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OS MAIAS

1. A ação do romance
A ação do romance baseia-se na história de três gerações da família Maia (Afonso, Pedro
e Carlos) e tem como pano de fundo a sociedade lisboeta de grande parte do século XIX.

A arquitetura do romance

Os Maias apresentam dois níveis narrativos relacionados diretamente com:


 O título – Os Maias – que remete para a história de uma família ao longo de três
gerações, incluindo a intriga/ação central, que se constrói como uma ação fechada.
 O subtítulo – Episódios da vida romântica – que aponta para uma descrição/pintura
de um certo estilo de vida, o romântico, através da crónica de costumes da sociedade lisboeta,
particularmente da aristocracia e alta burguesia da década de 70 do século XIX. A crónica de
costumes concretiza-se através da construção de ambientes e da atuação de personagens-
tipo, revelando-se como uma ação aberta.

Estes dois níveis narrativos articulam-se de forma alternada, funcionando os ambientes


como pano de fundo para a atuação de algumas das personagens da intriga central que, pelo
seu caráter e comportamento, se destacam da mediocridade geral.

A arquitetura do romance conjuga três dimensões estruturadoras:


 Os antecedentes e a evolução da família Maia;
 A intriga – relação incestuosa de Carlos e Maria Eduarda;
 A visão dos costumes quotidianos da sociedade lisboeta no final do século XIX, que
serve de cenário à intriga central.

A estrutura da intriga central

A intriga central organizada em torno dos amores incestuosos de Carlos e Maria Edarda
apresenta uma estrutura tripartida:
 Antecedentes da intriga central – introdução e preparação da ação – cap. I a cap. IV:
o Instalação dos Maias;
o descrição e história do Ramalhete, casa da família Maia, no Outono de 1875 –
cap. I;
o grande analepse com o objetivo de explicar os antecedentes da família e o
aparecimento de Carlos, em Lisboa, no Outono de 1875:
 juventude de Afonso e exílio em Inglaterra;
 vida de Pedro (infância, juventude, relação e casamento com Maria
Monforte, suicídio) – cap. I a cap. II –, que constitui a ação secundária;
 Carlos (infância, cap. III; juventude e estadia em Coimbra – época de
formação –, cap. IV; longa viagem pela Europa, cap. IV)
Neste primeiro momento da intriga o ritmo é rápido, os acontecimentos sucedem-se
velozmente, assemelhando-se ao ritmo narrativo de novela. Um período de cerca de 55 anos,
de 1822 – “[Afonso]…foguetes de lágrimas à Constituição (Cap. I) – ao Outono de 1875 –
“Chegara esse Outono de 1875” (Cap. IV) – é narrado em aproximadamente 95 páginas, num
total de 716.

 Ação principal – Cap. IV a Cap. XVII. As principais sequências narrativas são:


o Carlos vê Maria Eduarda no Hotel Central;
o Carlos visita Rosa, filha de Maria Eduarda, a pedido de Miss Sara, a governanta
o Carlos conhece Maria Eduarda, na casa desta;
o Declaração de Carlos a Maria Eduarda;
o Consumação do incesto inconsciente;
o Encontro de Maria Eduarda com Guimarães, tio de Dâmaso;
o Revelações de Ega a Carlos;
o Revelações de Carlos a Afonso;
o Insistência no incesto, agora consciente;
o Encontro de Carlos com Afonso;
o Morte de Afonso por apoplexia;
o Revelações de Ega a Maria Eduarda;
o Partida definitiva de Maria Eduarda para Paris.
Esta segunda parte estende-se ao longo de catorze meses, cujos marcos temporais são
os seguintes:
o Outono de 1875 até aos fins de 1876 – a morte de Afonso ocorre no Inverno –
“sol fino de inverno”
o Princípios de 1877 “Semanas depois, nos primeiros dias do ano novo…” Cap.
XVIII – partida de Carlos e Ega para a sua viagem de volta ao mundo.
O ritmo desta segunda parte (ao contrário da primeira) é lento e espaçado, característico
de romances complexos.

 Epílogo – Cap. XVIII


Os acontecimentos marcantes do desfecho do romance são:
o Viagem de Carlos e Ega – Janeiro de 1877 a Março de 1878 – “Mas, passado
ano e meio, num lindo dia de Março,…”;
o Carlos em Sevilha – “Nos fins de 1886, Carlos veio fazer o Natal perto de
Sevilha,…”;
o Reencontro de Carlos e Ega – “E numa luminosa e macia manhã de Janeiro de
1887, os dois amigos, enfim juntos,…”;
O epílogo retoma o ritmo rápido inicial: com efeito, dez anos são contados em cerca de
duas páginas. Esta concentração temporal é conseguida através de:
o elipses – “E esse ano passou. (…) Outros anos passaram.”;
o resumos – “gente nasceu, gente morreu. Searas amadureceram, arvoredos
murcharam”.
O famoso passeio final (momento simbólico e de reflexão) ocupa o resto do Cap. XVIII,
desacelerando o ritmo narrativo e aproximando-se do ritmo da segunda parte.
O carácter trágico da intriga central

A ação central apresenta uma típica estrutura de tragédia que, no sentido clássico, se
caracteriza pela presença de um destino insondável que se abate sobre as personagens,
envolvendo toda a família Maia.

No entanto, não é só a presença do destino que confere tragicidade a Os Maias. Assim, a


ação central apresenta outros aspetos que a aproximam da tragédia clássica, tais como:

 A superioridade física e intelectual das personagens: Afonso, Carlos e Maria Eduarda


destacam-se no meio pequeno e medíocre em que vivem, pelas suas qualidades
físicas, morais e intelectuais.
o Ex.: Retrato de Afonso – cap. I; retrato de Carlos – cap. IV; descrição de Maria
Eduarda – cap. VI.
 O papel do destino, da fatalidade, como força motriz. A destruição consuma-se por
meio de um agente dissimulado, o destino. São várias as referências ao destino, ao
longo do romance:
o a inevitabilidade do destino “Tu és simplesmente, como ele, um devasso; e hás-
de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal! (…)
Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da sua mulher. Ela
virá. (…) estais ambos insensivelmente, irresistivelmente, fatalmente,
marchando um para o outro!...” – Cap. VI;
o a concordância dos nomes e do destino – “Maria Eduarda, Carlos Eduardo …
Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a
concordância dos seus destinos!” – Cap. XI;
o o destino “irreparável” – “Ega escutava-o, sem uma palavra, (…) e agora, só
pelo modo como Carlos falava daquele grande amor, ele sentia-o profundo,
absorvente, eterno, e para bem ou para mal tornando-se daí por diante, e para
sempre, o seu irreparável destino” – Cap. XII;
o o destino “implacável” – “E [Afonso] afastou-se, todo dobrado sobre a bênção,
vencido enfim por aquele implacável destino que, depois de o ter ferido na
idade da força com a desgraça do filho – o esmagava ao fim da velhice com a
desgraça do neto” – Cap. XVII;
o a justificação, por parte de Ega, do passado de Maria Eduarda por “motivos
complicados, fatais” que a tinham apanhado “dentro de uma implacável rede
de fatalidades” – Cap. XV.
 Os indícios/presságios; são sinais disfarçados da força do destino que se revestem de
aparências diversas:
o Vilaça faz alusão a “…uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias
as paredes do Ramalhete” – Cap. I, p. 7; “ Há três anos (…) lembrei-lhe eu que,
segundo uma lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete.
O Sr. Afonso da Maia riu de agouros e lendas… Pois fatais foram!” – Cap. XVII;
o “Os olhos de Maria perdiam-se outra vez na escuridão – como recebendo dela
o presságio de um futuro onde tudo seria confuso e escuro também” – Cap.
XIV;
o a semelhança fisionómica de Carlos com a mãe, reconhecida por Maria
Eduarda – “Pareces-te com a minha mãe!...” – Cap. XIV;
o a semelhança temperamental de Maria Eduarda e Afonso da Maia,
reconhecida por Carlos “E nestas piedades achava-lhe semelhanças com o
avô.” – Cap. XI;
o Ega adverte Carlos de que a sua volubilidade sentimental terá consequências
trágicas “hás-de vir a acabar (…) numa tragédia infernal!” – Cap. VI;
o a imagem da alcova onde decorrem os amores de Carlos e Maria Eduarda
como “tabernáculo profanado”, Cap. XIII – prenúncio da colisão violenta da
situação incestuosa com valores morais de inspiração sagrada.
 Alguns aspetos estruturais trágicos:
o o amor incestuoso de Carlos e Maria Eduarda equivale à hybris das tragédias
clássicas, porque constitui um desafio à ordem estabelecida;
o a peripécia – a súbita mudança dos acontecimentos, a passagem brusca da
felicidade para a infelicidade;
o o duplo reconhecimento (as revelações de Guimarães a Ega e de Ega a Carlos);
o a catástrofe: a “morte” das personagens – física, para Afonso; do amor, para
Carlos e Maria Eduarda; social, para a família;
o a temática do incesto: o amor dos dois irmãos, Carlos e Maria Eduarda:
conhecem-se > amam-se > reconhecem-se > separam-se.

