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Curso Básico de Teologia 2

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

AULA 1

ANJOS E DEMÔNIOS

αγγελoς = aggelos = anjo, mensageiro


Angelologia: aggelos (anjo) + logos (palavra, discurso) = estudo dos anjos.

1.1 Mensageiros

Existe uma ordem de seres celestiais, distintos dos humanos e de Deus, que ocupam uma
posiçãoexaltada, acima da posição atual da raça humana caída. Os anjos executam o
propósito daquelea quem eles servem: os santos anjos são mensageiros de seu Criador,
enquanto os anjos caídos são mensageiros de satanás, o “deus deste século”, a quem eles
escolheram servir [Chafer, 1976].

Em geral, os homens não se relacionam com os anjos ou mesmo possuem qualquer


consciênciada sua presença; entretanto, a Bíblia declara que os anjos não apenas nos
observam, mas além disso os anjos bons ministram em favor dos homens (Hb 1:14) e
os anjos maus fazem guerracontra aquilo no homem que é de Deus (Ef 6:12), podendo
inclusive inspirar falsas doutrinas(Gl 1:8; II Co 11:14; I Tm 4:1)1.

1.2 Fatos sobre os anjos

Apesar de serem servos (de Deus ou do diabo), os anjos não são robôs ou marionetes que
apenasrepetem o que lhes é ordenado. São seres inteligentes, com vontade própria
(veja o diálogode Jesus com os demônios do gadareno em Marcos 5). No passado, eles
tiveram seus próprios destinos em suas mãos e, por meio de seu livre arbítrio, muitos deles
escolheram seguir satanás em sua rebelião contra Deus e não guardaram o seu
principado, mas deixaram a sua própria habitação (Jd 1:6, II Pe 2:4). A seguir,
comentamos sobre os pontos básicos da angelologiaem uma adaptação do texto
clássico de [Chafer, 1976].
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1.2.1 Esferas angelicais


“E orou Eliseu, e disse: Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o
Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e
carros de fogo,em redor de Eliseu.”, II Re 6:17.

Muito se tem especulado sobre o local da habitação dos anjos, ou as “esferas


angelicais”. Como satanás é chamado de “príncipe das potestades do ar” (Ef 2:2),
muitos entendem quesua habitação é restrita à atmosfera terrestre. Outros entendem que
os anjos são o “exército doscéus” e que têm acesso a toda e qualquer parte do universo
criado. Jesus disse que eles estão no céu (Mc 13:32) e Paulo afirma que eles podem
vir do céu (Gl 1:8). O termo “céu” pode se referir tanto à atmosfera terrestre quanto ao
espaço sideral ou ao “terceiro céu”, onde estáo Trono de Deus. Eles podem estar à nossa
volta, mas não podemos percebê-los, assim como o servo de Eliseu no texto de II Re
6:17.

O livro de Jó esclarece algumas coisas a respeito das esferas angelicais:

1.2.1.1 Os anjos se apresentam diante de Deus, sendo chamados de “filhos de


Deus” (Jó 1:6);

• Satanás também tem acesso a Deus (Jó 1:6), onde nos acusa de dia e de noite
(Ap 12:10);

1.2.1.2 Satanás, e provavelmente seus anjos também, rodeia a terra e


passeia por ela (Jó 1:7);

1.2.1.3 Os anjos estavam com Deus quando Ele criou a Terra (Jó 38:4-7).

Uma concepção errônea das esferas angelicais é a ideia de que o diabo e seus anjos estão
hoje reinando no inferno. O diabo não está no inferno, está solto, andando em derredor,
bramando como leão e buscando a quem possa tragar (I Pe 5:8). Um dia, ele será lançado
no inferno com seus anjos, onde não irão reinar, mas serão atormentados de dia e de noite
para todo o sempre (Mt 25:41; Ap 20:10).
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1.2.2 Sobre homens e anjos


“Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o
visites? Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o
coroaste.”, Sl 8:4-5.

O texto acima afirma que os homens foram criados menores do que os anjos. Isto,
provavelmente, refere-se ao fato de que os anjos são maiores em poder (Gn 19:10-11),
mas aos homensé dito que foram criados “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1:26),
o que nunca foi ditocom relação aos anjos.

Algumas pessoas acham, devido a textos como Mt 22:30 e Mc 12:25, que quando
morrermos nos transformaremos em anjos. Esses textos apenas dizem que na
ressurreição não nos casaremos, assim como os anjos, mas isso não quer dizer que em
tudo seremos como os anjos. Os anjos são seres essencialmente espirituais que podem
assumir uma forma corpórea (Gn 19:1)ou possuir um corpo humano (Mc 5:2), ao passo
que os homens são essencialmente constituídosde corpo, alma e espírito (como veremos
no capítulo sobre antropologia). Os crentes em Jesus estão destinados a se tornarem
semelhantes a Ele, inclusive seu corpo (I Jo 3:2; I Co 15:45-49; Fp 3:21), logo, nosso
último estado será muito superior ao dos anjos. Também nos é dito que iremos julgar os
anjos (I Co 6:3).

Um fato curioso a respeito de anjos é que, ao que tudo indica, eles aprendem com os
homens,principalmente com relação ao plano de redenção. Note que os anjos que pecaram
e caíram nuncaforam e nunca serão salvos (II Pe 2:4; Jd 1:6; Hb 2:16). No entanto, a
igreja revela aos anjosa sabedoria de Deus na salvação dos homens (I Pe 1:12; Ef
3:10; Ef 2:7).

1.2.3 A criação e o modo de existência dos anjos


“Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e
invisíveis,sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades.
Tudo foi criado por ele e para ele.”, Cl 1:16.

O texto acima deixa claro que os anjos são seres criados por Cristo em algum
momento, que entendemos ser antes da criação do mundo (Jó 38:4-7). Como os anjos
não se reproduzem(Mt 22:30) e também não morrem, entendemos que o número total de
anjos (ou potestades e principados) é fixo e todos foram criados num momento no passado;
sua população não aumentanem diminui.
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Com relação à sua essência, os anjos são chamados de espíritos ministradores (Hb
1:14) e Jesus disse que “um espírito não tem carne nem ossos” (Lc 24:39). Entretanto,
isso não querdizer que eles não tenham uma aparência na esfera espiritual ou que seu
ser esteja “espalhado” em todo lugar. Essa declaração de Jesus pode significar que os
espíritos não possuem um corpo com a mesma constituição (carne e ossos) que o corpo
humano, mas podem ter outra espécie de corpo. Esse assunto é complexo e sujeito a
especulações. Por um lado, o corpo humano ressurreto é chamado de corpo espiritual
em I Co 15:44; por outro lado, esse corpo é diferente dosespíritos por ser constituído de
carne e ossos Lc 24:39. Mas, note que mesmo antes da ressurreição, Moisés apareceu
em forma corpórea perante os discípulos no monte da Transfiguração(Mt 17:3), assim
como anjos se manifestaram em forma corpórea diversas vezes. Portanto, os espíritos
parecem estar confinados a uma forma corpórea, sendo que os que ressuscitarão
receberão um novo corpo espiritual de carne e ossos, incorruptível.

Com relação à sua aparência, os anjos têm aparência humana. Baseado em Dn 9:21,
onde o anjo Gabriel aparece voando em direção a Daniel, eles têm sido, tradicionalmente,
representadoscom asas pelos artistas da Idade Média. É verdade que querubins (II Cr
3:11) e serafins (Is 6:2) possuem asas, assim como as mulheres da visão de Zc 5:9,
que possuíam asas como decegonhas. No entanto, isso não significa que todos os
anjos possuam asas. Certamente, os anjos que apareceram a Ló não possuíam asas,
pois foram confundidos com pessoas comuns pela população de Sodoma (Gn 19:5).

1.2.4 O poder dos anjos


“E vi um anjo forte...”, Ap 5:2a.
A Bíblia ilustra o poder dos anjos em diversas passagens. Dentre elas, podemos
destacarum anjo destruindo 70 mil pessoas do reino de Davi em 3 dias (II Sm 24:15-
16); um outro destruindo 185 mil guerreiros assírios em uma noite (II Re 19:35); outro
matando todos os primogênitos do Egito em uma noite (Ex 12, embora o texto não
mencione, explicitamente, um anjo). No Apocalipse, vemos os anjos como ministros da ira
de Deus sobre a terra por meio de diversas catástrofes. Alguns deles são responsáveis
pelo fogo (Ap 14:18) e pela água (Ap 16:5).

Alguns versos bíblicos dão a entender que existe diferença de força ou poder entre
diferentesanjos (Dn 10:13). A Bíblia não nos revela como isso ocorre, mas de alguma
maneira isso influencia na batalha angelical que ocorre nas regiões celestiais. Em última
análise, são o poder e a autoridade de Deus que determinam a vitória na batalha
espiritual, de forma que às vezesnem mesmo um arcanjo ousa repreender diretamente a
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satanás (Jd 1:9), e em outra ocasião, um simples anjo pode prendê-lo por mil anos
(Ap 20:1-2).

Só Deus conhece o coração dos homens (II Cr 6:30; Ap 2:23). O fato de Jesus
conheceros corações dos homens (Mt 9:3,4) é mais uma prova de que Ele é Deus.

1.2.5 A classificação dos anjos


1. Governantes: os termos tronos, dominações, principados e potestades parecem ser
usados em Cl 1:16 para se referir a tipos ou patentes de anjos, assim como Ef
6:12. Sendo assim, tais termos designam níveis de hierarquia e autoridade entre os
seres angelicais. Alguns teólogos têm sugerido que existem potestades
encarregadas do governo de cada uma das nações da terra, com base em (Dn
10:13,20). Tem havido muito interesse em batalha espiritual recentemente e,
certamente, a batalha espiritual é uma revelação bíblica e devemos estar conscientes
dela e nos preparar de acordo com Ef 6:11-18. Entretanto, muito do que tem sido
ensinado sobre esse assunto vai além do que está escrito, baseando- se
primeiramente em experiências pessoais de conversas com endemoniados. Por
exemplo, não há instrução ou exemplo bíblico que justifique orar contra certos
demônios pelo nome ou invocá-los para uma batalha sem que eles tenham se
manifestado. Claramente, Daniel não sabia nada sobre o conflito entre os anjos de
Miguel e os do Príncipe da Pérsia.
2. Eleitos: I Tm 5:21 menciona os anjos eleitos, ou seja, aqueles que permaneceram
fieis ao Senhor desde o princípio. O termo eleitos invoca a soberania de Deus sobre
o destino devtais anjos e pode ser usado em comparação com a eleição dos homens.

3. Querubins: mencionado pela primeira vez defendendo o jardim do Éden após a


queda do homem para mantê-lo afastado da árvore da vida (Gn 3:24). A cortina do
tabernáculo, queseparava as pessoas comuns da presença de Deus, era ornada com
figuras de querubins (Ex 26:1). Imagens de querubins de ouro se prostravam e cobriam
com suas asas o propiciatórioda arca da aliança (Ex 25:20). Por essas razões, eles
são tidos como guardiões, ideia que é reforçada com o texto de Ez 28:14, que parece
referir-se a satanás antes de sua queda. No livro de Ezequiel eles também são
chamados de seres viventes e são descritos com 4faces: a de um leão, de um boi,
de um homem e de uma águia (Ez 1:3-28; 10:1-22). Este simbolismo os relaciona
diretamente com os seres viventes vistos por João (Ap 4:6-5:14).

4. Serafins: este nome só aparece em Is 6:1-3, onde são descritos como seres com 6
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asas que adoram na presença de Deus incessantemente. Essa descrição tem levado
muitos a considerarem os seres viventes de Ap 4:8 como sendo serafins.

5. Nomes de anjos mencionados na Bíblia:

• Lúcifer: esta palavra não se encontra nas línguas originais da Bíblia, sendo
usada em Is 14:12 na Vulgata, uma tradução da Bíblia para o latim. Significa
portador de luz e refere-se à estrela da manhã, ou estrela da alva, que hoje
sabemos ser oplaneta Vênus. O nome é usado metaforicamente em relação
ao rei da Babilônia e,supostamente, também em relação ao diabo antes
de sua queda.
• Miguel: em Dn 12:1 ele é chamado de grande príncipe, que se levanta em favor
de seu povo (Israel). Em Jd 1:9 ele é chamado de arcanjo, enquanto contendia
com o diabo pelo corpo de Moisés. Em Ap 12:7-12 ele é visto como líder dos
anjos de Deus em uma batalha contra satanás. Sua voz será ouvida quando
Cristo vier arrebatarSua Igreja (I Ts 4:16). Seu nome significa “quem é como
Deus?”. Ao que parece,não existe nenhum outro arcanjo além dele.
• Gabriel: seu nome significa “o poderoso”; aparece na Bíblia trazendo
mensagens a Daniel (Dn 8:15-27; 9:20-27), a Zacarias e à virgem Maria
(Lc 1:26-33).
• Rafael, Uriel e Jeremiel: não existem na Bíblia, sendo mencionados
apenas em livros apócrifos.

1.2.6 O ministério dos anjos


“Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor
daquelesque hão de herdar a salvação?”, Hb 1:14.

Algumas ministrações específicas dos anjos mencionadas nas Escrituras são:

1.2.6.1 Gn 18:1-2 - anjos visitaram Abraão para avisá-lo da destruição de


Sodoma e Gomorra;

• At 7:38,53; Gl 3:19; Hb 2:2 - A Lei foi dada a Moisés por anjos;


Apesar de que Deus deu a Lei a Moisés, Moisés e os anjos se postaram entre Deus e
os Israelitas na mediação da lei (Dt 33:2; Sl 68:17) [Constable, 2013]. Muitos acham
que foram anjos que entregaram as centenas de mandamentos a Moisés.
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anjos anunciaram o nascimento de Jesus Mt 1-2, Sua ressurreição (Mt 22:2-7) e


• ascensão(At 1:10-11);

• anjos serviram Jesus na tentação do deserto (Mt 4:11) e um anjo o fortaleceu no


Getsê-mani (Lc 22:43);

1.2.6.2 Lc 16:22 - anjos transportam uma alma para “o além”;

1.2.6.3 At 5:19; 12:7 - anjos livram os apóstolos da prisão;

1.2.6.4 At 8:26; 10:3; 27:23 - anjos trazem mensagens;

• No apocalipse, anjos são instrumentos de anúncio e execução dos juízos de Deus


sobre aterra.

Outro ministério dos anjos é a adoração a Deus, que já foi mencionada em seções
acima.

1.3 A queda

Assim como o homem, os anjos um dia tiveram que se deparar com uma decisão
moral, queocorre quando agentes morais livres confrontam questões sobre o bem e
o mal. O mal teve início com a queda de um anjo, que foi seguida pela queda de uma
multidão de outros anjos(Ap 12:4). A mesma queda foi protagonizada pelo primeiro
homem e transmitida à sua raçana forma de uma natureza depravada. Vemos que o
primeiro homem pecou sob a tentação do primeiro anjo que caiu e que a multidão de anjos
pecou sob a influência daquele mesmo pecadororiginal. Mas é muito difícil compreender
a razão porque um anjo de luz, que ministrava na presença imediata de Deus e que
deveria saber a diferença entre certo e errado, tenha escolhidoas trevas sem a ação de
qualquer tentador externo. Como alguém pode explicar o nascimento do mal no coração
de um ser moralmente bom? Este é um problema que os teólogos nuncaforam capazes
de resolver. Permanecer com Deus teria sido sanidade angelical; se apartar dEle foi
insanidade, mas uma insanidade responsável por seus atos. O pecado não tem lugar
na constituição e no status de um anjo não caído. Sua presença significa iniquidade
e ausência de razão. Os anjos (assim como os homens) foram criados para terem suas
vidas centradas em Deus. Tornar-se centrado em si mesmo é uma contradição da lei
básica da existência da criatura.

Assim como na queda do homem, é imperativo reconhecer certas verdades absolutas


quandose aborda o problema da queda dos anjos:
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1. Deus é santo e não instigou o pecado dos anjos;

2. apesar disso, a queda dos anjos já estava antecipada desde a eternidade;

3. os anjos tinham a liberdade de permanecer ou abandonar o estado santo em


que foram criados;

4. cada anjo que caiu, caiu individualmente por sua própria escolha, ao contrário dos
homens,que já nascem caídos por causa da queda de seu cabeça, Adão.

Os decretos de Deus anteciparam tudo que haveria de acontecer; porém, o pecado se


originounão do decreto divino, mas no livre arbítrio do pecador. O pecado não estava
na constituiçãodas criaturas, caso contrário, todos os anjos teriam pecado [Chafer,
1976].

1.4 Satanás

Assim como existe um arcanjo dentre os santos anjos (Miguel), existe um arcanjo dentre os
anjoscaídos. Ele é chamado de diversos nomes na Bíblia:

1. Satanás: usado pela primeira vez em I Cr 21:1, significa adversário e tem origem
hebraica(satan);

2. Diabo: usado pela primeira vez em Mt 4:1, significa acusador ou caluniador e tem
origem grega (diabolos);

3. Antiga Serpente: o livro de Gênesis nunca menciona que a serpente era


satanás, masisso é claramente perceptível neste nome usado em Apocalipse Ap
12:9; 20:2.

4. Lúcifer: significa portador de luz; embora alguns contestem, parece ser o nome de
Satanásantes de sua queda (Is 14:12);

5. Dragão: usado várias vezes no Apocalipse, e. g. Ap 12:3,4, denota sua força e


fúria;

6. Leão: usado em I Pe 5:8, retratando a ferocidade com que o diabo ataca os


crentes;

7. Belial: usado tanto no Velho (Dt 13:13) quanto no Novo (II Co 6:15)
Testamentos, tem origem hebraica e significa imprestável ou perverso,
maligno;
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8. Maligno: semelhante ao nome anterior, mas com origem grega (Mt 13:19);

9. Príncipe deste mundo: Jo 12:31 denota seu governo sobre o sistema do mundo
caído;

10. Deus deste século: II Co 4:4, semelhante ao nome anterior;

11. Príncipe das potestades do ar: Ef 2:2, denota seu governo sobre os anjos caídos,
que estão nos ares.

12. Belzebu: nome de origem aramaica, significa senhor da casa e era usado pelos
judeus para se referir ao príncipe dos demônios (Mt 12:24);

13. Pai da mentira: nome usado por Jesus em Jo 8:44. Certamente ele foi o
primeiro a mentir, seja para Eva, quando disse que esta não morreria se
comesse do fruto, ou possivelmente antes disso, quando seduziu os anjos na
rebelião celestial. Há quem afirme que Satanás não é capaz de criar nada, mas ele
certamente é criativo em suas mentiras.

14. Tentador: usado em Mt 4:3, sobre a tentação de Cristo e em I Ts 3:5, sobre a


tentaçãodos cristãos.

1.4.1 A carreira de Satanás


Sua criação, estado original e queda
A passagem central sobre esses aspectos da carreira de Satanás é Ez 28:11-19. Embora
alguns teólogos achem que o texto refere-se exclusivamente ao rei de Tiro, é mais
sensato assumir que a passagem possui um duplo sentido, onde a linguagem é
figuradamente aplicada ao rei de Tiro e literalmente a Satanás. Uma forma de expressão
similar a essa é encontrada nos Salmos Messiânicos, onde a linguagem é aplicada
simbolicamente ao rei Davi, mas literalmente ao Rei dos Reis (confira os Salmos 2; 16:10;
22, 34:20, 110, 118 e a forma como eles são citados noNovo Testamento).

Assumindo que o texto refere-se a Satanás, algumas informações podem ser extraídas
sobre seu estado original:

1.4.1.1 Ele foi criado cheio de sabedoria e formosura (v. 12);


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Ele esteve no jardim do Éden (v. 13). Se isso se refere ao jardim original nos céus

ou sua cópia na terra, pouco importa. Satanás esteve em ambos, mas o rei de
Tiro não esteveem nenhum deles;

• A presença de instrumentos musicais em si (v. 13) indicam que ele existe para
adorar aDeus;

1.4.1.2 Ele não é eterno como Deus, mas foi criado (v. 13, 15);

1.4.1.3 Ele era um querubim, criado para proteger a glória de Deus;

• Ele foi criado perfeito (sem pecado), até que Deus descobriu o pecado em seu
coração (v. 15);

• Seu pecado é identificado como “comércio”. A palavra pode indicar comércio,


tráfico outroca. Alguns têm sugerido que isso se refere a Satanás tentando negociar
com anjos para que se aliassem a ele [Chafer, 1976].

1.4.1.4 O pecado original é, na verdade, o orgulho ou soberba (veja I Tm 3:6);

• Os versos 16 a 19 provavelmente se referem ao castigo passado, presente e


futuro desatanás.

Com relação ao castigo futuro de Deus sobre Satanás, uma descrição mais detalhada
é dada em Is 14:12-17, que é um texto inicialmente direcionado ao rei da Babilônia.
Note que o textoenfatiza que o inimigo de Israel aqui queria ser como o Altíssimo e ter um
trono para si e governarsobre os outros anjos (as estrelas de Deus). Este continua
sendo o desejo de Satanás, comoexposto na tentação de Jesus. Ele conseguiu parcial e
temporariamente seu objetivo, reinando sobre homens e anjos não-eleitos.

Embora Satanás tenha perdido sua posição de querubim perante Deus, ele ainda tem
acesso à Sua presença. Futuramente, ele será definitivamente expulso dessas esferas e
lançado na terra (Ap 12:7-9). Alguns acham que é sobre essa queda futura que Jesus
se referiu em Lc 10:18.

1.5 Demonologia

As Escrituras revelam que Satanás é o príncipe de dois reinos, o cosmos e o reino dos
demônios (Mt 12:22-30), que se aliaram a ele quando abandonaram seu estado
original (II Pe 2:4; Jd 1:6). Satanás não é onipresente, mas por meio de seus demônios
sua ação está presente emtodo o mundo; ele não é onisciente, mas por meio de seus
demônios ele pode ter informação de tudo o que se passa no mundo; ele não é
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onipotente, mas por meio de seus demônios ele tem seu poder imensuravelmente
aumentado. Já comentamos muito sobre os demônios nas seções anteriores e
completamos, a seguir, com algumas observações próprias deste grupo de espíritos.

