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1. A ação do romance
A ação do romance baseia-se na história de três gerações da família Maia (Afonso, Pedro
e Carlos) e tem como pano de fundo a sociedade lisboeta de grande parte do século XIX.
A arquitetura do romance
A intriga central organizada em torno dos amores incestuosos de Carlos e Maria Edarda
apresenta uma estrutura tripartida:
Antecedentes da intriga central – introdução e preparação da ação – cap. I a cap. IV:
o Instalação dos Maias;
o descrição e história do Ramalhete, casa da família Maia, no Outono de 1875 –
cap. I;
o grande analepse com o objetivo de explicar os antecedentes da família e o
aparecimento de Carlos, em Lisboa, no Outono de 1875:
juventude de Afonso e exílio em Inglaterra;
vida de Pedro (infância, juventude, relação e casamento com Maria
Monforte, suicídio) – cap. I a cap. II –, que constitui a ação secundária;
Carlos (infância, cap. III; juventude e estadia em Coimbra – época de
formação –, cap. IV; longa viagem pela Europa, cap. IV)
Neste primeiro momento da intriga o ritmo é rápido, os acontecimentos sucedem-se
velozmente, assemelhando-se ao ritmo narrativo de novela. Um período de cerca de 55 anos,
de 1822 – “[Afonso]…foguetes de lágrimas à Constituição (Cap. I) – ao Outono de 1875 –
“Chegara esse Outono de 1875” (Cap. IV) – é narrado em aproximadamente 95 páginas, num
total de 716.
A ação central apresenta uma típica estrutura de tragédia que, no sentido clássico, se
caracteriza pela presença de um destino insondável que se abate sobre as personagens,
envolvendo toda a família Maia.
Capítulo II
O casal viaja por Itália, porém Maria suspira por Paris, para onde se mudariam pouco
tempo depois. Maria fica grávida. Nessa altura, resolvem voltar para Lisboa, mas não sem
antes escreverem a Afonso, pai de Pedro, anunciando a sua partida e o nascimento do seu
primeiro neto, na esperança de que ele os perdoasse e os recebesse como família. Afonso
tinha voltado para Santa Olávia, a sua quinta no norte do país.
Maria Eduarda, filha do casal, nasce, mas Pedro não informa o seu pai do nascimento
da filha, por ainda estar magoado com a sua atitude. A vida social de Pedro e Maria Eduarda
não era mais do que “uma existência festiva e luxuosa” que, segundo Alencar, íntimo da casa
que nutria uma paixão inocente por Maria, tinha “um saborzinho de orgia distinguée como os
poemas de Byron”. Este ambiente agradava a Maria que recebia os amigos íntimos no seu
boudoir, enquanto Pedro sentia tédio “daquela existência de luxo e de festa”. Quando o seu
segundo filho nasce, Pedro põe a hipótese de se reconciliar com o pai e ir a Santa Olávia
apresentar-lhe os netos. Contudo, esta visita é adiada, porque Pedro, numa caçada com os
amigos, fere acidentalmente o italiano Tancredo o qual fica a restabelecer-se durante muito
tempo em sua casa, tempo suficiente para Maria o conhecer e por ele se apaixonar, fugindo
ambos e levando com eles a filha, Maria Eduarda.
Pedro procura apoio junto do pai, que o acolhe, assim como ao seu filho, Carlos, na
casa de Benfica, para onde, entretanto, se tinha mudado. Pedro suicida-se e Afonso decide
fechar a casa de Benfica, mudando-se com o seu neto, Carlos, para a Quinta de Santa Olávia.
Capítulo III
A infância de Carlos é passada em Santa Olávia, recebendo uma educação liberal, com
um professor inglês, Mr. Brown, que dá primazia ao exercício físico e às regras duras que
Afonso impõe ao neto. É neste ambiente de província que os Maias convivem com os Silveiras:
Teresinha, a primeira namorada de Carlos, a sua mãe, D. Eugénia, a sua tia, D. Ana, e o seu
irmão Eusebiozinho, o oposto de Carlos, menino muito frágil, tímido, medroso e estudioso. É
sobretudo um capítulo que evidencia o contraste entre as educações tradicional
(Eusebiozinho) e a inglesa (Carlos). Vilaça dá notícias de Maria Monforte e de sua filha a
Afonso e, segundo ele, a pequena morrera em Londres. Vilaça morre e o seu filho substitui-o
como procurador da família. Carlos faz o exame de admissão e entra na Universidade em
Coimbra.
Capítulo IV
Carlos despertou para a sua vocação para Medicina ainda em criança, quando
“descobriu no sótão, entre rumas de velhos alfarrábios um rolo manchado e antiquado de
estampas anatómicas”. Para que os seus estudos fossem mais tranquilos, Afonso ofereceu ao
neto uma casa em Celas, onde Carlos leva um tipo de vida boémia, sempre rodeado de amigos
com ideias filosóficas avançadas e defensores de uma ideologia liberal. Deste grupos de
amigos destaca-se João da Ega, que estudava Direito e era sobrinho de André da Ega, amigo de
infância de Afonso. Terminado o curso, Carlos parte para uma viagem de um ano pela Europa.
