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FACULDADE DE LETRAS
MACEIÓ
2011
EDNALDO DE ARAUJO MINERVINO
MACEIÓ
2011
Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso aos milhares de mulheres e
homens que sofrem todos os dias com a violência homofóbica.
AGRADECIMENTOS
(Harvey Milk)
RESUMO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 07
CAPÍTULO 1 - A IMAGEM REVELADA NA PRÁTICA DISCURSIVA: IDENTIDADE
DE GÊNERO E SEXUAL........................................................................................10
1.1 Linguística aplicada: a transgressão para ultrapassar os limites dos
paradigmas.........................................................................................................10
1.2 Noção de Ethos.................................................................................................12
1.3 Identidade: sexualidade e gênero.......................................................................16
CAPÍTULO 2 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESTUDOS
QUALITATIVOS........................................................................................................23
2.1 A pesquisa qualitativa..........................................................................................23
2.2 Passos da pesquisa.............................................................................................26
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DE DADOS....................................................................28
3.1 É homossexual, mas é um gênio! Posicionamentos discursivos em
embate........................................................................................................................28
ANEXO.......................................................................................................................40
INTRODUÇÃO
2
Termo cunhado por Pennycook (2006)
temas, como por exemplo, sexualidade e gênero (nosso foco de investigação), que
perpassam pela linguagem.
Moita Lopes (2006) propõe para a LA um projeto anti-hegemônico, que
produza conhecimento com base nas e com as vozes que são oprimidas pelo
pensamento único de que o indivíduo vivencia a vida social homogeneamente. Ele
diz que
A prova pelo ethos consiste em causar boa impressão pela forma como se
constrói o discurso, a dar uma imagem de si capaz de convencer o
auditório, ganhando sua confiança. O destinatário deve, então, atribuir
certas propriedades à instância que é posta como fonte do acontecimento
(MAINGUENEAU, 2008, p.13).
Maingueneau afirma ainda, que, para Aristóteles, essa imagem que o orador dá de
si deve se valer de três qualidades fundamentais como a prudência, virtude e a
benevolência. Até mesmo em Aristóteles, o termo Ethos ganha outro significado
como explica LIMA (2009)
Com base nas afirmações de Hall, a nossa identidade social parte de uma visão
heterogênea, multifacetada, contraditória e fluida do sujeito. Ou seja, o sujeito em
questão é denominado sujeito pós-moderno, não possui uma identidade fixa e
essencial. As identidades sociais não podem ser uma característica inerente à
pessoa, ela é constituída a partir das práticas sócio-discursivas. O caráter de
fragmentação das identidades sociais é visto pelo sentido de que essas não são
homogêneas. Uma pessoa pode conter em si outras identidades. Outra
característica importante é a natureza contraditória que coexiste na mesma pessoa.
Uma identidade pode está, dependendo da relação de poder nas práticas sociais,
em contradição com outra identidade. Tomando o exemplo citado por Moita Lopes
(2002), observamos que alguém pode ser um sindicalista, branco, vota em um
partido conservador, frequentador da igreja católica e de um centro de umbanda,
agride a mulher, e se envolve em práticas homoeróticas. A homogeneidade das
identidades tem sido substituída por uma percepção heterogênea das pessoas, ou
por uma visão multifacetada das identidades (MOITA LOPES, 2002).