1.5.1 A origem dos demônios


Algumas sugestões têm sido feitas para explicar a origem dos demônios [Ryrie, 2004]:

1. Espíritos de pessoas más que morreram (encostos): Não tem base


bíblica, pois a Bíblia mostra os mortos não-salvos como presos em lugares de
tormento, incapazes de voltar à terra (Sl 9:17; Lc16:23; Ap 20:13).

2. Espíritos desencarnados de uma raça pré-adâmica: aqui, supõe-se que Satanás


era um governante em uma terra perfeita e uma raça pré-adâmica. Quando
Satanás pecou,essa raça também caiu; eles perderam seus corpos e passaram a ser
espíritos desencarnados, ou demônios. Esta posição não tem base bíblica. Note
que Jesus disse que Adão foi o primeiro homem (Mt 19:4).

3. Filhos de anjos com mulheres antes do dilúvio (Gn 6:1-4): esta posição assume
que os filhos de Deus em Gn 6:1-4 são anjos que se casaram com mulheres e seus
descendentes não foram humanos. Tais descendentes teriam morrido no dilúvio e seus
espíritos tornaram- se demônios. Embora seja possível buscar base bíblica para
afirmar que os filhos de Deus eram anjos, não há base para se afirmar que seus
filhos não eram humanos. Tudo issose torna mais confuso quando notamos que
os anjos dos céus não se casam (Mt 22:30). Alguns sugerem que tais anjos caíram
para poderem se casar, mas isso é especulação.

4. Anjos caídos: este ponto de vista afirma que os demônios, ou espíritos


imundos, sãoanjos que se rebelaram junto com Satanás. Embora a Bíblia não afirme
que os demônios são anjos caídos, esta parece ser a melhor explicação.

1.5.2 A habitação dos demônios


A Bíblia deixa claro que existem duas classes de anjos caídos, os que estão soltos (Ef
6:11,12)e os que estão presos. Dentre os últimos, alguns estão presos até o dia do
juízo num lugar chamado Tartarus5 (II Pe 2:4; Jd 6). Outros estão presos
temporariamente no abismo até o momento em que serão soltos durante a Grande
Tribulação (Lc 8:31; Ap 9:1-3,11).
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Por que alguns anjos estão no Tártaro e outros estão soltos? Alguns sugerem que os
anjos presos são aqueles que coabitaram com mulheres em Gn 6:2-4, se de fato os filhos
de Deus ali significam anjos.
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AULA 2

O HOMEM

ανθρωπoς = antropos = humano


Antropologia: antropos (humano) + logos (palavra, discurso) = estudo do ser humano.

2.1 Ciência ou fé?

A antropologia pode ser estudada por duas abordagens distintas e complementares ou,
possivelmente, contraditórias. Academicamente, costuma-se estudar as origens do
homem do ponto de vista científico, com base em estudos de fósseis antigos, inscrições
em cavernas e por meio de filosofia humana, desconsiderando-se totalmente a revelação
divina. Teologicamente, usa-se a Bíblia como fonte autoritária para a verdade sobre as
origens, sendo que as informações científicas só são utilizadas quando estão de acordo
com o texto Bíblico ou como forma de apoio nainterpretação de tais textos.

De maneira geral, a visão de mundo Bíblica difere daquela apresentada pela


maioria dos cientistas, tanto astrônomos quanto biólogos, geólogos, paleontólogos, etc.
Será possível que estão todos errados em suas pesquisas? Será que a Bíblia é só um
livro escrito por homens,baseado em relatos antigos, lendas e mitos? É claro que não
cremos nisto, mesmo porque, Jesus acreditava plenamente no Gênesis e até fez
menção de textos referentes a Adão, Eva e Abel(Mc 10:6-8, Mt 23:35). Mas, então,
como responder à avalanche de evidências científicas que parecem contradizer a
Bíblia?
Costuma-se dizer que a Bíblia propriamente interpretada e a ciência comprovada nunca
irão se contradizer. Isto é verdade, mas existe uma dificuldade nesta afirmação: como você
vai provar algo cientificamente além de qualquer dúvida razoável? Além disso, a fé
explica quem criou o universo e porque estamos aqui; a ciência, por outro lado, tenta
explicar como as coisas surgiram,sem se preocupar com o sentido da vida. Logo, a fé
precisa ensinar que Deus interfere na criaçãopor meio de milagres que desafiam as leis
naturais, só não sabemos exatamente quando e onde isto aconteceu. Por exemplo, que
partes do mundo ou do universo foram criadas por Deus apartir do nada e que partes
se formaram por causas naturais? Por outro lado, a ciência não pode se utilizar de
explicações que se baseiam em milagres que vão contra as leis naturais, pois se elafizer
isto não vai obter as respostas que está procurando. Por exemplo, se eu, como
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cientista, estou procurando descobrir como são formadas as estrelas, não posso
simplesmente dizer: Deus criou as estrelas. Esta resposta é perfeitamente aceitável do
ponto de vista da religião, mas para a ciência, ela não acrescenta muita coisa. Eu não
aprendo nada sobre a física das estrelas com esta resposta. A pergunta permanece:
como Ele criou as estrelas? Resposta: "Criou pela Sua palavra, ora". Sim, mas depois
que Ele falou, o que aconteceu? Elas apareceram do nada jáprontas ou se formaram
a partir da matéria que Ele havia criado no instante inicial? Existe ummecanismo físico,
com leis naturais que Ele criou para que elas se formassem? Para descobrir a resposta,
tenho que supor que este mecanismo existe, não dizer simplesmente: foi um milagre. É
verdade que foi milagre, mas como foi feito?

Percebe-se que a ciência e a fé podem atuar juntas, mas possuem objetivos distintos.
Não deveríamos tratar a investigação científica como se fosse uma ameaça, nem a
ignorância comose fosse uma virtude. A ciência é uma ameaça nas mãos de homens
incrédulos que a usam para negar o Criador. Nas mãos de servos de Deus, deveria ser
usada para glorificar o Criador. Oinimigo não é a ciência, mas o mal uso dela. Ciência
e fé precisam fazer as pazes, pelo menosna cabeça dos crentes. O mundo nunca vai
aceitar a autoridade da Bíblia, mas nós podemos ser crentes e cientistas sem comprometer
nossos valores e convicções. Haverá momentos em que será necessário rejeitar as teorias
científicas por estarem em clara contradição com o relato Bíblico,mas não podemos nos
precipitar em nossas conclusões para não cairmos em erro [Rempel, 2014].

2.2 Gênesis

Vou começar a discutir algumas possíveis interpretações para os primeiros dois capítulos
de Gênesis e como eles devem ser aceitos, apesar dos ataques da ciência secular.
Minha intençãoaqui não é apresentar bases científicas para o texto, apesar de que
faremos um pouco disto.Também não tenho a pretensão de apresentar a interpretação
definitiva do texto, pois foi escritoem uma linguagem simples e com poucos detalhes. Vou
fazer apenas um apanhado geral das teorias e deixar o veredito com o leitor. Tenho ouvido
de pessoas que abandonaram a fé cristã que professavam por causa de dúvidas quanto à
coerência científica da Bíblia, mas também de outros (biólogos e astrônomos) que eram
ateus e se tornaram Cristãos após estudarem o livrode Gênesis. No final das contas, a
pessoa crê se tiver fé e endurece o coração se não tiver. E sem fé é impossível
agradar a Deus.
Curso Básico de Teologia 16

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Primeiro, vou resumir o modelo mais aceito hoje pelos cosmólogos, conforme
apresentado por Malcolm Longair, ex-professor de Física da Universidade de
Cambridge.

2.2.1 Big Bang, modelo padrão


Até onde se pode observar, o universo encontra-se em expansão, com as galáxias
afastando-se umas das outras, sendo que a velocidade com que uma galáxia se afasta da
nossa é proporcionalà sua distância (Lei de Hubble). Segundo esta teoria, se pudéssemos
viajar ao passado, veríamoso universo se comprimindo cada vez mais, com o espaço se
reduzindo até chegar a um ponto,antes do qual o tempo e o espaço simplesmente não
existem. Este ponto, chamado de singu-laridade, é onde o tempo e o espaço começam.
No modelo padrão do big bang, admite-se que houve um início, mas não se sabe o que
havia no instante zero, apenas tentam entender o que aconteceu logo após este
instante e daí em diante.

No início, há aproximadamente 13,7 bilhões de anos, a maior parte da massa do


universo se encontrava na forma de radiação. A altíssima temperatura da radiação impedia
que as partículas elementares se associassem para criar os núcleos dos átomos que
compõem a matéria comum. Assim, radiação e matéria estavam fortemente ligadas em
uma "sopa primordial". Quando ouniverso se expandiu, a temperatura começou a cair.
A queda de temperatura permitiu a as- sociação de partículas elementares para a
formação de outras partículas. Algumas centenas de milhares de anos depois, a
temperatura caiu para 4000K e prótons e elétrons puderam se ligar para formar os
primeiros átomos de hidrogênio e hélio. Nesta época, a matéria se separou daluz (ou
seja, da radiação).

Algumas centenas de milhões de anos se passaram até que a atração


gravitacional entre partículas em nuvens moleculares foi capaz de gerar as primeiras
estrelas. O interior das estrelas funciona como “fornos” para a produção de elementos
pesados como carbono e ferro através de fusões nucleares. Quando o combustível
necessário às reações nucleares se esgota, o interior da estrela sofre um colapso
catastrófico devido à gravidade, e o processo pode gerar uma imensa explosão que expele
os elementos pesados no espaço (esta é a chamada “poeira de estrelas”). No lugar da
estrela morta, pode surgir um outro tipo de estrela ou um buraco negro. A Terra teriase
formado há 4 bilhões de anos, contendo elementos pesados provenientes da poeira de
estrelas.
Curso Básico de Teologia 17

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

2.2.2 Interpretação 1: Estritamente literal


No princípio, Deus criou os céus e a terra. Os céus não possuíam estrelas e a terra
era sem forma e vazia. Após isto, Deus criou a luz e o firmamento, modelou a terra,
criou os animais,colocou as estrelas e a lua no firmamento e criou o homem. Tudo isto
em 6 dias de 24 horas,há aproximadamente seis mil anos.

Uma visão estritamente literal de Gênesis 1 sugere que esta seria a interpretação
correta.Aliás, para os que levam a Bíblia a sério, pode parecer a única interpretação
aceitável e quequalquer outra interpretação seria heresia e que outras posições estariam
comprometendo a inspiração e a inerrância das Escrituras. No entanto, muitas
perguntas levantadas pelo textopermanecem em discussão, gerando interpretações
alternativas. Por exemplo,

2.2.2.1 Se os céus foram criados no princípio mas não tinham astros, o que
havia neles?

• No primeiro dia da criação, Deus criou a luz, fez separação entre luz e trevas, e
chamouà luz Dia (Gn 1:3-5) e às trevas Noite. Que luz era esta que governava
o dia se o sol
só apareceu no quarto dia de criação (Gn 1:14-19)? Além disso, por que Deus
criou novamente os luminares no quarto dia e fez, de novo, separação entre o
dia (luz) e a noite (trevas)? Curiosidade: assim como em português, a palavra em
hebraico traduzida como “luz” (’owr) no primeiro dia tem a mesma raiz da palavra
traduzida como “luminar” (ma’owr) no quarto dia. O que aconteceu com a luz
do dia 1?

• Antes da queda, o mundo inteiro era um paraíso ou somente o jardim do Éden


era um paraíso?

• Antes da queda os animais eram todos herbívoros no planeta inteiro ou só no


jardim doÉden?

2.2.2.2 Antes da queda todos os animais eram imortais ou só o homem era


imortal?

• Após a queda, a terra parece ter ficado menos produtiva e cheia de espinhos e cardos
(Gn 3:18-19). O que mais aconteceu? Por que a “criação geme” aguardando a
“manifestação dos filhos de Deus” (Rm 8:19-22)?
Curso Básico de Teologia 18

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

No dia 6 Deus criou o homem, “homem e mulher os criou”. Portanto, Deus criou

Adão e Eva no sexto dia. Mas, segundo Gênesis capítulo 2, algumas coisas
aconteceram neste sexto dia entre a criação de Adão e a criação de Eva:

2.2.2.2.1 Deus plantou um jardim no Éden (Gn 2:8);


2.2.2.2.2 Deus fez as árvores do jardim brotarem da terra (Gn 2:9). Note que nos versos
5 e 6 de Gn 2 as árvores não tinham nascido ainda, pois não havia chuva nem
homempara lavrar a terra e uma neblina regava a terra. Isto indica que as árvores
brotaram e cresceram por processos naturais, o que leva tempo;
2.2.2.2.3 Deus tomou o homem e o colocou no jardim (Gn 2:15);
2.2.2.2.4 Deus trouxe todas as aves e todo animal do campo a Adão e este deu nome
a elestodos (Gn 2:19-20);
2.2.2.2.5 Deus colocou Adão para dormir, tomou uma costela dele e formou uma
mulher (Gn 2:21-22). Tudo isso ocorreu em um dia de 24 horas ou o tempo
foi mais longo?
2.2.2.2.6 Como é possível explicar o registro fóssil de dinossauros e outras criaturas
extintascom base em uma terra com cerca de seis mil anos?

Existem respostas para todas estas perguntas, mas não creio que alguém seja
tamanha au- toridade nas Escrituras para garantir o significado de tudo isso e achar que
quem pensa diferenteestá sendo herege. Eu mesmo tenho teorias para explicar cada uma
das questões que levantei, mas não sou autoridade para pregar isto como se fosse
verdade. Devemos admitir nossa ignorân-cia a respeito de muitas coisas nos primeiros
capítulos de Gênesis, pois o texto é curto, simplese adaptado à linguagem e conceitos
do homem da época.

Algumas vezes, aparentes contradições entre os capítulos 1 e 2 de Gênesis podem


ser resolvidas admitindo-se que as palavras podem ter mais de um significado. Por
exemplo, em Gn1, temos a criação de toda “erva verde, erva que dê semente, árvore
frutífera” no terceiro dia(Gn 1:11-13), antes da criação do homem. Já em Gn 2:5-9
está escrito que antes da criação do homem “toda a planta do campo...ainda não
estava na terra, e toda a erva do campo ...

ainda não brotava; porque ainda o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra, e não
haviahomem para lavrar a terra.” Depois, Deus cria Adão, planta um jardim e põe o
homem lá parao lavrar e o guardar (Gn 2:15). Então, quem veio primeiro, o homem
ou as plantas? Algunstentam resolver este impasse dizendo que as plantas mencionadas
Curso Básico de Teologia 19

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

em Gn 2 são de outra espécieque as de Gn 1. Outros dizem que Gn 2 está ligeiramente


fora de sequência e que o jardim foi plantado antes da criação do homem. Outros
preferem a seguinte explicação:

Em hebraico, assim como em português, a palavra “terra” (erets) pode significar o


“planeta terra”, “o pó da terra” ou uma região geográfica, como a “terra de Israel”. Sendo
assim, alguns acham que é possível que o significado da palavra terra em Gn 2 tenha
sentido diferente do que em Gn 1. Por exemplo:

2.2.2.3 Gn 2:4: erets = planeta terra

2.2.2.4 Gn 2:5-6: erets = terra da Mesopotâmia (Éden)

2.2.2.5 Gn 2:7: erets = pó da terra

Assim, em Gn 1 Deus descreve a criação do planeta terra, ao passo que em Gn 2:5-


25 Deus descreve a criação do jardim do Éden na terra da Mesopotâmia. Então, Deus
criou as plantasdo planeta terra (no terceiro dia) antes de criar o homem do pó da terra
(no sexto dia). Depois, Deus plantou um jardim na terra (da Mesopotâmia) e colocou o
homem lá (ainda no sexto dia).

Ainda com relação a diferentes significados para a mesma palavra, em hebraico, o


termo “dia” (yom) pode significar um período de 24 horas (Ex 16:26), somente o
período do dia em que o sol brilha (Gn 1:16; 31:40), a própria luz do dia (Gn 1:5), um
período de tempo indefinido (Gn 2:4) ou o momento ou data de um evento marcante (Nm
25:18; Is 13:9). Será possível que os dias de Gn 1 podem representar um período de
tempo maior do que 24 horas?O fato de Gn 1 usar a descrição “tarde” e “manhã” para os
seis primeiros dias sugere dias de 24 horas, assim como a comparação com os dias da
semana (Ex 20:11). Mas será que é heresia pensar que isto seja apenas uma
comparação simbólica, expressando sete etapas em que Deus efetuou atos de criação?
Por que o sábado de Gn 1 não tem tarde e manhã? Deus ainda estádescansando da
criação? Em caso afirmativo, o sétimo dia ainda não acabou e, portanto, tevemais de
24 horas?

Apesar de a Bíblia não nos informar a idade do Universo ou da Terra, uma leitura
direta deGênesis sugere um universo criado há poucos milhares de anos. Por outro
lado, mesmo com uma leitura direta, muitas questões permanecem em aberto e
qualquer tentativa de resposta deve recorrer a especulações sobre o que não está
explícito no texto. Além disso, existem fortes evidências científicas que apontam para
um universo com alguns bilhões de anos. É descorfortável a ideia de se reinterpretar o
Curso Básico de Teologia 20

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

primeiro capítulo de Gênesis à luz de descobertas da ciência moderna. Afinal de contas,


não queremos que cientistas incrédulos nos digam como interpretar a Palavra de Deus.
Entretanto, devemos admitir que isto tem acontecido periodicamente ao longo da história,
especificamente com relação a passagens que descrevem como a natureza funciona
(nunca com relação às doutrinas cardinais do Cristianismo). Por exemplo, a interpretação
de que o firmamento é uma abóbada sólida sustentada por colunas (Jó 26:11) onde
os astros estãopresos (Gn 1:17) foi abandonada com o tempo; a interpretação de que a
terra está sustentada por colunas (Jó 9:6) foi abandonada com o tempo; a interpretação
de que o sol e as estrelas giram em torno da terra (Js 10:13) foi abandonada com o
tempo. Por causa de observaçõescientíficas, concluímos que tais textos usam uma
linguagem “acomodada” ou adaptada ao en- tendimento científico dos homens da
época. Deus não teve a intenção de ensinar mecânica celeste aos povos antigos.
Será que o mesmo não poderia se aplicar aos dias de Gênesis 1?Afinal, se hoje eu
não consigo conceber o que são 1 bilhão de anos, como Moisés poderia ter entendido
isso se Deus tivesse descrito a criação dessa maneira? Não sei nem se eles tinham um
número para descrever uma quantidade tão grande no hebraico antigo.

Essas dúvidas não são necessariamente irrespondíveis e não invalidam esta


interpretação, maseu acho que é importante conhecer outras interpretações.

2.2.3 Interpretação 2 - A Lenda


O céu, ou firmamento, é uma abóbada rígida onde as estrelas estão presas? Existe água
acima deste firmamento? A água escorre por buraquinhos no firmamento quando
chove? Assim já édemais, isto só pode ser uma lenda! Assim é que alguns teólogos
liberais enxergam o relatoBíblico. Acham que os hebreus apenas copiaram lendas pagãs
sobre a criação, o texto não tem nada de inspirado. Esta interpretação não pode ser
aceita por cristãos verdadeiros.

2.2.4 Interpretação 3 - Parábola


Semelhante à anterior, acha que o relato é apenas uma parábola para dar alguma lição
espiritual(separação entre luz e trevas, ordem a partir do caos, Deus criou tudo com um
propósito, etc.). Defensores desta posição creem que o texto é inspirado, mas não tem
nada de científico e não serve para saber como Deus criou o mundo. Alguns comentaristas
defendem que Deus usou as crenças da época apenas para ensinar os hebreus que Ele
criou todas as coisas. Assim, se aspessoas acreditavam que o céu era rígido e tinha
um reservatório de água além das estrelas,Deus não as corrigiu, apenas disse: “fui eu
Curso Básico de Teologia 21

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

que fiz isto”. O problema desta interpretação é que parece transformar Deus em
cúmplice de uma mentira.

2.2.5 Interpretação 4 - Intervalo


Na teoria do intervalo (“gap theory”), existe um período de tempo indeterminado entre
Gn 1:1 e Gn 1:2. Há bilhões de anos atrás, Deus teria criado os céus e a terra, com
dinossauros e outras criaturas. Mas um evento catastrófico destruiu o planeta e a terra
ficou sem forma e vazia. Deus, então, iniciou o processo de re-criação em seis dias a
partir do verso 3. Isto possibilita queo texto seja interpretado literalmente e ainda assim
permite que a Terra tenha bilhões de anos, explicando o registro fóssil como dizem a
maioria dos cientistas. Esta teoria foi muito popularno século XX, mas parece que
perdeu fôlego com o passar dos anos.

2.2.6 Interpretação 5 - Dias “FIAT”


“Fiat” é uma palavra em latim que significa “haja”. Assim, “Fiat lux” significa
“haja luz”. Segundo a teoria dos dias fiat, Gênesis 1 é inspirado por Deus, mas não
descreve a duração nema ordem dos eventos da criação no referencial da terra, mas
sim do céu. Explicando melhor, otexto descreve o que se passa no céu, onde Deus
declara “haja...” durante seis dias celestiais(seja lá o que isto signifique). Assim, no
primeiro dia, Deus disse “Fiat lux” e ficou decretado que haveria luz no universo. As
coisas não são formadas aqui na terra necessariamente no mesmo instante nem na
mesma ordem em que foram declaradas por Deus, pois o texto refere-seao tempo celestial
e não terrestre. Assim, quando Ele diz no quarto dia “Haja luminares na expansão dos
céus”, não quer dizer que as estrelas foram formadas depois da terra. Apenas sua criação
foi ordenada por Deus no quarto dia celestial. Quando isto se cumpriu, não é importante.
Não sei se expliquei de maneira clara, mas acho que vocês pegaram a ideia.