Ao fim desse tempo, Afonso espera-o no Ramalhete, onde se irão instalar – fim da grande
analepse. Carlos tenciona montar um consultório e um laboratório em Lisboa, vontades que
depressa satisfaz com a ajuda do avô: o laboratório é montado num velho armazém, e o
consultório, elegantemente decorado, num primeiro andar em pleno Rossio. Carlos recebe
com alegria a visita do seu amigo Ega, que lhe anuncia a publicação do livro que andava a
escrever havia já alguns anos – Memórias de um Átomo.
Capítulo V
Este capítulo inicia-se com um serão no Ramalhete, com a presença de vários amigos:
D. Diogo, o general Sequeira, Cruges, Eusébio Silveira, o conde Steinbroken e Taveira que fala
dos Gouvarinhos, enquanto o Marquês refere “essa coisa do Ega com a mulher do Cohen”.
A atividade no consultório de Carlos já começara a ter alguma popularidade devido ao
seu sucesso com o caso da Marcelina (a mulher do padeiro que estivera às portas da morte).
Carlos finalmente encontra Ega e é desvendado o mistério do seu súbito desaparecimento:
estava apaixonado por Raquel Cohen, que era, infelizmente, casada. Durante uma conversa
entre Carlos e Ega, este propõe-lhe conhecer a família Gouvarinho. Carlos aceita. Após um
encontro com estes amigos de Ega, na Ópera do S. Carlos, Carlos pressente o interesse da
condessa.
Capítulo VI
Ega instala-se na Vila Balzac, casa que este comprara e onde Carlos é muito bem
recebido, cum um pajem à porta. O chalet decorado de forma original e exótica é o reflexo do
temperamento do proprietário. Carlos fala sobre a Gouvarinho e do seu súbito desinteresse
pela senhora, após a grande atracção inicialmente sentida. Esta atitude de Carlos para com as
mulheres era frequente e os dos amigos conversam sobre o assunto, afirmando Ega que ele
era “simplesmente (…) um devasso; e hás-de vir a acabar (…) numa tragédia infernal”. Quando
saem para jantar, cruzam-se com Craft, amigo de Ega, e que Ega apresenta a Carlos. Combinam
jantar no dia seguinte no Hotel Central. Após alguns contratempos, Ega consegue marcar o
jantar no Hotel Central com Carlos, Craft, Alencar, Dâmaso e Cohen (banqueiro e marido da
sua amante), a quem Ega fez questão de homenagear, com um dos pratos: “Petits pois à la
Cohen”. Ao jantar discutem-se vários temas como literatura entre Ega e Alencar é a mais
representativa da superficialidade e inconsequência das conversas. O jantar acaba e Alencar
acompanha Carlos a casa, lamentando-se o poeta da vida, do abandono por parte dos amigos
e falando-lhe dos seus progenitores, de quem fora íntimo. Carlos recorda o que sabia da
história dos seus pais: a mãe fugira com um estrangeiro levando a irmã, que morrera pouco
depois e o pai suicidara-se. Carlos, já em casa, antes de adormecer, sonha com a mulher
deslumbrante, uma deusa, com quem se tinha cruzado no peristilo do Hotel Central, enquanto
aguardava, com Craft, os restantes amigos para jantar – “uma senhora alta, loira, com um
meio véu muito apertado e que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea”.
Capítulo VII
Depois do almoço no Ramalhete, Afonso e Craft jogam uma partida de xadrez. Carlos
tem poucos doentes e vai trabalhando no seu livro. Dâmaso, à semelhança de Craft, tornara-se
íntimo da casa dos Maias, seguindo Carlos para todo o lado e procurando imitá-lo. Ega anda
ocupado com a organização de um baile de máscaras na casa dos Cohen. Carlos, na companhia
de Steinbroken, vê, pela segunda vez, Maria Eduarda, a “deusa” que vislumbrara no Hotel
Central, no Aterro, acompanhada do marido. Na esperança de encontrar novamente Maria
Eduarda, por quem ficara fascinado, Carlos desloca-se várias vezes, durante a semana, ao
Aterro. A condessa de Gouvarinho, com a desculpa que o filho se encontrava doente, procura
Carlos no consultório, evidenciando uma audácia picante. Ao serão, no Ramalhete, joga-se
dominó, ouve-se música e conversa-se. Carlos convida Cruges a ir a Sintra no dia seguinte, pois
tomara conhecimento, por intermédio de Taveira, que Maria Eduarda aí se encontrava na
companhia de seu marido e de Dâmaso.
Capítulo VIII
Carlos da Maia e o seu amigo, o maestro Cruges, vão visitar Sintra. A ideia é de Carlos
que obriga Cruges a ir com eles. Cruges já não visitava Sintra desde os nove anos e facilmente
se deixa convencer. Esta viagem tem o propósito, ocultado por Carlos, de conseguir um
encontro fortuito com Maria Eduarda, a Sra. Castro Gomes, que ele julgava estar em Sintra.
