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FIDUCIA SUPPLICANS
Sobre o sentido pastoral das bênçãos
Apresentação
A presente Declaração aborda diversas questões que chegaram a este Dicastério tanto
nos anos anteriores quanto em tempos mais recentes. Para sua redação, conforme é
prática, consultaram-se especialistas, iniciou-se um processo adequado de elaboração
e a proposta foi discutida no Congresso da Seção Doutrinária do Dicastério. Durante
esse período de elaboração do documento, houve um diálogo constante com o Santo
Padre. A Declaração foi finalmente submetida à análise do Santo Padre, que a aprovou
com sua assinatura.
Assim como na já mencionada resposta do Santo Padre aos Dubia de dois Cardeais,
esta Declaração mantém firme a doutrina tradicional da Igreja sobre o matrimônio, não
admitindo nenhum tipo de rito litúrgico ou bênçãos semelhantes a um rito litúrgico que
possam causar confusão. O valor deste documento, no entanto, é oferecer uma
contribuição específica e inovadora ao significado pastoral das bênçãos, permitindo
ampliar e enriquecer a compreensão clássica estritamente ligada a uma perspectiva
litúrgica. Essa reflexão teológica, baseada na visão pastoral do Papa Francisco, implica
um verdadeiro desenvolvimento em relação ao que foi dito sobre as bênçãos no
Magistério e nos textos oficiais da Igreja. Isso justifica o fato de o texto assumir a
tipologia de “Declaração”.
Esta Declaração também pretende ser uma homenagem ao Povo fiel de Deus, que
adora o Senhor com muitos gestos de profunda confiança em sua misericórdia e que,
com essa atitude, constantemente busca da mãe Igreja uma bênção.
1. A confiante súplica do Povo fiel de Deus recebe o dom da bênção que emana do
coração de Cristo através de sua Igreja. Como recorda pontualmente o Papa
Francisco, “A grande bênção de Deus é Jesus Cristo, é o grande dom de Deus,
seu Filho. É uma bênção para toda a humanidade, uma bênção que nos salvou
a todos. Ele é a Palavra eterna com a qual o Pai nos abençoou ‘enquanto éramos
ainda pecadores’ (Rm 5, 8), diz São Paulo: Palavra feita carne e oferecida por
nós na cruz”.[1]
7. A resposta do Santo Padre mencionada acima, por outro lado, nos convida a
fazer o esforço de ampliar e enriquecer o sentido das bênçãos.
9. Do ponto de vista estritamente litúrgico, a bênção exige que o que está sendo
abençoado esteja de acordo com a vontade de Deus expressa nos
ensinamentos da Igreja.
10. As bênçãos são celebradas pela fé e são ordenadas para a glória de Deus e o
benefício espiritual de seu povo. Como explica o Rituale Romano, “para que esse
propósito seja mais evidente, por antiga tradição, as fórmulas de bênção têm
principalmente o objetivo de dar glória a Deus por seus dons, pedir suas graças
e derrotar o poder do maligno no mundo”.[8] Portanto, aqueles que invocam a
bênção de Deus através da Igreja são convidados a intensificar “suas
disposições, deixando-se guiar por essa fé para a qual tudo é possível” e confiar
“nesse amor que impulsiona a observar os mandamentos de Deus”.[9] Por isso,
se, por um lado, “sempre e em toda parte se oferece a oportunidade de louvar,
invocar e agradecer a Deus por meio de Cristo, no Espírito Santo”, por outro
lado, a preocupação é que “não se trate de coisas, lugares ou contingências que
estejam em conflito com a lei ou o espírito do Evangelho”.[10] Esta é uma
compreensão litúrgica das bênçãos, uma vez que se tornam ritos oficialmente
propostos pela Igreja.
12. Também é necessário evitar o risco de reduzir o sentido das bênçãos apenas a
esse ponto de vista, pois isso nos levaria a exigir, para uma simples bênção, as
mesmas condições morais que são solicitadas para a recepção dos
sacramentos. Esse risco exige que essa perspectiva seja ampliada ainda mais.
De fato, há o perigo de que um gesto pastoral, tão amado e difundido, seja sujeito
a muitos pré-requisitos de natureza moral, que, ao pretender um controle,
poderiam obscurecer a força incondicional do amor de Deus sobre o qual se
baseia o gesto da bênção.
13. Nesse sentido, o Papa Francisco nos exortou a não “perder a caridade pastoral,
que deve percorrer todas as nossas decisões e atitudes” e a evitar “ser juízes
que apenas negam, rejeitam, excluem”.[11] Respondamos então à sua proposta
desenvolvendo uma compreensão mais ampla das bênçãos.
