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As marcas trágicas em Os

Maias

Nome autores
O que é uma tragédia?

«A tragédia grega vai preparando o espetador para o desenlace trágico fornecendo-


lhe, através de «presságios», sinais que indiciam o desfecho terrível que preveem a
fatalidade inultrapassável.»

Almeida Garrett, Memória ao Conservatório Real


As marcas trágicas

As marcas trágicas em Os Maias

«Os Maias aparecem estruturados numa feição trágica, no que diz respeito à ação principal.

Assim, o tema do incesto segue, desde logo, a tragédia Édipo Rei, de Sófocles. Além disso, tal como os heróis
da tragédia clássica, Carlos e Maria Eduarda destacam-se dos que os rodeiam pelo seu caráter excecional e
superior, tanto no que diz respeito à educação como à beleza.

A intriga tem uma feição trágica se tivermos em conta a aproximação dos protagonistas, uma vez que há uma
aproximação predestinada de Carlos e Maria Eduarda. Daí Ega afirmar que estão ambos «irresistivelmente,
fatalmente, marchando um para o outro». Além disso, a descrição da Toca corrobora a tragicidade dada ao
romance.»
As marcas trágicas

Presença de elementos da tragédia grega


Tal como nas tragédias clássicas, também n’Os Maias vemos as personagens enfrentarem os seus desafios e
dilemas, à medida que caminham para a catástrofe final.

Hybris – desafio

Romance de Carlos com uma mulher casada, Maria Eduarda;


«Mas que outra coisa podiam eles fazer? Daí a três meses talvez, Castro Gomes chegava do Brasil.
Ora nem Carlos, nem ela, aceitariam nunca uma dessas situações atrozes e reles em que a mulher
é do amante e do marido, a horas diversas...» (capítulo XII)

Incesto involuntário e, mais tarde, consciente.


«Era, surgindo do fundo do seu ser, ainda ténue mas já percetível, uma saciedade, uma repugnância
por ela desde que a sabia do seu sangue!... Uma repugnância material, carnal, à flor da pele, que
passava como um arrepio.» (capítulo XVII)
As marcas trágicas

Presença de elementos da tragédia grega

Agón – dilemas

Conflito de Carlos entre fugir para viver o amor, ou não desgostar Afonso.
«Que melhor dever do que poupar ao pobre avô toda a dor?... Maria de certo, como mulher, estava
desejando ansiosamente a conversão do amante no marido […]. Mas ela mesma preferiria uma
consagração legal – que não fosse assim precipitada, dissimulada... Depois, tão recta e generosa,
compreenderia bem a obrigação suprema de não mortificar aquele santo velho.» (capítulo XV)
As marcas trágicas

Presença de elementos da tragédia grega

Peripécia / Anagnórise / Ananké

As revelações do Sr. Guimarães (Peripécia) levam ao reconhecimento (Anagnórise) do parentesco dos protagonistas,
evidenciando o papel do destino (Ananké), que tudo transformará.

«– Muito agradecido a V. Exc.ª! Eu junto-lhe então um bilhete e V. Exc.ª entrega-o da minha parte
ao Carlos da Maia, ou à irmã. […]
– À irmã!... A que irmã? […]
– A que irmã!? A irmã dele, à única que tem, à Maria!» (capítulo XVI)
As marcas trágicas

Presença de elementos da tragédia grega

Pathos – sofrimento

Consciência do laço familiar;

Consciência do crime cometido;

«Declaro que minha filha Maria Eduarda […] é portuguesa e filha de meu marido Pedro da Maia, de quem
me separei voluntariamente, […]. E o pai de meu marido era meu sogro Afonso da Maia, viúvo, que vivia em
Benfica e também em Santa Olávia ao pé do rio Douro.» (capítulo XVII)

Dor provocada pela separação;

«Sufocado, [Ega] beijou-lhe a mão que ela lhe abandonou, sem consciência e sem voz, de pé, direita no
seu negro luto, com a lividez parada dum mármore. E fugiu.» (capítulo XVII)

Desgosto de Afonso pela situação familiar catastrófica.

«A voz sumia-se-lhe, toda trémula. Estendeu a mão a Carlos que lha beijou, sufocado; e o velho,
puxando o neto para si, pousou-lhe os lábios na testa. Depois deu dois passos para a porta, tão
lentos e incertos que Ega correu para ele.» (capítulo XVII)
As marcas trágicas

Presença de elementos da tragédia grega

Catástrofe – desenlace

Morte de Afonso;
«Uma réstia de sol, entre os ramos grossos do cedro, batia a face morta de Afonso.» (capítulo XVII)

Morte sentimental dos amantes;


«E Carlos portanto via ali a união de dois seres desiludidos da vida, maltratados por ela, cansados ou
assustados do seu isolamento, que, sentindo um no outro qualidades sérias de coração e de espírito,
punham em comum o seu resto de calor, de alegria e de coragem para afrontar juntos a velhice...»
(alusão ao casamento de Maria Eduarda com Mr. de Trelain) (capítulo XVIII)

«– Um efeito de conclusão, de absoluto remate. É como se ela morresse, morrendo com ela todo o
passado, e agora renascesse sob outra forma. Já não é Maria Eduarda. É Madame de Trelain, uma
senhora francesa. Sob este nome, tudo o que houve fica sumido, enterrado a mil braças, findo para
sempre, sem mesmo deixar memória... Foi o efeito que me fez.» (capítulo XVIII)

Fim/dispersão da família Maia (Carlos não tem descendência).