Após algumas horas de viagem de break, chegam a Sintra e instalam-se no Hotel Nunes, por
sugestão de Carlos, que teme que, ao instalarem-se no Lawrence’s Hotel, se cruzem de
imediato com os Castro Gomes, perdendo o seu encontro aquele efeito de casualidade que ele
lhe desejava atribuir. Aí encontram o velho amigo Eusebiozinho, acompanhado por Palma e
duas senhoras espanholas, acompanhantes de ambos. Este episódio revela-se de grande
comicidade, pelo comportamento da espanhola Concha que não admite que Eusebiozinho diga
que ela e Lola eram apenas acompanhantes de Palma. Carlos e Cruges partem num pequeno
passeio pedestre para visitar Seteais. Pelo caminho encontram outro amigo, Alencar, o poeta,
vindo justamente de Seteais, mas que faz questão de os acompanhar novamente. Aí chegados,
Cruges, que não conhecia o local, fica desapontado quando verifica o estado de abandono em
que se encontrava a construção. Depressa Alencar o fez pensar outro modo, ao sublinhar os
pormenores do local e a beleza da vista. De volta à vila, passam pelo Lawrence e visitam, por
breves instantes, o Paço e o seu Palácio. Carlos, já informado sobre o destino dos Castro Goes,
que haviam deixado Sintra na véspera, decide voltar para Lisboa. Jantam no Lawrence, onde
Alencar os esperava e, depois do jantar, instalam-se no break de volta a Lisboa, dando boleia a
Alencar, que também estava de partida. É então que Cruges se lembra das queijadas que a
mãe lhe tinha pedido e de que ele se esquecera.
Capítulo IX
No Ramalhete, no final da semana, Carlos recebe uma carta a convidá-lo para jantar no
sábado seguinte em casa dos Gouvarinhos; entretanto, chega Ega, preocupado em arranjar
uma espada adequada ao fato que leva nessa noite ao baile de máscaras dos Cohen. Dâmaso
também aparece, pedindo a Carlos para ver um doente daquela “gente brasileira” (os Castro
Gomes): a menina Rosa. Os pais tinham partido nessa manhã para Queluz e a pequenina ficara
com a governanta. Ao chegar ao Hotel, Carlos verifica que não era nada de grave e prescreve
uma receita que entrega a Miss Sara, a governanta.
Às dez horas da noite, quando Carlos se preparava para o baile de máscaras, aparece
Ega (mascarado de Metistófeles), dizendo que o Cohen o expulsara por ter descoberto o caso
amoroso entre ele e a sua mulher. Ega quer desafiar Cohen para um duelo, mas Carlos e Craft
dissuadem-no. No dia seguinte, nada acontece, exceto a vinda d criada de Raquel Cohen,
anunciando que ela tinha sido espancada pelo marido e que partiam para Inglaterra, deixando
Portugal. Ega dorme nessa noite no Ramalhete e decide deixar Lisboa.
Carlos vai progressivamente ficando íntimo dos condes de Gouvarinho, participando
num chá oferecido pela condessa e que reúne algumas das mais notáveis senhoras da cidade,
entre as quais D. Maria da Cunha. Carlos e a condessa “insensivelmente, irresistivelmente”
encontram-se nos braços um do outro, beijando-se.
Capítulo X
Passam-se três semanas. Carlos começa a ficar cansado dos seus encontros furtivos
com a Gouvarinho e pensa libertar-se dela. O seu pensamento continua voltado para Maria
Eduarda. Combina com o Dâmaso, no Ramalhete, levar os Castro Gomes a ver as coleções do
Craft, nos Olivais, mas tal projeto não se concretiza, pois o Sr. Castro Gomes partira para o
Brasil em negócios.
Chega o dia das corridas de cavalos, o acontecimento social que junta a elite lisboeta.
Carlos encontra a Gouvarinho, que lhe propõe um encontro em Santarém, uma vez que ela ia
de viagem para o Porto, onde o seu pai se encontrava doente. Num clima de apatia, fazem-se
apostas. Todos apostam em Minhoto, exceto Carlos, que aposta em Vladimiro e vence,
ganhando doze libras – facto muito comentado. Carlos, que desesperadamente procura Maria
Eduarda com o olhar, encontra Dâmaso, que o informa que o Castro Gomes afinal tinha ido
para o Brasil e deixara a mulher sozinha por uns três meses. Carlos fica secretamente contente
e discute com a Gouvarinho, acabando, no entanto, por aceder ao seu desejo do encontro em
Santarém.
Carlos toma conhecimento que Maria Eduarda alugara uma casa à mãe do Cruges, na
rua de S. Francisco, e com o pretexto de visitar o amigo, vai até lá, mas não o encontra. De
regresso ao Ramalhete, Carlos recebe uma carta da Castro Gomes, pedindo-lhe que a visite no
dia seguinte, por ter “uma pessoa de família, que se achava incomodada”. Carlos anima-se.
Capítulo XI
Carlos vai visitar a Sra. Castro Gomes e descobre o seu nome: Maria Eduarda. Era a
governanta, Miss Sara, quem estava doente – tinha uma bronquite. Carlos conversa com Maria
Eduarda, prescreve a receita e diz-lhe os cuidados que deve ter com Sara, acrescentando que
terá de observá-la diariamente.
Nessa noite, Carlos iria ter com a Gouvarinho para o combinado encontro em
Santarém, algo que já não lhe agradava. Por sorte, o Gouvarinho decidiu à última da hora ir
com a mulher para o Porto, vendo-se, assim, Carlos, livre dessa situação. Carlos vê-se
igualmente livre de Dâmaso que, devido à morte de um tio, parte para Penafiel.