2.2.7 Interpretação 6 – Dias relativos


Esta teoria foi apresentada pelo Dr. Russell Humphreys no livro “Starlight and time” (“A
luz das estrelas e o tempo”) e concentra-se em responder à pergunta: “se o universo tem
apenas algunspoucos milhares de anos, como conseguimos enxergar a luz de estrelas que
se encontram a bilhõesde anos luz da terra?” O problema é que se a velocidade da luz é
constante, aproximadamente 300.000 km/s, deveria levar bilhões de anos para a luz
destas estrelas chegar até nós. Como conseguimos enxergá-las, isto quer dizer que o
universo tem bilhões de anos. Uma maneira de tentar resolver este problema, mantendo
a fé em um universo jovem, é dizer que a velocidadeda luz era mais rápida no início e
Curso Básico de Teologia 22

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

depois caiu bruscamente. Mas, a velocidade constante da luzé uma “vaca sagrada” da
ciência e não pode ser tocada. Outra tentativa, defendida pelo Dr.Humphreys, baseia-
se na teoria da relatividade de Einstein, que diz que o tempo é relativo epassa mais
rápida ou mais lentamente de acordo com o referencial onde é medido. Na teoriade
Humphreys, a Terra tem 6 mil anos e a fronteira final do universo tem bilhões de anos.
Se considerarmos o universo como um espaço tridimensional com a Terra
aproximadamente no centro, durante a criação um relógio localizado na terra teria marcado
seis dias, mas um relógio localizado na fronteira do universo teria marcado os bilhões de
anos necessários para a luz das estrelas mais distantes chegar até a terra no dia 4 da
criação. Esta teoria é pouco popular pois, obviamente, poucos são capazes de entendê-la
e só físicos experientes podem avaliar se o Dr. Humphreys cometeu erros ou não em
seus cálculos. De qualquer jeito, a teoria é fortementecriticada até mesmo por físicos
criacionistas.

2.2.8 Interpretação 7 - Dias longos


Existem várias versões que consideram que a palavra “dia” no capítulo 1 de Gênesis
refere-sea um longo período de tempo, que pode ter até milhões ou bilhões de anos.
Alguns aceitam a teoria da evolução das espécies de Darwin (Evolução Teísta) e
outros a rejeitam. Uma dasdificuldades da teoria dos dias longos é que é necessário que
haja mortes no mundo antes mesmoda formação e queda do homem, sendo que a Bíblia
diz que a morte entrou no mundo pelo pecado (Rm 5:12). A resposta é que a morte
HUMANA entrou no mundo pelo pecado, “a morte passou a todos os HOMENS por
isso que todos pecaram.”, mas nada impede que já houvesse morte de animais antes.
Com certeza já havia morte de plantas e frutas antes da queda, por que não de
animais? De qualquer jeito, o Éden seria um lugar especial na terra; como a maldição
pós-queda afetou o solo e a vida animal fora dele é assunto de especulação.

2.2.9 Conclusão
Todas estas teorias têm suas dificuldades e o modelo científico apresentado nas
universidades também tem. Questões ainda sem resposta permanecem e deveríamos ser
cautelosos antes de tirar conclusões definitivas sobre estes assuntos. A Bíblia é clara
sobre a vontade de Deus para o homem, mas não tem intenção de ensinar ciência e o
ensino sobre as origens foi dado em umalinguagem simples e com poucos detalhes, de
forma que pudesse ser compreendida por qualquer pessoa em qualquer época.
Simplesmente temos que admitir que não sabemos com certeza os detalhes de como foi
que Deus criou o universo e devemos ser cautelosos e não dogmáticosquanto a este
assunto, admitindo nossa ignorância na interpretação de partes deste texto e na
Curso Básico de Teologia 23

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

dificuldade científica de se reconstruir o passado com base em observações do presente.


Eu respeito quem tenta encontrar uma resposta que reconcilie a ciência e a fé, mas quando
a ciênciacolide com um ensino claro do texto, eu fico com a fé. No final, é bem possível que
simplesmentetenhamos que conviver com as dúvidas e caminhar pela fé.

2.3 A Criação do homem

2.3.1 A parte imaterial do homem


“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança”, Gn 1:26a.

Como já mencionamos, o homem é o único ser vivo racional e que cultua o Criador.
Alémdisso, é o único que tem uma mente criadora (que desenvolve tecnologia), domestica
(ou domina) os animais, possui consciência e uma alma eterna (sua parte imaterial).
Tudo isso pode ser associado ao fato de termos sido criados à imagem de Deus. O
significado preciso dos termos “imagem” e “semelhança” de Deus com relação à criação
do homem são motivo de muita especulação entre teólogos, mas parece ser seguro afirmar
que eles se referem ao fato de com- partilharmos, em certa medida, dos atributos de
Deus. Aquilo que Deus tinha em perfeição e infinitude, Adão e Eva tinham de maneira
limitada. Corrobora para esta interpretação o fato de que o homem, ao gerar um filho, o
faz à sua imagem e semelhança, ou seja, com os mesmosatributos, conforme vemos
em Gn 5:1-3, onde a geração de Adão e Eva por parte de Deus écomparada à geração
de Sete por Adão, “E Adão viveu cento e trinta anos, e gerou um filho à sua
semelhança, conforme a sua imagem, e pôs-lhe o nome de Sete”.

Esses traços da imagem de Deus foram distorcidos após a queda de Adão, mas não
apagados.A prova disso é que Deus diz que ainda somos a imagem de Deus (Gn 9:6; I
Co 11:7; Tg 3:9). A regeneração e a santificação servem para moldar o cristão de acordo
com a Pessoa de Cristo, à imagem de quem algum dia seremos perfeitamente
conformados (Rm 8:29; II Co 3:18), demodo que “o segundo Adão” (Cristo) restaura
aquilo que o primeiro Adão perdeu.

É claro que a parte material do homem é transferida aos seus descendentes por
meio dageração natural. Mas como a parte imaterial ou espiritual passa de geração a
geração? Adãorecebeu sua alma diretamente de Deus no sexto dia da criação, mas qual
Curso Básico de Teologia 24

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

é a origem da nossa? Três respostas têm sido apresentadas pelos cristãos [Chafer, 1976,
Ryrie, 2004, Nogueira, 2005]:

• Pré-existencialismo: afirma que a alma é uma criação juntamente com a dos


anjos, existindo antes da criação do próprio homem. Segundo essa teoria, no
momento da fe-cundação de cada indivíduo, Deus coloca essa alma que já existia
antes, nesse novo corpo em formação. Esta posição tem sido rejeitada pela
maioria dos cristãos ortodoxos; nãohá base bíblica para se defender que a parte
imaterial de Adão ou qualquer outro homem existisse antes da criação do próprio
Adão.

• Criacionismo: esses acham que Deus cria a alma no momento da concepção ou em


algummomento durante a gestação e a une ao corpo. A alma torna-se pecadora
por causa deseu contato com o corpo, que herdou a culpa dos pais. Textos como
Nm 16:22 e Hb 12:9 mostram que a alma provém de Deus e o corpo dos pais. Além
disso, Zc 12:1 afirma que “o Senhor...forma o espírito do homem dentro dele”. O
problema dessa posição, assimcomo a anterior, é que obriga Deus a colocar uma
alma santa em um corpo amaldiçoado, corrompendo, assim, a alma. Outra objeção
levantada é que Deus descansou de sua obra no sétimo dia, portanto, nenhum ato
novo de criação ex nihilo (a partir do nada) podeacontecer nos dias de hoje,
nem mesmo a criação de novas almas.

• Traducianismo: esses defendem que a alma também é transmitida de pai para filho
pelo processo de geração natural, assim como o corpo. O corpo e a alma do homem
se desen- volvem juntos no útero da mãe. O fato dos filhos possuírem
características psicológicas e emocionais semelhantes a seus pais dá apoio
indireto a essa posição. Um texto usadopara apoiar essa posição é Hb 7:9-10, “E,
por assim dizer, por meio de Abraão, até Levi,que recebe dízimos, pagou dízimos.
Porque ainda ele estava nos lombos de seu pai quandoMelquisedeque lhe saiu ao
encontro.”. Tal texto indica que Levi estava em Abraão, seuancestral distante,
pagando o dízimo. Se apenas a parte física de Levi estava em Abraão,o texto perde
o sentido. Uma crítica que se faz ao traducianismo é que ele implica que se a
substância imaterial de toda a raça humana estava em Adão, então Jesus teria
herdado a natureza pecaminosa, por consequência. Como resposta, os
traducianistas invocam a“imaculada conceição”, onde Deus teria protegido Jesus
de herdar o pecado quando Sua alma se formou no ventre de Maria, com base
em Lc 1:35.
Curso Básico de Teologia 25

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Dicotomia × tricotomia
Estes dois termos se referem à divisão do homem em duas partes, corpo e alma
(dicotomia), outrês partes, corpo, alma e espírito (tricotomia).

Assim, a dicotomia entende que a parte imaterial do homem é representada pela


alma (nephesh em hebraico e psychê em grego), sendo que o espírito (ruach em hebraico
ou pneuma em grego) é apenas um outro nome para alma [Grudem, 1999] ou então uma
das capacidades ou facetas da alma humana [Ryrie, 2004]; alguns dicotomistas acham
que o espírito seria uma “janela” da alma que permite ao homem se relacionar com Deus,
mas outros entendem os dois termos como sendo sinônimos. A posição dicotomista
tem dificuldade em explicar como umaalma pode ter uma vontade para o mal e ao
mesmo tempo uma vontade para buscar a Deus.Quando o homem se converte, a alma
é regenerada? Então, por que ela continua com tendênciapara o mal? Onde está a nova
natureza? O que são o “velho homem” e o “novo homem”?

Já a tricotomia entende que a parte imaterial do homem é formada por duas


partes dis-tintas, a alma e o espírito. De uma maneira suscinta, a alma seria a parte
responsável por intelecto, emoções e vontade, ao passo que o espírito seria responsável
por intuição, consciênciae adoração. Antes da queda, o Espírito de Deus falava ao
espírito do homem, o qual recebiaa informação e a transmitia para a alma, que tinha a
responsabilidade de aceitar e obedecer aordem ou a possibilidade de rejeitar a ordem.
Assim, o espírito deveria dominar sobre a alma para que essa dominasse sobre o
corpo. Com a queda, o Espírito de Deus saiu do homem, tornando seu espírito morto,
isto é, separado de Deus. Assim, a alma (corrompida pela queda) passou a dominar sobre
o espírito e fazer mal uso do corpo. Com a regeneração do espírito no novo nascimento,
o Espírito de Deus volta a habitar no homem e comunicar com seu espírito,permitindo
que o homem adore a Deus com todas as suas forças (corpo), mente, emoções e
intelecto (alma), espírito e verdade [Nogueira, 2005]. O “novo homem” seria o espírito
regener- ado. A carne, nossa tendência a pecar (Rm 7:18), continua sendo um aspecto ou
face presente na alma. Embora essa teoria faça sentido, não é fácil provar esse quadro
exato biblicamente.

Existem passagens bíblicas para apoiar tanto a dicotomia quanto a tricotomia. A


distinçãoclara entre alma e espírito parece ser incompreensível para nós e os esforços
humanos para elaborar definições têm sido sempre insatisfatórios [Chafer, 1976]. No
entanto, algumas coisas podemos aprender sobre esse assunto considerando
cuidadosamente certas passagens bíblicas.
Curso Básico de Teologia 26

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

O termo espírito é usado livremente na Bíblia para indicar a parte imaterial do


homem (I Co 5:3; 6:20; 7:34; Tg 2:26); similarmente, o termo alma é usado da mesma
maneira (Mt 10:28; At 2:31; I Pe 2:11). Em Lc 1:46-47 os dois termos parecem ser
usados com o mesmosentido. Além disso, as mesmas funções parecem ser atribuídas à
alma e ao espírito (Mc 8:12; Jo 11:33; 13:21 com Mt 26:38; Jo 12:27. Confira II Co
7:13; I Co 16:18 com Mt 11:29 e II Co 7:1 com I Pe 2:11; I Ts 5:23; Hb 10:39 e Tg
5:20 com I Co 5:5. Observe, também Mc 8:36-37; 12:30; Lc 1:46; Hb 6:18–19; Tg
1:21). Os que partiram dessa vida às vezes são chamados de almas e às vezes de
espíritos (Gn 35:18; I Re 17:21; Mt 27:50; Jo 19:30; At 2:27, 31; 7:59; Hb 12:23; I
Pe 3:18; Ap 6:9; 20:4). Também, Deus é revelado comosendo espírito e alma (Is
42:1; Jr 9:9; Mt 12:18; Jo 4:24; Hb 10:38). Vemos que o termo alma pode se referir
apenas à parte imaterial do homem ou então ao homem como um todo(material +
imaterial), como em At 2:41. O termo espírito, por sua vez, refere-se sempre e
exclusivamente à parte imaterial.

Não obstante o uso alternado entre os dois termos na Bíblia, existem também alguns
textos em que alma e espírito são claramente distinguidos:

“Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há


também corpo espiritual”, I Co 15:44.

“E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e


alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de
nosso Senhor JesusCristo.”, I Ts 5:23.

“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada


alguma dedois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e
medulas, e é aptapara discernir os pensamentos e intenções do coração.”, Hb
4:12.

A tradução em português de I Co 15:44 obscurece a importância desse texto para


esse debate. A expressão corpo natural é uma tradução do grego psychikos soma,
que significa, literalmente, corpo da alma, ou seja, o nosso corpo atual é adaptado à
alma, em contraste como corpo da ressurreição, que é um pneumatikos soma, ou corpo
do espírito. Assim, o corpo pós-ressurreição será como o corpo glorificado de Cristo e a
diferença é que o corpo presente é corruptível, fraco e voltado para as coisas da alma,
enquanto o corpo futuro será incorruptível,glorioso, poderoso e do espírito.
Curso Básico de Teologia 27

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

João Calvino considerou que quando os termos alma e espírito são usados juntos no
mesmo verso, eles têm significados distintos; mas, quando a palavra espírito é usada
sozinha, ela tem o mesmo significado que alma (João Calvino, citado por [Constable, 2013]
no comentário sobre Ef 5:23).

Embora seja impossível chegar-se a uma conclusão inquestionável sobre este assunto
e muitas vezes os termos sejam usados como sinônimos nas Escrituras, entendo ser
correto manter uma distinção entre “alma” e “espírito” quando a Bíblia assim o faz. Seja
como uma divisão do euinterior ou como aspectos ou facetas distintas de uma mesma
substância incorpórea, o espírito parece estar mais ligado às coisas de Deus e a alma às
coisas do corpo. Como se o corpo fosse ajanela para o mundo, a alma a janela para o
corpo e o espírito a janela para Deus, como citado em [Chafer, 1976].

O sono da alma
Após a morte, tanto o espírito (Ec 12:7; Lc 23:46; At 7:59) quanto a alma (Ap 6:9)
retornama Deus. No entanto, alguns grupos, tais como os Adventistas do Sétimo Dia e
as Testemunhas de Jeová, ensinam que o corpo e a alma não podem ser separados.
Segundo eles, após a morte, a alma adormece junto com o corpo, ficando em um
estado inerte até o dia da ressurreição. A base bíblica para esse pensamento é
encontrada, principalmente, em alguns textos do Velho Testamento: Salmos 94:17, 115:17
e Isaías 38:18, que falam em “silêncio”; Salmos 6:5, fala em “esquecimento”; Eclesiastes
9:5, 6 e 10, de “inconsciência”; Daniel 12:2; Jó 14:12; Salmos 13:3.
Além desses, João 11:11 a 14; I Ts 4:13-15, falam de “sono”; Dn 12:13; Ap 6:11; 14:13,
falam de “repouso”. Apesar disso, a doutrina do sono da alma é um erro e a explicação
correta paratodos esses textos pode ser resumida com a análise de apenas um verso [da
Costa, 2014],

“Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa
nenhuma...asua memória ficou entregue ao esquecimento”, Ec 9:5.

O próprio Salomão explica onde se dá essa falta de memória dos mortos. Vejam:
“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na
sepultura, para ondetu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma” (v.10). Então, a palavra se refere ao corpo morto, inconsciente, que não mais terá
qualquer atividade “debaixo do sol” (Ec 9:6), na terra, mas com certeza saberá o que
estiver ocorrendo no céu (confira Lc 16:19-31; II Co 5:8; Fp 1:23; Ap 6:9).
Curso Básico de Teologia 28

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

A revelação do Novo Testamento é clara sobre a vida consciente logo após a morte:

• Jesus disse ao ladrão na cruz, “hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23:43);

• Paulo disse que era melhor partir e estar com Cristo (Fp 1:23);

• As almas dos decapitados da tribulação clamam no céu por justiça (Ap 6:9);

• O rico e Lázaro foram levados vivos e conscientes para o além (Lc 16:20-23);

• Moisés, mesmo depois de morto, apareceu a Jesus no monte da transfiguração


(Mt 17:1- 4);

Os textos que falam dos crentes “dormindo” referem-se ao descanso das lutas dessa
vida e àimagem do corpo no túmulo, aguardando a ressurreição
Curso Básico de Teologia 29

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

AULA 3

O PECADO

άµαρτ ι´α = hamartía = pecado


Hamartiologia: hamartía (pecado) + logos (palavra, discurso) = estudo do pecado.

3.1 Errando o alvo

Uma série de palavras são usadas na Bíblia para se referir ao pecado, de onde
obtemos um entendimento desse importante doutrina. No hebraico do Antigo
Testamento, alguns exemplos são [Ryrie, 2004]:

•Chata: usada 522 vezes no Velho Testamento, significa “errar o alvo”, sendo usada para
pecados morais, idolatria e pecados cerimoniais. Ex: Ex 20:20; Jz 20:16; Pv 8:36;
19:2;
•Ra: usada 444 vezes no Velho Testamento, significa “quebrar” ou “romper”, sendo
usada para indicar calamidades ou males. Ex: Gn 3:5; 38:7; Is 45:7;
• Pesha: significa “rebelar”. Ex: I Re 12:19; Sl 51:13;

• Awon: significa “iniquidade” ou “culpa”. Ex: Is 53:6; Nm 15:30,31.

• Shagag: significa “errar” ou “extraviar-se”, como uma ovelha ou um bêbado (Is 28:7);

•Asham: usada em conexão com os rituais no tabernáculo, indicando culpa perante


Deus, tanto pelo pecado intencional quanto os não intencionais (Lv 4:13; 5:2-
3).
• Rasha: significa “perversidade” ou “impiedade”. Ex: Ex 2:13; Sl 9:16).

No Novo Testamento, uma série de outras palavras são usadas, de onde destacamos duas:
Hamartía, que também tem a ideia de “errar o alvo” (Mt 1:21; Jo 1:29; At 2:38), e
Hypócry- sis, que significa “interpretar falsamente”, “fingir” (como Pedro em Gl 2:11-21) ou
“seguir uma interpretação” falsa (I Tm 4:2).

Vemos que o pecado pode ser entendido como “errar o alvo”, ou seja, desobedecer a
vontadede Deus. Isso pode ser feito intencionalmente, com um coração perverso, ou por
ignorância, mas sempre o homem é responsabilizado por buscar saber e cumprir a
vontade de Deus. Conforme William MacDonald, “o pecado é qualquer ato ou palavra
que não esteja exatamente de acordo com a perfeição de Deus (Rm 3:23). É
Curso Básico de Teologia 30

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

insubmissão à lei, ou seja, a determinação de fazer anossa própria vontade (I Jo 3:4).


Não é apenas fazer o que está errado, mas deixar de fazer o que está certo (Tg 4:17). É
fazer qualquer coisa que a nossa consciência condene (Rm 14:23)” [MacDonald,
2014].

3.2 A origem do pecado

“Eis aqui, o que tão-somente achei: que Deus fez ao homem reto, porém eles
buscarammuitas astúcias”, Ec 7:29.

Já comentamos o pecado original de Satanás e seus anjos nas seções 6.3 e 6.4.1.
Com relação à queda do homem, Adão voltou suas costas a Deus e caiu em pecado. O
mal, então, será o caminho de todos os homens, sendo a redenção o único escape.
Redenção acontece quando Deus inocenta a humanidade por meio da oferta do Messias
para que o indivíduo se torne justo pela fé [Couch, 2010].

Adão e Eva caíram pelas sutis palavras da serpente, perdendo o estado de inocência
de que eles desfrutavam em relação ao Senhor. Os rabinos judeus fazem o seguinte
comentário sobre a queda:

“Deus não deu nenhuma razão para a ordem de não comer da árvore (do bem
e do mal). Mas a serpente sugeriu que o Senhor estava com inveja do que o
homem iria setornar se comesse do fruto proibido. Com seus olhos abertos, eles
teriam uma nova fonte de conhecimento, escondida da visão ordinária. Satanás
agora sugere que eles seriam revestidos de um poder que estava reservado
apenas a Deus...a mulher olhou para a fruta com um novo desejo...ela dá as costas
aos impulsos de gratidão, amor e responsabilidade para com Deus. A estória é um
espelho da experiência humana. O conhecimento obtido não era felicidade,
sabedoria ou poder, mas consciência do pecado e seu conflito com avontade de
Deus. Em seguida, vem a vergonha, o medo e a tentativa de se esconder. Eles
abandonaram sua inocência. Um único preceito lhes foi dado e mesmo isso foi
demais pra eles!”, [Cohen and Rosenberg, 2010].

