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MATERIAL DE APOIO MÓDULO 1

RESUMO: TROMBOEMBOLISMO PULMONAR

Aula ministrada em 2020 por Paulo Antônio Faleiros

DEFINIÇÃO

Define-se tromboembolia pulmonar (TEP) como uma obstrução aguda da circulação arterial pulmonar
pela instalação de coágulos sanguíneos, geralmente, oriundos da circulação venosa sistêmica, com redução ou
cessação do fluxo sanguíneo pulmonar para a área afetada. Geralmente, o trombo é formado nos membros
inferiores - principalmente nas veias ilíacas, femorais comum e superficial, e poplíteas -, e desprende-se da
parede dos vasos formando um êmbolo. Este êmbolo segue o trajeto das veias ascendendo até chegar ao
coração, seguindo o trajeto do átrio direito, ventrículo direito e artéria pulmonar, até entrar na circulação
pulmonar e estagnar em um local onde não haja passagem suficiente, gerando uma obstrução.

O TEP pode ser dividido em provocado, quando ocorre devido a cirurgias, imobilização por tempo
prolongado, doenças crônicas, neoplasia, uso de estrogênio, gravidez e fase puerperal; e não provocado, quando
ocorre devido a desordens da coagulação sanguínea, como trombofilias.

Há também a divisão anatômica do TEP em lobar, segmentar ou subsegmentar, de acordo com o local
onde o trombo se aloja na vasculatura pulmonar, bem como o TEP “em sela ou cavaleiro”, que indica um trombo
alojado na bifurcação da artéria pulmonar, sinalizando maior gravidade.

FISIOPATOLOGIA

A principal fisiopatologia envolvida no TEP é representada pela Tríade de Virchow, que envolve os
mecanismos de injúria endotelial, hipercoagulabilidade sanguínea e estase venosa. Estes três fatores
aumentam a probabilidade do risco de desenvolver TEP, e quanto mais fatores o indivíduo apresentar, maior a
chance.

As consequências fisiológicas envolvem o aumento da pressão arterial pulmonar e da resistência


vascular pulmonar, que levam à dilatação do ventrículo direito e diminuição da pré-carga para o ventrículo
esquerdo. A consequência direta é a lesão miocárdica, com liberação de troponina e peptídeo natriurético B
(BNP). Além disso, ocorre aumento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio e um desequilíbrio da ventilação e
perfusão (V/Q), com aumento do espaço morto anatômico e fisiológico.

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EPIDEMIOLOGIA

O TEP é a terceira maior causa de doença cardiovascular no mundo. Ele corresponde a 200.000 a 300.000
mortes por ano nos EUA e Europa, tendo uma mortalidade de 30%, e sendo responsável por 5-10% das mortes
intra-hospitalares. Ele representa um diagnóstico clínico difícil, sendo na maioria das vezes subdiagnosticado,
visto que 50% das mortes por TEP não possuem diagnóstico confirmado ou sequer suspeitado. Além disso,
representa 15% das causas de morte súbita. No Brasil, esse dado representa 1 paciente a cada 1.000 habitantes.

É mais comum em homens com mais de 70 anos e está intimamente ligada a trombose venosa profunda
(TVP), ambas pertencendo ao espectro das tromboembolias venosas (TEV). Os dados apontam que 70% dos
pacientes hospitalizados com TEP apresentam TVP.

SUSPEITA CLÍNICA

É importante que sempre se pense em TEP, atentando-se ao quadro clínico compatível somado à
identificação dos fatores de risco. Os sinais e sintomas mais comuns são dispneia, taquipneia, dor torácica
pleurítica, tosse, hemoptise, síncope e crepitações. Pode haver instabilidade hemodinâmica, que é mais rara
porém representa embolia central ou extensa. A hipoxemia e hipocapnia estão frequentemente presentes porém
há casos de saturação arterial de oxigênio normal. A intensidade e presença desses sinais e sintomas dependem
da extensão da doença, podendo ser até mesmo assintomáticas. Estima-se que 1-2% dos pacientes podem
apresentar também sintomas neurológicos como confusão mental ou convulsões.

Sinais e sintomas clássicos de TVP podem estar presentes, como edema assimétrico de membros
inferiores, empastamento de panturrilhas, veias palpáveis ou dolorosas, manobra de Ollow positiva. Bem como
achados de hipertensão pulmonar, como B2 hiperfonética, sopro em foco tricúspide, taquicardia, taquipneia,
pulso filiforme e até mesmo febre baixa.

Os fatores de risco são divididos em maiores e menores, sendo os maiores cirurgia abdominal ou pélvica
grande, politrauma, gravidez, neoplasias, AVC com paralisia de membros, imobilidade acima de 3 dias,
trombofilias, etc. E as menores doenças cardíacas, idade, uso de anticoncepcional oral, obesidade, dentre
outras. Estas serão usadas para avaliar a probabilidade de se tratar de um caso de TEP ou não quando há
suspeita clínica.

