
terra ao céu, em direção a Deus. Abençoar equivale a louvar, celebrar, agradecer
a Deus por sua misericórdia e fidelidade, pelas maravilhas que Ele criou e por
tudo o que aconteceu por Sua vontade: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e
tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome” (Sl 103, 1).

16. A Deus que abençoa, também respondemos abençoando. Melquisedeque, rei


de Salém, abençoa Abraão (cf. Gn 14, 19); Rebeca é abençoada pelos parentes,
pouco antes de se tornar esposa de Isaque (cf. Gn 24, 60), que, por sua vez,
abençoa o filho Jacó (cf. Gn 27, 27). Jacó abençoa o faraó (cf. Gn 47, 10), os
netos Efraim e Manassés (cf. Gn 48, 20) e todos os seus doze filhos (cf. Gn 49,
28). Moisés e Aarão abençoam a comunidade (cf. Ex 39, 43; Lv 9, 22). Os chefes
de família abençoam os filhos em ocasiões de casamentos, antes de iniciar uma
viagem, na iminência da morte. Essas bênçãos aparecem como um presente
abundante e incondicional.

17. A bênção presente no Novo Testamento mantém substancialmente o mesmo


significado do Antigo Testamento. Encontramos o dom divino que “desce”, o
agradecimento do homem que “sobe” e a bênção concedida pelo homem que
“se estende” aos seus semelhantes. Zacarias, depois de recuperar o uso da
palavra, bendiz o Senhor por Suas obras maravilhosas (cf. Lc 1, 64). O ancião
Simeão, enquanto segura o recém-nascido Jesus nos braços, bendiz a Deus por
ter lhe concedido a graça de contemplar o Messias salvador e, assim, abençoa
os próprios pais, Maria e José (cf. Lc 2, 34). Jesus bendiz o Pai, na célebre ode
de louvor e alegria dirigida a Ele: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra”
(Mt 11, 25).

18. Em continuidade com o Antigo Testamento, também em Jesus, a bênção não é


apenas ascendente, em referência ao Pai, mas também descendente,
derramada sobre os outros como gesto de graça, proteção e bondade. Jesus
mesmo realizou e promoveu essa prática. Por exemplo, Ele abençoa as
crianças: “E, tomando-as nos braços, as abençoava, impondo-lhes as mãos” (Mc
10, 16). E a jornada terrena de Jesus se encerra com uma última bênção
reservada aos Onze, pouco antes de ascender ao Pai: “E, levantando as mãos,
os abençoou. Enquanto os abençoava, separou-se deles e foi levado para o céu”
(Lc 24, 50-51). A última imagem de Jesus na terra são suas mãos levantadas,
no ato de abençoar.

19. Em seu mistério de amor, por meio de Cristo, Deus comunica à sua Igreja o
poder de abençoar. Concedida por Deus ao ser humano e dada por este ao
próximo, a bênção transforma-se em inclusão, solidariedade e pacificação. É
uma mensagem positiva de conforto, guarda e encorajamento. A bênção
expressa o abraço misericordioso de Deus e a maternidade da Igreja, que
convida o fiel a ter os mesmos sentimentos de Deus para com seus irmãos e
irmãs.

Uma compreensão teológico-pastoral das bênçãos

20. Aquele que busca uma bênção revela a necessidade da presença salvífica de
Deus em sua história, e quem pede uma bênção à Igreja reconhece esta última
como sacramento da salvação oferecida por Deus. Buscar a bênção na Igreja é
admitir que a vida eclesial brota do seio da misericórdia de Deus e nos ajuda a
avançar, a viver melhor, a responder à vontade do Senhor.

21. Para nos ajudar a compreender o valor de uma abordagem mais pastoral das
bênçãos, o Papa Francisco nos instigou a contemplar, com atitude de fé e
misericórdia paternal, o fato de que “quando se pede uma bênção, está-se
expressando um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para viver melhor, uma
confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor”.[12] Este pedido deve
ser, de qualquer forma, valorizado, acompanhado e recebido com gratidão. As
pessoas que vêm espontaneamente pedir uma bênção mostram, com esse
pedido, sua sincera abertura à transcendência, a confiança de seus corações
que não confiam apenas em suas próprias forças, sua necessidade de Deus e o
desejo de sair das estreitas medidas deste mundo fechado em seus limites.