Nas semanas seguintes, devido à doença de Miss Sara, Carlos vai-se familiarizando com
Maria Eduarda, falando ambos das suas vidas. Dâmaso volta de Penafiel e vai visitar Maria
Eduarda. Ao chegar, vê Carlos com “Niniche” (a cadela de Maria) ao colo, a qual lhe rosna e
ladra, o que deixa Dâmaso zangado e cheio de ciúmes do amigo. Dâmaso pede explicações a
Carlos por tanta intimidade. Os Cohen regressam de Inglaterra e Ega está para chegar de
Celorico.
Capítulo XII
Capítulo XIII
Ega informa Carlos de que Dâmaso anda a difamá-lo a ele e a Maria Eduarda. Carlos,
furioso, ao encontrá-lo na rua, ameaça-o. Iniciam-se os preparativos para a mudança de Maria
Eduarda para os Olivais.
No sábado, Maria Eduarda visita a sua nova casa nos Olivais. Depois da visita e do
almoço, Carlos e Maria Eduarda fazem amor.
No domingo é o aniversário de Afonso da Maia e todos os amigos da casa estão
presentes. Descobre-se que Dâmaso andava a namorar a Choen. A Gouvarinho aparece,
querendo falar com Carlos, e acabam por discutir sobre a sua ausência. É o fim do romance
amoroso.
Capítulo XIV
Afonso parte para Santa Olávia e Carlos fica sozinho no Ramalhete, pois Ega parte para
Sintra (e, curiosamente, os Cohen também). Mara Eduarda instala-se nos Olivais e Carlos passa
a frequentar a casa todos os dias. O casal pretende fugir para Itália e lá casar, mas Carlos pensa
no desgosto que dará ao avô. As idas de Carlos aos Olivais são mais frequentes, acabando por
alugar uma casa perto, enquanto não está com Maria na “Toca” (nome dado à casa dos
Olivais).
Chega Setembro. Craft, regressado de Santa Olávia para o Hotel Central, diz a Carlos
que lhe pareceu estar o avô desgostoso por ele não ter aparecido por lá. Carlos decide ir visitar
Afonso, mas antes leva Maria a conhecer o Ramalhete. Maria Eduarda refere que às vezes
Carlos lhe faz lembrar a sua mãe e conta-lhe a sua história – a mãe era da ilha da Madeira,
casara com um austríaco e tinha tido uma irmãzinha, que morrera em pequena.
Uma semana depois, Carlos regressa de Santa Olávia e fala com Ega, que voltara de
Sintra. Nessa noite, Castro Gomes aparece no Ramalhete, com uma carta anónima que lhe
tinham mandado para o Brasil, dizendo que a sua mulher tinha um amante, Carlos da Maia.
Carlos fica estupefacto e acaba por identificar a letra de Dâmaso. Castro Gomes conta-lhe que
não é marido de Maria Eduarda, nem pai de Rosa, e que apenas vivia com ela. Diz-lhe também
que se vai embora de Portugal e que Maria Eduarda se chama Madame Mac Gren. Furioso pela
mentira de Maria, Carlos decide ir confrontá-la. Ao entrar, fica a saber por Melanie, a criada,
que o Castro Gomes já lá tinha estado. Maria Eduarda, a chorar, pede perdão a Carlos por não
lhe ter contado a verdade, mas tinha medo que ele a abandonasse. Conta-lhe, então, a
verdadeira história da sua vida e, já reconciliados, Carlos pede Maria Eduarda em casamento.
Capítulo XV
Maria Eduarda conta toda a sua vida detalhadamente a Carlos. Dias depois, Carlos
relata tudo o que se passara a Ega, que lhe diz que seria melhor esperar que o avô morresse
para se casar, pois Afonso estava débil e velho e não aguentaria o desgosto.
Carlos e Maria Eduarda começam a dar jantares nos Olivais e todos os amigos de
Carlos familiarizaram-se com ela. Mais tarde, Carlos, através de Ega, toma conhecimento de
um artigo de A Corneta do Diabo, que o difama, denunciando o passado de Maria Eduarda e a
sua relação com ela. Carlos, furioso, decide matar quem escreveu o artigo; descobre depois,
com a ajuda do Ega, que o editor do artigo, Palma, o tinha feito a pedido de Dâmaso e de
Eusebiozinho. Palma entrega-lhe as provas. Carlos manda os seus padrinhos, Ega e Cruges,
pedir a honra ou a vida a Dâmaso. Este acaba por escrever uma carta de desculpas a Carlos,
ditada por Ega, na qual afirmava ser um bêbedo, incorrigível. Satisfeito, Carlos devolve a carta
a Ega e agradece-lhe. Ega, ao ver Dâmaso com Raquel, decide publicar a carta no jornal e assim
humilhar Dâmaso, o qual, envergonhado, parte para Itália. Afonso regressa de Santa Olávia,
Carlos abandona a casa que alugara perto dos Olivais e Maria Eduarda volta para o
apartamento da mãe de Cruges, na rua de S. Francisco, deixando a “Toca”. É também neste
capítulo que Carlos vê ao longe o Sr. Guimarães, tio de Dâmaso.