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Fonte: J. bras. pneumol. vol.36 supl.1 São Paulo mar. 2010

DIAGNÓSTICO

Como descrito acima, o primeiro passo para o diagnóstico de TEP é a suspeita clínica, somando o quadro
clínico compatível com a identificação dos fatores de risco. Quando há suspeita, deve-se então analisar o grau
de probabilidade pré-teste pelo Escore de Wells. De acordo com o somatório de pontos, o paciente pode ser
estratificado em baixo risco (0-1 pontos), risco intermediário (2-6 pontos) e alto risco (7 ou mais pontos).

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Fonte: Emergências clínicas da USP, 13ª edição, 2018.

EXAMES COMPLEMENTARES

Durante a abordagem de um paciente com sinais e sintomas de TEP, o ideal é que o diagnóstico seja
feito o mais rápido possível seguindo o fluxograma que será apresentado abaixo. Quando há dúvida, alguns
exames servem de auxílio para descartar diagnósticos diferenciais e fortalecer a probabilidade de TEP.

A radiografia de tórax serve principalmente para excluir outras causas de dispneia e dor torácica. No
caso de TEP, o RX de tórax geralmente é inespecífico, podendo ser normal ou apresentar achados como
atelectasias laminares, derrame pleural e elevação de cúpula diafragmática. Os achados mais clássicos
encontrados raramente são; Sinal de Westenmark (oligemia localizada distal ao êmbolo), corcova de Hampton
(consolidação em forma de cunha se estendendo até a pleura), sinal de Fleischner (artéria pulmonar central
distendida) e linhas de Fleischner (linhas longas de atelectasia encontradas na consolidação).

O eletrocardiograma, por sua vez, também pode ser absolutamente normal, tendo também maior
utilidade para o diagnóstico diferencial com outras causas de dor torácica. A alteração mais comumente
encontrada é a taquicardia sinusal, um achado amplamente inespecífico que é encontrado em 40% dos casos.
Outros achados que podem ser encontrados são inversão de onda T, alterações do segmento ST, bloqueio de
ramo direito e/ou sobrecarga das câmaras direitas. Um achado frequentemente descrito, mesmo não sendo
patognomônico de TEP e com especificidade de apenas 62%, é o padrão S1Q3T3, ou seja, onda S profunda em
D1, onda Q profunda em D3 e inversão da onda T em D3.

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Padrão S1Q3T3 no ECG de paciente com tromboembolismo pulmonar

O D-Dímero é um produto da degradação da fibrina que tem importante valor no fluxograma diagnóstico
de TEP. O exame apresenta alta sensibilidade, mas baixa especificidade, sendo utilizado nos pacientes com
baixa probabilidade de TEP para excluir o diagnóstico se <500. Algumas causas que podem ser citadas
aumentam d-dímero e consequentemente podem indicar um falso-positivo são: câncer ativo, cirurgia ou trauma
recente, infecção atual, trombose arterial recente, IAM ou AVC recentes, fibrilação atrial e vasculites.

A USG Doppler das veias de membros inferiores é um exame de baixa especificidade, mas como é
barato, amplamente disponível e não invasivo, é ainda bastante utilizado. Esse exame possui alta sensibilidade
e especificidade para diagnóstico de TVP proximal sintomática, mas apenas 30 a 40% dos pacientes com EP
confirmada por TC apresentam trombo proximal visto nesse exame. Sendo assim, a USG pode ser útil nos
seguintes casos: complementar a TC quando a imagem não for tão boa ou se houver dúvida no paciente com
alta probabilidade de TEP. De qualquer forma, o achado de trombo em veias proximais de MMII é suficiente
para indicar anticoagulação em paciente com suspeita de embolia.

A cintilografia pulmonar ventilação-perfusão (V/Q) é um exame alternativo que pode ser utilizado que é
feito com menos radiação que a TC, mas que é menos disponível e não pode ser feita em paciente muito
sintomático. Em virtude da menor radiação e não utilização de contraste, os pacientes que mais se beneficiam
da cintilografia são: mulheres jovens, grávidas, história de anafilaxia com contraste e doença renal crônica. Um
resultado positivo nesse exame indica alta probabilidade de TEP e é suficiente para indicar anticoagulação, não
necessitando de exames adicionais. Por outro lado, um resultado negativo não é suficiente para afastar a
possibilidade, sendo indicado realização de mais exames.

A angiotomografia de tórax é, na maioria das vezes, o exame recomendado para o diagnóstico nos
pacientes com alta probabilidade de TEP ou nos com baixa probabilidade, mas com D-dímero maior que 500. É
superior a cintilografia pois permite uma melhor avaliação e a visualização direta do trombo e, em relação a

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angiografia, não é invasiva e é muito mais segura. A TC permite avaliar o tamanho de VD, da artéria pulmonar
e o tamanho do trombo, sendo útil também na estratificação de risco de complicações. Ao contrário da
cintilografia, um exame normal na angioTC exclui o diagnóstico de TEP.

A arteriografia pulmonar durante muito tempo foi considerada o exame padrão ouro para o diagnóstico
de TEP, com mais de 95% de sensibilidade e especificidade. Contudo, é um exame invasivo com risco de
complicações muito graves. Foi, então, substituída pela angioTC pela praticidade e, hoje em dia, tem sido mais
usada para guiar algum tratamento percutâneo direcionado por cateter, com ou sem um trombolítico.