Assim como na queda do diabo, é difícil saber como ou por quê se originou o
pecado emuma criatura originalmente desprovida de natureza pecaminosa, como o
homem. De algumaforma, Adão e Eva caíram por sua própria escolha, sendo totalmente
responsáveis pela queda e nunca podemos culpar Deus pela origem do pecado.
Todavia, precisamos tomar cuidado paranão cairmos no erro de achar que há um poder
maligno que existe eternamente no universo assimcomo o próprio Deus. Isso é o que
ensina o dualismo, a existência de dois poderes igualmente supremos, um bom e outro
mau. Em contraste com o dualismo, muitos teólogos argumentamque o pecado ou o
princípio do mal não possui independência em relação ao bem. O bemé totalmente
independente do mal, no sentido de que não necessita do mal; e. g. o amor seria
eternamente o mesmo, mesmo que não houvesse o ódio. O mal, por outro lado, só vem
à existência em contraste com o bem. Como a oposição sugere algo que é oposto, o mal
Curso Básico de Teologia 31

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

pressupõe o bem, e é concebível somente como um abandono ou queda dele. Se o


mal for considerado como totalmente primário e original, ele não pode em qualquer
sentido verdadeiro ser chamado mal ou “aquilo que não poderia existir”. Já o bem moral
é perfeitamente inteligível por si mesmo [Chafer, 1976]. Contudo, não se deve entender
o mal simplesmente como uma mera ausência do bem. É claro que o homem que se
nega a obedecer a lei é um pecador, mas muitas vezes o pecado se apresenta como
uma busca em se opor ativamente ao que é bom, não apenas uma ausência de busca
pelo bem. Assim, uma pessoa que não faz nada quando deve fazer o bem está
pecando, mas a Bíblia retrata o ímpio não apenas como um passivo, mas como um
queativamente busca violar um mandamento, que se apressa em fazer o mal. Foi isso
que tornou o Dilúvio necessário (Gn 6:11).

3.2.1 Deus e o pecado


Se o pecado é definido como independência de Deus e algo que é contrário a Deus,
segue-se,logicamente, que o próprio Deus não pode pecar, pois Ele não pode se tornar
independente deSi mesmo e nem se contradizer. Assim, Deus não pode ter nenhum
papel ativo na origem domal. Não obstante, em Sua soberania Ele permitiu que o mal
entrasse em Sua criação. Jamais devemos pensar que o pecado desafiou Deus e venceu
Sua onipotência ou Seu controle. Assim, embora não possamos dizer que Deus pecou
ou seja culpado pelo pecado, devemos afirmar que
o Deus que “faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade” (Ef 1:11) de fato
incluiuem Seus planos a entrada do pecado no mundo por meio da escolha voluntária
das criaturas morais [Grudem, 1999]. Deus decidiu não impedir a queda, mesmo
sabendo que ela ocorreria e tendo poder para evitá-la. Aprouve a Deus que o homem
tivesse a possibilidade de cair para quesua obediência fosse uma demonstração de sua
escolha pessoal. Além disso, a queda possibilitouque se revelasse melhor o brilho da
luz de Deus em contraste com as trevas:

“E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será
Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.)”, Rm3:5;
“...pela minha mentira abundou mais a verdade de Deus para glória sua...”, Rm 3:7b.

A queda permitiu que Deus revelasse Seu amor ao dar Seu Filho para salvar homens
maus:

“Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo
nós aindapecadores”, Rm 5:8.

A queda permitiu a revelação da ira de Deus sobre os rebeldes e a Sua misericórdia


sobre osque se arrependem:

“E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder,
suportoucom muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; Para
Curso Básico de Teologia 32

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia,
que para glória já dantes preparou”, Rm 9:22-23.

3.2.2 Satanás e o pecado


Satanás é o autor do pecado, sendo conhecido na Bíblia como “pai da mentira”. Já
comentamos sobre seu pecado e queda anteriormente.

3.2.3 Adão e o pecado


Adão foi criado puro e gozava de plena comunhão com Deus no Éden. Assim como
Satanás,ele optou por rebelar-se contra Deus, em um ato de livre escolha. Apesar de
sua pureza, Adão possuía a livre capacidade de escolher entre agradar a Deus e
desobedecê-Lo, o que tem sido comumente chamado de livre arbítrio. O livre arbítrio de
Adão permitiu que ele escolhesse algo que fosse contrário à sua própria natureza
pura e inocente.

Um aspecto dramático da queda é que o homem perdeu a capacidade que tinha de


agradara Deus, tornando-se Seu inimigo (Rm 5:10; Cl 1:21). Como tal, o homem
tornou-se in- capaz de agradar a Deus, como explicado mais abaixo no tópico sobre
depravação total. Oscalvinistas enxergam isso como uma perda total do livre arbítrio,
como veremos no capítulo
9. Curiosamente, uma vez perdido o livre arbítrio jamais seria recuperado pelos
homens, poisestes nunca mais poderão escolher algo contrário à sua natureza. Homens
caídos escolhem as coisas do homem natural, cristãos regenerados fazem escolhas de
acordo com uma de suas duasnaturezas (o novo homem ou o velho homem) e no céu
será impossível escolher desobedecer a Deus [da Silva Filho, 2015].

3.3 O pecado herdado

Pecado herdado é o estado pecaminoso em que nascem todas as pessoas. Alguns o


chamam de natureza pecaminosa, natureza Adâmica, “velho homem” ou pecado original,
que enfatiza que nossa natureza caída foi herdada de Adão por causa de seu pecado
original. Assim, podemosdistinguir entre o pecado que habita em nós e os pecados que
cometemos. O primeiro refere-se à nossa natureza ou tendência natural para pecar, o
segundo refere-se aos nossos atos. Adão adquiriu uma natureza pecaminosa porque
pecou; nós pecamos porque herdamos uma natureza pecaminosa [Chafer, 1976].

3.3.1 Depravação total


Quando os teólogos falam em depravação total do homem, referem-se à reprovação do
homem diante de Deus. Todo homem não regenerado é réprobo, sendo incapaz de
agradar a Deus:

“...sem mim nada podeis fazer.”, Jo 15:5b;


Curso Básico de Teologia 33

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

“Por isso, o pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de
Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os que estão na carne não podem
agradar a Deus.”,Rm 8:7-8;
“Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem,
não há nem um só.”, Rm 3:12;
“Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da
imundí- cia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades
como um vento nosarrebatam.” Is 64:6.

Esses textos não significam que o homem é incapaz de fazer atos de bondade
ou que oshomens não têm nenhuma forma de domínio próprio. Na verdade, conhecemos
pessoas sem Deus que fazem muita caridade; no entanto, o que a depravação total quer
dizer é que o homem é incapaz de fazer qualquer coisa que o torne aceitável ou
justificado aos olhos de Deus.

A seguir, apresentamos algumas visões diferentes sobre o pecado herdado, extraídas


de [Ryrie, 2004].

Pelagianismo
Pelágio foi um monge bretão que pregou em Roma por volta do ano 400. Ele
acreditava queDeus não poderia ordenar aos seres humanos que fossem santos se isso
não fosse possível. Assim,ele ensinava que todos podem viver uma vida sem pecados.
Ele ensinou que o homem foi criado neutro – nem santo nem pecador – e com livre arbítrio
para escolher entre pecar e fazer o bem. Para ele, Adão não transmitiu a natureza
pecaminosa ou a culpa pelo pecado à sua descendência.

Semipelagianismo
Agostinho de Hipona opôs-se aos ensinos de Pelágio e afirmou que o homem era
totalmenteincapaz de ser justo, necessitando contar somente com a graça de Deus. O
semipelagianismo é uma posição intermediária entre o agostinismo (com forte ênfase na
predestinação e depravação do homem) e o pelagianismo (com sua insistência na
capacidade de o homem escolher o bem).O semipelagianismo ensina que o homem não
é totalmente depravado, mas retém certa liberdadesegundo a qual pode cooperar com a
graça de Deus. Na regeneração, o homem escolhe Deus, que, depois, acrescenta sua
graça.

Neo-ortodoxia
Proposta pelo teólogo alemão Karl Barth na década de 1920, a neo-orodoxia afirma que
o relato da queda de Adão não é um fato histórico. Adão não foi um ser verdadeiro,
Curso Básico de Teologia 34

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

mas representa, simbolicamente, o homem em todos os estágios de seu


desenvolvimento.

3.3.2 Universalidade do pecado herdado


A nossa experiência pessoal, bem como uma observação da história do mundo, deixa
claro quea prática do pecado é algo comum a todos os homens (menos um). Disso, temos
o testemunho das Escrituras em várias passagens, e. g., I Re 8:46; Sl 143:2; Pv
20:9; Ec 7:20; Rm 3:9,19-20,23; Gl 3:22; I Jo 1:10. Essa é a prova de que todos
(menos um) herdaram opecado original de Adão.

Pergunta: Se a Bíblia deixa claro que todos pecam, por que o Velho Testamento
menciona alguns homens que guardaram a Lei de Deus com “perfeição” (I Re
14:8)?

3.3.3 As penalidades do pecado herdado


Como consequência do pecado herdado, a raça Adâmica experimentou a morte
espiritual, i. e., nosso espírito se tornou separado de Deus (Ef 2:1-3). O “remédio” divino
para a morte espiritual

é a regeneração, ou novo nascimento. Se a morte espiritual não for remediada, então


ocorre a morte eterna ou segunda morte, o lago de fogo (Ap 20:14-15), onde o corpo, a
alma e o espíritoserão eternamente separados de Deus. A prevenção para a segunda
morte é o novo nascimento.Não existe remédio para ela, uma vez que ninguém, jamais,
sairá do lago de fogo após ter sido lançado lá (Ap 14:10-11).

3.4 O pecado imputado


“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque
todos pecaram.”, Rm 5:12, ARA.
O texto acima afirma que todos os homens são mortais porque todos pecaram.
Isso não pode significar que os homens se tornam mortais depois que cometem seu
primeiro pecado em vida, pois os bebês já morrem antes mesmo de cometerem atos
pecaminosos. Na verdade, otexto refere-se ao pecado que cometemos posicionalmente
“em Adão”, quando este pecou. Já nascemos pecadores amaldiçoados e condenados à
morte por causa de Adão. Isso é confirmado a seguir:
“Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para
condenação,assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os
homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só
homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos
serão feitos justos.”, Rm 5:18-19.
Curso Básico de Teologia 35

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Logo, todos os membros da raça humana pecaram em Adão no Éden. Como nosso
cabeça, Adão pecou e Deus nos considera condenáveis, ou seja, o pecado de Adão
nos foi imputado ou atribuído. Assim, somos vistos como pecadores ainda antes de
cometermos nosso primeiro pecado, pelo simples fato de sermos descendentes de Adão,
“Eis que em iniqüidade fui formado,e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5).
Somos, por natureza, filhos da ira (Ef 2:3).Já nascemos com a condenação e a dívida
de Adão (pecado imputado) e com a tendência depecar de nossos pais (pecado
herdado).

Alguns podem achar injusto que o pecado de Adão nos seja imputado, afinal de
contas, senão decidimos pecar com Adão, por que recebemos sua condenação?
Como resposta, bastamencionar que mesmo que não tivéssemos sido considerados
culpados em Adão, nossos atos pecaminosos já seriam suficientes para nos condenar e,
de fato, é por eles que os homens serão julgados no Juízo Final, “E os mortos foram
julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras” (Ap
20:12). Além disso, vale lembrar que da mesma forma como morremos em Adão pela
imputação de seu pecado a nós, também somos vivificados em Cristoe justificados
pela imputação da Sua justiça a nós, como afirma Rm 5:18-19, citado acima. O
primeiro homem (Adão), pai de todos nós, pecou – e Deus considerou-nos culpados. Mas
último Adão (Cristo, I Co 15:45-47), em quem estão todos os crentes, obedeceu a Deus
perfeitamente na cruz – e Deus considerou-os justos. Deus considera toda a raça
humana posicionada em Adão, seu cabeça. E Deus também vê a nova raça de
cristãos, redimidos por Cristo, como posicionados em Cristo.

Este princípio da posição pode ser difícil para nós, ocidentais, entendermos hoje,
mas fazparte do pensamento Bíblico, como podemos ver em outro contexto no livro
de Hebreus:

“E, por assim dizer, por meio de Abraão, até Levi, que recebe dízimos, pagou
dízimos.Porque ainda ele estava nos lombos de seu pai quando Melquisedeque lhe
saiu ao encontro.”,Hb 7:9-10.

O autor claramente diz que Levi, embora só fosse nascer 200 anos depois, na verdade
entre-gou seu dízimo a Melquisedeque por meio de seu bisavô, Abraão. O ancestral,
Abraão, possuía em seu “interior” seu descendente, Levi. De maneira similar, Adão,
nosso ancestral, possía todosnós [Ryrie, 2004].

Uma outra forma de enxergar o pecado imputado e sua condenação é pensando em


um trans-plante de coração. Imagine um criminoso condenado à pena de morte por seus
atos; o coração desse criminoso irá morrer se permanecer em seu corpo. Assim, o
coração é condenado como criminoso por estar posicionado nele. Mas, se o coração
for transplantado para um homemjusto após a morte do criminoso, o novo homem não
pode ser condenado só porque recebeu o coração de um criminoso. Por analogia, o
Curso Básico de Teologia 36

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

criminoso representa Adão e o coração nos representa; se formos posicionados em


Cristo, podemos viver e o novo homem está livre da condenação.

Pode-se reconhecer três imputações básicas no plano de Deus para salvação:

• A imputação do pecado de Adão à raça humana: Rm 5:12-21;

• A imputação do pecado do homem a Cristo: II Co 5:19-21; I Pe 2:24;

• A imputação da justiça de Cristo aos cristãos: II Co 5:21.

3.4.1 A pena pelo pecado imputado


Vimos que o pecado herdado gera a morte espiritual. Já o pecado imputado tem como
pena amorte física (Rm 5:12-14); o corpo de todo homem está condenado a morrer
(nosso espírito será separado do corpo). O remédio divino para essa morte é a
ressurreição. Alternativamente, a prevenção pode ser experimentada por meio do
arrebatamento (I Ts 4:16-17);

3.4.2 A salvação das crianças


Conforme mencionado acima, mesmo antes do nascimento as crianças já são pecadoras
devido ao pecado imputado. Sendo assim, isso significa que as crianças que morrem
muito novas vão diretamente para o inferno?

A maioria dos evangélicos acredita que as crianças pequenas e os deficientes mentais


morremfisicamente por causa do pecado imputado de Adão, mas são livres da morte
eterna porque são incapazes de exercer fé em Jesus Cristo e, portanto, Deus terá
misericórdia deles. Alguns textos usados para defender essa posição são II Sm 12:23 e
Mt 19:14, além de Ap 20:12-13, onde os mortos são julgados e condenados segundo suas
obras (um bebê não tem obras que o condenem).

Devemos admitir que esse assunto não tem uma resposta clara nas Escrituras e, além
disso, sabemos que desde muito cedo as crianças tomam consciência de seus pecados
e são capazes de compreender o evangelho, tornando-se responsáveis por suas
escolhas. Isso deve nos estimular a evangelizar as crianças desde o berço.

Se de fato as criancinhas são salvas, não seriam salvas por méritos próprios ou
inocência, mas por uma aplicação do sangue de Cristo sobre elas, dentro da
predeterminação de Deus. Wayne Grudem considera que Deus pode operar o novo
nascimento mesmo em bebês [Grudem, 1999], como fez com João Batista (Lc 1:15),
mas isso me parece ser um caso isolado.
Curso Básico de Teologia 37

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

3.5 Pecado, pecadinho, pecadão?

Talvez você já tenha ouvido alguém dizer “não existe pecado, pecadinho e pecadão; todo
pecadoé igual perante Deus”. De certa forma, é verdade que todo pecado é suficiente
para demonstrar que somos culpáveis diante de Deus e merecedores do inferno,
como disse Tiago,

“Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se


culpadode todos.”, Tg 2:10.

Assim, pelas obras da Lei, nenhuma carne será justificada diante de Deus (Gl
2:16). No entanto, a Bíblia também fala que existe diferença entre pecados; Jesus disse
que o pecado de Caifás, ao entregá-lo a Pilatos, era maior que o do governante (Jo
19:11). Como Caifás era osumo sacerdote, tinha maior esclarecimento da Palavra de
Deus do que Pilatos e, portanto, maiorresponsabilidade. O mesmo é dito a respeito do
pecado de Corazim e Betsaida em comparação com o pecado de Tiro e Sidom, pois
todas essas cidades rejeitaram Deus, mas as duas primeiras viram os milagres de
Jesus, enquanto as duas últimas não. Assim, “haverá menos rigor paraTiro e Sidom,
no dia do juízo” do que para Corazim e Betsaida (Mt 11:22). O mesmo é dito a
respeito de Cafarnaum em comparação com Sodoma (v. 23-24). Logo, o pecado de
algumas cidades foi considerado maior do que o de outras, sendo merecedor de
maior punição. Note,também, os seguintes textos:

“qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe
fora quese lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na
profundeza do mar”,Mt 18:6.
“E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a
doutrina que aprendestes; desviai-vos deles”, Rm 16:17.
“Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for
devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com
o tal nem aindacomais”, I Co 5:11.

Deus é luz e abomina qualquer pecado, mas fica claro por esses e outros textos
que existealgum aspecto sob o qual Deus considera alguns pecados maiores do que
outros, pois Ele nãomanda que tratemos todo pecado de maneira igual. Isso revela a
justiça de Deus, que dará acada um segundo as suas obras (Mt 16:27).

3.5.1 Pecados por ignorância


Um dos critérios bíblicos para avaliar a gravidade de um pecado é a consequência desse
para a vida e fé de outras pessoas (Mt 18:6). Se o pecado de alguém leva outros a
tropeçarem, isto é, abandonarem a fé, tal pessoa receberá maior punição. Daí a
seriedade do pecado da heresia, que deve ser combatida fortemente, bem como dos
escândalos de imoralidade. Um outro critériopara avaliar a seriedade da transgressão é
Curso Básico de Teologia 38

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

a intenção do coração. Toda violação da Lei de Deus é pecado, mas aquela que é feita
conscientemente é pior do que a que é feita por ignorância:

“E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme
a suavontade, será castigado com muitos açoites; Mas o que a não soube, e fez
coisas dignasde açoites, com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que
muito for dado, muitose lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se
lhe pedirá”, Lc 12:47-48.

O Velho Testamento está repleto de Leis que lidam especificamente com os


pecados deignorância, diferenciando a pena com relação aos pecados intencionais:

“ E, se alguma alma pecar por ignorância, para expiação do pecado oferecerá uma
cabra deum ano. E o sacerdote fará expiação pela pessoa que pecou, quando pecar
por ignorância,perante o Senhor, fazendo expiação por ela, e lhe será perdoado.
... Mas a pessoa quefizer alguma coisa temerariamente, quer seja dos naturais
quer dos estrangeiros, injuriaao Senhor; tal pessoa será extirpada do meio do
seu povo. Pois desprezou a palavra do Senhor, e anulou o seu mandamento;
totalmente será extirpada aquela pessoa, a sua iniquidade será sobre ela.”, Nm
15:27,28,30,31.

3.5.2 O pecado para morte


Já comentamos sobre o pecado imperdoável, onde tratamos da blasfêmia contra o
Espírito Santo. Existem outros pecados graves que a Bíblia chama de “pecados para a
morte” (I Jo 5:16). Esses pecados não são imperdoáveis, mas podem ter como
consequência a morte físicada pessoa. Um exemplo disso é o caso de Ananias e Safira,
que morreram em consequência de mentirem ao Espírito Santo (At 5:1-11), ou os crentes
de Corinto que morreram por tomarem a Ceia do Senhor indignamente (I Co 11:30). A
Bíblia não nos dá uma lista de quais pecados são mortais, mas devemos considerar com
temor qualquer rebelião consciente e prolongada contra aPalavra de Deus.

3.6 O cristão e o pecado

Devemos lembrar que existem duas naturezas em cada cristão (Rm 7:14-25). Uma
é a velhanatureza maligna e corrupta que nasce com ele. A outra é a nova natureza
pura e santa queele recebe na sua conversão. A velha natureza é completamente
má. A experiência de Paulotambém é a nossa. Ele disse: “Porque eu sei que em
mim, isto é, na minha carne, não habitabem nenhum” (Rm 7.18a). Portanto, nunca
devemos procurar uma tendência boa na nossavelha natureza, e nunca devemos ficar
desapontados ou surpreendidos quando não encontramosessa tendência boa. Ela não
só é completamente má, é incuravelmente má! Depois de uma vida inteira tentando ser
correta, ela não ficará melhor do que era quando essa vida começou. De fatoDeus não
tem interesse em melhorar a velha natureza. Ele condenou-a na cruz do Calvário, e
Curso Básico de Teologia 39

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

quer que nos mantenhamos alheios a todas as tentativas que ela faz para controlar as
nossas vidas.

Paulo igualou a velha natureza a um cadáver amarrado às suas costas. (É claro que
o corpo estava se decompondo e cheirava mal.) Tinha que transportá-lo onde quer
que fosse, o queo fazia gritar de angústia: “Desventurado homem que sou! Quem
me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24).

A nova natureza é a vida de Cristo e por isso mesmo é totalmente boa, tendo
capacidade para fazer somente o bem. É pura, nobre, justa, cheia de amor e
verdadeira. Todos os seuspensamentos, desejos, motivos e ações são semelhantes a
Cristo. Não é de se admirar que duas naturezas tão opostas estejam sempre em
constante conflito. A batalha que começou com aconversão continuará durante toda
a vida. Nunca se está de licença nesta guerra, só a morteou o Arrebatamento nos
darão a liberdade, mas seremos libertados da nossa velha natureza no momento em
que virmos o Salvador, pois ao vê-lO seremos feitos semelhantes a Ele.

Não devemos desculpar o nosso pecado culpando a velha natureza. Essa forma de
transfer- ência de culpa não funciona. Deus responsabiliza a pessoa e não a
natureza. Talvez já tenha

ouvido a história do motorista, apanhado em excesso de velocidade, que disse ao


juiz: “Foi aminha velha natureza que estava em excesso de velocidade”. Ao que o
juiz replicou: “Multo a sua velha natureza em 50 libras por excesso de velocidade, e
multo a sua nova natureza em50 libras por ser conivente com a primeira”. Culpar a
velha natureza não é uma boa solução[MacDonald, 2014].

Como nota final, chamamos a atenção para dois erros que devem ser evitados, as
ideias de perfeccionismo e antinomismo. O perfeccionismo ensina que é possível que o
Cristão atinja um estado de consagração tal que ele não peca mais. Essa doutrina
contraria o ensino claro das Escrituras de que todos pecam, como mencionamos
anteriormente. Já o antinomismo afirma que os Cristãos não estão debaixo da Lei,
portanto, têm licença para pecar, pois onde abundouo pecado, superabundou a graça.
Este é um erro antigo, já combatido por Paulo em Rm 6. Na verdade, não estamos
debaixo da Lei de Moisés, mas sim da Lei de Cristo.
Curso Básico de Teologia 40

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

AULA 4

A SALVAÇÃO

σωτ ήριoς = soterios = salvação


Soteriologia: soterios (salvação) + logos (palavra, discurso) = estudo da salvação.