22. Como nos ensina Santa Teresa do Menino Jesus, além dessa confiança “não há
outro caminho a percorrer para ser conduzido ao Amor que dá tudo. Com a
confiança, a fonte da graça transborda em nossa vida [...]. A atitude mais
adequada é depositar a confiança do coração fora de nós mesmos: na infinita
misericórdia de um Deus que ama sem limites [...]. O pecado do mundo é
imenso, mas não é infinito. Em vez disso, o amor misericordioso do Redentor,
este sim, é infinito”.[13]

23. Quando essas expressões de fé são consideradas fora de um quadro litúrgico,


encontramo-nos em uma área de maior espontaneidade e liberdade, mas “a
facultatividade dos exercícios piedosos não deve significar falta de consideração
ou desprezo por eles. O caminho a seguir é valorizar correta e sabiamente as
não poucas riquezas da piedade popular, as potencialidades que possui”.[14] As
bênçãos tornam-se assim um recurso pastoral a ser valorizado, em vez de um
risco ou um problema.

24. Consideradas do ponto de vista da pastoral popular, as bênçãos devem ser


avaliadas como atos de devoção que “encontram seu espaço fora da celebração
da Eucaristia e dos outros sacramentos [...]. A linguagem, o ritmo, o andamento,
os acentos teológicos da piedade popular diferem dos correspondentes às ações
litúrgicas”. Por esta razão, “evite-se introduzir modalidades de “celebração
litúrgica” nos piedosos exercícios, que devem preservar seu estilo, sua
simplicidade, sua própria linguagem”.[15]
25. A Igreja, além disso, deve evitar apoiar sua prática pastoral na rigidez de alguns
esquemas doutrinais ou disciplinares, especialmente quando estes levam “a um
elitismo narcisista e autoritário, onde em vez de evangelizar, analisam-se e
classificam-se os outros, e em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se
as energias no controle”.[16] Portanto, quando as pessoas invocam uma bênção,
não deve ser exigida uma análise moral exaustiva como condição para concedê-
la. Não se deve exigir delas uma perfeição moral prévia.

26. Nesta perspectiva, as Respostas do Santo Padre ajudam a aprofundar melhor,


do ponto de vista pastoral, o pronunciamento formulado pela então Congregação
para a Doutrina da Fé em 2021, pois convidam efetivamente a um discernimento
em relação à possibilidade de “formas de bênção, solicitadas por uma ou mais
pessoas, que não transmitam uma concepção errônea do casamento”[17] e que
também levem em conta o fato de que em situações moralmente inaceitáveis do
ponto de vista objetivo, “a caridade pastoral nos impõe não tratar simplesmente
como “pecadores” outras pessoas cuja culpa ou responsabilidade pode ser
atenuada por vários fatores que afetam a imputabilidade subjetiva”.[18]

27. Na catequese citada no início desta Declaração, o Papa Francisco ofereceu uma
descrição de bênçãos desse tipo, oferecidas a todos, sem pedir nada. Vale a
pena ler com o coração aberto estas palavras que nos ajudam a compreender o
sentido pastoral das bênçãos oferecidas sem condições: “É Deus quem
abençoa. Nas primeiras páginas da Bíblia, é uma repetição contínua de bênçãos.
Deus abençoa, mas os homens também abençoam, e logo descobrimos que a
bênção possui uma força especial, que acompanha ao longo da vida quem a
recebe, e disponibiliza o coração do homem para ser transformado por Deus [...].
Assim, para Deus, somos mais importantes do que todos os pecados que
podemos cometer, porque Ele é pai, é mãe, é amor puro, Ele nos abençoou para
sempre. E Ele nunca deixará de nos abençoar. Uma experiência poderosa é ler
esses textos bíblicos de bênção em uma prisão, ou em uma comunidade de
recuperação. Fazer essas pessoas sentirem que permanecem abençoadas
apesar de seus graves erros, que o Pai Celestial continua querendo o bem delas
e esperando que finalmente se abram ao bem. Mesmo que seus parentes mais
próximos as tenham abandonado, porque agora as julgam irrecuperáveis, para
Deus, elas ainda são filhos”.[19]