2. Resumo dos Capítulos


Capítulo I

O romance inicia-se com a referência à instalação da família Maia (apenas composta


pelo avô Afonso e pelo neto Carlos) no Ramalhete, no Outono de 1875.
Este casarão, durante longos anos desabitado, estivera para se transformar na
Nunciatura, em 1858, quando monsenhor Bucarini o visitou. No entanto, a quantia exorbitante
pedida por Vilaça, procurador da família Maia, fez o representante do Vaticano desistir da
ideia. E o Ramalhete continuou a ser um “inútil pardieiro”, apenas servindo para arrecadação
dos móveis e louças provenientes de outro palacete da família, o de Benfica, entretanto
vendido. Os Maias viviam há já algum tempo na Quinta de Santa Olávia, no Douro e, ao
decidirem voltar a viver em Lisboa, encarregam o Vilaça de restaurar o palacete, a contragosto
do procurador que refere “uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as
paredes do Ramalhete”. As obras de restauro e a decoração são supervisionadas por Carlos
que, depois do processo de renovação concluído e já formado em Medicina, parte para uma
viagem de um ano pela Europa. Afonso, que fazia lembrar, segundo o seu neto, “um varão
esforçado das idades heróicas” instala-se no Ramalhete, esperando o regresso de Carlos.
Inicia-se então a analepse que evoca o passado de Afonso da Maia: fora um jovem
apoiante do Liberalismo, ao contrário de seu pai, Caetano, um absolutista. Por esta razão,
Afonso foi expulso de casa, mas, por influência de sua mãe, foi-lhe oferecida a Quinta de Santa
Olávia. Alguns anos depois, Afonso parte para Inglaterra, onde está algum tempo, mas de onde
regressa devido à morte do seu pai. É então que conhece a mulher com quem irá casar, D.
Maria Eduarda Runa, de quem tem um filho e com quem parte para o exílio, em Inglaterra. D.
Maria Eduarda, mulher de saúde frágil e católica excessivamente devota, não se habitua à falta
do sol nem ao protestantismo ingleses. Não consentindo que o seu filho Pedro seja educado
por um inglês, muito menos num colégio protestante, ordena que de Portugal venha um
homem da igreja para o educar. Apesar da oposição de Afonso, Pedro cresce frágil, medroso,
excessivamente mimado pela mãe. Com o agravamento da doença de D. Maria Eduarda, a
família volt para Lisboa, onde ela acaba por morrer, causando um enorme desgosto a Pedro.
Depois de uma vida de dissipação por “lupanares e botequins”, alternada por períodos de
devoção extrema e doentia, Pedro, entretanto recuperado do luto, apaixona-se por Maria
Monforte, uma mulher muito bela e elegante, filha de um negreiro. Afonso da Maia opõe-se
fortemente à relação do seu filho com Maria Monforte. Pedro e Maria casam às escondidas,
sem o consentimento de Afonso da Maia.

Capítulo II

O casal viaja por Itália, porém Maria suspira por Paris, para onde se mudariam pouco
tempo depois. Maria fica grávida. Nessa altura, resolvem voltar para Lisboa, mas não sem
antes escreverem a Afonso, pai de Pedro, anunciando a sua partida e o nascimento do seu
primeiro neto, na esperança de que ele os perdoasse e os recebesse como família. Afonso
tinha voltado para Santa Olávia, a sua quinta no norte do país.
Maria Eduarda, filha do casal, nasce, mas Pedro não informa o seu pai do nascimento
da filha, por ainda estar magoado com a sua atitude. A vida social de Pedro e Maria Eduarda
não era mais do que “uma existência festiva e luxuosa” que, segundo Alencar, íntimo da casa
que nutria uma paixão inocente por Maria, tinha “um saborzinho de orgia distinguée como os
poemas de Byron”. Este ambiente agradava a Maria que recebia os amigos íntimos no seu
boudoir, enquanto Pedro sentia tédio “daquela existência de luxo e de festa”. Quando o seu
segundo filho nasce, Pedro põe a hipótese de se reconciliar com o pai e ir a Santa Olávia
apresentar-lhe os netos. Contudo, esta visita é adiada, porque Pedro, numa caçada com os
amigos, fere acidentalmente o italiano Tancredo o qual fica a restabelecer-se durante muito
tempo em sua casa, tempo suficiente para Maria o conhecer e por ele se apaixonar, fugindo
ambos e levando com eles a filha, Maria Eduarda.
Pedro procura apoio junto do pai, que o acolhe, assim como ao seu filho, Carlos, na
casa de Benfica, para onde, entretanto, se tinha mudado. Pedro suicida-se e Afonso decide
fechar a casa de Benfica, mudando-se com o seu neto, Carlos, para a Quinta de Santa Olávia.

Capítulo III

A infância de Carlos é passada em Santa Olávia, recebendo uma educação liberal, com
um professor inglês, Mr. Brown, que dá primazia ao exercício físico e às regras duras que
Afonso impõe ao neto. É neste ambiente de província que os Maias convivem com os Silveiras:
Teresinha, a primeira namorada de Carlos, a sua mãe, D. Eugénia, a sua tia, D. Ana, e o seu
irmão Eusebiozinho, o oposto de Carlos, menino muito frágil, tímido, medroso e estudioso. É
sobretudo um capítulo que evidencia o contraste entre as educações tradicional
(Eusebiozinho) e a inglesa (Carlos). Vilaça dá notícias de Maria Monforte e de sua filha a
Afonso e, segundo ele, a pequena morrera em Londres. Vilaça morre e o seu filho substitui-o
como procurador da família. Carlos faz o exame de admissão e entra na Universidade em
Coimbra.
Capítulo IV

Carlos despertou para a sua vocação para Medicina ainda em criança, quando
“descobriu no sótão, entre rumas de velhos alfarrábios um rolo manchado e antiquado de
estampas anatómicas”. Para que os seus estudos fossem mais tranquilos, Afonso ofereceu ao
neto uma casa em Celas, onde Carlos leva um tipo de vida boémia, sempre rodeado de amigos
com ideias filosóficas avançadas e defensores de uma ideologia liberal. Deste grupos de
amigos destaca-se João da Ega, que estudava Direito e era sobrinho de André da Ega, amigo de
infância de Afonso. Terminado o curso, Carlos parte para uma viagem de um ano pela Europa.
Ao fim desse tempo, Afonso espera-o no Ramalhete, onde se irão instalar – fim da grande
analepse. Carlos tenciona montar um consultório e um laboratório em Lisboa, vontades que
depressa satisfaz com a ajuda do avô: o laboratório é montado num velho armazém, e o
consultório, elegantemente decorado, num primeiro andar em pleno Rossio. Carlos recebe
com alegria a visita do seu amigo Ega, que lhe anuncia a publicação do livro que andava a
escrever havia já alguns anos – Memórias de um Átomo.