4.1 Evitando o anátema

“Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça
de Cristo para outro evangelho; O qual não é outro, mas há alguns que vos
inquietam e querem transtornar o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós
mesmos ou um anjo do céu vosanuncie outro evangelho além do que já vos tenho
anunciado, seja anátema”, Gl 1:6-8.
Chegamos a um ponto crucial do estudo da fé cristã. É aqui que ocorrem as maiores
divisões,as discussões mais acaloradas e os debates intermináveis. É também aqui que
os erros se tornam mais graves e suas consequências mais severas, uma vez que se
errarmos no entendimento do evangelho de Cristo, poderemos estar incorrendo no
anátema mencionado por Paulo no texto acima. A palavra grega “anátema” significa
“maldição” ou “amaldiçoado”, e representa alguém separado de Deus ou condenado
(veja Rm 9:3). Assim, é de suma importância que se cultiveum entendimento bíblico
da doutrina da salvação. Felizmente, essa não é uma tarefa das mais complicadas, uma
vez que o evangelho são as boas novas de salvação oferecidas a todos, podendo ser
compreendidas até por uma criança. É interesse de Deus salvar os pecadores e Ele
revelou Sua vontade de maneira clara nas Escrituras. É verdade que existem algumas
questões complicadas associadas com a doutrina da salvação, tais como a
predestinação, mas um entendi-mento profundo dessas questões não é necessário
para a salvação.

Os textos clássicos abaixo sintetizam a simplicidade do verdadeiro evangelho,


pregado por Paulo, que consiste na salvação pela graça somente, mediante a fé
somente, na pessoa e obra de Cristo somente:
“Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por
nossos pecados, segundo as Escrituras, E que foi sepultado, e que ressuscitou
ao terceiro dia,segundo as Escrituras”, I Co 15:3,4.

“A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração


creres queDeus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”, Rm 10:9.
Curso Básico de Teologia 41

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

“E, tirando-os para fora, disse: Senhores, que é necessário que eu faça para me
salvar? E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua
casa”, At 16:30,31.
“Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o
Filho, ecrê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”, Jo 6:40.
“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida
eterna, porCristo Jesus nosso Senhor”, Rm 6:23.
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, Jo 3:16.

Consequentemente, nossas obras de justiça não têm nenhum papel na nossa


salvação. Essa é a suficiência de Cristo na obra de salvação:

“Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus
Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé
em Cristo, e nãopelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne
será justificada”, Gl 2:16.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom
de Deus.Não vem das obras, para que ninguém se glorie”, Ef 2:8.
“Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é
graça. Se,porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já
não é obra”, Rm 11:6.
“Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é
imputadacomo justiça”, Rm 4:5.

O último verso acima nos remete à Hamartiologia, onde comentamos sobre o pecado
imputado e a justiça imputada. O que nos faz pecadores é que Deus vê o pecado de Adão
imputado na nossaconta (além dos nossos próprios pecados). Mas, pela fé em Jesus
como Senhor e Salvador, Sua justiça é imputada a nós e o pecado (nosso e de Adão)
é removido e colocado sobre o Messiasna cruz. Tudo isso é feito por uma transação
de Deus, conforme o plano que Ele traçou pararedimir o perdido [Couch, 2010]. O texto
é claro. Se você crer, será justificado diante de Deus, mesmo sem obras. Essa promessa
não é só para quem pecar pouco, mas para os ímpios (do grego asebes: irreverentes,
perversos, sem Deus). Suas maldades (do grego anomia: perversidades, transgressões
da Lei, iniqüidades) são perdoadas. Deus justifica o ímpio se ele crer. Nenhum
pecado lhe é imputado. Está puro, santo, sem dívida nenhuma para com Deus. Por
quê? Sóporque creu.

Este assunto é tão sem sentido para o homem natural que se pode dividir as
religiões domundo em dois grupos: A religião do “faça” e a religião do “feito”. De um
lado, estão todas as religiões que dizem ser necessário ao homem fazer algo para
Curso Básico de Teologia 42

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

alcançar ou merecer a salvação. De outro lado, a religião que diz que a obra redentora
já foi feita na cruz; “está consumado”,não há nada que eu ou você possamos fazer
para complementar o sacrifício de Cristo na cruz.Ele é perfeito e perfeitamente capaz
de justificá-lo diante de Deus, se você tão somente crer.

A salvação não depende de seus esforços para cumprir a Lei de Deus, nem de seus
votos defidelidade ou do quanto você ama Deus. A salvação é obra do SENHOR,
não sua. Apenas receba:
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de
Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da
vontade da carne,nem da vontade do homem, mas de Deus”, Jo 1:12-13.

4.2 A suficiência de Cristo e a segurança da salvação

Algumas igrejas evangélicas, assim como os católicos romanos, creem na


possibilidade de perda da salvação. Se a pessoa cometer algum pecado grave ou mortal
ou se afastar por muito tempo da igreja, perderá sua salvação e o Espírito Santo sairá
dela. Mas, oque diz a Bíblia sobre isso? É possível perder a graça de Deus? Se isso
acontecer, é possível se reconverter para receber a vida eterna novamente?

Se tomarmos como padrão a Lei de Deus, Tg 2:10 diz: “Porque qualquer que guardar
toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos”. Culpado de todos no
sentido de ser considerado transgressor da Lei. Qualquer pecado que cometemos é
suficiente para nos lembrar de quem realmente somos: pecadores. Nosso problema não
é a quantidade ou gravidade dos pecados que praticamos. Nosso problema é que somos
pecadores, e isso basta para nos afastar de Deus. Em nenhum lugar das Escrituras está
escrito que podemos apagar pecados com boas obras. A única coisa que apaga nossos
pecados é o sangue de Cristo. Se não fizemos nada para merecer a salvação, como
poderíamos fazer algo para desmerecê-la mais do que já desmerecemos?

Certa vez, após expor o evangelho da graça na igreja, me perguntaram: “mas então
por que se diz que o caminho é estreito? Se é só crer, então é muito fácil”. Minha
resposta foi que o caminho é estreito não por ser muito difícil, mas por ser muito
simples. Poucos acreditam nele. A religião do “faça” faz mais sentido para a mente
do homem natural do que a religiãodo “feito”. A lógica humana nos diz que precisamos
fazer algo para merecer a salvação. Nossacarne gosta de se gloriar diante de Deus. A
religião do feito diz que Deus foi humilhado na cruz para pagar TODO o preço por
nossos pecados, o que é “escândalo para os judeus, e loucurapara os gregos” (I
Co 1:23).

O Espírito Santo é o selo de garantia de nossa salvação até o dia da posse de nossa
herança. A segurança dos crentes também é garantida pelas palavras de Jesus:
Curso Básico de Teologia 43

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

“Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o
lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a
vontade daquele queme enviou. E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que
nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último
dia. Porquanto a vontade daquele queme enviou é esta: Que todo aquele que vê
o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”, Jo
6:37-40.

“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida
eterna”, Jo 6:47.

O que vem a Cristo não será lançado fora. É promessa de Cristo. Esta é a missão
dEle, eEle não falha! Se você olhar para Jesus e crer nEle, será salvo e ressuscitado no
último dia. Será filho de Deus e nova criatura (II Co 5:17). Você se tornou nova
criatura pela fé, não pode se tornar velha criatura de novo pelas obras (apesar de que
você pode agir como se fosse velha criatura). Nada pode te afastar do amor de
Deus:

“Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura,
nem a profundidade,nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de
Deus, que está em Cristo Jesusnosso Senhor”, Rm 8:38-39.

E se pecarmos? Quando isso acontecer, saiba que temos um advogado junto ao Pai,
e nosso advogado nunca falha (I Jo 2:1).

4.2.1 Uma fé morta

Como temos visto repetidas vezes, nunca poderemos ser justos o bastante para
merecermos o céu, por isso Deus nos imputa Sua justiça:

“Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como
justiça”,

Rm 4:3.

Mas, compare o texto de Rm 4 com os seguintes:

“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras?
Porventuraa fé pode salvá-lo?”, Tg 2:14.
“Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o
nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o
seu filho Isaque?Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras
a fé foi aperfeiçoada.”, Tg 2:20-22.
Curso Básico de Teologia 44

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

A impressão que temos é que Tiago quer contrariar Paulo abertamente. Em face
desse texto,muitos têm tido crises com a doutrina da salvação. Nesse caso, temos
três alternativas:

4.2.1.1 Jogar fora o resto da Bíblia, que contradiz Tiago;


4.2.1.2 Jogar fora Tiago, que contradiz o resto da Bíblia;
4.2.1.3 Interpretar Tiago de maneira que não contradiga o resto da Bíblia.

Não sei quanto a você, mas eu não estou disposto a seguir nenhuma das 2 primeiras
alterna- tivas. Como creio na autoria do Espírito Santo para todos os livros das
Escrituras, devo seguiruma regra básica de Hermenêutica: os textos mais obscuros
devem ser entendidos à luz dostextos mais claros, pois as Escrituras não podem se
contradizer. Então, provavelmente Tiago quer enfatizar algo diferente do que
Paulo.

Uma interpretação de Tiago 2, popular no meio evangélico, diz que a fé que salva é
uma fé que produz obras. Se você diz que tem fé, mas não tem obras, então você
não tem a fé ver- dadeira. Mas, vamos tentar esclarecer melhor isso, pois existem
algumas dúvidas. Por exemplo, quantas obras são necessárias para que eu me considere
salvo, ou possuidor da fé salvadora? Todo mundo, por mais ímpio que seja, tem algumas
boas obras. Deixo bem claro que eu creio que o verdadeiro crente vai frutificar, a 30, 60
ou 100 por 1, mas esses frutos podem ser difíceis de se perceber em algumas pessoas
e isso é muito subjetivo para servir de base para estabelecera doutrina da salvação.

Creio que Tiago tem algo muito importante para dizer aos crentes. Note que, na
carta, Tiago refere-se aos leitores como “irmãos” e segue com uma coleção de
exortações, que incluema caridade. Estas exortações não têm nada a ver com o que
precisamos fazer para receber a vida eterna. Ele quer que haja coerência entre o
que falamos e o que fazemos. Ele não estáexplicando o que você precisa fazer para
ser salvo, mas sim o que você precisa fazer se você diz que é salvo. Dentro desta
exortação, não se exclui a validade de alguém perguntar a si mesmo se realmente
entendeu o evangelho, pois o novo nascimento produz mudança de vida. Mas, em
princípio, Tiago não está ensinando como ser salvo, nem tem a intenção de contradizer
o ensino de Paulo. O texto serve de alerta para três classes de pessoas:

1. A pessoa que DIZ que tem fé (v. 14), mas na verdade não tem, e está perdida;

2. A pessoa que crê que Deus é um só (v. 19), o que não quer dizer muita coisa, pois até os
demônios e algumas religiões pagãs crêem. Crer que Deus é um só não é a mesma coisa que
confiar em Jesus como seu único e suficiente salvador;
3. A pessoa que crê no evangelho, mas como não leva uma vida de obediência a Deus, sua
fé não tem proveito prático (v. 16).
Curso Básico de Teologia 45

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

É como se ele estivesse dizendo: “eu não sei se vocês são salvos ou não. Não me
diga que você tem fé, mostre-me que você tem fé. Eu não vejo o coração, mas vejo
as obras, e por elas você não parece salvo. Pode ser que você não seja, porque se
você somente professou afé e fez uma oração de conversão, mas não houve nenhuma
mudança no seu coração, apenas religiosidade externa, não houve novo nascimento.
Acreditar em alguns fatos sobre Deus e ser batizado não significa que você confiou
pessoalmente em Jesus como salvador. Por outro lado, se você realmente se
converteu, não pode viver como se fosse um corpo sem espírito. Devemostrar a fé
que tem, como Abraão fez, sendo justificado pelas obras.”

Como assim, justificado pelas obras? Somos considerados justos perante Deus pela
fé para salvação da alma, mas somos considerados justos perante os homens pelas obras
para demonstrara salvação. Assim, as obras aperfeiçoam a fé.

Conclusão: pratique as obras diligentemente, mas nunca confie nelas para ser salvo.

4.2.2 Arrependimento e fé
O fato de alguns cristãos professos não exibirem frutos de salvação tem levado muitos a
ques- tionarem as conversões em massa que ocorrem em cruzadas evangelísticas e
cultos em mega igrejas. Em uma tentativa de diminuir o número de falsas conversões,
alguns têm enfatizado a necessidade de arrependimento e comprometimento no
momento da conversão. Assim, além de receber Jesus como seu salvador, seria
necessário recebê-lo como Senhor da sua vida para que houvesse um genuíno novo
nascimento. Para esses, receber Jesus como Senhor significa se arrepender de seus
pecados, se comprometer a abandoná-los e seguir Jesus. O problema dessa posição é
que parece acrescentar algo mais além da fé para que alguém seja salvo. Note o que diz
A. W. Pink, um dos defensores dessa posição:

“Algo além de ‘acreditar’ é necessário para a salvação... Ninguém pode aceitar


Cristo comoSalvador e, ao mesmo tempo, rejeitá-lo como Senhor! É correto o
pregador acrescentarque a pessoa que aceita Cristo também deveria submeter-
se a ele como Senhor. Mas não pode estragar tudo ao afirmar que, embora o
convertido não consiga fazê-lo, o céu estáassegurado para ele. Essa é uma
das mentiras do diabo.” [Pink, 2000].

É claro que submeter-se ao senhorio de Cristo faz parte da vida cristã e todo
crente pro-fesso deve ser instruído a fazer isso em sua vida diária. Mas, isso é algo que
deveríamos incluir como condição necessária ou pré-requisito para que alguém
receba Jesus como salvador? Oque você diria a uma pessoa, “venha como está” ou
“venha abandonando seus pecados”? Não somos salvos porque confessamos todos
os pecados, nem porque prometemos que vamos largá-los, nem porque consagramos
nosso coração a Deus. Aliás,Deus não quer nosso coração se ainda não nascemos de
novo, pois Ele não quer um coração de pedra. Ele primeiro precisa trocar o coração de
Curso Básico de Teologia 46

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

pedra por um coração de carne por meio do novonascimento para que possamos
consagrar o novo coração a Ele.

Apesar do que foi dito acima, é claro na Bíblia que o arrependimento faz parte da
mensagem do evangelho (veja At 2:38; 17:30; II Pe 3:9). O que é esse arrependimento
e por que devemos confessar Jesus como Senhor para sermos salvos (Rm 10:9)?
Arrepender-se significa “mudar a mente” (metanoeo). No processo de salvação, a
pessoa precisa mudar sua mente a respeito do seu pecado, a respeito de quem Jesus é
e a respeito do Seu sacrifício na cruz [Couch, 2010]. Confessar Jesus como Senhor não
é prometer que vai obedecê-lo, isso seria confiar na carne e é exatamente o que os
judeus fizeram na velha aliança:
“Então todo o povo respondeu a uma voz, e disse: Tudo o que o Senhor tem
falado,faremos”, Ex 19:8a,
pouco depois eles estavam adorando o bezerro de ouro. Deus não se impressiona com
nossas promessas, Ele só requer fé para a salvação, nem que seja como um grão de
mostarda. ConfessarJesus como Senhor é crer que Ele é o Senhor, ou seja, é Deus.
Isso vai nos fortalecer para vencermos o pecado e nos submetermos a cada dia à Sua
autoridade, mas esse é o processo de santificação progressiva, não de salvação.

4.3 Inclusivismo e universalismo


Muitos creem que a fé em Jesus é o melhor caminho para se chegar à salvação,
mas não é o único. Os inclusivistas acham que Deus irá salvar pessoas de todas as
religiões, desde quesinceramente busquem a Deus conforme sua própria consciência.
Um exemplo famoso dessa posição é C. S. Lewis, autor das “Crônicas de Nárnia” e
“Cristianismo puro e simples”. Outrosvão além, afirmando que no final, Deus irá salvar
todas (ou quase todas) as pessoas e “o amor triunfará”. Exemplos dessa posição
incluem Rob Bell e Caio Fábio.

Em resposta a isso, a Bíblia afirma não só que Jesus salva, mas que só Cristo salva:
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai,
senão pormim.”, Jo 14:6.
“E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum
outro nome há dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos.”, At
4:12.
O cristianismo é exclusivista por natureza. Não existe salvação em nenhuma outra
crença.Este é um fato que não podemos negligenciar, mesmo sob o risco de perdermos
a simpatia dos outros. Não existe meio termo, é Jesus ou nada:

“Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto
não crê no nome do unigênito Filho de Deus”, Jo 3:18.
Curso Básico de Teologia 47

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Mas, alguém dirá: “como então se salvam aqueles que nunca ouviram falar de
Jesus?” Por não se satisfazerem com a resposta Bíblica para esta pergunta, os
“inclusivistas” crêem que Deus vai salvar os “bons” de todas as religiões. Os
“universalistas” dizem que todos irão ser salvos,pois Cristo morreu por todos. Basta
ler o texto acima (Jo 3:18) e também Jo 3:16 para saberque somente os que crerem
em Jesus serão salvos. Não nos compete alterar as Escrituras para torná-las mais
facilmente aceitáveis.

O que acontece com os que não ouviram o evangelho?

“Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois,
invocarãoaquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não
ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?”, Rm 10:13-14.

A conclusão lógica é que todos os povos pagãos estão perdidos, pois não invocaram
aquele em quem não creram. Injusto? Não, um juiz nunca é injusto por condenar
criminosos. Se nãoacreditarmos nesse fato, nunca mais mandaremos missionários para
evangelizá-los. Melhor deixarque eles se salvem de outro jeito.

O inclusivismo ensina que apesar de a salvação ter-se tornado possível por Jesus
Cristo, nãoé necessário conhecer Jesus ou o que Ele fez para ser salvo. Assim, a
salvação poderia ser encontrada no Budismo, Hiduismo, Islamismo, etc. Isso pressupõe
que o deus (ou, pelo menos, o deus supremo) dessas religiões é o mesmo Deus da Bíblia,
o que claramente não é verdade. Não somos juízes das almas, apenas comunicamos a
sentença já determinada pelo Juiz. A humanidade está separada de Deus e não quer
segui-lo. São mortos que precisam nascer de novo. Se o Espírito Santo de Deus não
intervier por meio da pregação do Evangelho de Cristo, o homem não pode fazer
nada.

“De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”,Rm 10:17.
“Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua
sabedoria,aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.”,I Co
1:21.

Não existe plano B, é fé em Jesus ou nada:

“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que
esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês
tu isto?”, Jo 11:25-26
Curso Básico de Teologia 48

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

4.4 Terminologia Bíblica sobre a salvação


A seguir, são apresentadas as definições de quatro palavras bíblicas importantes
para a com-preensão da doutrina da salvação: expiação, redenção, remissão e
propiciação.

4.4.1 Expiação
A palavra hebraica traduzida como expiação é kaphar, que significa cobrir, tendo o
sentido de que os pecados são cobertos pelo sangue. A palavra também denota
reconciliação. Expiaçãovicária, ou substituição penal, significa que Cristo sofreu como
nosso substituto (ou vigário), ou seja, em nosso lugar. Isso tornou possível que nossos
pecados fossem pagos.

O ser humano somente poderia expiar seus pecados pessoalmente se sofresse


eternamente. Como Deus é amor, Ele interferiu nessa situação e providenciou um
substituto em Jesus, queproveu a satisfação eterna pelo pecado [Ryrie, 2004].

No Velho Testamento, o sangue de animais oferecia expiação temporária pelos


pecados do povo. No entanto, aquele sangue só era aceito por Deus por ser um
símbolo do sangue do Cristo que viria, “porque é impossível que o sangue dos touros e
dos bodes tire os pecados” (Hb 10:4). No Novo Testamento, o sangue de Cristo
garante um sacrifício único e definitivo por nossos pecados:

“Mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está
assentadoà destra de Deus”, Hb 10:12.

4.4.2 Redenção
Redenção significa resgate, ou libertação por meio do pagamento de resgate. Éramos
escravose Cristo nos libertou, pagando o preço do resgate com Seu próprio sangue: Note
os textos I Co 1:30 (Jesus é nossa redenção); Mc 10:45 (o Filho do Homem veio dar Sua
vida em resgate); I Tm 2:5-6 (Jesus deu Sua vida em preço de redenção por
todos).

Uma pergunta surge naturalmente nesse contexto. De quem Ele nos libertou?
Para quemfoi pago o preço? Uma teoria introduzida por Orígenes de Alexandria (185
– 254 A. D.) afirmaque Jesus morreu na cruz para pagar o preço ao diabo, dono das
almas dos homens perdidos.Satanás aceitou o preço e libertou os homens em troca do
Filho de Deus. No entanto, Satanás não sabia que Jesus iria ressuscitar, de forma que
Deus “virou o jogo” no final. Essa teoria do resgate é ensinada por C. S. Lewis no
livro As crônicas de Nárnia: O leão, a feiticeira e o guarda-roupas.

O problema dessa teoria do resgate é que ela ensina que Jesus teria feito um acordo
com o diabo, o que não é ensinado em lugar nenhum da Bíblia. A Bíblia também nunca
Curso Básico de Teologia 49

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

diz que Jesus derramou Seu sangue para o diabo, muito pelo contrário, o sangue foi
derramado para Deus,como pode ser visto em textos como Ef 5:2 e Hb 9:12-15. Da
mesma forma, os sacrifícios doVelho Testamento eram oferecidos a Deus, não ao
diabo.

Note que Hb 2:14-15 deixa claro que Jesus morreu não para pagar o diabo, mas
para aniquilá-lo e libertar os escravos do pecado e do império da morte.

Uma parábola importante no entendimento desse assunto é dada em Mt 18:23-


35, ondefica claro que Deus é o juiz e nós somos devedores a Ele e não ao diabo.
Jesus pagou nossa dívida para com o Pai e nos livrou da prisão e de sermos
atormentados pelo diabo.