14. Para refletir sobre as bênçãos, reunindo diferentes perspectivas, precisamos nos
deixar iluminar, antes de tudo, pela voz da Sagrada Escritura.
15. “Que o Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça resplandecer o seu rosto
sobre ti e te conceda graça. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê paz” (Nm
6, 24-26). Essa “bênção sacerdotal” que encontramos no Antigo Testamento,
precisamente no livro dos Números, tem um caráter “descendente”, pois
representa a invocação da bênção que desce de Deus para o homem: ela
constitui um dos textos mais antigos de bênção divina. Há então um segundo
tipo de bênção que encontramos nas páginas bíblicas, aquela que “sobe” da
terra ao céu, em direção a Deus. Abençoar equivale a louvar, celebrar, agradecer
a Deus por sua misericórdia e fidelidade, pelas maravilhas que Ele criou e por
tudo o que aconteceu por Sua vontade: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e
tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome” (Sl 103, 1).
19. Em seu mistério de amor, por meio de Cristo, Deus comunica à sua Igreja o
poder de abençoar. Concedida por Deus ao ser humano e dada por este ao
próximo, a bênção transforma-se em inclusão, solidariedade e pacificação. É
uma mensagem positiva de conforto, guarda e encorajamento. A bênção
expressa o abraço misericordioso de Deus e a maternidade da Igreja, que
convida o fiel a ter os mesmos sentimentos de Deus para com seus irmãos e
irmãs.
20. Aquele que busca uma bênção revela a necessidade da presença salvífica de
Deus em sua história, e quem pede uma bênção à Igreja reconhece esta última
como sacramento da salvação oferecida por Deus. Buscar a bênção na Igreja é
admitir que a vida eclesial brota do seio da misericórdia de Deus e nos ajuda a
avançar, a viver melhor, a responder à vontade do Senhor.
21. Para nos ajudar a compreender o valor de uma abordagem mais pastoral das
bênçãos, o Papa Francisco nos instigou a contemplar, com atitude de fé e
misericórdia paternal, o fato de que “quando se pede uma bênção, está-se
expressando um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para viver melhor, uma
confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor”.[12] Este pedido deve
ser, de qualquer forma, valorizado, acompanhado e recebido com gratidão. As
pessoas que vêm espontaneamente pedir uma bênção mostram, com esse
pedido, sua sincera abertura à transcendência, a confiança de seus corações
que não confiam apenas em suas próprias forças, sua necessidade de Deus e o
desejo de sair das estreitas medidas deste mundo fechado em seus limites.
22. Como nos ensina Santa Teresa do Menino Jesus, além dessa confiança “não há
outro caminho a percorrer para ser conduzido ao Amor que dá tudo. Com a
confiança, a fonte da graça transborda em nossa vida [...]. A atitude mais
adequada é depositar a confiança do coração fora de nós mesmos: na infinita
misericórdia de um Deus que ama sem limites [...]. O pecado do mundo é
imenso, mas não é infinito. Em vez disso, o amor misericordioso do Redentor,
este sim, é infinito”.[13]
27. Na catequese citada no início desta Declaração, o Papa Francisco ofereceu uma
descrição de bênçãos desse tipo, oferecidas a todos, sem pedir nada. Vale a
pena ler com o coração aberto estas palavras que nos ajudam a compreender o
sentido pastoral das bênçãos oferecidas sem condições: “É Deus quem
abençoa. Nas primeiras páginas da Bíblia, é uma repetição contínua de bênçãos.
Deus abençoa, mas os homens também abençoam, e logo descobrimos que a
bênção possui uma força especial, que acompanha ao longo da vida quem a
recebe, e disponibiliza o coração do homem para ser transformado por Deus [...].