Capítulo V

Este capítulo inicia-se com um serão no Ramalhete, com a presença de vários amigos:
D. Diogo, o general Sequeira, Cruges, Eusébio Silveira, o conde Steinbroken e Taveira que fala
dos Gouvarinhos, enquanto o Marquês refere “essa coisa do Ega com a mulher do Cohen”.
A atividade no consultório de Carlos já começara a ter alguma popularidade devido ao
seu sucesso com o caso da Marcelina (a mulher do padeiro que estivera às portas da morte).
Carlos finalmente encontra Ega e é desvendado o mistério do seu súbito desaparecimento:
estava apaixonado por Raquel Cohen, que era, infelizmente, casada. Durante uma conversa
entre Carlos e Ega, este propõe-lhe conhecer a família Gouvarinho. Carlos aceita. Após um
encontro com estes amigos de Ega, na Ópera do S. Carlos, Carlos pressente o interesse da
condessa.
Capítulo VI

Ega instala-se na Vila Balzac, casa que este comprara e onde Carlos é muito bem
recebido, cum um pajem à porta. O chalet decorado de forma original e exótica é o reflexo do
temperamento do proprietário. Carlos fala sobre a Gouvarinho e do seu súbito desinteresse
pela senhora, após a grande atracção inicialmente sentida. Esta atitude de Carlos para com as
mulheres era frequente e os dos amigos conversam sobre o assunto, afirmando Ega que ele
era “simplesmente (…) um devasso; e hás-de vir a acabar (…) numa tragédia infernal”. Quando
saem para jantar, cruzam-se com Craft, amigo de Ega, e que Ega apresenta a Carlos. Combinam
jantar no dia seguinte no Hotel Central. Após alguns contratempos, Ega consegue marcar o
jantar no Hotel Central com Carlos, Craft, Alencar, Dâmaso e Cohen (banqueiro e marido da
sua amante), a quem Ega fez questão de homenagear, com um dos pratos: “Petits pois à la
Cohen”. Ao jantar discutem-se vários temas como literatura entre Ega e Alencar é a mais
representativa da superficialidade e inconsequência das conversas. O jantar acaba e Alencar
acompanha Carlos a casa, lamentando-se o poeta da vida, do abandono por parte dos amigos
e falando-lhe dos seus progenitores, de quem fora íntimo. Carlos recorda o que sabia da
história dos seus pais: a mãe fugira com um estrangeiro levando a irmã, que morrera pouco
depois e o pai suicidara-se. Carlos, já em casa, antes de adormecer, sonha com a mulher
deslumbrante, uma deusa, com quem se tinha cruzado no peristilo do Hotel Central, enquanto
aguardava, com Craft, os restantes amigos para jantar – “uma senhora alta, loira, com um
meio véu muito apertado e que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea”.

Capítulo VII

Depois do almoço no Ramalhete, Afonso e Craft jogam uma partida de xadrez. Carlos
tem poucos doentes e vai trabalhando no seu livro. Dâmaso, à semelhança de Craft, tornara-se
íntimo da casa dos Maias, seguindo Carlos para todo o lado e procurando imitá-lo. Ega anda
ocupado com a organização de um baile de máscaras na casa dos Cohen. Carlos, na companhia
de Steinbroken, vê, pela segunda vez, Maria Eduarda, a “deusa” que vislumbrara no Hotel
Central, no Aterro, acompanhada do marido. Na esperança de encontrar novamente Maria
Eduarda, por quem ficara fascinado, Carlos desloca-se várias vezes, durante a semana, ao
Aterro. A condessa de Gouvarinho, com a desculpa que o filho se encontrava doente, procura
Carlos no consultório, evidenciando uma audácia picante. Ao serão, no Ramalhete, joga-se
dominó, ouve-se música e conversa-se. Carlos convida Cruges a ir a Sintra no dia seguinte, pois
tomara conhecimento, por intermédio de Taveira, que Maria Eduarda aí se encontrava na
companhia de seu marido e de Dâmaso.

Capítulo VIII

Carlos da Maia e o seu amigo, o maestro Cruges, vão visitar Sintra. A ideia é de Carlos
que obriga Cruges a ir com eles. Cruges já não visitava Sintra desde os nove anos e facilmente
se deixa convencer. Esta viagem tem o propósito, ocultado por Carlos, de conseguir um
encontro fortuito com Maria Eduarda, a Sra. Castro Gomes, que ele julgava estar em Sintra.
Após algumas horas de viagem de break, chegam a Sintra e instalam-se no Hotel Nunes, por
sugestão de Carlos, que teme que, ao instalarem-se no Lawrence’s Hotel, se cruzem de
imediato com os Castro Gomes, perdendo o seu encontro aquele efeito de casualidade que ele
lhe desejava atribuir. Aí encontram o velho amigo Eusebiozinho, acompanhado por Palma e
duas senhoras espanholas, acompanhantes de ambos. Este episódio revela-se de grande
comicidade, pelo comportamento da espanhola Concha que não admite que Eusebiozinho diga
que ela e Lola eram apenas acompanhantes de Palma. Carlos e Cruges partem num pequeno
passeio pedestre para visitar Seteais. Pelo caminho encontram outro amigo, Alencar, o poeta,
vindo justamente de Seteais, mas que faz questão de os acompanhar novamente. Aí chegados,
Cruges, que não conhecia o local, fica desapontado quando verifica o estado de abandono em
que se encontrava a construção. Depressa Alencar o fez pensar outro modo, ao sublinhar os
pormenores do local e a beleza da vista. De volta à vila, passam pelo Lawrence e visitam, por
breves instantes, o Paço e o seu Palácio. Carlos, já informado sobre o destino dos Castro Goes,
que haviam deixado Sintra na véspera, decide voltar para Lisboa. Jantam no Lawrence, onde
Alencar os esperava e, depois do jantar, instalam-se no break de volta a Lisboa, dando boleia a
Alencar, que também estava de partida. É então que Cruges se lembra das queijadas que a
mãe lhe tinha pedido e de que ele se esquecera.
Capítulo IX

No Ramalhete, no final da semana, Carlos recebe uma carta a convidá-lo para jantar no
sábado seguinte em casa dos Gouvarinhos; entretanto, chega Ega, preocupado em arranjar
uma espada adequada ao fato que leva nessa noite ao baile de máscaras dos Cohen. Dâmaso
também aparece, pedindo a Carlos para ver um doente daquela “gente brasileira” (os Castro
Gomes): a menina Rosa. Os pais tinham partido nessa manhã para Queluz e a pequenina ficara
com a governanta. Ao chegar ao Hotel, Carlos verifica que não era nada de grave e prescreve
uma receita que entrega a Miss Sara, a governanta.
Às dez horas da noite, quando Carlos se preparava para o baile de máscaras, aparece
Ega (mascarado de Metistófeles), dizendo que o Cohen o expulsara por ter descoberto o caso
amoroso entre ele e a sua mulher. Ega quer desafiar Cohen para um duelo, mas Carlos e Craft
dissuadem-no. No dia seguinte, nada acontece, exceto a vinda d criada de Raquel Cohen,
anunciando que ela tinha sido espancada pelo marido e que partiam para Inglaterra, deixando
Portugal. Ega dorme nessa noite no Ramalhete e decide deixar Lisboa.
Carlos vai progressivamente ficando íntimo dos condes de Gouvarinho, participando
num chá oferecido pela condessa e que reúne algumas das mais notáveis senhoras da cidade,
entre as quais D. Maria da Cunha. Carlos e a condessa “insensivelmente, irresistivelmente”
encontram-se nos braços um do outro, beijando-se.

Capítulo X

Passam-se três semanas. Carlos começa a ficar cansado dos seus encontros furtivos
com a Gouvarinho e pensa libertar-se dela. O seu pensamento continua voltado para Maria
Eduarda. Combina com o Dâmaso, no Ramalhete, levar os Castro Gomes a ver as coleções do
Craft, nos Olivais, mas tal projeto não se concretiza, pois o Sr. Castro Gomes partira para o
Brasil em negócios.
Chega o dia das corridas de cavalos, o acontecimento social que junta a elite lisboeta.
Carlos encontra a Gouvarinho, que lhe propõe um encontro em Santarém, uma vez que ela ia
de viagem para o Porto, onde o seu pai se encontrava doente. Num clima de apatia, fazem-se
apostas. Todos apostam em Minhoto, exceto Carlos, que aposta em Vladimiro e vence,
ganhando doze libras – facto muito comentado. Carlos, que desesperadamente procura Maria
Eduarda com o olhar, encontra Dâmaso, que o informa que o Castro Gomes afinal tinha ido
para o Brasil e deixara a mulher sozinha por uns três meses. Carlos fica secretamente contente
e discute com a Gouvarinho, acabando, no entanto, por aceder ao seu desejo do encontro em
Santarém.
Carlos toma conhecimento que Maria Eduarda alugara uma casa à mãe do Cruges, na
rua de S. Francisco, e com o pretexto de visitar o amigo, vai até lá, mas não o encontra. De
regresso ao Ramalhete, Carlos recebe uma carta da Castro Gomes, pedindo-lhe que a visite no
dia seguinte, por ter “uma pessoa de família, que se achava incomodada”. Carlos anima-se.