4.4.3 Remissão
Uma palavra similar a redenção é remissão (ga’al), em geral usada no Velho
Testamento no contexto de um parente que paga o preço para recuperar a
propriedade da família que haviamudado de dono (veja Rt 4). Simbolicamente, Jesus
pagou o preço para recuperar aquele que se havia perdido. Note o uso dessa palavra
no texto abaixo:
“Eu os remirei (padah=resgatar,libertar) da mão do inferno, e os resgatarei
(ga’al=remir) da morte. Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó
inferno, a tua perdição?”,Os 13:14a.

4.4.4 Propiciação
“E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas
também pelos de todo o mundo.”, I Jo 2:2.
“Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo
Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para
demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a
paciência de Deus”, Rm 3:24-25.
Propiciação significa desviar a ira fazendo uma oferta. A ira de Deus foi aplacada
por meiodo sacrifício expiatório de Cristo.

A propiciação está relacionada com a expiação, mas são coisas diferentes. A


expiação refere- se à reparação do erro do homem para com Deus, Jesus pagando
nossa dívida legal para com o Pai; a propiciação acrescenta a ideia de acalmar a
pessoa ofendida. A propiciação enfatiza aira de Deus sendo aplacada. É correto afirmar
que Cristo propiciou a ira de Deus ao se tornar a expiação por nossos pecados [Ryrie,
2004].
Curso Básico de Teologia 50

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Se a ira de Deus já foi aplacada com a morte de Cristo, então o que o pecador
pode fazer para tentar aplacar Sua ira? A resposta é: nada. Ele já está acalmado,
aplacado e eternamente satisfeito [Ryrie, 2004].

4.5 Soberania de Deus versus livre arbítrio do homem


Premonição, precognição ou predestinação? O que você acha que se encaixa
melhor como papel de Deus na salvação? Deixe-me explicar melhor: como muitos
sabem, já há séculos existe uma verdadeira “guerra civil” no meio cristão a respeito de
como Deus faz para salvar as pessoas. Será que é Ele quem determina, em Sua
soberania, quem vai ser salvo ou não, ou será que somos nós que determinamos isso
baseados em nosso livre arbítrio? Existe um meio termo? A Bíblia traz respostas
conclusivas sobre isso?

Antes de comentar sobre esse aspecto da doutrina da salvação, precisamos


esclarecer os 3 termos:
1. Premonição: Acontecimento ou experiência tomados como sinal de que algo vai acon-
tecer (presságio). Forte sensação de que algo está prestes a acontecer (pressentimento)
(dicionário Priberam).
2. Precognição: Conhecimento antecipado; presciência (dicionário Priberam).
3. Predestinação: O propósito de Deus desde os tempos da eternidade com respeito a todos
os eventos; especialmente, a preordenação dos homens para felicidade ou miséria eternas
(dicionário Noah Webster, tradução minha).
Em outras palavras: 1 - Deus tem uma idéia do que vai acontecer no futuro, mas
não sabeao certo tudo (não é onisciente); 2 - Deus sabe exatamente o que vai acontecer
no futuro e age de acordo; 3 - Deus não só sabe, como determina tudo o que vai
acontecer. Vamos investigarmais a fundo cada uma dessas posições.

4.5.1 Premonição (ou Teísmo Aberto)


A primeira opção parece um monstrengo, mas na verdade tem evangélicos que acreditam
nisso. São os defensores do “Teísmo Aberto” ou sua forma mais moderada, a
“Teologia Relacional”. Conforme o Teísmo aberto, Deus tem um plano para a
humanidade, mas este plano não prevê tudo o que vai acontecer. Deus se adapta de
acordo com as circunstâncias, e age de acordocom o livre arbítrio humano. A Teologia
Relacional defende que Deus não interfere nas escolhas de suas criaturas, mas apenas
se relaciona com elas. Os dois maiores defensores da teologiarelacional no Brasil
são os pastores Ricardo Gondim e Ed René Kivitz, e talvez seja melhor usar suas
próprias palavras para explicar essa teologia. Ricardo Godim diz:
“Não consigo acreditar numa divindade que tudo ordena, que tudo dispõe e que
tudo orquestra...Não creio que ele tenha uma ‘vontade permissiva’ que deixa
que horrores se alastrarem (sic) para subrepiticiamente cumprir uma ‘vontade
Curso Básico de Teologia 51

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

soberna’ (sic). Não opercebo com começo, meio e fim da história prontos; ou que
no presente esteja contente em administrar cada nano evento preordenado em
sua providência.”
Ou seja, ele afirma que a história não tem começo, meio e fim prontos, mas se
desenrola de acordo com o livre arbítrio do homem. Como pode, então, Deus saber o
futuro com precisão?O teísmo aberto diz que Ele não sabe; a teologia relacional
prefere se omitir.

Ed René Kivitz completa:

“...não se pode conceber que Deus tenha decidido na eternidade que a missionária
fulana de tal seria estuprada numa esquina de São Paulo, para cumprir um
propósito, pois nesse caso, o estuprador está isento de responsabilidade...Essa
coisa de ‘Deus tem um plano paracada criatura’ é incoerente em relação à fé cristã,
pois seres criados à imagem e semelhança de Deus não podem ser privados da
liberdade. Ou os seres humanos são responsáveis pelos seus destinos, ou não
podem ser julgados moralmente”.

A conclusão destes pastores é motivada pela dificuldade em conciliar a idéia de um


Deus todopoderoso e plenamente soberano com a idéia de seres humanos totalmente
livres e responsáveispor seus atos. Além disso, dada a dificuldade de se explicar
porque coisas ruins acontecem com pessoas “boas” e “inocentes”, tem-se a
tendência de negar a mão de Deus sobre tais acontecimentos. Por mais difícil que
seja o assunto, qualquer tentativa de explicação que negue a soberania de Deus ou a
responsabilidade humana acaba desembocando em heresias. Devemos admitir o
mistério nestas questões e nos curvar ao que diz a Bíblia:

“Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum deus há além de mim; eu mato, e eu
faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da minha mão”, Dt 32:39.
“...receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto não
pecou Jócom os seus lábios”, Jó 2:10b.
“... eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que
anuncio ofim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não
sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha
vontade”, Is 46:9b-10.
“Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas
foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma
delas havia”, Sl 139:16.
“E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que
amama Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”, Rm 8:28.
Curso Básico de Teologia 52

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Descanse. Você não precisa entender todas as coisas, mas pode confiar que a mão
de Deus está em todas elas para o seu bem e para honra e glória do Seu nome. Ele,
de fato, está nocontrole.

Uma vez descartada a premonição, podemos explorar a doutrina da salvação com


as duasopções que nos restaram: precognição e predestinação.

4.5.2 Precognição (ou Arminianismo)


Sabemos que Deus tem essa capacidade, chamada precognição ou presciência, pois
Ele é onisciente (sabe tudo). Algumas pessoas acham que ele não interfere
diretamente no livrearbítrio humano, mas como sabe o futuro e o que está no coração
do homem, age de maneiraque Seus propósitos sejam sempre alcançados. Vamos
chamar tais pessoas de “arminianianas” (o arminianismo baseia-se nas ideias do
holandês Jacobus Arminius (1560 – 1609) e, na verdade, compreende muito mais do que
isso, como veremos a seguir). Comparando com o teísmo aberto, discutido na seção
anterior, imagine um jogo de xadrez entre Deus e o homem. Para o teísmo aberto, Deus
é um grande enxadrista, capaz de calcular com perfeição todas as possibilidadespara
os próximos movimentos a serem tomados caso o homem mova uma de suas peças
paraesta ou aquela casa do tabuleiro. Ele não sabe o que o homem vai fazer, mas já
tem todas as opções cobertas em Seu plano. Assim, Deus sempre ganha no final, pois
é um melhor jogador, mas nem tudo está no controle dEle. O arminiano, por outro
lado, enxerga Deus como um jogador que consegue ler os pensamentos do adversário
(inclusive aqueles pensamentos que o homem ainda não teve). Deus não interfere nas
ações do homem, mas como sabe todas elas de antemão, consegue traçar o plano da
vitória antes mesmo da partida começar, e nada escapa doSeu controle.

Com relação à salvação, tal ponto de vista encontra certa base nas Escrituras:

“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes


à imagemde seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos”, Rm 8:29.

Segundo o arminianismo, Deus conheceu de antemão os que haviam de crer em


Cristo paraa salvação. A estes Ele predestinou para serem como Cristo. Veja também o
texto abaixo, que destaca a presciência de Deus na eleição dos salvos:

“Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a


obediênciae aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam
multiplicadas”, I Pe 1:2.

Os arminianos, defensores da precognição, não têm problemas com o termo


predestinação, apenas o usam de maneira distinta dos calvinistas, que estudaremos
na próxima seção.
Curso Básico de Teologia 53

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

A maior divergência entre calvinismo e arminianismo é com relação ao livre arbítrio do


homem. Alguns calvinistas negam totalmente o livre arbítrio, chegando a dizer que
ninguém pode “aceitarJesus como salvador” para ser salvo, pois “aceitar” seria uma obra
e a salvação é de graça. Achoesse argumento exagerado, aceitar um presente não é uma
obra de justiça; ninguém vai se gloriardiante de Deus porque aceitou um presente. Mas
existem dois problemas básicos com o arminianismo com relação a este ponto:

1 - Existe um problema com a idéia de que o homem pode aceitar Jesus por livre e espontânea
vontade. A questão é que a vontade do homem é corrompida e o homem em seu estado natural não
entende a mensagem da salvação:

“Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que
entenda; Nãohá ninguém que busque a Deus”, Rm 3:10-11.
“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
parecemloucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente”, I Co 2:14.

A solução encontrada pelos arminianos é conhecida como graça preveniente, que é


uma ação de Deus que permite que as pessoas usem seu livre arbítrio para escolher ou
rejeitar a salvação oferecida em Jesus. É como se Deus removesse o véu que encobre
o entendimento humano comrelação às coisas espirituais:
“E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de
Tiatira, e queservia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que
estivesse atenta ao que Paulo dizia”, At 16:14.

É claro que sem esta ação de Deus os homens não vão crer, não importa o quanto
se tente. Os arminianos acham que Deus derrama graça preveniente sobre todos os
seres humanos, sem distinção, de maneira que todos têm a mesma chance de aceitar
ou rejeitar a salvação. Assim,o destino final está nas mãos do homem, e não de Deus.
Acho que é impossível encontrar naBíblia uma base sólida para defender que a graça
preveniente seja universal, principalmente se lembrarmos que muitos povos sequer
ouviram falar de Cristo. Assim, essa posição acaba caindo no inclusivismo.

2 - O segundo problema é que o arminianismo desconsidera a soberania de Deus na sal-


vação do homem. Mesmo supondo que a graça preveniente exista, ela não explica porque alguns
aceitam e outros rejeitam o evangelho. Por que alguns solos são férteis e outros não? E por
que alguns morrem sem nunca terem ouvido o evangelho? É necessário admitirmos que Deus é
soberano quanto à criação e, portanto, é soberano quanto à salvação. Afinal de contas, se Ele
sabia que eu não aceitaria o evangelho, com livre arbítrio ou sem livre arbítrio, por que Ele me
criou? Eu não pedi pra nascer!

Devemos admitir que as respostas para muitas dessas perguntas estão além da
nossa compreensão e nos conformarmos com o que a Bíblia nos revela. Deus é amor
e sabe o que faz;não age aleatoriamente, mas tem um propósito de glorificar o Seu
Curso Básico de Teologia 54

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

próprio nome; não é da nossa conta saber quais são os critérios que Ele usa em cada
uma de Suas decisões.

“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada
dirá aoque a formou: Por que me fizeste assim?”, Rm 9:22.

Seja como for, nunca podemos negar a soberania de Deus. É ela que nos dá a
tranquilidade de sabermos que se cremos em Cristo é porque Ele nos criou, amou,
chamou, iluminou e nósaceitamos de boa vontade:

“...E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida”, Ap
22:17b.

Resumo do arminianismo
A tese dos arminianos, também chamados de Remonstrantes, pode ser resumida em um
conjuntode 5 pontos:

1. Livre arbítrio: o arminianismo afirma que o homem nasce em pecado e incapaz de


responder à vontade de Deus sem o auxílio do Espírito Santo. No entanto, em algum
momento da vida, todos os homens experimentarão a graça preveniente, que liberta a
vontade do homem, capacitando-o a crer ou rejeitar o evangelho.
2. Eleição condicional: a eleição para salvação foi condicionada pela fé racional do homem,
ou seja, Deus escolheu, por meio de Sua presciência, aqueles que Ele sabia que iriam crer;
3. Expiação universal: Jesus morreu por todos, isto é, Ele morreu para tornar a salvação
possível a todos os homens, mas só os que creem se beneficiam disso;
4. Graça resistível: a graça não é irresistível. Assim, uma pessoa é capaz de resistir ao
chamado do Espírito Santo para a salvação;
5. Perda da salvação: os crentes não estão livres da possibilidade de cair da graça, podendo
perder a salvação. Isso ocorre se houver uma deliberada rejeição a Jesus e renúncia da fé.

O último ponto é rejeitado por alguns arminianos, que consideram que um verdadeiro
crente jamais renunciará sua fé em Jesus. Historicamente, o arminianismo tem sido a
posição adotada pelas igrejas Metodistas e pentecostais em geral.

4.5.3 Predestinação (ou Calvinismo)


Certa vez, eu estava conversando com um hindu e ele disse que acredita em destino e
que isso facilita a vida. “Se ocorreu alguma tragédia, não preciso me desesperar, pois
isso foi a vontade de deus”, disse ele. Claro que eu aproveitei para mostrar quem era o
verdadeiro Deus e qual era a Sua vontade para a vida dele, mas é curioso notar que a
idéia de um deus que controla tudotambém está presente em religiões pagãs e é
capaz de produzir certa paz interior. Por outrolado, a mesma idéia pode ser usada para
Curso Básico de Teologia 55

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

tentar isentar os homens da responsabilidade por seus atos. Este é o clássico problema
da soberania de Deus versus a responsabilidade do homem. Biblicamente, não
podemos negar nenhum dos dois fatos, Deus é 100% soberano sobre tudo eo homem
é 100% responsável por seus atos e escolhas.

O calvinismo é uma forma de interpretar a Bíblia que leva em forte consideração a


soberania de Deus em todos os aspectos da criação. Deus faz o que quer e Sua
vontade sempre será cumprida:

“Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou”, Sl 115:3.
“Tudo o que o Senhor quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os
abismos”,

Sl 135:6.
“Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados,
conformeo propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua
vontade”, Ef 1:11.

Sendo Ele o criador e o Senhor, ninguém pode contestá-lO perguntando “por que
nasci as- sim?”, “por que aconteceu esta tragédia?”, “por que Ele deixou a criança
morrer de fome?” ou “por que Ele escolheu Jacó e não Esaú?”. Certas respostas
simplesmente não nos pertencem.

O calvinismo tenta explicar a doutrina da salvação de maneira lógica e Bíblica,


partindo dasoberania de Deus. Resumidamente, o calvinismo ensina que:

4.5.3.1 Deus enviou Jesus ao mundo e ordena aos homens que se arrependam e creiam
nEle;
4.5.3.2 Como o homem natural não entende as coisas espirituais e seu coração é
totalmente depravado, seu desejo não é voltado para as coisas de Deus, e
consequentemente, se for depender apenas da sua própria vontade,
ninguém vem a Deus (Rm 3:10-11);
4.5.3.3 Deus, então, escolheu incondicionalmente alguns para serem salvos, a fim de
mostrar as riquezas da Sua graça (Rm 9:14-23). A estes Ele amou e
predestinou para serem seusfilhos adotivos (Ef 1:5).
4.5.3.4 Aos que Ele predestinou, Ele também salvou, quebrantando seus corações e
conduzindo-osa Jesus. Somente estes têm condição de crer no evangelho,
pois tiveram sua vontade transformada pelo Espírito Santo:

“E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai
não lhefor concedido”, Jo 6:65.
Curso Básico de Teologia 56

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

4.5.3.5 Por outro lado, todo aquele que é tocado pelo Pai, é conduzido a Jesus
de maneira irresistível:

“Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira


nenhuma olançarei fora”, Jo 6:37.

4.5.3.6 Os que vêm a Jesus não perdem a salvação, mas perseveram até o final
pelo poder deCristo:

“E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles


que medeu se perca, mas que o ressuscite no último dia”, Jo 6:39.
“Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o
ressuscitareino último dia”, Jo 6:44.

4.5.3.7 Como consequência de tudo isso, e considerando que Deus é soberano e faz
tudo que lhe apraz, conclui-se que Jesus morreu para pagar pelos pecados
apenas dos eleitos, e não pelos do mundo inteiro, pois se os pecados do
mundo todo tivessem sido pagos, ninguém seria condenado.

Note que os calvinistas não negam a existência de uma capacidade humana de


escolha. Essacapacidade de escolha eles chamam de “livre agência”, mas eles negam
que a livre agência possanos levar à salvação, pois a escolha está amarrada à vontade
humana, e esta vontade é natu-ralmente contrária à vontade de Deus. Pela definição do
dicionário Aurélio, arbítrio é o “poder, faculdade de decidir, de escolher, de determinar,
dependente apenas da vontade”. Então, é claroque esta vontade precisa ser “quebrada”
por Deus antes que possa haver salvação. Os calvinistaspropõem a existência de uma
graça irresistível, pela qual Deus transforma a vontade dos eleitos somente, o que é
diferente da graça preveniente dos arminianos, pela qual Deus ilumina todas aspessoas,
indiscriminadamente. Olhando a sequência de 7 pontos acima, o calvinismo parece ser
algo lógico e bem fundamentado, apesar de talvez não ser uma descrição agradável para
muitos.

TULIPA
Assim como o arminianismo, pode-se resumir os ensinamentos do calvinismo em 5
pontos, queem inglês formam o acróstico TULIP:

1. T - (Total depravity = depravação Total): o homem natural é totalmente depravado e


incapaz de crer no evangelho;
2. U - (Unconditional election = eleição Incondicional): Deus escolheu para si aqueles
que Ele haveria de salvar; essa escolha é incondicional, ou seja, não é baseada em
nenhum mérito pessoal ou obra de justiça que Deus tenha antevisto na pessoa, nem
mesmo napresciência de quem haveria de crer;
3. L - (Limited atonement = expiação Limitada): Jesus não morreu pelos pecados de todas
Curso Básico de Teologia 57

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

as pessoas, apenas pelos eleitos;


4. I - (Irresistible grace = graça Irresistível): somente os eleitos são irresistivelmente atraídos
a Deus pelo Espírito Santo;
5. P - (Perseverance of the saints = Perseverança dos santos): os eleitos irão perseverar
nafé até o último dia de suas vidas, sendo impossível a perda da salvação.

Regeneração antes da fé?


Alguns problemas têm sido levantados por teólogos com relação ao calvinismo.
Primeiro, para que a graça irresistível funcione, os calvinistas ensinam que o novo
nascimento tem que ocorrer antes de a pessoa ter fé em Jesus. Isto porque a pessoa
sem Cristo está morta em seus pecados,e um morto não faz nada sem que Jesus o
ressuscite antes:

“Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo
(pela graça sois salvos)”, Ef 2:5.

Como John Piper coloca, sem primeiro nascer de novo, a pessoa não consegue
receber Jesus como salvador:

“Cremos que o novo nascimento é uma criação milagrosa de Deus que habilita uma
pessoaque estava ‘morta’ a receber Cristo e ser salva. Nós não achamos que a fé
precede e causa o novo nascimento. A fé é uma evidência de que Deus nos
regenerou.” (tradução minha)

Ou ainda, o pecador só vem a Jesus após nascer de novo e ter sua vontade mudada,
conforme D. Steele e C. Thomas:

“O Espírito Santo cria dentro do pecador um novo coração ou uma nova criatura.
Isto é feito por meio da regeneração ou novo nascimento, por meio do qual o
pecador se torna um filho de Deus e recebe vida espiritual. Sua vontade é
regenerada por este processo de tal forma que ele vem a Cristo...” (“Five Points
of Calvinism Defended”, tradução minha)

Logo, tem-se uma situação em que uma pessoa nasce de novo antes de receber
Jesus como salvador. É regenerada primeiro e só depois vai crer em Cristo. A pessoa
é salva contra sua vontade. Em contraste com essa teoria, teólogos de oposição têm
argumentado que os seguintestextos sugerem que a fé em Cristo é condição para a
salvação e não consequência dela:

“...Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar? E eles disseram: Crê
no SenhorJesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa”, At 6:30b-31.
Curso Básico de Teologia 58

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

“A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração


creres queDeus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”, Rm 10:9.

Alguns calvinistas propõem que fomos eleitos incondicionalmente antes da


fundação do mundo segundo o plano de Deus (Ef 1:5), mas o ato da salvação é
condicional, somente os que crerem serão salvos. Mas só os eleitos acabam
crendo.

Os calvinistas em geral interpretaram “mortos em nossas ofensas” em Ef 2:5


como se o incrédulo fosse literalmente um cadáver, incapaz de responder a
estímulos evangelísticos. O primeiro ponto do calvinismo, depravação total, é
entendido como sendo a total incapacidadede crer no evangelho. Outros acham que o
incrédulo está “morto” no sentido de estar separado de Deus por causa do pecado (Ef
2:3), mas Deus pode iluminá-lo com a verdade e produzir a fé que resultará em
salvação. O calvinista John Piper ilustra como isso pode acontecer:

“O que a soberania do Espírito significa é que quando Deus escolhe, ele pode
vencer arebelião e resistência da nossa vontade. Ele pode fazer Cristo parecer
tão atrativo quenossa resistência é quebrada e nós livremente vamos a ele e o
recebemos e cremos nele.” (“The Free Will of the Wind”, tradução minha).

Para Piper, essa mudança da vontade é o próprio novo nascimento, que habilita o
homem a crer. Para outros, essa mudança é uma ação do Espírito que habilita o homem
a crer e só então ele nasce de novo (veja [Stanford, 1988a]).