Um traço importante das identidades é o fluxo, pois elas estão a todo o
momento sendo (re)construídas pelos esforços de construção de significados. Vale
ressaltar que o seu caráter fixo das identidades é marcado pela construção de novos
significados sobre quem somos nas práticas discursivas (MOITA LOPES, 2002). Os
discursos contra-hegemônicos das organizações políticas (movimentos sociais
como: de mulheres; negros/as; de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais) que lutam por uma democracia mais ampla e emancipatória humana,
trazem a questão da identidade como um tópico central. Moita Lopes, a esse
respeito, afirma que
Quando autores, como Moita Lopes (2002) e Louro (2007), afirmam que as
identidades vão se constituindo com a prática discursiva através das relações
sociais, eles consideram que o discurso é uma prática social que só tem significado
a partir da interação social. O discurso é uma ação social, que o sujeito pode agir
sobre o mundo social e os outros sujeitos (MOITA LOPES, 2002). Um traço
importante na natureza do discurso
Sobre a natureza dialógica do discurso, Barros (2003) afirma que Bakhtin tem
como princípio constitutivo da linguagem e da condição de sentido do discurso o
Dialogismo. O Dialogismo Bakhtiniano desloca o sujeito do centro e, o substitui por
outras vozes sociais tornando-o um sujeito histórico e ideológico. O princípio
dialógico pressupõe que “a palavra não é nossa, mas traz em si a perspectiva de
outra voz” (BARROS, 2003, p. 3). A capacidade de alterar o outro e de alterar a si
mesmo é um resultado das relações sociais e/ou da interação verbal tanto na
constituição do Ethos, quanto das construções identitárias. No próximo capítulo
traremos a discussão metodológica de pesquisa.
CAPÍTULO 2 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESTUDOS
QUALITATIVOS
3
Acorda, acorda Raimundo, sob direção de Alfredo Alves - 1990
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DE DADOS
4
Os nomes citados neste trabalho são todos fictícios.
Apesar de Filipe se policiar o tempo todo para demonstrar um Ethos do
Politicamente Correto (doravante PC), o que se observa nessa fala é que não há
reconhecimento de uma diversidade sexual. Sobre o termo politicamente correto,
Semprini (1999) afirma que
5
Fonte: FIORIN, José Luiz. A Linguagem Politicamente Correta: Revista Eletrônica Liguasagem – UFSCar
http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao01/artigos_alinguagempoliticamentecorreta.htm
A seguir, apresentaremos um diagrama da aproximação/afastamento
valorativo da noção de sexualidade formulado a partir das reflexões ate aqui.
Gênio
Homossexual
A seta para cima indica um valor positivo, no caso, trazida pela noção de
gênio que seria uma qualidade boa. Já a seta para baixo indica um valor negativo: o
ser homossexual que, nesse caso, discursivamente, seria uma qualidade menor.
Essa distinção é marcada pelo “MAS”.
Dando continuidade a análise, a seguir, outro trecho será apresentado:
2. Trecho do dia 14 de dezembro de 2009
((Na entrevista realizada no 14/12/2009, foi perguntado ao Felipe como ele
tenta agir quando uma discussão ou uma opinião é trazida num tema em sala
de aula e essa não combina com o que ele pensa.))
[Felipe] ...teve até uma questão do Sandro, aquela questão do Renato Russo,
do Legião tal, aquela forma (não compreensível), o Sandro é polêmico, ás
vezes fala sem pensar ai... falando do Renato, aquela coisa toda {imita o
Sandro} „aquele que é homossexual‟, porra... é tranqüilo, é nenhuma, só você
olhar o jornal, pow... você encontra o cara, o cara homossexual, o cara bonito
e pow, isso é normal pow, ta em casa (rir).
Nessa fala de Felipe, destacamos o trecho “... que às vezes ele fala as coisas
sem pensar... num momento mau errado”, notamos aqui que, para Felipe, deve
existir momentos para falar a palavra HOMOSSEXUAL. Há indícios que Felipe
considere ser homossexual como algo negativo. E, quando ele afirma que Sandro
falou sem pensar num momento errado, significa para ele que há momentos de se
falar homossexual.
A seguir, dando continuidade ao momento da entrevista, vemos que
novamente, pelo discurso, há imagens formadas de identidades.
É perguntado ao aluno se foi o tema ou a opinião de Sandro que tinha lhe
chamado atenção. Ele responde que foi tema. Vejamos a seguir:
4. Trecho do dia 14 de dezembro de 2009
[Felipe] – no caso, o tema claro...
É pedido que ele diga qual era o tema
[Felipe] – que era do Renato Russo, aquela coisa do Renato...