Capítulo XVI
Carlos e Ega vão ao Sarau do Teatro da Trindade ouvir o Cruges e o Alencar, que nessa
noite atuam. Aí, ouvem o discurso de Rufino sobre a caridade e a família real (ausente do
sarau) e Ega conhece o Sr. Guimarães, o tio de Dâmaso que vivia em Paris e trabalhava num
jornal. O motivo da conversa é averiguar as razões da carta que Dâmaso escrevera, coagido,
segundo ele, por Ega. Tudo é esclarecido e os dois ficam amigos. Cruges toca, mas é um fiasco,
pois ninguém admira o seu talento. Carlos ainda assiste à récita de Alencar que declama o
poema “Democracia” e encanta a sala. Mais tarde, quando Ega regressava ao Ramalhete,
Guimarães aparece dizendo-lhe que tem um cofre da mãe de Carlos para entregar à família.
No meio da conversa, Ega descobre que Carlos tem uma irmã e Guimarães diz tê-los visto aos
três numa carruagem: Carlos, Ega e a irmã, Maria Eduarda. Guimarães conta então a Ega o
passado de Maria Monforte, inclusive a mentira que ela dissera a Maria Eduarda sobre o seu
pai, revelando que Maria é filha de Pedro da Maia. Fala também da fuga da Monforte com
Tancredo, da filha que eles tiveram e morreu em Londres e, depois, da educação de Maria
Eduarda no convento. Guimarães entrega o cofre a Ega, que, chocado com a verdade, decide
pedir ajuda a Vilaça para contar tudo a Carlos.
Capítulo XVII
Ega, sem coragem para revelar a verdade a Carlos, procura Vilaça e conta-lhe tudo.
Juntos, abrem o cofre da Monforte e encontram uma carta para Maria Eduarda na qual revela
a verdade: ela é filha de Pedro da Maia. No dia seguinte, Vilaça e Ega confrontam Carlos com a
situação. Aflito, Carlos procura o avô e conta-lhe tudo, na esperança que este lhe possa
desmentir a história. Afonso acaba por confirmar e, em segredo, diz a Ega que sabe que Carlos
tem um caso com Maria Eduarda. Apesar de já saber a verdade, nessa noite, Carlos vai ter com
Maria Eduarda; primeiro pensara em dizer-lhe tudo e depois fugir para Santa Olávia, mas,
incapaz de resistir, dorme mais uma vez com ela. Continuava a amá-la e o facto de serem
irmãos não mudava o que ele sentia. No entanto, progressivamente, o amor dá lugar ao
repúdio, ao “nojo físico”.
Afonso da Maia tem consciência que Carlos continua a encontrar-se com Maria
Eduarda e fica desolado. Ega, furioso com o comportamento de Carlos, confronta-o e ele
decide, então, partir no dia seguinte para Santa Olávia. Na manhã seguinte, avisado por
Baptista (o seu criado), Carlos encontra o avô desmaiado no jardim. Efectivamente estava
morto. Destroçado e culpando-se a si mesmo da morte do avô, Carlos pede a Ega que trate do
funeral e escreva sum bilhete a informar Maria Eduarda do facto. Vilaça toma as providências
para o funeral. Os amigos da família reúnem-se no velório e recordam Afonso. Após o enterro,
Carlos parte para Santa Olávia, pedindo a Ega para ir falar com Maria Eduarda e lhe contar
tudo, aconselhando-a que parta para Paris. Maria Eduarda, devastada, viaja no dia seguinte
para Paris, para sempre – “Maria Eduarda, grande, muda, toda negra na claridade, à
portinhola daquele vagão que para sempre a levava”.
Capítulo XVIII
Passam-se semanas. Sai na Gazeta Ilustrada a notícia da partida de Carlos e Ega numa
longa viajem pelo mundo: Londres, Nova Iorque, China, Japão. Um ano e meio depois, Ega
regressa trazendo consigo a ideia de escrever um livro, Jornadas da Ásia e contando que Carlos
ficara em Paris, alugando um apartamento, pois não desejava regressar a Portugal.
Dez anos depois, Carlos regressa a Lisboa, mas não sem antes passar por Santa Olávia.
Carlos almoça no Hotel Bragança com Ega, que lhe conta as novidades: a mãe morrera e a
Gouvarinho herdara uma fortuna. Entretanto, aparecem Alencar e Cruges, que falam dos anos
que passaram: Alencar cuidava agora da sobrinha, pois a sua irmã morrera, e Cruges escrevera
uma ópera cómica, a “Flor de Sevilha”, que lhe valera o merecido reconhecimento; Craft
mudara-se para Londres; o marquês de Souzela morrera; D. Diogo casara-se com a cozinheira;
o general Sequeira fora morto; Taveira continuava o mesmo e Steinbroken era agora ministro
em Atenas. Após combinarem um jantar, Ega e Carlos vão visitar o Ramalhete. Pelo caminho
encontram Dâmaso, que casara com a filha mais nova de um comerciante falido e que, para
além de ter de sustentar toda a família, sofria a traição da mulher. Aos poucos, Carlos toma
consciência do novo Portugal, ainda mais decadente que há dez anos atrás. Vêem Charlie, já
um homem, e encontram Eusébio, que fora obrigado a casar com uma mulher forte, pois o pai
dela apanhara-os a namorar.