Alguns efeitos colaterais negativos têm surgido no meio calvinista. Os


“hipercalvinistas” acham que porque Deus está no controle de tudo, eles não precisam
falar de Cristo, pois Deusvai salvar os eleitos de qualquer jeito. Outros acham que Deus
usa o método da pregação para alcançar Seu propósito de salvar o pecador, mas não
precisamos nos esforçar para convencer os outros da verdade, pois a pessoa só vai crer
depois que nascer de novo, e isso é obra de Deus. Então, se eu comunicar suscintamente
o evangelho e orar, já fiz tudo que precisava e estava ao meu alcance. Isto é uma “meia
verdade”. Muitas pessoas são ganhas pela persistência de umevangelista em tentar
convencê-los. Paulo tentava persuadir as pessoas a aceitarem o evangelho:

“E, entrando na sinagoga, falou ousadamente por espaço de três meses,


disputando epersuadindo-os acerca do reino de Deus”, At 19:8.

Terminologia
Alguns termos teológicos comuns às discussões sobre soteriologia são definidos abaixo.

•Monergismo: ensina que a salvação é obra somente de Deus, que elege e


regenera ohomem sem a participação da vontade humana. É a posição ensinada
pelos calvinistas.
Curso Básico de Teologia 59

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15


Sinergismo: ensina que Deus e o homem cooperam para o processo de salvação.
Deus derrama Sua graça, mas o homem deve colaborar com seu livre arbítrio
para que hajasalvação. É a posição defendida pelos arminianos e católicos.
•Supralapsarianismo: refere-se à ordem lógica dos decretos de Deus antes da
criação. Segundo o supralapsarianismo, Deus decidiu:
1. Eleger alguns e reprovar outros;
2. Criar todos;
3. Permitir a queda;
4. Providenciar salvação para os eleitos;
5. Chamar os eleitos para a salvação.

• Infralapsarianismo: No infralapsarianismo, Deus decidiu, pela ordem:

1. Criar todos;
2. Permitir a queda;
3. Eleger alguns e ignorar os outros;
4. Providenciar salvação para os eleitos;
5. Chamar os eleitos para a salvação.

Assim, no infralapsarianismo, a queda é uma permissão de Deus e a eleição é um


remédio. No supralapsarianismo, a condenação dos homens é um propósito de
Deus e a permissão da queda é o meio pelo qual Ele determinou essa
condenação.
Curso Básico de Teologia 60

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

AULA 5
A IGREJA

ϵκκλησíα = ekklesia = assembleia, igreja


Eclesiologia: ekklesia (igreja) + logos (palavra, discurso) = estudo da igreja.

5.1 A doutrina da Igreja

Existe, na Bíblia, apenas um povo de Deus ou dois povos com destinos distintos?
A igrejaé, simplesmente, a versão neo-testamentária do Israel do Velho Testamento?
Qual sistema de interpretação explica melhor a doutrina da igreja?

Do ponto de vista dispensacionalista, que adota como norma uma interpretação


literal da Bíblia, a igreja e Israel são vistos como dois povos distintos, com profecias
diferentes associadas a cada um deles. Este é um ponto importante para se
compreender as Escrituras. Consideraremos que a igreja teve seu início em Atos 2,
quando o Espírito Santo batizou os crentes, formando o “corpo de Cristo”, composto,
indiscriminadamente, de judeus (Israel) e gentios.

A palavra grega ekklesia, normalmente traduzida como “igreja”, pode significar


assembleia oucongregação. Tecnicamente, a palavra significa “os chamados para fora”.
No novo Testamento,o termo é usado para denotar tanto a igreja universal de Cristo
como as igrejas locais.

5.1.1 A igreja universal e as igrejas locais


“Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros,
sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também. Pois todos nós fomos
batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer
servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito”, I Co 12:12-13

O termo “igreja universal” refere-se à totalidade dos cristãos no mundo,


independentemente de qual denominação eles frequentam. Todos os que depositam sua
confiança pessoal em Cristo fazem parte deste “corpo”, unido por um mesmo Espírito
Santo e tendo Cristo como cabeça.
Por outro lado, esses membros se reúnem localmente para cultuar em grupos
denominados comumente de igrejas locais. Paulo menciona ambos os grupos
quando fala

“À igreja de Deus que está em Corinto (igreja local), aos santificados em Cristo
Jesus, chamados santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome
Curso Básico de Teologia 61

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

de nosso SenhorJesus Cristo (igreja universal), Senhor deles e nosso”, I Co


1:2).

5.1.2 Quem é a “pedra”?


Além de “corpo de Cristo”, a igreja também é comparada a uma lavoura (I Co 3:9),
edifício ou casa (I Co 3:9; Hb 3:6). Note que os textos não se referem aos prédios
usados para as reuniões da igreja, mas sim aos próprios membros como sendo o
edifício. Curiosamente, o corpo físico de cada crente individualmente também é
chamado de “templo do Espírito Santo” (I Co 6:19).

Se a igreja é comparada a um edifício, qual é a sua pedra principal? A primeira


referência à igreja na Bíblia é um dos textos mais citados neste contexto:

“Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
igreja, eas portas do inferno não prevalecerão contra ela”, Mt 16:18.

Jesus usa duas palavras gregas distintas, mas parecidas neste verso. Petros é o
nome dePedro, sendo uma palavra masculina que significa pedra ou rocha. Petra é uma
palavra feminina que significa pedra, rocha ou rochedo. Assim, Jesus disse algo como
“...tu és uma pedra, e sobre esta rocha edificarei a minha igreja...”. Existem três
interpretações principais para este texto:

5.1.2.1 Pedro é a rocha sobre a qual Jesus edificaria Sua igreja;


5.1.2.2 Jesus é a rocha sobre a qual a igreja seria edificada;
5.1.2.3 A declaração anterior de Pedro, “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, é a
rocha, ou seja,a igreja seria edificada sobre o fundamento desta
verdade.

A primeira posição é defendida pela igreja Católica Romana e usada para


argumentar quePedro foi o primeiro Papa da igreja. A segunda posição é coerente com
outras passagens bíblicas, mas não reflete uma leitura natural deste texto. A terceira
posição é bastante popular no meio protestante e usa a diferença de gênero das duas
palavras para distinguir o nome de Pedro dasua declaração.

Mesmo que se adote a primeira opção, não há razão para se achar, com isso, que
Pedro seriaa principal pedra da igreja, pois foi ele mesmo que disse que Jesus “é a pedra
que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina” (At
4:11). O próprio SenhorJesus afirmou a mesma verdade em Mc 12:10. Paulo
acrescenta:

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus


Cristo é a principal pedra da esquina;”, Ef 2:20.
Curso Básico de Teologia 62

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Nesse texto fica claro que existem outras pedras importantes no fundamento da igreja,
além de Pedro, mas Cristo é a principal.

5.1.3 O propósito da Igreja


Pode-se dizer que, assim como a Lei de Moisés, o propósito da igreja pode ser
resumido emdois mandamentos, amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo
como a si mesmo (Mc 12:30). Isso inclui a Grande Comissão de ir e fazer discípulos
(Mt 28:19).

De uma forma mais detalhada, alguns autores procuram dividir as ações da igreja
em umconjunto de áreas ministeriais. Por exemplo, Rick Warren divide os propósitos
da igreja em cinco áreas: adoração, evangelismo, serviço, comunhão e ensino [Warren,
1997]. A divisão em três, cinco, sete ou mais propósitos é arbitrária, visando facilitar a
organização e administraçãoda igreja. O mais importante é permanecer fiel a toda a
revelação do Novo Testamento sobre a igreja. Neste sentido, uma passagem em
particular resume a vida da igreja primitiva em Jerusalém:

“E com muitas outras palavras isto testificava, e os exortava, dizendo: Salvai-


vos destageração perversa. De sorte que foram batizados os que de bom grado
receberam a suapalavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas, E
perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão e
nas orações. E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se
faziam pelos apóstolos. E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em
comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo
cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e
partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração,
Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava
o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar.”, At 2:40-47.

Aqui vemos evangelismo, separação do mundo, batismo, ensino, comunhão, ceia,


oração, temor a Deus, milagres, caridade e adoração. Fazendo isso, a igreja será o
bom perfume deCristo (II Co 2:15), a luz do mundo (Mt 5:14) e o sal da terra (Mt
5:13).

5.2 As ordenanças

Tradicionalmente, as igrejas evangélicas têm reconhecido duas cerimônias principais que


Jesus ordenou à igreja, o batismo e a ceia. Alguns consideram que o “lava pés”
também seria umaordenança de Jesus (Jo 13:14).
Curso Básico de Teologia 63

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

5.2.1 O Batismo
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do
Pai, e doFilho, e do Espírito Santo”, Mt 28:19.

O batismo é uma doutrina que causa enorme divisão na igreja e no passado foi
responsável pela morte de inúmeros cristãos (o livro “O rasto de sangue”, do Dr.
James Milton Carrol, fala em cerca de 50 milhões de pessoas mortas por divergências
sobre este assunto). Apesarde ser uma ordenança clara de Jesus, algumas igrejas
ignoram esta prática, como as de linhahiper-dispensacionalista, que consideram que
era apenas uma ordenança para os primeiros anos da igreja.

O significado do batismo
“De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como
Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós
também em novidadede vida”, Rm 6:4.

O texto acima expõe o significado do batismo nas águas como sendo um símbolo de
nossa identificação com a morte de Cristo, sepultamento e ressurreição para uma nova
vida. Tudo isto ocorreu espiritualmente quando cremos em Jesus e fomos batizados com
o Espírito Santo, sendoinseridos no corpo de Cristo (I Co 12:13).

Como deve ser feito o batismo?


Conforme Mt 28:19, o batismo deve ser ministrado em nome do Pai, do Filho e do
EspíritoSanto. Três formas de batismo são praticadas pelas igrejas cristãs atualmente:

5.2.1.1 Aspersão: uma pequena quantidade de água é respingada ou borrifada sobre


a pessoa. Éa forma praticada pelas igrejas Católicas Romanas e
Presbiterianas;
5.2.1.2 Efusão (ou afusão): Uma grande quantidade de água é derramada sobre a
pessoa. É aforma praticada pelos Amish e Menonitas Conservadores;
5.2.1.3 Imersão: A pessoa é mergulhada totalmente na água. É a forma praticada
pelas igrejasBatistas, Assembléias de Deus e Adventistas.

A palavra grega baptizo significa mergulhar, submergir ou lavar. Como Jesus foi
batizado no rio Jordão, provavelmente tratou-se de um batismo por imersão. Esta forma
de batismo ilustra melhor o significado do batismo como a morte e sepultamento do velho
homem e ressurreição docrente para uma nova vida. Defensores de aspersão e efusão
afirmam que o batismo por imersão é inadequado na ausência de um rio, lago ou
batistério e dificilmente pode ser ministrado a pessoas muito idosas.
Curso Básico de Teologia 64

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

O batismo salva?
O texto de Marcos 16:16 tem sido usado para defender a necessidade do batismo para a

salvação: “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será

condenado”, Mc 16:16.

Mas, note que o texto fala sobre a salvação dos que creem e são batizados, da
condenação dos que não creem, mas não fala nada sobre aqueles que creem e não são
batizados. Na verdade,a Bíblia é clara em afirmar que somos salvos pela graça mediante
a fé somente (Ef 2:8). Paulo deixa implícito que o batismo não salva quando afirma
“Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar” (I Co 1:17a). O
batismo é uma importante profissão pública da fé, mas não tem poder de salvar.
Quem deve ser batizado?
Na igreja Católica Romana o novo nascimento é efetuado pelo sacramento do
batismo e, por-tanto, eles praticam o pedobatismo, isto é, o batismo infantil. Para os
católicos romanos, sacramento é um ritual que tem o poder de conceder bênçãos
independentemente da fé da pes- soa. Para os protestantes, o novo nascimento é
somente pela fé (Jo 1:12; Jo 3:16).

Nas igrejas reformadas, como a Presbiteriana, o pedobatismo é praticado por


outros mo-tivos. Eles comparam o batismo no Novo Testamento com a circuncisão no
Velho Testamento.Os israelitas deviam circuncidar seus filhos ao oitavo dia de vida
(Gn 17:12), como símbolo de pureza espiritual da descendência de Abraão. Se no
Novo Testamento o povo de Deus é a igreja e o batismo é o símbolo da aliança de
Deus com este povo, tal símbolo deveria ser aplicado aos bebês, segundo os cristãos
reformados. Um texto usado para justificar essa posição é Cl 2:10-12, que fala do
batismo em relação à circuncisão de Cristo, ou seja, o batismo do Espírito Santo. O
símbolo visível da circuncisão de Cristo é o batismo nas águas. Se no Velho
Testamento o símbolo da circuncisão era ministrado às crianças do povo de Deus, por
que não ministrar o símbolo da Nova Aliança às crianças da igreja?

Para responder essa pergunta, precisamos entender como alguém entrava no povo
de Deus no Velho Testamento e como entra no Novo. Em Israel, todas as crianças já
nasciam parte dopovo de Deus, pois eram descendência de Abraão, Isaque e Jacó
segundo a carne e estavamdebaixo das promessas. Filho de judeu é judeu. No entanto,
no Novo Testamento, para alguém entrar no corpo de Cristo é necessário nascer de novo.
Sendo assim, o símbolo só é válido para quem já foi regenerado. O batismo é um
símbolo de algo que aconteceu no passado, não dealgo que talvez vá acontecer no
futuro (At 10:47; Gl 3:27; Rm 6:3). É por isso que Pedroafirma ser necessário,
primeiro, o arrependimento:
Curso Básico de Teologia 65

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

“E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome


de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito
Santo”, At 2:38

A necessidade de arrependimento também era pregada por João Batista (Mt 3:7-8),
embora seu batismo fosse precursor do batismo praticado posteriormente pela igreja.

Alguns usam textos como At 16:15,33, onde famílias inteiras foram batizadas,
como justi- ficativa para o batismo de bebês. No entanto, em nenhum lugar está
escrito que bebês foram batizados nessas famílias, sendo isso uma suposição.

O texto de Rm 6:3-4 afirma que todos fomos batizados na morte de Cristo para
que an- demos em novidade de vida. É difícil imaginar que um bebê vai andar em
novidade de vida sóporque alguém molhou sua cabeça quando nasceu. A Bíblia
não ensina isso.

5.2.2 A ceia
“Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é
o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em
memória de mim”,I Co 11:25.
A outra ordenança de Jesus para a Igreja é a ceia, também chamada de
comunhão ou eucaristia, notadamente um símbolo do corpo e sangue de Cristo
entregues por nós na cruz.

A ceia é necessária para a salvação?


Para a igreja Católica Romana, a ceia é um sacramento necessário à manutenção da
vida espiri- tual. A palavra missa significa um ordem de despedida (para os que não irão
participar da ceia). Segundo eles, no momento da eucaristia (ações de graças) ocorre a
transubstanciação, quando Jesus se oferece e o participante recebe o perdão. Não
importam os atos ou o coração da pessoa,se ela comer a hóstia (vítima), será perdoada.
Na garganta do fiel, a hóstia se transubstancia,ou seja, se torna, em substância, no
corpo de Cristo. É um sacrifício que se repete a cada missa (contrariando Hb 9:28) e
o corpo de Cristo é onipresente.

A justificativa para a transubstanciação é Lc 22:19, “isto é o meu corpo”, e Jo


6:51-56, onde Cristo fala que devemos comer sua carne e beber seu sangue. Mas a
Bíblia em momento algum ensina o canibalismo, tendo tais passagens sentido simbólico,
o que fica claro no verso 35da mesma passagem de Jo 6:
“E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e
quem crê em mim nunca terá sede”, Jo 6:35.
Nesse texto, está claro que “comer” significa ir a Jesus e “beber” significa crer nEle.
Tornamo-nos participantes do seu corpo e do seu sangue quando o recebemos como
Curso Básico de Teologia 66

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

salvador. A ceia é ummemorial desse evento. Assim como o batismo nos lembra de
nossa identificação com a morte de Cristo, a ceia nos lembra de Sua morte por nós.
Portanto, são ordenanças e não sacramentos.

A maioria dos reformadores teve dificuldades de se afastar do conceito romano de


transub- stanciação. Lutero dizia que o corpo de Cristo está “em, com e sob” o pão, mas
o mesmo não se transforma no corpo. Esta é a consubstanciação. A presença de Cristo
nos elementos é como se fosse “água em uma esponja”, está presente em todo lugar,
mas não é a mesma substância que a esponja. Calvino dizia que o pão apenas
simbolizava o corpo, mas que Cristo estava presente espiritualmente na ceia. Já
Zwinglio adotou a posição defendida hoje pelos Batistas, onde oselementos apenas
são símbolos em um memorial do corpo e sangue de Cristo (I Co 11:24-25). A ceia é
uma proclamação do evangelho até que Jesus volte.

Baseado em I Co 10:16, John Piper tenta defender uma posição reformada da ceia,
“quem come e bebe na ceia participa do corpo de Cristo espiritualmente. Pela fé, são
nutridos espiri-tualmente daquilo que Jesus conquistou. Quando você come e bebe,
sua fé deve alcançar tudoo que Jesus conquistou”. Pessoalmente, acho esta explicação
desnecessariamente complicada. Na verdade, é mais simples entender o texto de I
Co 10 como um simbolismo e não como uma presença mística de Jesus nos
elementos, até porque, no verso 17 somos todos chamados de “pão”, que é
simplesmente um símbolo de nossa união no corpo de Cristo. Existe benefício
espiritual em um coração contrito, mas não nos elementos. A cerimônia não te faz mais
espiritual.

Quando deve ser celebrada a ceia?


Não existe uma lei a respeito da periodicidade da ceia. A igreja primitica a celebrava
regular- mente, pelo menos nos cultos de domingo (At 20:7) e possivelmente
diariamente (At 2:46).
Quem pode participar da ceia?
Conforme I Co 10:16-17, só participa do pão quem já é pão, ou seja, quem já está
no corpode Cristo e já está em comunhão com Ele. É importante, também, que o
participante esteja espiritualmente “digno” de participar, razão pela qual a maioria das
igrejassó ministra a ceia aos que já foram batizados e estejam em comunhão com a
igreja (I Co 5:11).

Como se deve participar da ceia?


“Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente,
será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si
mesmo, e assimcoma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe
Curso Básico de Teologia 67

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o


corpo do Senhor.”, I Co 11:27-29.

Como dissemos anteriormente, o ritual da ceia não produz bênção, mas um coração
contritoe sincero pode ser abençoado neste momento. Da mesma forma, um coração
profano e quenão discerne o corpo de Cristo neste momento pode ser causa de juízo
divino. Não porque oselementos sejam sagrados, mas pelo que eles simbolizam. O juízo
de Deus pode vir sobre uma pessoa que deboche de qualquer momento de adoração,
sobretudo em relação à cruz de Cristo.

5.3 O Governo da Igreja

5.3.1 Pastores e diáconos


A igreja foi fundada pelo Espírito Santo em Pentecostes com o propósito de unir todos os
crentesem um corpo espiritual. Esta nova organização deveria depender de Deus
para dar direção ecrescimento, seguindo o padrão estabelecido no livro de Atos [Couch,
1999b] e as instruções dasepístolas do Novo Testamento.

No princípio, a igreja estava sob supervisão direta dos apóstolos. No devido


tempo, outrosforam selecionados para auxiliar no trabalho da igreja At 6:2-4. Estes
homens foram con- hecidos como diáconos (I Tm 3:8-13). Bispos, ou anciãos,
também foram apontados sobre diversas igrejas (At 14:23). Apesar de os primeiros
anciãos serem escolhidos diretamente pelos apóstolos e evangelistas (Tt 1:5), com o
passar do tempo as novas igrejas começaram a insti- tuir seus próprios líderes,
conforme os critérios deixados pelos apóstolos (I Tm 3:1-7; Tt 1:6-9).

Com o fim da era apostólica, a igreja passou a ser presidida por presbíteros,
auxiliados pordiáconos. O termo apóstolo hoje não se refere mais aos “cabeças” ou
governantes da igreja, podendo ser empregado apenas como referência a um
missionário, enviado como representante da igreja. Na Bíblia, os termos “pastor”,
“bispo”, “presbítero” e “ancião” referem-se ao mesmocargo.

5.3.2 Formas de governo


Em meados do século II, o termo bispo começou a ser usado para se referir ao
principal presbítero de uma localidade. A partir do século III, a organização da igreja
começou a assumir uma
hierarquia mais acentuada, com uma divisão cada vez maior entre aqueles oficiais
que minis-travam (o clero) e os que apenas assistiam (os leigos) aos cultos. O clero
foi se isolando cadavez mais dos leigos, evitando envolvimentos em negócios seculares
e relações sociais, inclusiveo casamento. Eles se apresentavam como sendo totalmente
independentes dos outros cristãose devotados exclusivamente ao serviço do “santuário”
[Couch, 1999b]. Esta hierarquia rígida só seria quebrada a partir do século XVI com o
Curso Básico de Teologia 68

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

início da Reforma Protestante. Com isso, algumasformas de governo da igreja se


destacaram [Willmington, 1993]:

5.3.2.1 Hierárquico. Esta forma de governo está baseada no conceito de sucessão


apostólica, sendo que todas as decisões mais importantes da igreja são
tomadas pelo clero, organizado em classes ou ordens. Neste governo,
destacam-se:
Governo Papal. O bispo de Roma é a autoridade suprema, estando na
“cadeira” de Pedro, de onde pode pronunciar dogmas infalíveis. Praticado pela
Igreja Católica Romana.
Governo Episcopal. Neste sistema, a igreja é governada por bispos
(episkopoi), que são os únicos que podem ordenar sacerdotes e diáconos para as
igrejas locais. É a forma adotada pelas igrejas Anglicana, Luterana, Metodista
e Ortodoxa.
5.3.2.2 Presbiteriano ou federativo. Cada igreja local elege um grupo de anciãos para
representá-las. Estes formam a sessão da igreja, que é composta por um grupo
de anciãos que governam mas não ensinam e outros que o fazem. Acima da
sessão está o presbitério, que incluianciãos de todas as congregações de um
dado distrito. Pastores podem ser escolhidos por suas congregações, mas
precisam ser aprovados pelo presbitério. Acima do presbitério estáo sínodo e
acima deste, a assembleia geral.
5.3.2.3 Congregacional ou democrático. O governo da igreja está nas mãos dos
próprios membros. Em sua forma mais “pura”, afirma que nenhum homem
ou grupo de homens deveria exercer autoridade sobre a assembleia local.
Pastores e diáconos são escolhidos pela congregação por maioria de votos.
Esta é a forma de governo adotada pelas igrejas Batista e Congregacional.