Capítulo XI

Carlos vai visitar a Sra. Castro Gomes e descobre o seu nome: Maria Eduarda. Era a
governanta, Miss Sara, quem estava doente – tinha uma bronquite. Carlos conversa com Maria
Eduarda, prescreve a receita e diz-lhe os cuidados que deve ter com Sara, acrescentando que
terá de observá-la diariamente.
Nessa noite, Carlos iria ter com a Gouvarinho para o combinado encontro em
Santarém, algo que já não lhe agradava. Por sorte, o Gouvarinho decidiu à última da hora ir
com a mulher para o Porto, vendo-se, assim, Carlos, livre dessa situação. Carlos vê-se
igualmente livre de Dâmaso que, devido à morte de um tio, parte para Penafiel.
Nas semanas seguintes, devido à doença de Miss Sara, Carlos vai-se familiarizando com
Maria Eduarda, falando ambos das suas vidas. Dâmaso volta de Penafiel e vai visitar Maria
Eduarda. Ao chegar, vê Carlos com “Niniche” (a cadela de Maria) ao colo, a qual lhe rosna e
ladra, o que deixa Dâmaso zangado e cheio de ciúmes do amigo. Dâmaso pede explicações a
Carlos por tanta intimidade. Os Cohen regressam de Inglaterra e Ega está para chegar de
Celorico.

Capítulo XII

Ega regressa de Celorico e instala-se no Ramalhete. Informa Carlos de que se


encontrara com a Gouvarinho e de que o conde os convidara para jantar na próxima segunda-
feira. Ao jantar, a Gouvarinho não esconde de Carlos que tem conhecimento da sua
proximidade com Maria Eduarda. O clima suaviza-se durante o jantar, devido aos ditos
irreverentes de Ega. A pretexto de um mal-estar de Charlie (filho dos Gouvarinhos), a condessa
pede a Carlos que a acompanhe aos aposentos interiores e beija-o, numa tentativa de
reconciliação.
Na terça-feira, depois de um encontro escaldante com a Gouvarinho na casa da “titi”,
Carlos chega atrasado à casa de Maria Eduarda. A meio da conversa, Domingos, o criado,
anuncia Dâmaso, mas Maria Eduarda recusa-se a recebê-lo – o que o deixa furioso. Maria fala
a Carlos sobre uma possível mudança de casa e ele pensa logo na casa do Craft, decidindo
comprá-la. Carlos deixa escapar que a “adora” e, depois de uma troca de olhares, beijam-se.
Na quarta-feira, Carlos conclui o negócio da casa com Craft. Maria Eduarda fica um pouco
renitente com a pressa de tudo, mas acaba por concordar, “E tudo ficou harmonizado num
grande beijo”.
Ega mostra-se magoado pelos segredos de Carlos, mas este acaba por lhe contar que
se apaixonou e se envolveu com Maria Eduarda. Ega percebe que não se trata de mais uma
paixão passageira, mas sim de um “grande amor (…), absorvente, eterno, e para bem e para
mal, tornando-se daí por diante, e para sempre, o seu irreparável destino”.

Capítulo XIII

Ega informa Carlos de que Dâmaso anda a difamá-lo a ele e a Maria Eduarda. Carlos,
furioso, ao encontrá-lo na rua, ameaça-o. Iniciam-se os preparativos para a mudança de Maria
Eduarda para os Olivais.
No sábado, Maria Eduarda visita a sua nova casa nos Olivais. Depois da visita e do
almoço, Carlos e Maria Eduarda fazem amor.
No domingo é o aniversário de Afonso da Maia e todos os amigos da casa estão
presentes. Descobre-se que Dâmaso andava a namorar a Choen. A Gouvarinho aparece,
querendo falar com Carlos, e acabam por discutir sobre a sua ausência. É o fim do romance
amoroso.
Capítulo XIV

Afonso parte para Santa Olávia e Carlos fica sozinho no Ramalhete, pois Ega parte para
Sintra (e, curiosamente, os Cohen também). Mara Eduarda instala-se nos Olivais e Carlos passa
a frequentar a casa todos os dias. O casal pretende fugir para Itália e lá casar, mas Carlos pensa
no desgosto que dará ao avô. As idas de Carlos aos Olivais são mais frequentes, acabando por
alugar uma casa perto, enquanto não está com Maria na “Toca” (nome dado à casa dos
Olivais).
Chega Setembro. Craft, regressado de Santa Olávia para o Hotel Central, diz a Carlos
que lhe pareceu estar o avô desgostoso por ele não ter aparecido por lá. Carlos decide ir visitar
Afonso, mas antes leva Maria a conhecer o Ramalhete. Maria Eduarda refere que às vezes
Carlos lhe faz lembrar a sua mãe e conta-lhe a sua história – a mãe era da ilha da Madeira,
casara com um austríaco e tinha tido uma irmãzinha, que morrera em pequena.
Uma semana depois, Carlos regressa de Santa Olávia e fala com Ega, que voltara de
Sintra. Nessa noite, Castro Gomes aparece no Ramalhete, com uma carta anónima que lhe
tinham mandado para o Brasil, dizendo que a sua mulher tinha um amante, Carlos da Maia.
Carlos fica estupefacto e acaba por identificar a letra de Dâmaso. Castro Gomes conta-lhe que
não é marido de Maria Eduarda, nem pai de Rosa, e que apenas vivia com ela. Diz-lhe também
que se vai embora de Portugal e que Maria Eduarda se chama Madame Mac Gren. Furioso pela
mentira de Maria, Carlos decide ir confrontá-la. Ao entrar, fica a saber por Melanie, a criada,
que o Castro Gomes já lá tinha estado. Maria Eduarda, a chorar, pede perdão a Carlos por não
lhe ter contado a verdade, mas tinha medo que ele a abandonasse. Conta-lhe, então, a
verdadeira história da sua vida e, já reconciliados, Carlos pede Maria Eduarda em casamento.

Capítulo XV

Maria Eduarda conta toda a sua vida detalhadamente a Carlos. Dias depois, Carlos
relata tudo o que se passara a Ega, que lhe diz que seria melhor esperar que o avô morresse
para se casar, pois Afonso estava débil e velho e não aguentaria o desgosto.
Carlos e Maria Eduarda começam a dar jantares nos Olivais e todos os amigos de
Carlos familiarizaram-se com ela. Mais tarde, Carlos, através de Ega, toma conhecimento de
um artigo de A Corneta do Diabo, que o difama, denunciando o passado de Maria Eduarda e a
sua relação com ela. Carlos, furioso, decide matar quem escreveu o artigo; descobre depois,
com a ajuda do Ega, que o editor do artigo, Palma, o tinha feito a pedido de Dâmaso e de
Eusebiozinho. Palma entrega-lhe as provas. Carlos manda os seus padrinhos, Ega e Cruges,
pedir a honra ou a vida a Dâmaso. Este acaba por escrever uma carta de desculpas a Carlos,
ditada por Ega, na qual afirmava ser um bêbedo, incorrigível. Satisfeito, Carlos devolve a carta
a Ega e agradece-lhe. Ega, ao ver Dâmaso com Raquel, decide publicar a carta no jornal e assim
humilhar Dâmaso, o qual, envergonhado, parte para Itália. Afonso regressa de Santa Olávia,
Carlos abandona a casa que alugara perto dos Olivais e Maria Eduarda volta para o
apartamento da mãe de Cruges, na rua de S. Francisco, deixando a “Toca”. É também neste
capítulo que Carlos vê ao longe o Sr. Guimarães, tio de Dâmaso.
Capítulo XVI

Carlos e Ega vão ao Sarau do Teatro da Trindade ouvir o Cruges e o Alencar, que nessa
noite atuam. Aí, ouvem o discurso de Rufino sobre a caridade e a família real (ausente do
sarau) e Ega conhece o Sr. Guimarães, o tio de Dâmaso que vivia em Paris e trabalhava num
jornal. O motivo da conversa é averiguar as razões da carta que Dâmaso escrevera, coagido,
segundo ele, por Ega. Tudo é esclarecido e os dois ficam amigos. Cruges toca, mas é um fiasco,
pois ninguém admira o seu talento. Carlos ainda assiste à récita de Alencar que declama o
poema “Democracia” e encanta a sala. Mais tarde, quando Ega regressava ao Ramalhete,
Guimarães aparece dizendo-lhe que tem um cofre da mãe de Carlos para entregar à família.
No meio da conversa, Ega descobre que Carlos tem uma irmã e Guimarães diz tê-los visto aos
três numa carruagem: Carlos, Ega e a irmã, Maria Eduarda. Guimarães conta então a Ega o
passado de Maria Monforte, inclusive a mentira que ela dissera a Maria Eduarda sobre o seu
pai, revelando que Maria é filha de Pedro da Maia. Fala também da fuga da Monforte com
Tancredo, da filha que eles tiveram e morreu em Londres e, depois, da educação de Maria
Eduarda no convento. Guimarães entrega o cofre a Ega, que, chocado com a verdade, decide
pedir ajuda a Vilaça para contar tudo a Carlos.