No Ramalhete, a maior parte das decorações (tapetes, faianças, estátuas) tinham sido
ou estavam a ser despachadas para Paris, onde Carlos planeava ficar para sempre. Carlos
relembra Maria Eduarda e conta a Ega que recebera uma carta dela. Contava-lhe que ia casar
com um tal Mr. De Trelain, decisão tomada ao fim de muitos anos, e que tinha comprado uma
quinta em Orleães, “Les Rosières”. Carlos encara este casamento de Maria Eduarda como um
final, uma conclusão da sua história. Passam pelo escritório de Afonso, o que lhes traz tristes
recordações, e constatam que não vale a pena viver. Por mais que se tente lutar para mudar a
vida, não vale a pena o esforço, porque tudo são desilusões e poeira: “Nada desejar e nada
recear… Não se abandonar a uma esperança – nem a um desapontamento”. Quando saem do
Ramalhete, constatam que estavam atrasados para o jantar e, ao verem o americano (meio de
transporte) correm atrás dele…
3. Personagens
Caracterização das personagens
Afonso da Maia
Afonso é a personagem que funciona como o esteio da família Maia e é para ele que todos
se voltam nos momentos de crise.
Com efeito, este símbolo do Portugal liberal da década de 20 (século XIX) que “atirou
foguetes de lágrimas à Constituição” (capítulo I), é o ponto de equilíbrio dos Maias. É a ele que
Pedro entrega Carlos após a fuga de Maria, é ele que Carlos interroga na esperança de que
Afonso desminta as revelações de Guimarães (capítulo XVII).
Afonso é ainda a incarnação do bom senso, da experiência, dos valores da nação e da raça,
é alguém que defende o património português face à descaracterização e à invasão das modas
estrangeiras.
No entanto, Afonso é humano e, embora tenha conseguido sobreviver à tragédia do filho,
não supera a do neto, morrendo também com ele o futuro da família.
Pedro da Maia
Pedro, enquanto personagem, obedece ao cânone naturalista: características psicológicas,
meio social e educação.
Assim, com uma educação católica e tradicional, bem ao modo português, herdando o
caráter depressivo e melancólico de Maria Eduarda Runa, sua mãe, e vivendo no meio do
“sopro romântico da Regeneração” (capítulo II), Pedro nada mais podia fazer que se deixar
arrastar por uma paixão obsessiva e fatal. Aliás, Maria Monforte é o protótipo da mulher fatal
romântica, que arrasta o homem para o abismo da perdição.
Sublinhe-se ainda o facto de a caracterização direta de Pedro e a omnisciência do
narrador, em relação a esta personagem, se enquadrarem perfeitamente na estética
naturalista.
Carlos da Maia
A personagem Carlos, devido à sua centralidade, tem direito a um tratamento privilegiado
por parte do narrador.
Assim, o leitor vai acompanhando o seu percurso, desde o seu período de formação em
Santa Olávia, submetido a uma rígida educação britânica (moderna e laica) até ao
desencantado passeio final, onde a sua única razão existencial parece ser a de se ter esquecido
de encomendar para o jantar “um grande prato de paio com ervilhas” (capítulo XVIII). Pelo
caminho, encontrámo-lo, em Coimbra, levando uma vida de boémia estudantil e literária, em
Lisboa passando belos momentos de ócio no seu consultório, aí fazendo planos para mudar a
mentalidade da sociedade lisboeta que frequenta e que o idolatra, vivendo de forma
exacerbada e intensa a sua paixão por Maria Eduarda, interessando-se por tudo e por nada, ao
mesmo tempo.
Carlos é o diletante culto por excelência, que acaba por se deixar submergir pela modorra
da sociedade lisboeta em que vive, deixando cair, um a um, todos os seus projetos de vida,
inclusive a sua paixão, embora esta última por razões que Carlos não consegue controlar.
Como se explica, então, dentro dos cânones naturalistas, este falhanço de Carlos?
A educação que recebeu não deveria ter criado um indivíduo forte, capaz de ultrapassar as
adversidades da vida?
A resposta a esta questão não é única, uma vez que, e tendo em conta os pressupostos
naturalistas, não podemos esquecer que a carga hereditária dos pais também deve ser tida em
conta; por outro lado, o meio decadente em que Carlos se move também o influenciou. No
entanto, após a revelação do incesto e a morte do avô, Carlos consegue sobreviver pelo menos
fisicamente. Porquê? Sem dúvida devido à educação britânica. Basta compararmos a sua
atitude com a de Pedro, para concluirmos como os dois personagens estão distantes.
Por último, dever-se-á ainda referir que o percurso existencial de Carlos pode ser o
símbolo da evolução da sociedade portuguesa após a Regeneração, quando Portugal parecia
estar a entrar numa época diferente, marcada por uma certa prosperidade (tal como Carlos foi
a esperança de renascimento dos Maias), o país acaba por cair no indiferentismo, num
retrocesso marcado por uma indefinição quanto ao futuro (tal como Carlos e Ega no passeio
final). Daí que se possa afirmar, parafraseando José de Almeida Moura, que Os Maias mais não
são que “um ensaio alegórico sobre a decadência da nação”.