As marcas trágicas

Marcas trágicas dos protagonistas


Os protagonistas da obra, pelas suas características e vivências, surgem profundamente marcados por um destino
implacável, que os condiciona e aprisiona, de tal modo se veem emaranhados na sua teia.

Afonso da Maia
Classe social
Marcado peloelevada;
destino: suicídio do filho; incesto dos netos;

«E Nobreza
Vilaça foideencontrar
valores; Afonso na livraria, com as janelas cerradas ao lindo sol de inverno, caído para uma
poltrona, a face cavada sob os cabelos crescidos e brancos, as mãos magras e ociosas sobre os joelhos...»
(capítulo
«Parte II) rendimento ia-se-lhe por entre os dedos, esparsamente, numa caridade enternecida. Cada vez amava mais o
do seu
que é pobre e o que é fraco. Em Santa Olávia, as crianças corriam para ele, dos portais, sentindo-o acariciador e
«Tinha agora
paciente. Tudo ao certeza
que viveque
lheeles sabiam
merecia tudo.– E
amor: mesmo
e era que não
dos que nessa noiteum
pisam fugisse para Santa
formigueiro, e seOlávia, pondo
compadece daentre
sede si e
duma
Maria uma
planta.» separação
(capítulo I) tão alta como o muro dum claustro, nunca mais do espírito daqueles homens, que eram os
seus amigos melhores, sairia a memória e a dor da infâmia em que ele se despenhara. A sua vida moral estava
estragada...» (capítulo XVII)
Morte (também) por desgosto.

«– Que queres então que faça? Onde está ele? Lá metido, com essa mulher... Escusas de dizer, eu sei, mandei
espreitar... Desci a isso, mas quis acabar esta angústia... E esteve lá ontem até de manhã, está lá a dormir neste
instante... E foi para este horror que Deus me deixou viver até agora!» (capítulo XVII)
As marcas trágicas

Marcas trágicas dos protagonistas

Carlos da Maia

Classe socialdo
Semelhança elevada;
nome «Carlos Eduardo» com «Maria Eduarda»;

Distinção
«Maria intelectual;
Eduarda, Carlos Eduardo... Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a
concordância dos seus destinos!» (capítulo XI)
«Carlos pensara em arranjar um vasto laboratório ali perto no bairro, com fornos para trabalhos químicos,
uma sala disposta para estudos anatómicos e fisiológicos, a sua biblioteca, os seus aparelhos, uma concentração
metódica de todosde
Semelhanças, os acordo
instrumentos de estudo...»
com Maria Eduarda,(capítulo IV) Monforte;
com Maria

«– Sabes tu com
Marcado peloquem te pareces
destino: ás do
suicídio vezes?... É extraordinário,
pai; sorte ao jogo (azar mas é verdade.
no amor); Pareces-te
foi batizado comcom
o minha mãe!» (capítulo
nome do
XIV)
último Stuart, cuja vida foi atribulada; paixão pela irmã;

«– Ah, monsieur,
Estagnação exclamou a vasta ministra da Baviera, furiosa, mefiez-vous... Vous connaissez le proverbe: heureux
sentimental.
au jeu...» (capítulo X)

«[Maria Monforte] Andava lendo uma novela de que era herói o último Stuart, o romanesco príncipe Carlos
Eduardo; […] Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter todo um destino de amores e façanhas.»
(capítulo II)
As marcas trágicas

Marcas trágicas dos protagonistas

Maria Eduarda

Classe social elevada;


Superioridade de princípios e intelectual;

«Parecia-lhe mais linda, agora que conhecia o seu sorriso duma graça tão delicada; era cheia de inteligência,
era cheia de gosto; e a pobre velha à porta, esse doente a quem ela mandava vinho do Porto, revelavam a sua
bondade...» (capítulo XI)

Marcada pelo destino: paixão pelo irmão;

Semelhanças, de acordo com Carlos, com Afonso;

«Carlos cumpria esses encargos com o fervor de ações religiosas. E nestas piedades achava-lhe semelhanças com o
avô. Como Afonso, todo o sofrimento dos animais a consternava.» (capítulo XI)

Plano amoroso estagnado, apenas alterado como forma de evitar a solidão.


As marcas trágicas

Aspetos trágicos associados aos espaços


Na obra Os Maias, os espaços, além de estarem ao serviço da crítica à elite lisboeta, também estão associados a indícios
trágicos que concorrem para a tragédia final.