Capítulo XVII

Ega, sem coragem para revelar a verdade a Carlos, procura Vilaça e conta-lhe tudo.
Juntos, abrem o cofre da Monforte e encontram uma carta para Maria Eduarda na qual revela
a verdade: ela é filha de Pedro da Maia. No dia seguinte, Vilaça e Ega confrontam Carlos com a
situação. Aflito, Carlos procura o avô e conta-lhe tudo, na esperança que este lhe possa
desmentir a história. Afonso acaba por confirmar e, em segredo, diz a Ega que sabe que Carlos
tem um caso com Maria Eduarda. Apesar de já saber a verdade, nessa noite, Carlos vai ter com
Maria Eduarda; primeiro pensara em dizer-lhe tudo e depois fugir para Santa Olávia, mas,
incapaz de resistir, dorme mais uma vez com ela. Continuava a amá-la e o facto de serem
irmãos não mudava o que ele sentia. No entanto, progressivamente, o amor dá lugar ao
repúdio, ao “nojo físico”.
Afonso da Maia tem consciência que Carlos continua a encontrar-se com Maria
Eduarda e fica desolado. Ega, furioso com o comportamento de Carlos, confronta-o e ele
decide, então, partir no dia seguinte para Santa Olávia. Na manhã seguinte, avisado por
Baptista (o seu criado), Carlos encontra o avô desmaiado no jardim. Efectivamente estava
morto. Destroçado e culpando-se a si mesmo da morte do avô, Carlos pede a Ega que trate do
funeral e escreva sum bilhete a informar Maria Eduarda do facto. Vilaça toma as providências
para o funeral. Os amigos da família reúnem-se no velório e recordam Afonso. Após o enterro,
Carlos parte para Santa Olávia, pedindo a Ega para ir falar com Maria Eduarda e lhe contar
tudo, aconselhando-a que parta para Paris. Maria Eduarda, devastada, viaja no dia seguinte
para Paris, para sempre – “Maria Eduarda, grande, muda, toda negra na claridade, à
portinhola daquele vagão que para sempre a levava”.

Capítulo XVIII

Passam-se semanas. Sai na Gazeta Ilustrada a notícia da partida de Carlos e Ega numa
longa viajem pelo mundo: Londres, Nova Iorque, China, Japão. Um ano e meio depois, Ega
regressa trazendo consigo a ideia de escrever um livro, Jornadas da Ásia e contando que Carlos
ficara em Paris, alugando um apartamento, pois não desejava regressar a Portugal.
Dez anos depois, Carlos regressa a Lisboa, mas não sem antes passar por Santa Olávia.
Carlos almoça no Hotel Bragança com Ega, que lhe conta as novidades: a mãe morrera e a
Gouvarinho herdara uma fortuna. Entretanto, aparecem Alencar e Cruges, que falam dos anos
que passaram: Alencar cuidava agora da sobrinha, pois a sua irmã morrera, e Cruges escrevera
uma ópera cómica, a “Flor de Sevilha”, que lhe valera o merecido reconhecimento; Craft
mudara-se para Londres; o marquês de Souzela morrera; D. Diogo casara-se com a cozinheira;
o general Sequeira fora morto; Taveira continuava o mesmo e Steinbroken era agora ministro
em Atenas. Após combinarem um jantar, Ega e Carlos vão visitar o Ramalhete. Pelo caminho
encontram Dâmaso, que casara com a filha mais nova de um comerciante falido e que, para
além de ter de sustentar toda a família, sofria a traição da mulher. Aos poucos, Carlos toma
consciência do novo Portugal, ainda mais decadente que há dez anos atrás. Vêem Charlie, já
um homem, e encontram Eusébio, que fora obrigado a casar com uma mulher forte, pois o pai
dela apanhara-os a namorar.
No Ramalhete, a maior parte das decorações (tapetes, faianças, estátuas) tinham sido
ou estavam a ser despachadas para Paris, onde Carlos planeava ficar para sempre. Carlos
relembra Maria Eduarda e conta a Ega que recebera uma carta dela. Contava-lhe que ia casar
com um tal Mr. De Trelain, decisão tomada ao fim de muitos anos, e que tinha comprado uma
quinta em Orleães, “Les Rosières”. Carlos encara este casamento de Maria Eduarda como um
final, uma conclusão da sua história. Passam pelo escritório de Afonso, o que lhes traz tristes
recordações, e constatam que não vale a pena viver. Por mais que se tente lutar para mudar a
vida, não vale a pena o esforço, porque tudo são desilusões e poeira: “Nada desejar e nada
recear… Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento”. Quando saem do
Ramalhete, constatam que estavam atrasados para o jantar e, ao verem o americano (meio de
transporte) correm atrás dele…

3. Personagens
Caracterização das personagens

 Afonso da Maia
Afonso é a personagem que funciona como o esteio da família Maia e é para ele que todos
se voltam nos momentos de crise.
Com efeito, este símbolo do Portugal liberal da década de 20 (século XIX) que “atirou
foguetes de lágrimas à Constituição” (capítulo I), é o ponto de equilíbrio dos Maias. É a ele que
Pedro entrega Carlos após a fuga de Maria, é ele que Carlos interroga na esperança de que
Afonso desminta as revelações de Guimarães (capítulo XVII).
Afonso é ainda a incarnação do bom senso, da experiência, dos valores da nação e da raça,
é alguém que defende o património português face à descaracterização e à invasão das modas
estrangeiras.
No entanto, Afonso é humano e, embora tenha conseguido sobreviver à tragédia do filho,
não supera a do neto, morrendo também com ele o futuro da família.

 Pedro da Maia
Pedro, enquanto personagem, obedece ao cânone naturalista: características psicológicas,
meio social e educação.
Assim, com uma educação católica e tradicional, bem ao modo português, herdando o
caráter depressivo e melancólico de Maria Eduarda Runa, sua mãe, e vivendo no meio do
“sopro romântico da Regeneração” (capítulo II), Pedro nada mais podia fazer que se deixar
arrastar por uma paixão obsessiva e fatal. Aliás, Maria Monforte é o protótipo da mulher fatal
romântica, que arrasta o homem para o abismo da perdição.
Sublinhe-se ainda o facto de a caracterização direta de Pedro e a omnisciência do
narrador, em relação a esta personagem, se enquadrarem perfeitamente na estética
naturalista.

 Carlos da Maia
A personagem Carlos, devido à sua centralidade, tem direito a um tratamento privilegiado
por parte do narrador.
Assim, o leitor vai acompanhando o seu percurso, desde o seu período de formação em
Santa Olávia, submetido a uma rígida educação britânica (moderna e laica) até ao
desencantado passeio final, onde a sua única razão existencial parece ser a de se ter esquecido
de encomendar para o jantar “um grande prato de paio com ervilhas” (capítulo XVIII). Pelo
caminho, encontrámo-lo, em Coimbra, levando uma vida de boémia estudantil e literária, em
Lisboa passando belos momentos de ócio no seu consultório, aí fazendo planos para mudar a
mentalidade da sociedade lisboeta que frequenta e que o idolatra, vivendo de forma
exacerbada e intensa a sua paixão por Maria Eduarda, interessando-se por tudo e por nada, ao
mesmo tempo.
Carlos é o diletante culto por excelência, que acaba por se deixar submergir pela modorra
da sociedade lisboeta em que vive, deixando cair, um a um, todos os seus projetos de vida,
inclusive a sua paixão, embora esta última por razões que Carlos não consegue controlar.
Como se explica, então, dentro dos cânones naturalistas, este falhanço de Carlos?
A educação que recebeu não deveria ter criado um indivíduo forte, capaz de ultrapassar as
adversidades da vida?
A resposta a esta questão não é única, uma vez que, e tendo em conta os pressupostos
naturalistas, não podemos esquecer que a carga hereditária dos pais também deve ser tida em
conta; por outro lado, o meio decadente em que Carlos se move também o influenciou. No
entanto, após a revelação do incesto e a morte do avô, Carlos consegue sobreviver pelo menos
fisicamente. Porquê? Sem dúvida devido à educação britânica. Basta compararmos a sua
atitude com a de Pedro, para concluirmos como os dois personagens estão distantes.
Por último, dever-se-á ainda referir que o percurso existencial de Carlos pode ser o
símbolo da evolução da sociedade portuguesa após a Regeneração, quando Portugal parecia
estar a entrar numa época diferente, marcada por uma certa prosperidade (tal como Carlos foi
a esperança de renascimento dos Maias), o país acaba por cair no indiferentismo, num
retrocesso marcado por uma indefinição quanto ao futuro (tal como Carlos e Ega no passeio
final). Daí que se possa afirmar, parafraseando José de Almeida Moura, que Os Maias mais não
são que “um ensaio alegórico sobre a decadência da nação”.