[Entrevistador] que coisa era?
[Felipe]- que foi aquele... (risada) e foi contraponto que ele falou, foi só uma
observação assim... foi uma discussão...
Ele não fala que “coisa” era e dá uma risada. A não nomeação ou até mesmo
a nomeação “aquela coisa” para se referir à homossexualidade, dá-nos indícios de
que houve um momento em que seu ethos de PC veio a tona, pois a palavra
homossexual seria um termo pejorativo.
Portanto, concluímos que a partir dessas reflexões, observa-se que o aluno
apresentou em determinado momento um Ethos do PC; ele parece trazer em seu
discurso uma homofobia camuflada, o que pode gerar um não reconhecimento de
outras sexualidades, tendo apenas a heterossexualidade como “padrão”. É
importante pontuar que estamos a todo o momento negociando “as normas, os
comportamentos e os discursos que definem masculinidade e feminilidade dentro de
uma comunidade específica, em algum ponto na história” (CALDAS-COULTHARD,
2000, p. 282).
Observamos a seguir, a partir da leitura de notas de campos, que o trabalho
com temas, como, por exemplo, união civil estável entre pessoas do mesmo sexo,
revelou que o Ethos do PC possui um limite.
5. Trecho retirado das notas de campo 17/11/2009
Em uma atividade de sala de aula realizada no dia 17 de novembro de 2009,
foi solicitado aos alunos que lessem uma reportagem (escolhida pelos mesmos) com
a temática União civil estável entre pessoas do mesmo sexo, extraída do jornal
“Gazeta de Alagoas” do dia 2 de agosto de 2009. Depois, iniciou uma discussão
sobre a temática. Observamos a seguir:
Durante as falas sobre as identidades sexuais homossexuais foram citadas
como sendo fator de causa: a genética, o hormonal e a criação familiar. A respeito
da aceitação, a religião foi um ponto citado por uma das alunas.
[Mariana] - a gente passa, a mulher passa, por exemplo, no seu dia a dia.
Destacamos a fala de Ana por ela considerar que ser Homem seria um bom
pai, um bom esposo e ser responsável. Ana, ao definir “o que é ser Homem”, se
detém a um modelo de família heteronormativa, ratificando o binômio
Homem/Mulher. Outro ponto que vale salientar, é quando Ana diz que o homem tem
que dividir as tarefas domésticas, na sua definição de Homem.
No entanto, ela desconstrói seu argumento quando, em seguida, afirma
[Ana] - agora lógico, no caso ela estando em casa e ele trabalhando cabe a gente
fazer ele chegar a reconhecer, não deixa de ser um trabalho .
Parece-nos que Ana assume que a função da mulher em casa é cuidar dos
filhos e do marido. Mesmo afirmando “não deixa de ser um trabalho”, ela coloca o
trabalho do homem como mais importante quando ela diz “no caso ela estando em
casa e ele trabalhando”. O verbo em uso estar, mesmo em sua forma nominal no
gerúndio indicando uma ação em andamento, descreve um estado de inércia, ao
contrário do verbo trabalhando que sugere movimento. Enfim, a grosso modo, o
homem trabalha, sustenta a família, enquanto a mulher fica em casa.
No próximo trecho destacado, é perguntado o que os alunos achavam sobre o
título do filme “Acorda, acorda Raimundo”.
[Entrevistador] - o que vocês acharam do título do filme “acorda, acorda
Raimundo”?
[Paula] - foi um sonho, que ele tava sonhando, e quando acordou viu que a
realidade era outra, que... foi um pesadelo pra ele...
[Ana] - mesmo sendo sonho, a mulher fazendo o papel do homem achei horrível...
[Paula] - na verdade nem o homem nem a mulher precisa ser daquela maneira...