Casa de Benfica
Ramalhete
Abandono
Era nesta
Depois decasa doconcluir
que
Carlos jardim, ode
Afonso queem
vivia,
cursose
dedestacam
Lisboa, naosealtura
Medicina seus
de elementos,
em
fazer que relacionados
umaPedro
viagemeradecasado com
fim decom aMaria
cursomorte: a estátua
peloMonforte.
mundo, de Vénus nesta casa
instalou-se
com enegrecida,
o avô. a cascata seca, o cedro e o cipreste.
Retrato do bisavô de Pedro, que se suicidara numa figueira;
Referência de Vilaça à lenda segundo a qual as paredes da casa são fatais aos Maias;
«eSuicídio
o Ramalhete possuía apenas, ao fundo dum terraço de tijolo, um pobre quintal inculto, abandonado às ervas
de Pedro;
«Afonso assombrou
bravas, com Vilaçaum
um cipreste, anunciando-lhe que decidiraseca,
cedro, uma cascatazinha vir habitar o Ramalhete!
um tanque entulhado,Oeprocurador
uma estátuacompôs logo um
de mármore
relatório
(onde
«A venda adaenumerar
Monsenhor os inconvenientes
Tojeirareconheceu
fora realmente do casarão
logo aconselhada
Vénus por[…];
Citereia) e pormas
enegrecendo
Vilaça: fimnunca
aaludia mesmo
um canto
ele a uma
na lenta
aprovara lenda,
humidade
que segundo
Afonso das a qual de
ramagens
se desfizesse
eram sempre
silvestres.»
Benfica fatais
– só(capítulo
pela aosI)Maias
razão as paredes
daqueles do Ramalhete.»
muros terem visto tantos(capítulo
desgostosI)domésticos.» (capítulo I)

Abandono do interior do casarão, antes da realização das obras;


«[…] as paredes cobertas de frescos onde já desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos Cupidinhos.»
(capítulo I)
As marcas trágicas

Aspetos trágicos associados aos espaços

Toca
É o local onde se dão os encontros amorosos dos protagonistas. Trata-se de uma propriedade vendida por Craft a Carlos, que
a destina a Maria Eduarda.

A tapeçaria
O próprio nome,
dos amores
que remete
de Vénus
para eum
Marte,
local que
escondido
denuncia
e resguardado
uma relaçãodo
adúltera
olhar alheio,
e incestuosa;
evoca a temática do incesto, pois é a
«habitação» de certos animais;
«onde desmaiavam na trama de lá os amores de Vénus e Marte» (capítulo XIII)
«– Não, venho-me a acostumar a todos esses duros... Somente aquele quadro, com a cabeça, e com o sangue...
O olhar
Jesus, da coruja sobre o leito, ave esta associada à noite e à morte.
que horror!
– Reparando bem, disse Carlos, creio que é o nosso velho amigo S. João Baptista.» (capítulo XIII)
«a um canto, de cima de uma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar
de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agourentos...» (capítulo XIII)
O predomínio do dourado e do amarelo, associados quer à luxúria quer ao declínio;

«Era toda forrada, paredes e tetos, de um brocado amarelo, cor de botão de ouro;» (capítulo XIII)
As marcas trágicas

Consolida
As marcas trágicas

1. Classifica as afirmações que se seguem como verdadeiras (V) ou falsas (F). Corrige as falsas.

A Apenas Carlos e Maria Eduarda são influenciados pelo destino.


Falsa – Afonso também é uma personagem marcada pelo destino.

B O facto de haver semelhanças entre Carlos e Maria Eduarda e os familiares constitui um indício trágico.
Verdadeira

C O Sr. Guimarães pode ser entendido como o mensageiro do Destino, que tudo transformará irremediavelmente.
Verdadeira

D O crime do incesto foi sempre praticado de forma involuntária pelas personagens.


Falsa – O incesto foi, de início, praticado de forma inconsciente por Carlos e Maria Eduarda. Depois de conhecido
o parentesco, Carlos ainda o consumou de forma voluntária.

E A morte de Afonso deve-se, única e exclusivamente, à sua idade avançada.


Falsa – A morte de Afonso também se deve ao desgosto de ver que Carlos comete incesto de forma voluntária.

Solução
As marcas trágicas

2. Associa cada uma das marcas trágicas da coluna A ao respetivo espaço da coluna B.

Coluna A Coluna B

A Cedro e cipreste, árvores de cemitério 1 Casa de Benfica

B Olhar agoirento da coruja sobre o leito 2 Ramalhete

C Suicídio de Pedro 3 Toca

D A cascata seca

E Painel dos amores incestuosos de Vénus e Marte

Solução
A– 2 B–3 C–1 D–2 E–3
As marcas trágicas

3. Identifica a única opção falsa.

A A prática do incesto constitui um desafio às leis estabelecidas.

B Carlos vive o dilema de querer vivenciar o amor que sente e de, por outro lado, não querer magoar o avô.

C A morte de Afonso constitui a peripécia desta obra.

D O reconhecimento do parentesco existente entre os protagonistas trata implicações que determinarão o rumo da história.

E A catástrofe gira em torno da morte, física e sentimental, da família Maia.

Solução

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