O sistema congregacional prefere adotar a forma democrática, baseada em textos


que enfati-zam o papel de toda a igreja em decisões importantes por meio do uso do voto
(At 1:26; 6:3; II Co 2:5-6). O modelo presbiteriano baseia-se em textos que mencionam
a autoridade apostólica para sancionar ou não as escolhas da igreja (At 6:6), além de
passagens em que evangelistas instituem pastores (Tt 1:5). O modelo presbiteriano
pode ser hierárquico demais, ao passo que no modelo congregacional corre-se o risco
de se ter as ovelhas dizendo ao pastor o que estedeve fazer. Na prática, encontramos
elementos de presbiterianismo no modelo congregacional adotado pelas igrejas Batistas
ligadas a uma convenção, ao passo que o modelo congregacional mais pleno seria
praticado por igrejas Batistas independentes.

5.3.3 Mulheres na Igreja


A ordenação de pastoras é um dos assuntos mais discutidos atualmente no meio
Batista, comalguns entendendo isso como sendo um sinal de progresso e outros como
Curso Básico de Teologia 69

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

prova de liberalismo na convenção. Nesta seção, serão apresentados os principais


argumentos dos dois lados do debate,
o complementarista e o igualitarista. Nesta análise, serão deixados de fora
argumentos pragmáticos, tais como aqueles que defendem a ordenação feminina porque
existem pastoras que sãouma bênção ou têm muitos dons. Também não será discutida
a posição de pessoas que pensam que Paulo estava errado quando proibiu a
ordenação feminina. Consideramos que a Bíblia é aPalavra de Deus e é suficiente para
que a Igreja conduza suas atividades conforme Sua perfeita vontade.

Posição complementarista
A posição complementarista afirma que o homem e a mulher não são iguais em todos
os papéis e ministérios na Igreja, mas se complementam. Essa posição pode ser
defendida pelos seguintestextos:

“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar;
mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma
coisa, inter- roguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que
as mulheres falem na igreja”, I Co 14:34-35.

Existem diversas interpretações para o texto acima. Alguns acham que as mulheres
devem estar sempre em silêncio na igreja; outros acham que o texto refere-se a
problemas de desordemnos cultos em Corinto, onde várias pessoas falavam em línguas
ou profetizavam ao mesmo tempo e as mulheres faziam perguntas durante o ensino;
outros entendem, pelo contexto do capítulo 14,que a proibição refere-se ao momento de
julgamento de profecias, que seria reservado apenas aos homens. Qualquer que seja a
interpretação, o texto diz que as mulheres deveriam estar caladas e não os homens, de
onde pode-se concluir que não poderia haver pastoras na igreja, pois aos pastores é
incumbido o ensino e julgamento de erros na igreja.

“A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher
ensine,nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio.”, I Tm
2:11-12.

Algumas pessoas afirmam que esse texto é aplicável somente ao contexto da época,
devido aproblemas particulares de insubordinação das mulheres da igreja. Seja qual for
a argumentação, os motivos para a proibição são atemporais, com Paulo indicando que
Eva foi criada como aju- dadora para Adão, e não vice-versa, além de Eva ter sido
enganada (v. 13-14). Ainda sobre esseponto, Paulo acrescenta:

“Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a
cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo.”, I Co 11:3.
Curso Básico de Teologia 70

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

Logo em seguida, Paulo começa a ensinar que a mulher deve orar ou profetizar com
a cabeçacoberta, como símbolo de submissão ao homem. O homem não precisa desse
símbolo porque eleé a cabeça da mulher. Note que esse fato não significa que o homem
seja, em essência, superiorà mulher, assim como Jesus não é inferior ao Pai, apesar
de Deus ser a cabeça de Cristo. Suasubmissão ao Pai é voluntária, como deve ser a
submissão da mulher ao homem.
É curioso notar que muitos igualitaristas defendem que o homem deve ser o cabeça
do lar, mas não precisa ser o cabeça da igreja. Essa posição me parece contraditória,
pois I Tm 3:1-7 informa que os pastores devem governar bem seus lares e ser maridos
de uma só mulher. Se as mulheres não devem governar seus lares, como podem
governar a igreja? Os critérios para a escolha de pastores são exclusivamente voltados
para o sexo masculino. Se estes critérios podemser ignorados hoje, então, por que não
ignorar também a ordem hierárquica no lar?

De uma maneira mais geral, a posição complementarista está de acordo com o padrão
bíblico,onde Eva era ajudadora de Adão antes mesmo da queda; os patriarcas da casa
de Israel eramhomens; os sacerdotes do Velho Testamento eram todos homens; assim
como os 12 apóstolos eos pastores no Novo Testamento.

Posição igualitarista
A seguir, são apresentados os principais textos usados para se defender a posição
igualitarista.

“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea;
porquetodos vós sois um em Cristo Jesus”, Gl 3:28

Os igualitaristas dizem que na igreja de Deus não existe diferença nenhuma entre
macho e fêmea, portanto, as mulheres podem exercer os mesmos ministérios. Mas, será
que é isso que o texto significa? Não existe diferença nenhuma? Então, minha filha
não precisa se submeter amim?

É claro que o texto não se refere a submissão às autoridades, onde existe


diferença entreuma pessoa e outra. Mas em um certo sentido não existe diferença entre
as pessoas na igreja, todos somos um em Cristo (v. 28), todos somos filhos de Deus
pela fé (v. 26), todos fomos revestidos de Cristo (v. 27), “nisto não há judeu nem
grego...macho nem fêmea”. Minha esposaé tão herdeira da promessa quanto eu (v.
29), mas deve submeter-se a mim como líder.

Outro argumento usado é que se Deus deu dons de ensino e liderança para as
mulheres,então elas precisam usá-los, caso contrário, estariam desperdiçando o dom
de Deus.
Curso Básico de Teologia 71

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

É claro que as mulheres precisam usar seus dons, mas isso deve ser feito dentro das
instruções bíblicas. Elas podem ensinar e exortar mulheres e crianças, evangelizar,
aconselhar, visitar, mas não podem exercer autoridade sobre os homens. Existe uma
hierarquia bíblica na igreja e no lar que deve ser respeitada.

Igualitaristas também afirmam que se as mulheres na Bíblia podem profetizar (I Co


11:5),então podem ser pastoras, pois a profecia é o maior dos dons (I Co 14:1). Em
resposta, noteque no texto de I Co 11:5 as mulheres deveriam cobrir a cabeça para
profetizar, em sinal de submissão. Suas profecias seriam julgadas pelos homens da
igreja, como qualquer outra profecia(I Co 14:29).

Sobre o sacerdócio dos crentes, Pedro afirma que no Novo Testamento somos todos
sacer- dotes I Pe 2:9, o que certamente inclui as mulheres. Isso abre a porta para o
bispado feminino?
Observe que o papel principal dos sacerdotes é interceder perante Deus em favor do
povo, o queneste texto é descrito como anunciar “as virtudes daquele que vos chamou
das trevas para a sua maravilhosa luz”. Até as crianças podem fazer isso, mas não
significa que todos podem ser pastores.

Por fim, a liderança feminina na igreja tem sido defendida com base na lista de
mulheres de Rm 16. Aqui, menciona-se Febe, que servia na igreja em Cencréia;
Priscila, que cooperou e arriscou sua vida por Paulo; em sua casa se reunia uma igreja,
o que não significa que ela era a pastora; Maria trabalhou muito pelos apóstolos, assim
como Trifena, Trifosa e Pérside, Júlia eOlimpas e, é claro, Júnias, que se distinguiu
entre os apóstolos. Alguns afirmam que Júnias era uma apóstola, mas não há consenso
nem se este é nome de mulher ou de homem, muito menosse o texto garante que era
apóstolo ou apenas respeitado pelos apóstolos. Como Júnias esteve preso com Paulo
(v. 7), é provável que fosse homem.

Em conclusão, é claro que o Novo Testamento dá enorme destaque à participação


das mul- heres na igreja. No entanto, os textos que proíbem o ensino público e autoritário
das escrituras em posição de liderança espiritual, aliados aos textos que estabelecem os
critérios para a escolha de pastores, deixam claro que o episcopado pertence aos
homens. Por mais que essa posição pareça machista e ultrapassada para os padrões do
mundo, com certeza é o melhor para a igrejae para as mulheres.

5.4 Como a Igreja ministra

5.4.1 Dons do Espírito para a Igreja


O assunto dos dons do Espírito já foi tratado nas seções 5.2.2, 5.3.2 e 5.3.3. Veremos
aqui uma breve descrição dos dons não tratados naquelas seções.

Um dom espiritual é uma habilidade divinamente concedida a uma pessoa para que
desem- penhe uma tarefa para servir e edificar outros membros do corpo de Cristo
Curso Básico de Teologia 72

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

[Couch, 1999b]. Esta definição faz distinção entre as habilidades naturais, que podem
e devem ser usadas para oserviço na igreja, e os dons do Espírito, que só podem
estar presentes em uma pessoa após o novo nascimento. Tais dons são
soberanamente concedidos pelo Espírito Santo:

“Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo


particularmente acada um como quer”, I Co 12:11.

O indivíduo não escolhe seus próprios dons. Na verdade, os dons não podem ser
adquiridos por nossa própria vontade, caso contrário, Paulo não enfatizaria que todos
os dons são impor-tantes e que cada um deve estar satisfeito com seu próprio dom.
O “pé” não pode se tornar“mão”, portanto, deve se contentar em ser pé (I Co 12:15). A
passagem de Rm 12:3-8 mostra que devemos ter humildade e não exaltar nossos
próprios dons, pois foram dados conforme asoberania de Deus e não conforme nossa
própria vontade. Similarmente, a presença de donsespirituais nunca pode ser usada
como medida da espiritualidade de uma pessoa; a prova dissoé a igreja de Corinto, onde
os membros se gabavam de grandes dons, mas Paulo os repreendeu duramente pelo
mal uso dos dons e por outros pecados, chamando-os de carnais (I Co 3:3).
Os dons são dados para o benefício do corpo todo e não para auto-edificação
apenas. Istofica claro em textos como I Co 12:7 e I Pe 4:10.

Parte da controvérsia a respeito dos dons espirituais provém do fato de que o Novo
Testa-mento possui muito pouca informação sobre certos dons, sendo que em muitos
casos a únicacoisa que sabemos é o nome deles [Couch, 1999b].

Existem quatro passagens principais sobre dons espirituais no Novo Testamento, Rm


12:6- 8; I Co 12-14; Ef 4:11 e I Pe 4:10-11. Alguns dons são repetidos nessas
passagens; se desconsiderarmos esses casos, chegamos aos seguintes dons [Ryrie,
2004, Couch, 1999b]:

5.4.1.1 Palavras de conhecimento e sabedoria: envolvem a habilidade de entender


comunicar as verdades de Deus.
5.4.1.2 Cura: capacidade sobrenatural de curar enfermidades. Muitos podem orar por
cura e Deusatender, mas a pessoa com este dom na Bíblia tinha capacidades
especiais para declarar e efetuar curas na autoridade infalível de Deus (Lc
10:9; At 5:15).
5.4.1.3 Milagres: capacidade de realizar sinais especiais, o que pode incluir o dom
de cura. Exemplo desse dom foi quando Paulo fez com que Elimas, o
mágico, ficasse cego em At13:11. Assim como o dom de cura, era um dom
usado para confirmar a autoridade dosapóstolos.
5.4.1.4 Profecias: a capacidade de declarar novas revelações dadas por Deus, seja no
sentido de novas doutrinas ou de previsão do futuro.
Curso Básico de Teologia 73

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

5.4.1.5 Discernimento de espíritos: era a capacidade de distinguir entre as fontes


verdadeiras e falsas da revelação sobrenatural quando expressas de forma oral
antes que o cânon da Bíblia fosse fechado.
5.4.1.6 Línguas: habilidade sobrenatural de falar um idioma desconhecido para quem
está falando.Veja o capítulo 5 sobre este dom.
5.4.1.7 Interpretação de línguas: habilidade sobrenatural de interpretar um idioma
desconhecido para quem está interpretando.
5.4.1.8 Apostolado: apóstolo é um enviado de Deus para declarar infalivelmente
Sua Palavra.Não é um dom dado por Deus hoje em dia, como comentado no
capítulo 5. Muitos usam o termo “apóstolo” hoje para se referir aos
missionários.
5.4.1.9 Serviço: listado em Rm 12 como tradução da palavra grega diakonia, é usado
em At 6:1a respeito dos que serviam alimento às viúvas. De uma maneira geral,
refere-se a qualquer serviço que atenda às necessidades da igreja local.
Pessoas com este dom possuem uma habilidade especial dada por Deus para
identificar e suprir as necessidades relacionadas com a obra de Deus.
5.4.1.10 Ensino: é a habilidade sobrenatural de explicar e aplicar as verdades que
já foram recebidas pela igreja por meio dos profetas e apóstolos. É um dos dons
que todo pastor deve ter, I Tm 3:2.
5.4.1.11 Exortação: o verbo parakalon pode ser traduzido como “exortar” ou
“confortar”, “enco- rajar”. Está intimamente ligado ao dom de ensino ou
pregação. É um apelo à ação parao cumprimento da vontade de Deus.
5.4.1.12 Doação: a pessoa com este dom tem a capacidade de doar com
pureza de mente, nosentido de que ela não irá contribuir financeiramente para
parecer justa diante dos homens,como Ananias e Safira, nem para aliviar sua
consciência, como Judas Iscariotes, mas comoato de amor genuíno, como
Barnabé.
5.4.1.13 Liderança: habilidade dada pelo Espírito para presidir, governar,
planejar, organizar e administrar com sabedoria, justiça, exemplo,
humildade, confiança e eficiência.
5.4.1.14 Misericórdia: é a manifestação prática da piedade ou pena. Todo
cristão deve ter miser- icórdia, pois este é um dos frutos do Espírito, mas as
pessoas com este dom têm misericórdiacomo um estilo de vida. Elas não apenas
reagem às emergências, como todo cristão deve fazer. Elas continuamente
procuram oportunidades para demonstrar misericórdia.
5.4.1.15 Evangelismo: é a habilidade sobrenatural de proclamar as boas
novas da morte, sepulta- mento e ressurreição de Jesus Cristo e ver as pessoas
se converterem. Um crente pode ter o dom de ensino sem ter o dom de
Curso Básico de Teologia 74

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

evangelismo e vice-versa.
5.4.1.16 Ajuda: é a habilidade que Deus dá a alguns membros do corpo
de Cristo para investirseus talentos na vida e ministério de outros no corpo de
Cristo, capacitando-os a aumentara efetividade de seus dons espirituais.
5.4.1.17 Administração: as pessoas com este dom se alegram em organizar,
supervisionar e ajudaros ministérios, zelando para que o trabalho da igreja
local transcorra suavemente. Pode ser um dom do pastor, mas não
necessariamente. Um pastor pode se beneficiar muito de membros com este
dom, que podem aliviá-lo de certas tarefas administrativas para que elepossa
se dedicar à oração e à Palavra, como em At 6:4.
5.4.1.18 Fé: todo crente tem fé, sem a qual é impossível ser salvo ou
agradar a Deus. Mas estedom do Espírito refere-se não tanto à confiança em
Cristo como salvador, mas à confiança em Deus para cuidar dos detalhes das
nossas vidas, suprindo todas as nossas necessidadese guiando os nossos
passos.
5.4.2 Disciplina na Igreja
O propósito de Cristo para a Igreja é santificá-la e apresentá-la a Si mesmo sem
mácula nemruga (Ef 5:26-27). Todas as atividades da Igreja deveriam também visar este
alvo, incluindo a disciplina, que deve produzir um caráter santo naquele que é
disciplinado.

O parâmetro para se aplicar disciplina a um membro da igreja é forma como Deus


disciplina Seus próprios filhos. Conforme Hb 12:5-6, “o Senhor corrige o que ama, e
açoita a qualquerque recebe por filho”. Trata-se de um treinamento corretivo, que inclui
a vara para a formação do caráter. O sofrimento faz parte do programa de Deus para
treinamento de Seus filhos (Rm 8:28). Toda disciplina divina é motivada pelo amor, para
o bem da pessoa. Assim, também, na igreja a motivação deve ser a mesma.

O processo de disciplina
O texto básico que instrui a forma como se deve disciplinar um membro da igreja é descrito
em

Mt 18.

• O primeiro passo: repreensão particular


No verso 15, o irmão em pecado deve ser repreendido de maneira privada por
alguém que foi testemunha do pecado. A forma de repreensão deve ser com
mansidão e humildade, conforme Gl 6:1, sabendo-se que qualquer um de nós está
sujeito a cair em pecado.
Curso Básico de Teologia 75

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

• O segundo passo: repreensão por comissão


Em Mt 18:16, Jesus mostra que se o pecador não der ouvidos à repreensão
individual, o mesmo deve ser confrontado por mais uma ou duas testemunhas, o que
está de acordo coma Lei em Dt 19:15, “Uma só testemunha contra alguém não
se levantará por qualqueriniqüidade, ou por qualquer pecado, seja qual for o
pecado que cometeu; pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três
testemunhas, se estabelecerá o fato”.

Aqui, vale uma observação. Se não for possível constatar o pecado perante as
novas testemunhas pelo fato de o ofensor negar o ocorrido, não havendo maneira
de se provar aofensa, o bom senso indica que o processo de disciplina deve ser
interrompido aqui. Deus irá tratar com a pessoa se ela não se arrepender.
• O terceiro passo: repreensão pela assembleia
No verso 17, se o pecador não der ouvidos à comissão do segundo passo, leva-se
o caso publicamente à igreja para confrontação.
• O quarto passo: exclusão
Se o irmão se recusar a dar ouvidos à igreja e preferir continuar na prática do
pecado, só resta uma coisa a ser feita. O membro deve ser excluído da comunhão
da igreja (v. 17). Esta exclusão deve durar o tempo em que ele decidir permanecer
no pecado. Em havendo arrependimento e confissão, deve-se proceder com a
restauração à comunhão.
O ato corporativo da igreja desligar e religar um membro conforme o procedimento
descritopor Jesus carrega autoridade celestial, no sentido de que tudo o que for
desligado na terrareflete algo que já foi desligado no céu (Mt 18:18) [Couch,
1999b].

Note que a pessoa excluída deve ser tratada como “gentio e publicano”, o que
significa que não deve participar de refeições de comunhão (I Co 5:11), o que
certamente inclui a ceia do Senhor.

A forma como Paulo determina a exclusão sumária de um membro da igreja de


Corintoenvolvido com adultério e insesto (I Co 5:1-13) parece desconsiderar os
passos prescritos por Jesus. Em caso de ofensas graves, como escândalos
públicos que podem levar outros a pecarem e afastar pessoas da fé em Cristo,
parece que a disciplina por exclusão pode ser antecipada aos três primeiros
passos.

Os objetivos da disciplina
[Couch, 1999b] enumera três objetivos principais:
Curso Básico de Teologia 76

“Procura apresentar a Deus aprovado...” 2Tm 2.15

5.4.2.1 Restaurar o irmão à comunhão plena com Deus e a igreja (II Co 2:5-11);
5.4.2.2 Remover o fermento, isto é, proteger os outros irmãos da má influência na
igreja (I Co 5:6-8; Tt 1:10-16; Gl 6:1; I Tm 5:20);
5.4.2.3 Corrigir erros doutrinários (Tt 1:13).

Exemplos de disciplina na igreja primitiva


• Um irmão em pecado (Mt 18:15-
20) Ver os quatro passos
comentados acima.
• Um irmão surpreendido pelo pecado (Gl 6:1)
Aqui, o termo grego sugere um irmão que se descuidou momentaneamente e foi
surpreen-dido pelo pecado. Não se trata de alguém que anda persistentemente
no pecado. Ele precisa da ajuda de um irmão maduro para restaurá-lo.
• Um irmão que anda desordenadamente (II Ts 3:6)
O contexto aqui refere-se a um irmão andando “desordenadamente, não
trabalhando, antesfazendo coisas vãs”. A instrução de Paulo é que a igreja se
aparte desse irmão (v. 6), não o recebendo em casa para alimentá-lo, pois “se
alguém não quiser trabalhar, não coma também” (v. 10). Isto deveria ser feito para
que ele se envergonhasse (v. 14) e se arrependesse, mas o mesmo deveria ser
admoestado em amor, como irmão (v. 15). Notea diferença com o caso de Mt 18,
onde Jesus manda tratar o ofensor como “gentio e publicano”.
• Um falso mestre (Tt 1:10-16)
Pessoas ensinando falsas doutrinas na igreja devem ser caladas (v. 11) e
repreendidas severamente (v. 13). Se persistirem no erro, devem ser excluídas
(I Tm 1:20; Rm 16:17).
• Pessoas facciosas (Tt 3:8-11)
Aqui temos o caso de alguém criando divisões na igreja por conta de
interpretações par ticulares de textos não essenciais, como discussões sobre
genealogias. Tal pessoa deve serevitada após uma ou outra admoestação
• Um presbítero acusado (I Tm 5:19-20)
Acusações contra presbíteros só devem ser aceitas com duas ou três testemunhas
(como em Mt 18). Se for comprovada a acusação, os pastores devem ser
repreendidos publicamente. O resultado dessa ação é a produção de temor na
igreja, pois todos verão que até mesmo os líderes são repreendidos. Isso deve
inspirar um cuidado para que não se nomeie pastoresprecipitadamente (v. 22)
para evitar escândalos.

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