[Ana] - ela tava bêbada, ela fazia aquilo porque... já não é bom o homem fazer e a
mulher então... é horrível, ela se torna máscula, deixa de ser aquela esposa...
atraente, ser aquela pessoa sensível, mesmo que você vá pra rua dirigir um
caminhão, tem que dirigir com sensibilidade... tem que ser sensível, tem que ser
mulher (ênfase), entendeu... mesmo que você passe a gostar de outra mulher, mas
tem que ser mulher.
[Entrevistador] - O que é ser mulher?
[Roberta] - mais sensível, emocionalmente, fisicamente, mas isso não quer dizer
que a mulher é menos que o homem, tem que ter uma posição mais forte...
[Ana] - no caso eles são fortes na força...
[Roberta] acho que tem que haver mais...
[Ana] sensibilidade... mais sabedoria, ela tem aquela essência, é uma coisa muito
bonita, ela tem aquela essência... ela tem aquela coisa gostosa pra tratar, ela
trabalha fora, ela chega em casa, ela é dona de casa, ela é a esposa, ela é a mãe, e
tudo isso sem perder o controle, sem deixar de sempre na esperança de ser bonita,
ser sexy, ser bonita pro seu marido, vamos sair, vamos pra uma festinha, vamos
jantar fora, ai tem dia que tem q sair com as crianças, sem perder isso...
A partir das análises dos dados feitas e dos resultados obtidos na pesquisa,
compreendemos cada vez mais que as práticas discursivas envolvendo as
identidades sexuais e de gêneros são permanentemente vigiadas pelas
instituições, seja do discurso proveniente da religião, da escola, da família e/ou do
Estado. Essas instituições ratificam, na maioria das vezes, que tanto a
sexualidade quanto o gênero são vivenciados de forma homogênea e fixa pelos
indivíduos e reconhecem como identidade sexual única: a Heterossexual,
condenando qualquer desvio desse padrão como doença. Tal posicionamento
entende a identidade sexual ou as identidades sociais, em geral, como algo pronto e
acabado inerente ao indivíduo. Acreditamos que esse pensamento é atravessado
por interesses de opressão, pois acreditamos na heterogeneidade das identidades,
nas interações sociais através das práticas discursivas vivenciadas num mundo de
equidade social. Como aponta Moita Lopes (2002), ao mesmo tempo que
(re)construimos as identidades dos participantes discursivos, (re)reconstruimos a
nossa.
Desse modo procuramos observar como as formações de Ethos
apresentadas nas práticas discursivas dos/as alunos/as em sala de aula se
apresentava de acordo com essa busca de emancipação do sujeito. As reflexões
finais desse estudo apontam que oethos do politicamente correto muitas vezes está
camuflando um discurso de intolerância. No entanto, o Ethos do PC tem um limite
em relação às identidades sexuais, como vimos no trecho 4 do capitulo 3 (ver página
23). Segundo alguns depoimentos, é até "aceitável" a homossexualidade, porém, se
um homossexual do gênero masculino usar uma roupa, naturalizada como sendo do
gênero feminino, ou vice e versa, não é permitido.
A sala de aula ou o ambiente escolar é espaço de interação social cujas
práticas sócio-discursivas das identidades sexuais vão naturalizando a vivência de
uma identidade sexual, como já foi mencionado, a heterossexual. Como não há o
reconhecimento ou a não-aceitação da homossexualidade, especificamente, o/a
aluno/a que é identificado/a como sendo gay ou lésbica é ridicularizado/a, sofre
violência física e psicológica, que, muitas vezes, afasta esse/a aluno/a da escola.
A escamoteação do discurso preconceituoso em relação às identidades
sexuais, observada no Ethos do politicamente correto, pode ser um indicativo da
atuação dos sujeitos envolvidos na pesquisa em suas comunidades.
Concluímos que as análises descritas no capítulo 3 representam uma
amostra das possíveis práticas discursivas acerca das identidades de gênero e
sexual nas comunidades envolvidas na pesquisa. Isso caracteriza que essas
práticas se pautam pelo senso comum que, por sua vez, é vigiado pelas instituições,
e a elas respondem discursivamente.
ANEXO
ENTREVISTA COLETIVA