 Maria Eduarda
Maria Eduarda é sempre apresentada ao leitor como uma “deusa transviada”, como um
ser superior que se destaca no meio das mulheres lisboetas. Ela é alta, loira, envolta numa
capa de mistério, que aumenta o seu poder de sedução e a sua sensualidade. Era pois normal e
inevitável, tal como diz Ega, que ela e Carlos, também ele diferente do lisboeta comum, se
sentissem atraídos um pelo outro, se conhecessem e se amassem.
Maria Eduarda incarna a heroína romântica, perseguida pela vida e pelo destino, mas que
acaba por encontrar, ainda que momentaneamente, a razão da sua vida, na paixão e no amor.
Ela é também vítima do seu passado, das circunstâncias em que cresceu e viveu (bem ao jeito
naturalista), mas o facto de ser a própria personagem a narrar o seu percurso, omitindo,
logicamente, aquilo que não sabe, e referindo o seu passado após o leitor já ter conhecimento
do seu presente, afasta Maria Eduarda de alguns dos preceitos estruturais do Naturalismo.

 João da Ega

Ega (ou Eça?) funciona como o Sancho Pança de Carlos, ou seja, é aquele amigo que o traz
de volta à realidade, que o faz pôr os pés no mundo. É também o amigo que nos momentos
mais difíceis e mais dolorosos o ampara e ajuda, não só em termos espirituais, mas também na
resolução dos problemas práticos (por exemplo a partida de Maria Eduarda de Lisboa). Para
além destes aspetos, são também evidentes as afinidades culturais e mentais entre as duas
personagens.
Ega é também o símbolo da pura irreverência, do sarcasmo, da ironia, da crítica pela
crítica, do prazer de chocar e de questionar.
No passeio final, tal como Carlos, Ega extravasa o seu desencanto, a sua desilusão, a sua
frustração, não só em relação ao Portugal que o envolve, mas também em relação ao falhanço
dos seus projetos.

Representatividade social

A sociedade representada no romance é a da aristocracia decadente e a alta burguesia


acéfala, excessivamente comodista e materialista, muito distanciada das verdadeiras
necessidades do país. Os seus hábitos sociais, o seu modo de vida, os ambientes de doentia
rotina são reveladores de ociosidade, superficialidade, corrupção, limitação intelectual,
negação do progresso. É assumidamente uma sociedade que vive do parecer em detrimento
do ser.

Como é próprio do romance de amplos espaços sociais, muitas das personagens de Os


Maias, mesmo aquelas que se afirmam pela sua individualidade, podem ser representativas de
grupos sociais, de atividades profissionais, de estados intelectuais. Vejamos, então, a sua
representatividade social:
 Afonso – português austero, símbolo das virtudes e da moral de outrora;
 Pedro – português fruto da educação romântica sentimental e beata, propenso a
comportamentos neuróticos e trágicos;
 Alencar – poeta ultra-romântico, lírico arrebatado, de um idealismo extremo e
exacerbado;
 Cohen – “o respeitado director do Banco Nacional”, é um financeiro sem escrúpulos,
símbolo da alta finança nacional oportunista;
 Conde de Gouvarinho – político incompetente, retrógrado, mas com poder; Ministro e
par do reino, representa a incompetência política;
 Sousa Neto – representante da Administração Pública, incompetente e inculto;
 Eusebiozinho – o produto da educação portuguesa, retrógrada e deformadora;
 Dâmaso – o português vulgar de um estrato social privilegiado, é súmula de vários
defeitos – calúnia, cobardia, imitação servil do estrangeiro, falta de identidade, culto
do “chic a valer”;
 Ega – o protótipo do demagogo, incoerente nas suas posições, alheio a convenções,
mas vítima do meio que irreverentemente contesta;
 Carlos – português educado superiormente, dotado de um gosto requintado que se
distancia da mediocridade do meio social que o rodeia, vítima de um diletantismo e
ociosidade que o impedem de concretizar os seus projetos e vencer;
 Cruges – “um diabo adoidado, maestro, pianista, com uma pontinha de génio”, é o
intelectual incompreendido e marginalizado;
 Steinbroken – o político neutro, que nunca se compromete;
 Palma Cavalão e Neves – jornalistas corruptos, representantes da corrupção e do
compadrio político na informação; Palma Cavalão dirige A Corneta do Diabo, jornal que
“na impressão, no papel, na abundância dos itálicos, no tipo gasto, todo ele revelava
imundície e malandrice” e Neves A Tarde;
 Craft – inglês, símbolo do carácter e do bom gosto britânicos.

Para além da singularidade destes “tipos”, poderemos ainda detetar no romance situações
de confronto/contraste que exemplificam determinados comportamentos e perfis intelectuais:
 anti-clericalismo / clericalismo fanático representado pelo par Afonso da Maia e Maria
Eduarda Runa;
 romantismo/naturalismo – confronto de estéticas literárias representadas por Alencar
e Ega;
 personalidade própria/imitação petulante, em Carlos e Dâmaso.

4. A simbologia do romance
É possível reconhecer um paralelismo entre os vários representantes da família Maia e os
diferentes momentos da história do Portugal do século XIX:
• Caetano: representa o absolutismo e os seus valores retrógrados;
• Afonso: é figura emblemática do liberalismo romântico, chegando a sofrer o exílio da
pátria;
• Pedro: é representante da política da Regeneração e do ultra-romantismo;
• Carlos: é um fiel defensor do espírito da Geração de 70 e símbolo do subsequente
vencidismo.

É ainda possível identificar Portugal como a grande personagem oculta do romance, que,
segundo Jacinto do Prado Coelho “o que domina como objecto de reflexo é Portugal,
personagem oculta por detrás das personagens visíveis. Um país aparentemente sem remédio,
um país que as elites não são capazes de salvar”. (Jacinto do Prado Coelho, Ao Contrário de
Penélope).
5. A Crónica de Costumes
“Para Eça, Lisboa é um manancial inesgotável de sátira, de troça e de pilhérias.”
- Eduardo Lourenço

O subtítulo do romance - Episódios da Vida Romântica – aponta para uma pintura


detalhada de uma sociedade, com os seus vícios e aspetos menos edificantes, pintura essa que
se integra perfeitamente num dos objetivos do romance naturalista / realista.

Jantar no Hotel Central (capítulo VI)

O jantar no Hotel Central é uma espécie de festa de homenagem de Ega ao banqueiro


Cohen (símbolo da alta finança), marido da divina Raquel, amante de Ega.
O episódio acaba também por proporcionar o primeiro encontro de Maria Eduarda e
Carlos (“Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de
deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de
cabelos de oiro, e um aroma no ar”) e é também a primeira reunião social da elite lisboeta em
que Carlos participa.

 Resumo
Durante o jantar, as conversas vão focar diversos aspetos da sociedade portuguesa: o
atávico estado deplorável das finanças públicas, o eterno endividamento do país e a
consequente necessidade de reformas externas e radicais, de que Ega é o defensor mais
convicto:

“- Portugal não necessita de reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a


invasão espanhola.