Maria Eduarda
Maria Eduarda é sempre apresentada ao leitor como uma “deusa transviada”, como um
ser superior que se destaca no meio das mulheres lisboetas. Ela é alta, loira, envolta numa
capa de mistério, que aumenta o seu poder de sedução e a sua sensualidade. Era pois normal e
inevitável, tal como diz Ega, que ela e Carlos, também ele diferente do lisboeta comum, se
sentissem atraídos um pelo outro, se conhecessem e se amassem.
Maria Eduarda incarna a heroína romântica, perseguida pela vida e pelo destino, mas que
acaba por encontrar, ainda que momentaneamente, a razão da sua vida, na paixão e no amor.
Ela é também vítima do seu passado, das circunstâncias em que cresceu e viveu (bem ao jeito
naturalista), mas o facto de ser a própria personagem a narrar o seu percurso, omitindo,
logicamente, aquilo que não sabe, e referindo o seu passado após o leitor já ter conhecimento
do seu presente, afasta Maria Eduarda de alguns dos preceitos estruturais do Naturalismo.
João da Ega
Ega (ou Eça?) funciona como o Sancho Pança de Carlos, ou seja, é aquele amigo que o traz
de volta à realidade, que o faz pôr os pés no mundo. É também o amigo que nos momentos
mais difíceis e mais dolorosos o ampara e ajuda, não só em termos espirituais, mas também na
resolução dos problemas práticos (por exemplo a partida de Maria Eduarda de Lisboa). Para
além destes aspetos, são também evidentes as afinidades culturais e mentais entre as duas
personagens.
Ega é também o símbolo da pura irreverência, do sarcasmo, da ironia, da crítica pela
crítica, do prazer de chocar e de questionar.
No passeio final, tal como Carlos, Ega extravasa o seu desencanto, a sua desilusão, a sua
frustração, não só em relação ao Portugal que o envolve, mas também em relação ao falhanço
dos seus projetos.
Representatividade social
Para além da singularidade destes “tipos”, poderemos ainda detetar no romance situações
de confronto/contraste que exemplificam determinados comportamentos e perfis intelectuais:
anti-clericalismo / clericalismo fanático representado pelo par Afonso da Maia e Maria
Eduarda Runa;
romantismo/naturalismo – confronto de estéticas literárias representadas por Alencar
e Ega;
personalidade própria/imitação petulante, em Carlos e Dâmaso.
4. A simbologia do romance
É possível reconhecer um paralelismo entre os vários representantes da família Maia e os
diferentes momentos da história do Portugal do século XIX:
• Caetano: representa o absolutismo e os seus valores retrógrados;
• Afonso: é figura emblemática do liberalismo romântico, chegando a sofrer o exílio da
pátria;
• Pedro: é representante da política da Regeneração e do ultra-romantismo;
• Carlos: é um fiel defensor do espírito da Geração de 70 e símbolo do subsequente
vencidismo.
É ainda possível identificar Portugal como a grande personagem oculta do romance, que,
segundo Jacinto do Prado Coelho “o que domina como objecto de reflexo é Portugal,
personagem oculta por detrás das personagens visíveis. Um país aparentemente sem remédio,
um país que as elites não são capazes de salvar”. (Jacinto do Prado Coelho, Ao Contrário de
Penélope).
5. A Crónica de Costumes
“Para Eça, Lisboa é um manancial inesgotável de sátira, de troça e de pilhérias.”
- Eduardo Lourenço
Resumo
Durante o jantar, as conversas vão focar diversos aspetos da sociedade portuguesa: o
atávico estado deplorável das finanças públicas, o eterno endividamento do país e a
consequente necessidade de reformas externas e radicais, de que Ega é o defensor mais
convicto:
O jantar vai ser dominado pela contenda literária entre Ega e Alencar. Ega, defensor
acérrimo do Naturalismo, que considera como uma ciência (“A forma pura da arte naturalista
devia ser a monografia, o estudo seco de um tipo, de um vício, de uma paixão, tal qual como se
se tratasse de um caso patológico, sem pitoresco e sem estilo (…)”, envolve-se em disputa
verbal e física com Alencar, o protótipo do poeta ultrarromântico.
Alencar, cujo aspeto físico era o de um romântico (“… muito alto, todo abotoado numa
sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados e sob o nariz aquilino longos,
espessos, românticos bigodes grisalhos: já todo calvo na frente, os anéis fofos de uma grenha
muito seca caíam-lhe inspiradamente sobre a gola: e em toda a sua pessoa havia alguma coisa
de antiquado, de artificial e de lúgubre”) ataca ferozmente a “Ideia Nova”, dirigindo o seu ódio
contra Craveiro, o defensor da nova estética literária e que satirizara Alencar, num já
conhecido epigrama. A discussão literária rapidamente cai nos ataques pessoais (“… esse
Craveirote da “Ideia Nova”, esse caloteiro, que se não lembra que a porca da irmã é uma
meretriz de doze vinténs em Marco de Canavezes”) sublinhando-se, assim, a pouca
credibilidade e seriedade da crítica literária em Portugal).