28. Existem várias ocasiões em que as pessoas se aproximam espontaneamente


para pedir uma bênção, seja em peregrinações, santuários, ou mesmo na rua ao
encontrar um sacerdote. A título exemplificativo, podemos mencionar o livro
litúrgico “De Benedictionibus”, que prevê uma série de ritos de bênção para
pessoas: idosos, doentes, participantes de catequese ou encontros de oração,
peregrinos, aqueles que iniciam uma jornada, grupos e associações de
voluntários, etc. Tais bênçãos são dirigidas a todos, ninguém pode ser excluído.
Nas premissas do Rito de Bênção dos Idosos, por exemplo, afirma-se que o
propósito da bênção “é expressar aos idosos um testemunho fraterno de respeito
e gratidão, e agradecer juntos ao Senhor pelos benefícios recebidos por eles e
pelas boas ações que realizaram com a ajuda Dele”.[20] Neste caso, o objeto da
bênção é a pessoa idosa, pela qual e com a qual se agradece a Deus pelo bem
que ela fez e pelos benefícios recebidos. A ninguém pode ser impedido esse
agradecimento, e cada um, mesmo que viva em situações não alinhadas ao
desígnio do Criador, possui elementos positivos pelos quais louvar o Senhor.
29. Do ponto de vista da dimensão ascendente, quando se toma consciência dos
dons do Senhor e do seu amor incondicional, mesmo em situações de pecado,
especialmente quando uma oração encontra ouvidos, o coração do crente eleva
louvores a Deus e o abençoa. Esta forma de bênção não é vedada a ninguém.
Todos – individualmente ou em união com outros – podem elevar a Deus seus
louvores e gratidão.

30. Mas o sentido popular das bênçãos inclui também o valor da bênção
descendente. Se “não é apropriado que uma Diocese, uma Conferência
Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial ative constantemente e
oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de questões”,[21] a prudência
e a sabedoria pastoral podem sugerir que, evitando formas graves de escândalo
ou confusão entre os fiéis, o ministro ordenado se uma à oração daqueles que,
mesmo em uma união que de forma alguma pode ser comparada ao casamento,
desejam confiar no Senhor e em sua misericórdia, invocar sua ajuda, serem
guiados a uma compreensão mais profunda de seu plano de amor e verdade.

III. As bênçãos de casais em situações irregulares e


de casais do mesmo sexo

31. No horizonte delineado aqui, está a possibilidade de bênçãos para casais em


situações irregulares e casais do mesmo sexo, cuja forma não deve ser
rigidamente fixada pelas autoridades eclesiásticas, a fim de evitar confusão com
a bênção própria do sacramento do matrimônio. Nestes casos, é concedida uma
bênção que não apenas tem valor ascendente, mas também é uma invocação
de uma bênção descendente de Deus sobre aqueles que, reconhecendo-se
necessitados e dependentes de sua ajuda, não reivindicam a legitimação de seu
próprio estado, mas suplicam que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente
válido em suas vidas e relações seja investido, curado e elevado pela presença
do Espírito Santo. Essas formas de bênção expressam uma súplica a Deus para
conceder auxílios provenientes dos impulsos de Seu Espírito – que a teologia
clássica chama de “graças atuais” – para que as relações humanas possam
amadurecer e crescer na fidelidade ao evangelho, libertando-se de suas
imperfeições e fragilidades e expressando-se na dimensão cada vez maior do
amor divino.

32. A graça de Deus, de fato, opera na vida daqueles que não se consideram justos,
mas humildemente reconhecem-se como pecadores, como todos. Ela é capaz
de orientar todas as coisas de acordo com os desígnios misteriosos e
imprevisíveis de Deus. Portanto, com sabedoria incansável e maternidade, a
Igreja acolhe todos aqueles que se aproximam de Deus com um coração
humilde, acompanhando-os com os auxílios espirituais que permitem a todos
compreender e realizar plenamente a vontade de Deus em suas vidas.