(…) Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos de fazer um


esforço desesperado para viver. (…) Sem monarquia, sem este catervo de
políticos, sem esse tortulho da “inscrição”, porque tudo desaparecia,
estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivéssemos
servido. E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um Portugal
sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização
como outrora… Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha
tareia… Oh! Deus de Ourique, manda-nos o castelhano!”

O jantar vai ser dominado pela contenda literária entre Ega e Alencar. Ega, defensor
acérrimo do Naturalismo, que considera como uma ciência (“A forma pura da arte naturalista
devia ser a monografia, o estudo seco de um tipo, de um vício, de uma paixão, tal qual como se
se tratasse de um caso patológico, sem pitoresco e sem estilo (…)”, envolve-se em disputa
verbal e física com Alencar, o protótipo do poeta ultrarromântico.
Alencar, cujo aspeto físico era o de um romântico (“… muito alto, todo abotoado numa
sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados e sob o nariz aquilino longos,
espessos, românticos bigodes grisalhos: já todo calvo na frente, os anéis fofos de uma grenha
muito seca caíam-lhe inspiradamente sobre a gola: e em toda a sua pessoa havia alguma coisa
de antiquado, de artificial e de lúgubre”) ataca ferozmente a “Ideia Nova”, dirigindo o seu ódio
contra Craveiro, o defensor da nova estética literária e que satirizara Alencar, num já
conhecido epigrama. A discussão literária rapidamente cai nos ataques pessoais (“… esse
Craveirote da “Ideia Nova”, esse caloteiro, que se não lembra que a porca da irmã é uma
meretriz de doze vinténs em Marco de Canavezes”) sublinhando-se, assim, a pouca
credibilidade e seriedade da crítica literária em Portugal).
As Corridas de Cavalos (capítulo X)

O episódio das corridas (a que Carlos assiste com o único objetivo de rever Maria Eduarda,
o que não acontece) constitui mais uma visão caricatural da sociedade lisboeta, que num
desesperado esforço de cosmopolitização resolve promover um espetáculo que nada tem a
ver com a tradição cultural do país, como Afonso sublinha:

“O verdadeiro patriotismo, talvez – disse ele – seria, em lugar de


corridas, fazer uma boa tourada. (…)
Cada raça possui o seu “sport” próprio, e o nosso é o toiro: o toiro com
muito sol, ar de dia santo, água fresca e foguetes (…)”

Os resultados das corridas são desastrosos:


 desinteresse generalizado: ex.: “Um garoto ia apregoando desconsoladamente
programas das corridas que ninguém comprava.”;
 espaço inadequado:
― a entrada: “À entrada para o hipódromo, abertura escalavrada num muro de
quintarola (…)” ;
― as tribunas: “Para além, dos dois lados da tribuna real forrada de um baetão
vermelho de mesa de repartição, erguiam-se duas tribunas públicas, com o feitio
de traves mal pregadas, como palanques de arraial. A da esquerda, vazia, por
pintar, mostrava à luz as fendas do tabuado. Na da direita, besuntada por fora de
azul-claro (…)”;
― a falta de balcão de apostas
― o bufete: “O bufete estava instalado debaixo da tribuna, sob o tabuado nu, sem
sobrado, sem um ornato, sem uma flor. Ao fundo corria uma prateleira de taberna
com garrafas e pratos de bolos. E, no balcão tosco, dois criados, estonteados e
sujos, achatavam à pressa as fatias de sanduíches com as mãos húmidas de
espuma da cerveja.”;
 comportamentos desajustados:
― das senhoras: “(…) havia uma fila de senhoras quase todas de escuro (…)”; “(…)
Debruçadas no rebordo, numa fila muda, olhando vagamente, como de uma janela
em dia de procissão (…) A maior parte tinha vestidos sérios de missa.”; “-É um
canteirinho de camélias meladas.”;
― dos concorrentes: “De repente, fora, houve um reboliço, (…) Era uma desordem!
(…) Porque o que havia naquele hipódromo era compadrice e ladroeira.”; “Isto é
um país que só suporta hortas e arraiais… Corridas, como muitas outras coisas
civilizadas lá de fora, necessitam primeiro gente educada. No fundo todos nós
somos fadistas! Do que gostamos é de vinhaça, e viola, e bordoada, e viva lá seu
compadre!”.
No meio de toda esta mediocridade, destacam-se Carlos e Craft pelo seu à-vontade e pela
sua familiaridade com este tipo de acontecimentos sociais.
Dâmaso, o novo-rico endinheirado, ávido de copiar Carlos, destaca-se também pela
negativa, “pelo seu podre de chique” bem representado pela indumentária escolhida:
sobrecasaca branca e véu azul no chapéu.

O Jantar dos Gouvarinhos (capítulo XII)

O jantar dos Gouvarinhos, oferecido a Carlos pelo conde (marido da Gouvarinho, amante
de Carlos) aparece num momento em que Carlos, já desinteressado da condessa, passa grande
parte das manhãs na rua de S. Francisco, em casa de Maria Eduarda.

A conversa, durante o jantar, toca múltiplos assuntos, mas devem-se sublinhar os


seguintes aspetos:
 a “estreiteza” de pontos de vista do conde de Gouvarinho: “E era esta a vantagem de
Lisboa, disse logo o conde, o conhecerem-se todos de reputação, o poder-se ter assim
uma apreciação mais justa dos caracteres. Em Paris, por exemplo, era impossível; por
isso havia tanta imoralidade, tanta relaxação (…)”; “- País de grande prosperidade, a
Holanda!... Em nada inferior ao nosso (…) Já conheci mesmo um holandês que era
excessivamente instruído (…)”; “(…) Mas temos grandes glórias; o Infante D. Henrique é
de primeira ordem; e a tomada de Ormuz é um primor… (…) não há hoje colónias nem
mais suscetíveis de riqueza, nem mais crentes no progresso, nem mais liberais que as
nossas!”;
 a ignorância e a falta de inteligência de Sousa Neto (diálogo com Ega acerca das
supostas teorias de Proudhon sobre o amor e sobre a literatura em Inglaterra:
“Encontra-se por lá, em Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós,
folhetinistas, poetas de pulso?...”;
 a incompetência dos políticos: o conde de Gouvarinho já tinha passado por vários
ministérios; Sousa Neto era oficial superior da Instrução Pública, mas nunca tinha
ouvido falar de Proudhon e punha em causa a existência de “literatura amena” em
Inglaterra.

O Jornalismo Português do século XIX (capítulo XV)

Chamada de atenção para:


 o jornalismo corrupto e desprovido de ética;
 a falta de ética dos jornalistas Palma Cavalão e Neves;
 os compadrios políticos;
 a apetência pelos assuntos “escabrosos”/o sensacionalismo jornalístico.

O Sarau Literário no Teatro da Trindade (capítulo XVI)

O sarau literário aparece num momento do romance em que Carlos e Maria Eduarda
vivem já um amor sem sobressaltos, fazendo planos para o futuro (um ninho de amor junto a
um lago, na romântica Itália?) e esperando, apenas, o momento mais propício para que Carlos
comunique a Afonso os seus planos.
Carlos e Ega vão ao Teatro da Trindade apenas cumprir uma obrigação social (o sarau
destinava-se a ajudar as vítimas das cheias no Ribatejo), mas é precisamente no final do sarau
que o sr. Guimarães (o “demagogo”, o tio do Dâmaso, que vivia há longos anos em Paris)
interpela Ega, entregando-lhe o fatídico cofre de Maria Monforte, contendo as revelações
relativas ao parentesco entre Carlos e Maria Eduarda.
Ironicamente, um episódio que, à partida, pouco ou nada parece ter a ver com os amores
entre Carlos e Maria Eduarda, revela-se o desencadeador da catástrofe final.