Assim, para Deus, somos mais importantes do que todos os pecados que
podemos cometer, porque Ele é pai, é mãe, é amor puro, Ele nos abençoou para
sempre. E Ele nunca deixará de nos abençoar. Uma experiência poderosa é ler
esses textos bíblicos de bênção em uma prisão, ou em uma comunidade de
recuperação. Fazer essas pessoas sentirem que permanecem abençoadas
apesar de seus graves erros, que o Pai Celestial continua querendo o bem delas
e esperando que finalmente se abram ao bem. Mesmo que seus parentes mais
próximos as tenham abandonado, porque agora as julgam irrecuperáveis, para
Deus, elas ainda são filhos”.[19]
30. Mas o sentido popular das bênçãos inclui também o valor da bênção
descendente. Se “não é apropriado que uma Diocese, uma Conferência
Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial ative constantemente e
oficialmente procedimentos ou ritos para todo tipo de questões”,[21] a prudência
e a sabedoria pastoral podem sugerir que, evitando formas graves de escândalo
ou confusão entre os fiéis, o ministro ordenado se uma à oração daqueles que,
mesmo em uma união que de forma alguma pode ser comparada ao casamento,
desejam confiar no Senhor e em sua misericórdia, invocar sua ajuda, serem
guiados a uma compreensão mais profunda de seu plano de amor e verdade.
32. A graça de Deus, de fato, opera na vida daqueles que não se consideram justos,
mas humildemente reconhecem-se como pecadores, como todos. Ela é capaz
de orientar todas as coisas de acordo com os desígnios misteriosos e
imprevisíveis de Deus. Portanto, com sabedoria incansável e maternidade, a
Igreja acolhe todos aqueles que se aproximam de Deus com um coração
humilde, acompanhando-os com os auxílios espirituais que permitem a todos
compreender e realizar plenamente a vontade de Deus em suas vidas.
33. Esta é uma bênção que, embora não esteja inserida em um rito litúrgico, une a
oração de intercessão à invocação da ajuda de Deus por aqueles que
humildemente se dirigem a Ele. Deus nunca afasta aqueles que se aproximam
Dele! Em última análise, a bênção oferece às pessoas um meio de aumentar sua
confiança em Deus. A solicitação de uma bênção expressa e alimenta a abertura
à transcendência, a piedade, a proximidade a Deus em mil circunstâncias
concretas da vida, e isso não é algo insignificante no mundo em que vivemos. É
uma semente do Espírito Santo que precisa ser cuidada, não obstruída.
34. A própria liturgia da Igreja nos convida a esse atitude confiante, mesmo em meio
aos nossos pecados, falta de mérito, fraquezas e confusões, como testemunha
esta bela oração coleta do Missal Romano: “Deus onipotente e eterno, que ouves
as preces do teu povo além de todo desejo e mérito, derrama sobre nós a tua
misericórdia: perdoa o que a consciência teme e acrescenta o que a oração não
ousa esperar” (XXVII Domingo do Tempo Comum). Quantas vezes, de fato,
através de uma simples bênção do pastor, que neste gesto não pretende
sancionar ou legitimar nada, as pessoas podem experimentar a proximidade do
Pai “além de todo desejo e mérito”.
35. Portanto, a sensibilidade pastoral dos ministros ordenados deve ser educada
para realizar espontaneamente bênçãos que não estão no Ritual de Bênçãos.
36. Neste sentido, é essencial compreender a preocupação do Papa para que essas
bênçãos não ritualizadas continuem sendo um gesto simples que fornece um
meio eficaz de aumentar a confiança em Deus daqueles que a buscam, evitando
que se tornem um ato litúrgico ou semi-litúrgico, semelhante a um sacramento.
Isso constituiria um empobrecimento sério, pois submeteria um gesto de grande
valor na piedade popular a um controle excessivo, privando os ministros da
liberdade e espontaneidade no acompanhamento pastoral da vida das pessoas.
37. A esse respeito, vêm à mente as palavras, em parte já citadas, do Santo Padre:
“As decisões que, em circunstâncias específicas, podem fazer parte da
prudência pastoral não precisam necessariamente se tornar uma norma. Ou
seja, não é apropriado que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou
qualquer outra estrutura eclesial ative constantemente e oficialmente
procedimentos ou ritos para todo tipo de questões [...] O Direito Canônico não
deve e não pode abranger tudo, nem as Conferências Episcopais devem
pretender fazê-lo com seus vários documentos e protocolos, porque a vida da
Igreja passa por muitos canais, além dos normativos”. Assim, o Papa Francisco
lembrou que tudo “o que faz parte de um discernimento prático em uma situação
particular não pode ser elevado à categoria de norma”, porque isso “daria origem
a uma casuística insuportável”.
38. Por esta razão, não se deve promover nem prever um ritual para as bênçãos de
casais em uma situação irregular, mas também não se deve impedir ou proibir a
proximidade da Igreja em cada situação em que se pede a ajuda de Deus por
meio de uma simples bênção. Na breve oração que pode anteceder esta bênção
espontânea, o ministro ordenado poderia pedir por eles a paz, a saúde, um
espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua, mas também a luz e a força de
Deus para poder cumprir plenamente Sua vontade.