33. Esta é uma bênção que, embora não esteja inserida em um rito litúrgico, une a
oração de intercessão à invocação da ajuda de Deus por aqueles que
humildemente se dirigem a Ele. Deus nunca afasta aqueles que se aproximam
Dele! Em última análise, a bênção oferece às pessoas um meio de aumentar sua
confiança em Deus. A solicitação de uma bênção expressa e alimenta a abertura
à transcendência, a piedade, a proximidade a Deus em mil circunstâncias
concretas da vida, e isso não é algo insignificante no mundo em que vivemos. É
uma semente do Espírito Santo que precisa ser cuidada, não obstruída.
34. A própria liturgia da Igreja nos convida a esse atitude confiante, mesmo em meio
aos nossos pecados, falta de mérito, fraquezas e confusões, como testemunha
esta bela oração coleta do Missal Romano: “Deus onipotente e eterno, que ouves
as preces do teu povo além de todo desejo e mérito, derrama sobre nós a tua
misericórdia: perdoa o que a consciência teme e acrescenta o que a oração não
ousa esperar” (XXVII Domingo do Tempo Comum). Quantas vezes, de fato,
através de uma simples bênção do pastor, que neste gesto não pretende
sancionar ou legitimar nada, as pessoas podem experimentar a proximidade do
Pai “além de todo desejo e mérito”.

35. Portanto, a sensibilidade pastoral dos ministros ordenados deve ser educada
para realizar espontaneamente bênçãos que não estão no Ritual de Bênçãos.

36. Neste sentido, é essencial compreender a preocupação do Papa para que essas
bênçãos não ritualizadas continuem sendo um gesto simples que fornece um
meio eficaz de aumentar a confiança em Deus daqueles que a buscam, evitando
que se tornem um ato litúrgico ou semi-litúrgico, semelhante a um sacramento.
Isso constituiria um empobrecimento sério, pois submeteria um gesto de grande
valor na piedade popular a um controle excessivo, privando os ministros da
liberdade e espontaneidade no acompanhamento pastoral da vida das pessoas.

37. A esse respeito, vêm à mente as palavras, em parte já citadas, do Santo Padre:
“As decisões que, em circunstâncias específicas, podem fazer parte da
prudência pastoral não precisam necessariamente se tornar uma norma. Ou
seja, não é apropriado que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou
qualquer outra estrutura eclesial ative constantemente e oficialmente
procedimentos ou ritos para todo tipo de questões [...] O Direito Canônico não
deve e não pode abranger tudo, nem as Conferências Episcopais devem
pretender fazê-lo com seus vários documentos e protocolos, porque a vida da
Igreja passa por muitos canais, além dos normativos”. Assim, o Papa Francisco
lembrou que tudo “o que faz parte de um discernimento prático em uma situação
particular não pode ser elevado à categoria de norma”, porque isso “daria origem
a uma casuística insuportável”.

38. Por esta razão, não se deve promover nem prever um ritual para as bênçãos de
casais em uma situação irregular, mas também não se deve impedir ou proibir a
proximidade da Igreja em cada situação em que se pede a ajuda de Deus por
meio de uma simples bênção. Na breve oração que pode anteceder esta bênção
espontânea, o ministro ordenado poderia pedir por eles a paz, a saúde, um
espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua, mas também a luz e a força de
Deus para poder cumprir plenamente Sua vontade.

39. De qualquer forma, para evitar qualquer forma de confusão ou escândalo,


quando a oração de bênção, embora expressa fora dos ritos previstos nos livros
litúrgicos, é solicitada por um casal em uma situação irregular, essa bênção
nunca será realizada simultaneamente com os ritos civis de união, nem mesmo
em relação a eles. Nem com roupas, gestos ou palavras próprias de um
casamento. O mesmo se aplica quando a bênção é solicitada por um casal do
mesmo sexo.