A análise pormenorizada do sarau revela-nos aspetos caricatos da sociedade lisboeta


de então, a saber:
 o apreço e a admiração pela verborreia oca e inqualificável de Rufino: “Um largo
frémito de emoção passou. Vozes sufocadas de gozo mal podiam murmurar: ‘Muito
bem, muito bem…’”;
 a ausência da família real num espetáculo de beneficência: “E imediatamente
Steinbroken queixou-se da ausência da família real.”;
 a total falta de sensibilidade estética para apreciar o verdadeiro talento, incarnado em
Cruges: “-É de Beethoven, Sra. D. Maria da Cunha, a “Sonata Patética.” Uma das
Pedrosas não percebera bem o nome da sonata. E a marquesa de Soutal muito séria,
muito bela, cheirando devagar um frasquinho de sais, disse que era a “Sonata Pateta”.
Por toda a bancada foi um rastilho de risos sufocados. (…) No entanto, por toda a sala
o sussurro crescia. Os encatarrados tossiam livremente. Dois cavalheiros tinham aberto
“A Tarde”. E caído sobre o teclado, com a gola da casaca fugida para a nuca, o pobre
Cruges, suando, estonteado por aquela desatenção rumorosa, atabalhoava as notas,
numa debandada.”;
 a lágrima fácil, “a paixão meridional do verso, da sonoridade, do liberalismo
romântico” exacerbados pelos versos de Alencar: “Palmas mais numerosas, já
sinceras, estalaram pela sala, que cedia enfim ao repetido encanto daquele lirismo
humanitário e sonoro. (…) sob aquele bafo de simpatia, Alencar sorria, com os braços
abertos, anunciando uma a uma, como pérolas que se desfiam, todas as dádivas que
traria a república.”.

6. O Tempo e o Espaço na obra Os Maias


O Tempo

 O Tempo da História e o Tempo do Discurso


Os Maias abarcam uma faixa temporal de cerca de setenta anos (1820-1822/1887), dos
quais apenas catorze meses são objeto de uma atenção diferenciada (Outono de 1875 a
Janeiro de 1877).

Devido a este desfasamento, ao longo do romance é possível detetar:


 Analepses: a inicial (capítulo I) e a relativa ao passado de Maria Eduarda (capítulo XV);
 Resumos ou sumários: “E esse ano passou. Gente nasceu, gente morreu, searas
amadureceram, arvoredos murcharam. Outros anos passaram.” (capítulo XVIII);
 Elipses ou omissões.
 O Tempo Histórico e a criação da verosimilhança ou efeito do real

Ao longo do romance são várias as referências a acontecimentos históricos que ajudam à


construção do efeito do real, ou seja, induzem o leitor a aceitar que a história d’ Os Maias é
tão real quanto os acontecimentos referidos o são:
 1822: “(Afonso atirara) foguetes de lágrimas à Constituição” (p.15);
 Regeneração (1850): “E no meio desta festança, atravessada pelo sopro romântico da
Regeneração (…)” (p.39);
 Zola, o Naturalismo: “Isto levou logo a falar-se do Assommoir de Zola e do realismo”
(p.166);
 Os filósofos inspiradores da Geração de 70: “(…) (Carlos) lia Proudhon, Augusto
Comte, Herbert Spencer (…)” (p. 93).

No entanto, é sobretudo através do clima de desencanto, de desilusão generalizada, de


constante crítica ao poder e às instituições que a História aparece ao longo do romance,
revelando-nos o Portugal decrépito e descaracterizado dos finais do século XIX.

O Espaço

 Os grandes Espaços e o seu simbolismo

 Lisboa é o grande espaço privilegiado ao longo do texto. As suas ruas (S. Domingos,
Rua de S. Francisco), as suas praças (Chiado, Loreto, Rossio…), os seus hotéis
(Bragança, Aliança), os seus locais de convívio (Bertrand, Havanesa, Grémio), os seus
teatros (Trindade, S. Carlos) constituem-se quase como personagens ao longo do
romance.
Mas Lisboa é também o símbolo da sociedade portuguesa da Regeneração, incapaz de
se modernizar (obras da Avenida da Liberdade) e que agoniza na contemplação de um
passado glorioso (estátua de Camões).
 Sintra: a ida a Sintra de Carlos com Cruges, onde encontram Alencar, constitui um dos
momentos mais poéticos e, ao mesmo tempo, mais hilariante d’ Os Maias.
Sintra é o paraíso romântico perdido, é o refúgio campestre e purificador que
neutraliza o ar pestilento de Lisboa.
 Coimbra: é o símbolo da boémia estudantil, artística e literária, é o espaço de
formação académica e cívica de Carlos.
 Santa Olávia: é um lugar mágico para onde a família se desloca para recuperar as
forças perdidas, para esquecer a dor e encarar o futuro; é lá que Afonso se refugia com
Carlos após o suicídio de Pedro, é aí que Carlos cresce e se prepara para a reabilitação
da família.
Depois da instalação dos Maias em Lisboa, Afonso passa as férias de Verão em Santa
Olávia e, quando após dez anos de exílio voluntário em Paris, Carlos vem a Portugal,
Santa Olávia é o primeiro lugar de peregrinação.

 Os Espaços interiores e a sua dimensão simbólica

 O Ramalhete: a descrição do Ramalhete revela o bom gosto e o requinte dos Maias,


em geral, e de Carlos, em particular.
As três descrições do jardim revestem-se de um aspeto simbólico evidente. Com
efeito, o primeiro momento (em que o jardim tem um aspeto de abandono e de
degradação) corresponde ao desgosto e ao sofrimento de Afonso, após a morte de
Pedro. Já o segundo momento é o do renascimento da esperança, é a altura em que a
juventude e a vitalidade de Carlos renovam o Ramalhete. Finalmente, a última imagem
do jardim (areado e limpo, mas sombrio e solitário) simbolizam o fim de um sonho e a
morte de uma família.
 O consultório: a descrição do consultório (capítulo IV) revela-nos algumas facetas de
Carlos: o seu diletantismo, os seus entusiasmos passageiros, os seus projetos
inacabados.
 A Toca: toda a descrição do ninho de amor de Carlos e Maria Eduarda (capítulo XIII)
aponta para a expressão de um gosto exótico e sensual apropriado à vivência da
paixão e do interdito.
Toca é o covil de um animal, é onde este se esconde das ameaças do exterior. Também
Carlos e Maria Eduarda vivem, num primeiro momento, um amor “marginal” que
necessita de ser preservado da curiosidade da sociedade. Mas o facto de uma toca ser
o habitat de um animal poderá, também, ser relacionado com o caráter incestuoso da
relação amorosa e que ultrapassa o mero tabu social. Ao longo da descrição da Toca,
multiplicam-se os elementos simbólicos, em especial no quarto, que indiciam o caráter
interdito e o fim trágico do amor:
― O quadro com os amores de Vénus e de Marte (relação incestuosa);
― A alcova comparada a um tabernáculo profanado;
― O leito de dossel erguido para uma paixão trágica como no tempo de Lucrécia;
― A cabeça degolada num prato de cobre;
― A coruja empalhada.

7. A linguagem da obra
A linguagem do romance ilustra o quanto a linguagem literária de Eça foi profundamente
inovadora para a literatura portuguesa, tanto pelo impressionismo das descrições, como pelo
realismo dos diálogos.
Com efeito, Eça de Queirós, através da narração, da descrição, do diálogo e do monólogo,
apropria-se da linguagem de forma inovadora, atribuindo-lhe novos valores estéticos e
literários. A narração ganha maleabilidade pela necessidade de relatar objetivamente os
acontecimentos, como convinha à estética realista; o diálogo enche-se de força coloquial; a
descrição minuciosa, frequentemente sensorial, serve os propósitos do realismo que se afirma
pelo rigor da observação e pela análise dos acontecimentos sociais; o monólogo ajuda a
perscrutar o mundo interior das personagens; o comentário permite a intervenção de um
narrador que, ora adotando uma focalização omnisciente, ora uma focalização interna, tudo
observa com um olhar crítico e contundente.
Para além destes modos de expressão, os principais recursos literários característicos da
prosa queirosiana são:
• Personificação
• Hipálage
• Adjectivação
• Emprego do advérbio
• Ironia
• Comparação
• Metáfora
• Emprego do diminutivo
• Sinestesia
• Presença de estrangeirismos
• Criação de neologismos
• Discurso indirecto livre
• Uso do gerúndio

8. O Narrador
O narrador da ação coloca-se, ao longo do romance, numa posição de domínio total da
narrativa, conhecendo intimamente as personagens, o evoluir dos acontecimentos e o
desenlace dos mesmos.

O narrador assume-se então como uma espécie de demiurgo, uma entidade que tudo
sabe – omnisciência. A analepse inicial é o momento do romance em que essa omnisciência
está mais evidente.

No entanto, é quase sempre através do olhar e dos juízos de Carlos da Maia e, algumas
vezes, através dos de João da Ega, que o meio social lisboeta é analisado e avaliado. O
narrador, quando emite juízos de valor, fá-lo quase sempre através destas duas personagens,
com elas se identificando – focalização interna.

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