40. Essa bênção pode, no entanto, encontrar seu lugar em outros contextos, como
a visita a um santuário, o encontro com um sacerdote, a oração recitada em
grupo ou durante uma peregrinação. De fato, por meio dessas bênçãos que são
concedidas não através das formas rituais próprias da liturgia, mas como
expressão do coração materno da Igreja, semelhantes às que emanam das
entranhas da piedade popular, não se pretende legitimar nada, mas apenas abrir
a própria vida a Deus, pedir Sua ajuda para viver melhor, e também invocar o
Espírito Santo para que os valores do Evangelho possam ser vividos com maior
fidelidade.
41. O que foi dito nesta Declaração sobre as bênçãos de casais do mesmo sexo é
suficiente para orientar o prudente e paterno discernimento dos ministros
ordenados a esse respeito. Além das indicações acima, não se deve esperar
outras respostas sobre eventuais modalidades para normatizar detalhes ou
aspectos práticos relacionados a bênçãos desse tipo. [26]
42. A Igreja continua a elevar aquelas preces e súplicas que Cristo mesmo, com
gritos fortes e lágrimas, ofereceu nos dias de sua vida terrena (cf. Hb 5, 7) e que,
por isso, gozam de uma eficácia particular. Dessa maneira, “não apenas com a
caridade, com o exemplo e com as obras de penitência, mas também com a
oração, a comunidade eclesial exerce sua função materna de conduzir as almas
a Cristo” [27].
44. Qualquer bênção será uma oportunidade para uma renovação do anúncio do
kerygma, um convite para se aproximar cada vez mais do amor de Cristo. O
Papa Bento XVI ensinava: “Como Maria, a Igreja é mediadora da bênção de
Deus para o mundo: a recebe ao acolher Jesus e a transmite ao trazer Jesus.
Ele é a misericórdia e a paz que o mundo, por si só, não pode se dar e sempre
precisa, como e mais do que o pão” [30].
[2] Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, “Responsum” ad “Dubium” sobre a bênção
da união de pessoas do mesmo sexo e Nota explicativa, AAS 113 (2021), 431-434.
[3] Francisco, Exort. Ap. Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 42, AAS 105
(2013), 1037-1038.
[4] Cf. Francisco, Respostas às Dubia propostas por dois Cardeais (11 de julho de 2023).
[8] Ibidem, n. 11: “Para que isso fique mais claro, as antigas fórmulas de bênçãos visam,
antes de tudo, glorificar a Deus por seus dons, obter seus benefícios e conter o poder
maligno no mundo”.
[9] Ibidem, n. 15: “Portanto, aqueles que solicitam a bênção de Deus pela Igreja devem
confirmar suas disposições com essa fé, para a qual todas as coisas são possíveis; eles
se apoiam na esperança, que não confunde; acima de tudo, são vivificados pelo amor,
que urge a observar os mandamentos de Deus”.
[13] Francisco, Exort. Ap. C’est la confiance (15 de outubro de 2023), nn. 2, 20, 29.
[14] Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório sobre
piedade popular e liturgia. Princípios e orientações, Livraria Editora Vaticana, Cidade do
Vaticano 2002, n. 12.
[20] De Benedictionibus, n. 258: “Esta bênção visa que os próprios idosos recebam dos
irmãos um testemunho de reverência e de mente grata, enquanto agradecemos ao
Senhor por todos os benefícios recebidos Dele e pelas boas obras realizadas com a
ajuda dele”.
[22] Cf. Francisco, Exort. Ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 250,
AAS 108 (2016), 412-413.
[23] Cf. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Diretório
sobre piedade popular e liturgia, n. 13: “A diferença objetiva entre os exercícios piedosos
e as práticas de devoção em relação à Liturgia deve encontrar visibilidade na expressão
cultual [...] os atos de piedade e de devoção encontram seu lugar fora da celebração da
Eucaristia e dos outros sacramentos”.
[24] Francisco, Respostas às Dubia propostas propostos por dois Cardeais, ad dubium
2, g.
[25] Francisco, Exort. Ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 304, AAS
108 (2016), 436.
[28] Francisco, Exort. Ap. Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 44, AAS 105
(2013), 1038-1039.
[30] Bento XVI, Homilia da Santa Missa na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de
Deus. XLV Dia Mundial da Paz, Basílica Vaticana (1º de janeiro de 2012), Ensaios VIII,
1 (2012), 3.