40. Essa bênção pode, no entanto, encontrar seu lugar em outros contextos, como
a visita a um santuário, o encontro com um sacerdote, a oração recitada em
grupo ou durante uma peregrinação. De fato, por meio dessas bênçãos que são
concedidas não através das formas rituais próprias da liturgia, mas como
expressão do coração materno da Igreja, semelhantes às que emanam das
entranhas da piedade popular, não se pretende legitimar nada, mas apenas abrir
a própria vida a Deus, pedir Sua ajuda para viver melhor, e também invocar o
Espírito Santo para que os valores do Evangelho possam ser vividos com maior
fidelidade.

41. O que foi dito nesta Declaração sobre as bênçãos de casais do mesmo sexo é
suficiente para orientar o prudente e paterno discernimento dos ministros
ordenados a esse respeito. Além das indicações acima, não se deve esperar
outras respostas sobre eventuais modalidades para normatizar detalhes ou
aspectos práticos relacionados a bênçãos desse tipo. [26]

IV. A Igreja é o sacramento do amor infinito de Deus

42. A Igreja continua a elevar aquelas preces e súplicas que Cristo mesmo, com
gritos fortes e lágrimas, ofereceu nos dias de sua vida terrena (cf. Hb 5, 7) e que,
por isso, gozam de uma eficácia particular. Dessa maneira, “não apenas com a
caridade, com o exemplo e com as obras de penitência, mas também com a
oração, a comunidade eclesial exerce sua função materna de conduzir as almas
a Cristo” [27].

43. Assim, a Igreja é o sacramento do amor infinito de Deus. Portanto, mesmo


quando o relacionamento com Deus é obscurecido pelo pecado, é sempre
possível pedir uma bênção, estendendo a mão para Ele, como Pedro fez na
tempestade ao clamar a Jesus: “Senhor, salva-me!” (Mt 14, 30). Desejar e
receber uma bênção pode ser o bem possível em algumas situações. O Papa
Francisco nos lembra que “um pequeno passo, no meio de grandes limitações
humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida exteriormente correta
de quem passa seus dias sem enfrentar dificuldades significativas” [28]. Dessa
forma, “o que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em
Jesus Cristo morto e ressuscitado” [29].

44. Qualquer bênção será uma oportunidade para uma renovação do anúncio do
kerygma, um convite para se aproximar cada vez mais do amor de Cristo. O
Papa Bento XVI ensinava: “Como Maria, a Igreja é mediadora da bênção de
Deus para o mundo: a recebe ao acolher Jesus e a transmite ao trazer Jesus.
Ele é a misericórdia e a paz que o mundo, por si só, não pode se dar e sempre
precisa, como e mais do que o pão” [30].

45. Levando em consideração o que foi afirmado acima, seguindo o ensinamento


autorizado do Santo Padre Francisco, este Dicastério pretende, por fim, lembrar
que “esta é a raiz da mansidão cristã, a capacidade de se sentir abençoado e a
capacidade de abençoar [...] Este mundo precisa de bênção, e nós podemos dar
a bênção e receber a bênção. O Pai nos ama, e a nós só resta a alegria de
abençoá-lo e a alegria de agradecê-lo, e de aprender com Ele a abençoar” [31].
Assim, cada irmão e cada irmã poderão se sentir na Igreja sempre peregrinos,
sempre mendicantes, sempre amados e, apesar de tudo, sempre abençoados.

Víctor Manuel Card. FERNÁNDEZ


Prefeito

Mons. Armando MATTEO


Secretário para a Seção Doutrinal
Da Audiência em 18 de dezembro de 2023
Francisco

[1] Francisco, Catequese sobre a oração: a bênção (2 de dezembro de 2020),


L’Osservatore Romano, 2 de dezembro de 2020, p. 8.

[2] Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, “Responsum” ad “Dubium” sobre a bênção
da união de pessoas do mesmo sexo e Nota explicativa, AAS 113 (2021), 431-434.

[3] Francisco, Exort. Ap. Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 42, AAS 105
(2013), 1037-1038.

[4] Cf. Francisco, Respostas às Dubia propostas por dois Cardeais (11 de julho de 2023).

[5] Ibidem, ad dubium 2, c.