As Corridas de Cavalos (capítulo X)
O episódio das corridas (a que Carlos assiste com o único objetivo de rever Maria Eduarda,
o que não acontece) constitui mais uma visão caricatural da sociedade lisboeta, que num
desesperado esforço de cosmopolitização resolve promover um espetáculo que nada tem a
ver com a tradição cultural do país, como Afonso sublinha:
O jantar dos Gouvarinhos, oferecido a Carlos pelo conde (marido da Gouvarinho, amante
de Carlos) aparece num momento em que Carlos, já desinteressado da condessa, passa grande
parte das manhãs na rua de S. Francisco, em casa de Maria Eduarda.
O sarau literário aparece num momento do romance em que Carlos e Maria Eduarda
vivem já um amor sem sobressaltos, fazendo planos para o futuro (um ninho de amor junto a
um lago, na romântica Itália?) e esperando, apenas, o momento mais propício para que Carlos
comunique a Afonso os seus planos.
Carlos e Ega vão ao Teatro da Trindade apenas cumprir uma obrigação social (o sarau
destinava-se a ajudar as vítimas das cheias no Ribatejo), mas é precisamente no final do sarau
que o sr. Guimarães (o “demagogo”, o tio do Dâmaso, que vivia há longos anos em Paris)
interpela Ega, entregando-lhe o fatídico cofre de Maria Monforte, contendo as revelações
relativas ao parentesco entre Carlos e Maria Eduarda.
Ironicamente, um episódio que, à partida, pouco ou nada parece ter a ver com os amores
entre Carlos e Maria Eduarda, revela-se o desencadeador da catástrofe final.
O Espaço
Lisboa é o grande espaço privilegiado ao longo do texto. As suas ruas (S. Domingos,
Rua de S. Francisco), as suas praças (Chiado, Loreto, Rossio…), os seus hotéis
(Bragança, Aliança), os seus locais de convívio (Bertrand, Havanesa, Grémio), os seus
teatros (Trindade, S. Carlos) constituem-se quase como personagens ao longo do
romance.
Mas Lisboa é também o símbolo da sociedade portuguesa da Regeneração, incapaz de
se modernizar (obras da Avenida da Liberdade) e que agoniza na contemplação de um
passado glorioso (estátua de Camões).
Sintra: a ida a Sintra de Carlos com Cruges, onde encontram Alencar, constitui um dos
momentos mais poéticos e, ao mesmo tempo, mais hilariante d’ Os Maias.
Sintra é o paraíso romântico perdido, é o refúgio campestre e purificador que
neutraliza o ar pestilento de Lisboa.
Coimbra: é o símbolo da boémia estudantil, artística e literária, é o espaço de
formação académica e cívica de Carlos.
Santa Olávia: é um lugar mágico para onde a família se desloca para recuperar as
forças perdidas, para esquecer a dor e encarar o futuro; é lá que Afonso se refugia com
Carlos após o suicídio de Pedro, é aí que Carlos cresce e se prepara para a reabilitação
da família.
Depois da instalação dos Maias em Lisboa, Afonso passa as férias de Verão em Santa
Olávia e, quando após dez anos de exílio voluntário em Paris, Carlos vem a Portugal,
Santa Olávia é o primeiro lugar de peregrinação.
7. A linguagem da obra
A linguagem do romance ilustra o quanto a linguagem literária de Eça foi profundamente
inovadora para a literatura portuguesa, tanto pelo impressionismo das descrições, como pelo
realismo dos diálogos.
Com efeito, Eça de Queirós, através da narração, da descrição, do diálogo e do monólogo,
apropria-se da linguagem de forma inovadora, atribuindo-lhe novos valores estéticos e
literários. A narração ganha maleabilidade pela necessidade de relatar objetivamente os
acontecimentos, como convinha à estética realista; o diálogo enche-se de força coloquial; a
descrição minuciosa, frequentemente sensorial, serve os propósitos do realismo que se afirma
pelo rigor da observação e pela análise dos acontecimentos sociais; o monólogo ajuda a
perscrutar o mundo interior das personagens; o comentário permite a intervenção de um
narrador que, ora adotando uma focalização omnisciente, ora uma focalização interna, tudo
observa com um olhar crítico e contundente.
Para além destes modos de expressão, os principais recursos literários característicos da
prosa queirosiana são:
• Personificação
• Hipálage
• Adjectivação
• Emprego do advérbio
• Ironia
• Comparação
• Metáfora
• Emprego do diminutivo
• Sinestesia
• Presença de estrangeirismos
• Criação de neologismos
• Discurso indirecto livre
• Uso do gerúndio
8. O Narrador
O narrador da ação coloca-se, ao longo do romance, numa posição de domínio total da
narrativa, conhecendo intimamente as personagens, o evoluir dos acontecimentos e o
desenlace dos mesmos.
O narrador assume-se então como uma espécie de demiurgo, uma entidade que tudo
sabe – omnisciência. A analepse inicial é o momento do romance em que essa omnisciência
está mais evidente.
No entanto, é quase sempre através do olhar e dos juízos de Carlos da Maia e, algumas
vezes, através dos de João da Ega, que o meio social lisboeta é analisado e avaliado. O
narrador, quando emite juízos de valor, fá-lo quase sempre através destas duas personagens,
com elas se identificando – focalização interna.