O ecocardiograma de beira de leito (Point of Care) é um exame indicado para os pacientes com suspeita
de TEP e que apresentam instabilidade hemodinâmica, devendo ser realizado na sala de emergência. Nesse
sentido, avalia-se o tamanho e a disfunção de VD, que pode ser encontrada em 25% dos pacientes e indica um
maior risco de complicações. A ausência de disfunção ou dilatação de VD praticamente excluiu a TEP como
causa em um paciente chocado. A cada vez mais o ECO vem se tornando mais útil na avaliação e manuseio do
paciente com TEP, sendo importante no diagnóstico diferencial, na estratificação de gravidade e como
ferramenta no manuseio hemodinâmico de pacientes instáveis.

FLUXOGRAMA SIMPLIFICADO

PROBABILIDADE
PRÉ-TESTE (WELLS)

MODIFICADO ≥ 4 MODIFICADO < 4


(TEP PROVÁVEL) (BAIXA PROBABILIDADE)
Grávida?

Alergia a iodo?
D-DÍMERO
ANGIOTC
NÃO IR?

SIM
SIM NÃO
INCONCLUSIVO ≥ 500 < 500
CINTILOGRAFIA V/Q

TRATAR E/OU DOPPLER


DESCARTAR EXCLUI
R MMII

CONFIRMADO

TRATAR

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TRATAMENTO

Como suporte clínico inicial, primariamente o suporte respiratório deve ser feito com máscara de
oxigênio e preparação caso seja necessária intubação orotraqueal. Deve-se tomar cuidado com a infusão
excessiva de cristaloides devido a possibilidade de falência de VD, o que poderia acarretar maior edema
pulmonar. Caso paciente apresente hipotensão persistente, noradrenalina pode servir como droga
vasopressora. A dobutamina pode ser adicionada logo em seguida para melhorar o débito de VD.

A anticoagulação é recomendada para todos os pacientes, se não houver contraindicação, com os


objetivos de prevenir a extensão da embolia, reduzir o risco de morte precoce e evitar recorrência. Para
pacientes sem instabilidade hemodinâmica, sem disfunção de VD e sem elevação de biomarcadores (ex BNP),
a anticoagulação pode ser feita com heparina de baixo peso molecular (HBPM), por suas menores taxas de
sangramento, recorrência e mortalidade. Outra anticoagulação que tem resultados semelhantes nesses
pacientes é a fondaparinux, inibidor direto do fator Xa, usado também por via subcutânea.

A heparina não fracionada (HNF) intravenosa é indicada se hipotensão ou choque persistente,


possibilidade de trombólise , grave disfunção renal (clearence de creatinina < 30mL/min), paciente muito idoso,
grave obesidade ou paciente com alto risco de sangramento (antídoto eficaz e rápido). Sua dose inicial é de 80
unidades/kg e a infusão deve ser controlada com dosagem de TTPA.

O tratamento trombolítico restaura a perfusão pulmonar mais rapidamente que a anticoagulação


isoladamente e deve ser indicado nos pacientes com diagnóstico de TEP confirmado, somado a hipotensão
persistente ou choque. O maior benefício da trombólise ocorre quando ela é indicada dentro de 48 horas de
início de sintomas, embora a janela terapêutica seja até 14 dias. Nesses pacientes, devem ser tomados os
cuidados quanto as contraindicações à trombólise, a infusão por cateter venoso periférico e manutenção do
suporte hemodinâmico e respiratório. Os trombolíticos que podem ser utilizados na embolia pulmonar são: t-
PA, estreptoquinase e tenecteplase.

Recordando as contraindicações absolutas à trombólise, vale ressaltar: AVC hemorrágico prévio, AVC
isquêmico nos últimos 6 meses, neoplasia ou lesão atual de SNC, politrauma, trauma cranioencefálico ou
cirurgia de grande porte nos últimos 3 meses, sangramento digestivo nos últimos 30 dias e diátese hemorrágica.
Em caso de contraindicação ou falha à trombólise, deve ser feita embolectomia via cateter percutâneo ou
cirúrgica nesses pacientes.

O filtro de veia cava inferior é indicado para pacientes com contraindicações à anticoagulação plena ou
pacientes com embolia recorrente embora adequadamente anticoagulado.

Para os pacientes sem instabilidade hemodinâmica ou choque por falência de VD, o tratamento consiste
basicamente na anticoagulação, devendo ser acompanhados de perto para possíveis complicações. A HBPM ou
fondaparinux podem ser iniciados juntamente a warfarina, não havendo recomendação de esperar 2 a 3 dias
para inicia-la. Outra opção é iniciar apenas com HBPM ou fondaparinux e depois seguir anticoagulação com
novo anticoagulante oral, como dabigatran ou edoxaban, 5 a 7 dias depois. Rivaroxaban ou apixaban também
podem ser utilizados como tratamento integral oral.

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