[6] Ibidem, ad dubium 2, a.

[7] Cf. Rituale Romanum ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II


instauratum auctoritate Ioannis Pauli PP. II promulgatum, De Benedictionibus, Edição
típica, Preliminares, Tipis Polyglottis Vaticanis, Cidade do Vaticano 1985, n. 12.

[8] Ibidem, n. 11: “Para que isso fique mais claro, as antigas fórmulas de bênçãos visam,
antes de tudo, glorificar a Deus por seus dons, obter seus benefícios e conter o poder
maligno no mundo”.

[9] Ibidem, n. 15: “Portanto, aqueles que solicitam a bênção de Deus pela Igreja devem
confirmar suas disposições com essa fé, para a qual todas as coisas são possíveis; eles
se apoiam na esperança, que não confunde; acima de tudo, são vivificados pelo amor,
que urge a observar os mandamentos de Deus”.

[10] Ibidem, n. 13: “Sempre e em toda parte, é oferecida a oportunidade de louvar a


Deus por meio de Cristo no Espírito Santo, invocá-lo e agradecer-lhe, desde que se trate
de coisas, lugares ou circunstâncias que não contradigam as normas ou o espírito do
Evangelho”.

[11] Francisco, Respostas às Dubia propostas por dois Cardeais, Ad dubium 2, d.

[12] Ibidem, ad dubium 2, e.

[13] Francisco, Exort. Ap. C’est la confiance (15 de outubro de 2023), nn. 2, 20, 29.

[14] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre
piedade popular e liturgia. Princípios e orientações, Livraria Editora Vaticana, Cidade do
Vaticano 2002, n. 12.

[15] Ibidem, n. 13.


[16] Francisco, Exort. Ap. Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 94, AAS 105
(2013), 1060.

[17] Francisco, Respostas às Dubia propostas por dois Cardeais, ad dubium 2, e.

[18] Ibidem, ad dubium 2, f.

[19] Francisco, Catequese sobre a oração: a bênção (2 de dezembro de 2020),


L’Osservatore Romano, 2 de dezembro de 2020, p. 8.

[20] De Benedictionibus, n. 258: “Esta bênção visa que os próprios idosos recebam dos
irmãos um testemunho de reverência e de mente grata, enquanto agradecemos ao
Senhor por todos os benefícios recebidos Dele e pelas boas obras realizadas com a
ajuda dele”.

[21] Francisco, Respostas às Dubia propostas por dois Cardeais, ad dubium 2, g.

[22] Cf. Francisco, Exort. Ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 250,
AAS 108 (2016), 412-413.

[23] Cf. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório
sobre piedade popular e liturgia, n. 13: “A diferença objetiva entre os exercícios piedosos
e as práticas de devoção em relação à Liturgia deve encontrar visibilidade na expressão
cultual [...] os atos de piedade e de devoção encontram seu lugar fora da celebração da
Eucaristia e dos outros sacramentos”.

[24] Francisco, Respostas às Dubia propostas propostos por dois Cardeais, ad dubium
2, g.

[25] Francisco, Exort. Ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 304, AAS
108 (2016), 436.

[26] Cf. ibidem.

[27] Officium Divinum ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum


auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Liturgia Horarum iuxta Ritum Romanum, Institutio
Generalis de Liturgia Horarum, Edição típica altera, Livraria Editora Vaticana, Cidade do
Vaticano 1985, n. 17: “Portanto, não apenas com caridade, exemplo e obras de
penitência, mas também com oração, a comunidade eclesial exerce sua função materna
de conduzir as almas a Cristo”.

[28] Francisco, Exort. Ap. Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 44, AAS 105
(2013), 1038-1039.

[29] Ibidem, n. 36, AAS 105 (2013), 1035.

[30] Bento XVI, Homilia da Santa Missa na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de
Deus. XLV Dia Mundial da Paz, Basílica Vaticana (1º de janeiro de 2012), Ensaios VIII,
1 (2012), 3.

[31] Francisco, Catequese sobre a oração: a bênção (2 de dezembro de 2020),


L’Osservatore Romano, 2 de dezembro de 2020, p. 8.

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